A integração latino-americana e o pensamento cepalino: o regionalismo aberto e a experiência do Mercosul

03/08/2016 às 17:37
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O presente trabalho procura fazer uma revisita ao pensamento da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe-CEPAL acerca da integração econômica regional latino-americana.

RESUMO

O presente trabalho procura fazer uma revisita ao pensamento da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe-CEPAL acerca da integração econômica regional latino-americana como uma das ferramentas estratégicas para alcançar a tão sonhada e necessária busca pelo desenvolvimento da região.

Analisa-se, em particular, as duas grandes fases nas quais pode ser dividido o pensamento cepalino no que diz com a questão da integração regional latino-americana. Incursiona-se, assim, no chamado “velho regionalismo” ou “regionalismo fechado”, como modelo desenvolvimentista que aparece como instrumento auxiliar à política de industrialização por substituição de importações que é propugnada pela CEPAL desde o final da década de 1950 até os anos 1990. A seguir, da mesma forma, e tendo em conta o surgimento do processo de globalização econômica, trata-se de apresentar o “novo regionalismo” ou regionalismo aberto”, como um modelo de desenvolvimento que, abandonando a ideia de substituição das importações, busca na associação entre os países uma maior inserção das economias latino-americanas na economia internacional, com a formação de diversos esquemas regionais integracionistas voltados a aumentar os seus níveis de exportação e investimento.

Trata-se ainda, e especialmente, de apresentar o esquema integracionista consubstanciado em 1991, com a assinatura do “Tratado de Assunção”, do Mercado Comum do Sul-MERCOSUL, formado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai – tendo a adesão posterior, em 2012, da Venezuela –, como o principal modelo de integração regional surgido na nova fase do pensamento cepalino, trazendo-se à lume, neste particular, as vicissitudes de seu processo histórico de formação, assim como as principais características desse bloco econômico sulamericano.

Palavras-chave: Comissão Econômica para América Latina e Caribe-CEPAL, desenvolvimento econômico, modelo desenvolvimentista, integração econômica, “velho regionalismo”, “regionalismo fechado”, “novo regionalismo”, “regionalismo aberto”, industrialização por substituição de importação, globalização, competitividade internacional, MERCOSUL.

ABSTRACT


 

This paper seeks to make a revisit to the thinking of the Economic Commission for Latin America and the Caribbean-ECLAC about the Latin American regional economic integration as a strategic tool to achieve the long awaited and necessary search for the development of the region.

It analyzes in particular the two phases in which can be divided the ECLAC thinking when it comes to the issue of Latin American regional integration. Penetrates up, so in the so-called "old regionalism" or "closed regionalism" as a developmental model that appears as an aid to the industrialization policy for import substitution which is advocated by ECLAC since the late 1950s until the 1990s.

Following the similarly, and taking into account the emergence of the economic globalization process, it is to present the "new regionalism" or “open regionalism"as a development model that, abandoning the idea of ​​import substitution, searching the association between countries greater integration of Latin American economies into the international economy, with the formation of several regional integrationist schemes aimed at increasing their export levels and investment.

It is also, and especially, to present the integration scheme embodied in 1991 with the signing of the "Treaty of Asuncion", the Southern Common Market-MERCOSUR, formed by Brazil, Argentina, Uruguay and Paraguay –with the subsequent accession, in 2012, from Venezuela – as the main model of regional integration emerged in the new phase of ECLAC thinking, bringing up the heat in this particular, the vicissitudes of its historical process of formation, as well as the main features of this South American economic bloc.

Keywords: Commission for Latin America and the Caribbean (ECLAC), economic development, development model, economic integration, “old regionalism”, “closed regionalism”, “new regionalism”, “open regionalism”, import substitution industrialization, globalization, international competitiveness, MERCOSUR.

DESENVOLVIMENTO


 

Desde bastante cedo o ideal integracionista esteve presente na América Latina, tendo surgido já no processo de independência dos países, quando Simón Bolívar, o “Libertador das Américas”2, já pensava na união política e econômica da região como um mecanismo de defesa dos interesses comuns das nações latino-americanas contra as metrópoles europeias. Coube a Simón Bolívar, inclusive, a convocação do “Congresso Anfictiônico do Panamá”, realizado em 1826, e para o qual foram convidadas todas as jovens nações da América Latina, inclusive o Brasil, tendo, ao final, participado apenas delegações do Peru, Centro-América, México e a então “Gran Colômbia”, cujo território corresponde ao das atuais Repúblicas da ColômbiaEquadorPanamá e Venezuela (SOUZA, 2012, p. 89)3.

Este processo de integração, contudo, acabou ficando sempre como um ideal distante, por falta de vontade política dos governantes e de condições objetivas para superar uma herança histórica marcada por guerras, conflitos e divergências políticas, que levaram os países latino-americanos a se isolarem mutuamente durante muito tempo (CORAZZA, 2006, p. 146).

No entanto, a criação da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe-CEPAL, em 1948, pelo Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas-ONU, acabou representando um passo importante no longo caminho da integração, pois sempre procurou estimular a integração latino-americana, o que se inicia já na década de 50, com estudos defendendo um processo de união econômica e comercial entre os países latino-americanos, com o objetivo de promover o desenvolvimento regional.

Com efeito, dentre os trabalhos publicados pela CEPAL, destaca-se já em 1949 o ensaio escrito por Raúl Prebisch4 denominado "O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus principais problemas", o qual já apontava a importância de promover a industrialização nos países da região a fim de diversificar a produção, para não mais dependerem eles, exclusivamente, da exportação de bens primários. Prebisch defendia a substituição das importações com o implemento de uma política de industrialização, ideia defendida sobretudo na baixa elasticidade-renda da demanda por bens primários, que levava a uma histórica deterioração dos termos de troca entre os países industrializados e os especializados em produtos primários5.

Além do problema da deterioração dos termos de troca, os estudos de Raúl Prebisch indicavam uma preocupação com a tendência ao aumento do protecionismo agrícola internacional, afetando diretamente a exportação dos países latino-americanos, o que fez Prebisch reforçar a defesa sobre o processo de industrialização, para o qual ressaltava a importância de explorar a exportação de bens primários, cujo produto seria necessário para a aquisição de bens de capital, fundamentais para o desenvolvimento das indústrias latino-americanas (PREBISCH, 2000, p. 82).

Nesse cenário, a CEPAL elaborou diversos estudos que apontavam as principais dificuldades da América Latina e quais as medidas que deveriam ser adotadas para superar os principais entraves econômicos e, com isso, permitir o desenvolvimento dos países latino-americanos, sendo que um dos caminhos apontados seria promover a integração regional, como medida que facilitaria a expansão do comércio recíproco e da complementação industrial entre as nações da região.

De fato, os economistas da CEPAL passaram a defender a tese de que uma das formas de os países da América Latina impulsionarem um processo de industrialização seria por meio da integração econômica da região, mediante a qual os países integrados teriam a possibilidade de obter um maior êxito na implementação de políticas de incentivo à diversificação de suas exportações, tão necessárias para reduzir o desequilíbrio externo. Assim, entre os meios para garantir a industrialização e o desenvolvimento econômico da região, a CEPAL propugnou a realização de um projeto integracionista, em que

O alargamento do mercado, com a criação de um mercado regional, ensejaria a instalação de plantas industriais maiores e mais eficientes, além de poder avançar para a indústria básica, como as de bens de capital e de bens intermediários. A integração seria, portanto, a condição para o desenvolvimento autônomo e endógeno da região (SOUZA, 2012, pp. 97).

O projeto de integração propugnado à época pela CEPAL também é digno de nota por Oliveira (2014, p. 10), senão

Por esse motivo, o Grupo de Trabalho da CEPAL defendia no relatório publicado em 1959, sob a coordenação de Raúl Prebisch, a criação de um Mercado Comum na América Latina, que seria colocado em prática pouco tempo depois, com a implantação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio-ALALC. Os países poderiam aproveitar os efeitos dinâmicos, que seriam gerados com a criação de blocos econômicos, como a exploração de economia de escala em países pequenos e a especialização industrial.

Portanto, segundo o pensamento cepalino, a viabilização da industrialização seria possível a partir de uma política de substituição das importações, que poderia ser beneficiada por um processo de integração econômica dos países da região, ideia esta também presente em um documento de 1959, intitulado “O Mercado Comum Latino-Americano”, também redigido por Raúl Prebisch, mediante o qual é analisado o processo de integração econômica regional das nações da América Latina, entendendo a criação de um mercado comum como sendo uma das respostas às exigências do processo de crescimento econômico dessa porção geográfica, caracterizado pela industrialização substitutiva de importações.

Defendia-se, assim, que uma das formas de impulsionar o processo de industrialização seria por meio da integração econômica da região, mediante a qual os países integrados teriam a possibilidade de obter um maior êxito na implementação de políticas de incentivo à diversificação de suas exportações, tão necessárias para reduzir o desequilíbrio externo. Dito noutras palavras, com a implantação da integração latino-americana estas nações poderiam beneficiar-se com a intensificação das trocas comerciais recíprocas e dar um impulso ao seu processo de industrialização (PREBISCH, 2000, p. 350).

A ideia implícita era a de que, com a criação de um mercado comum, os países latino-americanos, ao invés de implantar indústrias substitutivas a toda sorte, poderiam cada um deles se especializar naquelas que considerassem mais convenientes, de acordo com suas possibilidades de mercado e acesso às suas matérias-primas. E, em contrapartida, importariam de outros países latino-americanos os demais produtos industrializados que não conseguissem adquirir do resto do mundo, por conta do crescimento lento de suas exportações primárias.

Confira-se:

(...) Dessa maneira, em vez de procurar implantar toda a sorte de indústrias substitutivas, cada país poderá especializar-se naquelas que julgar mais convenientes, de acordo com seus recursos naturais, com as aptidões de sua população e com as possibilidades de seu próprio mercado; e recorrerá a importações provenientes dos demais países latino-americanos para satisfazer outras necessidades de produtos industrializados que não tenham podido ser atendidas por importações do resto do mundo (PREBISCH, 2000, p. 361).

A integração nascia, assim, como uma necessidade associada à substituição das importações, como uma fase, enfim, em que se atingiriam grandes avanços nas economias nacionais, e na qual se expandiria o espaço econômico mediante a obtenção de economias de escala, coordenando as políticas de industrialização, com a melhora da balança de pagamento dos países e a expansão do emprego e renda. Na verdade, como sinala Haffner (2002, p. 110), esperava-se que, num estágio mais avançado de industrialização dos países latino-americanos, se pudesse chegar à verdadeira integração, situação na qual a constituição de um mercado comum seria considerada como um objetivo de longo prazo, o qual deveria estar sempre presente nas políticas de desenvolvimento, mas que somente poderia ser alcançado em etapas, respeitando-se as especificidades e o grau de desenvolvimento de cada país.

Confira-se, novamente:

Naturalmente, poder-se-ia pensar numa fórmula completa e de longo alcance, na qual bens e serviços, homens e capitais circulassem livremente, sem travas de nenhuma natureza, num vasto mercado comum latino-americano. Esse objetivo final deverá manter-se sempre presente, ainda que só possa ser alcançado por etapas. Na primeira delas, seria preciso nos limitarmos a estabelecer metas parciais mas realizáveis. E a consecução delas terá que ser, necessariamente, o fruto paciente de uma política concebida com realismo e praticada com persistência de propósitos.

Essa política exige que se passe, inevitavelmente, por uma etapa experimental. Esse é o conceito dominante nas recomendações. Haveria uma primeira etapa de 10 anos, ao final da qual o nível médio de tarifas alfandegárias entre os países latino-americanos teria que ser substancialmente reduzido. E se deixaria para uma nova negociação a decisão sobre como dar prosseguimento a essa política, numa etapa futura (Prebisch, 2000, p. 350).

Em síntese, esta visão de longo prazo idealizada por Prebisch incluía uma seqüência dinâmica que partia de um processo de industrialização substitutiva orientado para dentro, desenvolvido de forma eficiente através da integração progressiva em um mercado comum, com revisões periódicas de taxas aduaneiras protecionistas, com o objetivo de transformar, gradualmente, o regime de especialização do modelo centro-periferia em um regime de comércio recíproco, mutuamente proveitoso (HAFFNER, 2002, p. 112).

Trata-se, na visão de Jagdish Natwarlal Bhagwati (1997, apud OLIVEIRA, 2014, p. 07), da primeira “onda” do regionalismo, também chamada de “velho regionalismo” ou “regionalismo fechado”, motivada pela busca do processo de industrialização por meio da substituição de importações, a qual teria se iniciado no final da década de 1950 e se estendido até 1980, quando este modelo se esgota com o início da crise macroeconômica na América Latina.

Tais ideias acabaram por ter influência decisiva, em 1960, por ocasião da assinatura do “Tratado de Montevidéu”, na formação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio-ALALC, como a primeira e mais importante iniciativa de integração daquele período, tendo em vista que reunia os principais países da região, envolvendo 10 nações sulamericanas mais o México6, sendo, no tocante, de sinalar a observação do economista chileno Ricardo Ffrench-Davis Múñoz segundo a qual “hacia 1960 estas 11 naciones cubrían el 90 por ciento de la población, 95 por ciento del PGB y 92 por ciento de las exportaciones de América Latina” (1989, apud PAIVA E BRAGA, 2007, p. 63).

Mediante a criação da ALALC se propunha a criação de uma zona de livre comércio com ênfase na negociação periódica de uma lista de produtos, estando os interesses dos países latino-americanos voltados a ampliar os mercados nacionais com a melhoria do aproveitamento de seus fatores de produção, através da integração produtiva, o que possibilitaria incrementar o comércio intrarregional. A despeito disso, infelizmente a ALALC não chegou a se tornar um mercado comum de fato, culminando com a assinatura de uma nova versão do “Tratado de Montevidéu” em 1980, criando a Associação Latino-Americana de Integração-ALADI, que não chegou a formar efetivamente um mercado comum na região, apesar de ter mantido viva a ideia da integração na América Latina.

Dentre as causas que explicam o fracasso do primeiro esquema de integração latino-americana consubstanciado na ALALC destacam-se, em primeiro lugar, as dificuldades em se distribuir os benefícios e custos da integração em um grupo de países com diferentes graus de desenvolvimento industrial. Em segundo lugar, pode-se citar a perda da capacidade da CEPAL em influenciar o pensamento econômico na região, motivada, segundo Bielschowsky (2000, p. 46), dentre outros fatores, pelos seguintes: a) o fortalecimento da chamada tecnocracia estatal, que passou a influenciar as decisões econômicas tanto em nível setorial como macroeconômico; b) o aparecimento de centros acadêmicos de excelência no estudo da economia na região; e c) a expansão das ditaduras militares no continente latino-americano, cuja ideologia era incompatível com as propostas estruturais sugeridas pela CEPAL, por se encontrarem mais alinhadas com a doutrina socialista.

Outras causas que levaram à fadiga deste modelo de integração, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (2003, p. 34), foram as tensões entre o Estado e o setor privado, ocasionados pela intervenção estatal nas decisões do mercado e também pelos hábitos protecionistas do empresariado; a instabilidade dos preços das commodities e dos fluxos financeiros; e a fraca infraestrutura, que limitou a expansão do comércio regional.

Induvidosamente, no entanto, o principal problema enfrentado pelo processo de integração latino-americano nessa primeira fase diz respeito ao quadro de instabilidade das condições macroeconômicas dos países a partir dos anos 1970, condições estas que foram agravadas nos anos 1980, com problemas que acabaram por reduzir ainda mais a disposição em se construir um mercado comum.

Com efeito, a economia da América Latina nesse período sofreu um abalo adicional: a crise da dívida externa na região e os desequilíbrios macroeconômicos dela decorrentes. É que o aumento nos preços do petróleo no início dos anos 19707, replicado ao final da década8, acabou provocando a retração no ritmo de crescimento dos países industrializados, o que, por consequência, também afetou negativamente as exportações latino-americanas para essas regiões. Além disto, provocou a diminuição da liquidez internacional, acarretando no aumento das taxas de juros e na redução dos fluxos de financiamentos e investimentos para os países em desenvolvimento. O resultado disto foi a explosão da dívida externa e uma profunda desestruturação macroeconômica na maioria das economias latino-americanas, como nos conta Barbosa (1996, p. 147):

O agravamento da crise da dívida externa nesse período tornou agudos no Brasil e em alguns outros países certos problemas, com impacto direto no processo de integração: recrudescimento de restrições não-tarifárias generalizadas; queda substancial na taxa de investimentos, dificultando a expansão da oferta exportável dos produtos dos países de desenvolvimento intermédio (Chile, Venezuela, Colômbia, Peru e Uruguai) e dos países de menor desenvolvimento relativo (Equador, Bolívia e Paraguai) para os países de maior mercado na região (Argentina, Brasil e México); desordem macroeconômica em quase todos os países, aumentando a incerteza para o intercâmbio comercial (instabilidade de preços, oscilação da taxa cambial, mudanças nas regulamentações internas); perda de competitividade pelo atraso tecnológico; dificuldade de articulação de políticas entre países ou grupo de países.

Tal crise gerou a necessidade de criação de superávits comerciais pelos países latino-americanos, cuja operacionalização resulta, na maioria das vezes, em práticas que vão contra o livre comércio, como consequência resultante seja das restrições às importações ou pelos estímulos às exportações, políticas estas que evidentemente são prejudiciais num processo de integração comercial, não apenas por impor práticas contrárias ao comércio regional, mas também por intensificar os conflitos em torno das negociações internacionais de aquisição de bens e serviços. Diante dessas dificuldades, o regionalismo passou a ser preterido pelos países latino-americanos pelo comércio com os países desenvolvidos, seja com o objetivo de exportar para grandes mercados mundiais, ou pela necessidade de importar bens a custos menores.

Tudo isso acabou contribuindo para a flexibilização dos compromissos assumidos no âmbito da ALALC, com a sua substituição pela ALADI, em 1980, a qual, mantendo algum grau de cooperação entre os países da região, passou a delimitar seus objetivos de forma a priorizar as relações bilaterais e sub-regionais (PAIVA e BRAGA, 2007, p. 65).

É a partir dos anos 1990, no entanto, que as iniciativas de integração econômica na América Latina tomaram um novo impulso, mas agora sob uma nova formatação, no bojo da qual surge, segundo Jagdish Natwarlal Bhagwati (1997, apud OLIVEIRA, 2014, p. 07), uma segunda “onda” do regionalismo, também chamada de “novo regionalismo” ou “regionalismo aberto”, na qual se abandona a ideia de promoção de uma “integração fechada”, por meio da substituição das importações, buscando-se uma estratégia de os países latino-americanos, unidos, aumentarem os seus níveis de exportação e investimento, num movimento que se consolida com a formação de diversos esquemas regionais integracionistas e que perdura até o momento atual.

São diversos os fatores que predispuseram o surgimento dessa nova fase integracionista:

Esta nova onda de integração é impulsionada pela vontade da América Latina em superar os efeitos ocasionados pela longa crise dos anos de 1980, que assolou a região, provocando uma enorme instabilidade macroeconômica, marcada pela alta inflação e endividamento, tanto interno como externo.

Soma-se a este fator, a insatisfação com o progresso realizado no plano multilateral, nas negociações do GATT; a criação de uma área de livre comércio entre os países da América do Norte e o progresso da Comunidade Europeia, que poderia ser usada como exemplo para o avanço de uma integração dos países latino-americanos. E aliado a todos esses fatores o que possibilitou o novo interesse pela integração foi afinidade dos novos representantes civis, eleitos democraticamente, que viam na união da região um meio de promover uma melhor inserção de seus países no comércio internacional. (OLIVEIRA, 2014, p. 13).

É nos anos 1990, então, de fato, a partir da consolidação do processo democrático nos principais países da América Latina, com mudanças nos aparelhos de Estado e em seus mecanismos de ação, que, em termos econômicos, ressurge a integração latino-americana como instrumento idôneo a interagir na resolução dos distintos problemas e graves desequilíbrios macroeconômicos herdados do período anterior.

Esta nova fase do regionalismo latino-americano surge com um enfoque diferente daquele que norteara as iniciativas integracionistas da década de 1960, pois que, com a crise que assolara anteriormente a América Latina, ficou evidente que não era mais possível dar continuidade ao modelo desenvolvimentista que marcara a fase anterior, de industrialização por substituição das importações. Era necessário, pois, criar um novo projeto desenvolvimentista para a região, e esta mudança deu-se por influência do novo cenário mundial da época, que passava por expansão econômica e abertura dos mercados mundiais, motivada pela livre negociação multilateral do comércio planetário, num período de ascensão da chamada “globalização”, estendida esta como “um processo que demandava a liberalização continuada do comércio mundial e a transnacionalização da produção, pressupondo uma rápida expansão das economias nacionais” (CANANY, 2004, p. 67).

Desta forma, a América Latina, embarcando no processo de globalização, passou a empreender reformas estruturais que incluíam políticas de desregulamentação dos mercados e de abertura de suas economias ao resto do mundo, além de proporcionar mais espaço para a atividade do setor privado, inclusive com a privatização de suas empresas estatais, num movimento em que o “novo regionalismo” viria a servir como ferramenta adicional de política estratégica para fortalecer tal processo de reforma econômica estrutural (BID, 2003, p. 34).

Todo esse implemento de reformas estruturais na economia dos países da América Latina fez-se acompanhar da elaboração de um novo modelo paradigmático de desenvolvimento regional, a partir de uma nova construção teórica cepalina, o que se dá em 1990, quando a CEPAL deu publicidade ao estudo intitulado “Transformação Produtiva com Equidade: a Tarefa Prioritária do Desenvolvimento da América Latina e do Caribe nos Anos Noventa”, coordenado por Fernando Fajnzylber9, tratando-se de um documento bastante singular, pelo seu foco parcial em questões macroeconômicas, tendo como ponto de partida exatamente o diagnóstico de retrocesso regional da grande maioria das economias nacionais latino-americanas no período anterior, sobretudo comparando-se esse desempenho com o pós-guerra imediato até a primeira crise do petróleo, havida em 1973. Esse primeiro documento cepalino acabou sendo acompanhado por outro, em 1994, coordenado por Gert Rosenthal10, que tem como título “O regionalismo aberto na América Latina e no Caribe: a integração econômica a serviço da transformação produtiva com equidade”. Ambos os documentos se complementam, exprimindo a necessidade de uma melhor inserção internacional dos países da América Latina, desenvolvendo uma ideia já embrionária no documento de 1959, de Raúl Prebisch, qual seja, a de se elevar a participação das economias latino-americanas nos movimentos de comércio e investimento internacionais (BRAGA, 2002, p. 17).

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A verdade é que, quando se entra na década de 1990, depara-se com um mundo totalmente transformado, já que a nova organização mundial, via globalização, traz consigo uma profunda revolução científica e tecnológica que tem produzido grandes mudanças no sistema político, econômico e cultural, tanto nacionais quanto internacionais, encontrando-se, ademais disso, uma América Latina se recuperando da “década perdida”, da qual a CEPAL tiraria grandes ensinamentos, cuja nova proposta para fazer frente aos problemas latino-americanos seria também fruto da profunda análise dos problemas enfrentados pela região nos períodos anteriores, e assim

A “Transformação Produtiva com Equidade” apresenta uma visão da economia diferente da neoliberal, no entanto, não é estatizante e nem se opõe à globalização, ou seja, percebe esta como um processo irreversível, em que as economias latino-americanas têm de entrar e se inserir da melhor forma possível (HAFFNER, 2002, p. 117),

A estratégia sugerida pela CEPAL nesse novo período tinha como grande eixo a transformação produtiva com equidade, a ser alcançada por uma maior competitividade internacional, a qual deveria apoiar-se intensamente na incorporação deliberada e sistemática do progresso técnico ao processo produtivo, com os conseqüentes aumentos de produtividade, e menos na depreciação dos salários reais, como já havia ocorrido em tempos pretéritos (CEPAL, 2000, p. 895). Nessas novas ideias, unir-se-iam três eixos principais do pensamento cepalino ao longo de sua história: a relação entre eqüidade e desenvolvimento, os mecanismos de transmissão do progresso técnico e a inserção internacional da América Latina, para a qual teria especial importância a integração regional, dentro do denominado “regionalismo aberto” ou “novo regionalismo”, que teria como objetivo:

(...) fazer da integração um alicerce que favoreça uma economia internacional mais aberta e transparente, em vez de ela se converter num obstáculo que a impeça, com isso restringindo as opções ao âmbito dos países da América Latina e Caribe. Isso significa que os acordos de integração devem tender a eliminar as barreiras aplicáveis à maior parte do comércio de produtos e serviços entre os signatários, no contexto de suas políticas de liberalização em relação a terceiros, ao mesmo tempo em que é favorecida a adesão de novos membros aos acordos (CEPAL, 2000, p. 946).

Segundo defendido pela CEPAL, essa nova modalidade de integração serviria não só como uma forma de os países latino-americanos aumentarem o seu poder de barganha nas negociações internacionais, mas também como meio de saírem fortalecidos contra o protecionismo dos países desenvolvidos e de outros poderosos blocos comerciais, como o NAFTA11 e a União Européia12, senão vejamos:

Ao mesmo tempo, todos também reconhecem o risco de que a configuração de blocos econômicos entre países desenvolvidos conduza a um mundo fragmentado, no qual predomine o livre comércio dentro desses grupos e um comércio mais administrado entre eles e os demais países. Por essa perspectiva, a integração continua a fazer sentido, desta vez como um mecanismo de defesa para compensar alguns dos custos de um isolamento ainda maior, resultante do eventual aumento do protecionismo nos países desenvolvidos (CEPAL, 2000, p. 943).

Dito noutras palavras, na sua vertente interna, a nova teoria cepalina teria por enfoque a transformação produtiva com equidade, cuja chave estratégica consistiria na incorporação sustentada de progresso técnico às economias latino-americanas, de modo a lograr um incremento também sustentado da competitividade internacional dos países da região, com a consequente melhora de suas condições de produção e desenvolvimento, exigindo-se, no entanto, que estas sejam acompanhadas também por medidas redistributivas (CEPAL, 2000, p. 896).

Na sua vertente externa, por outro lado, o atendimento da transformação produtiva exigiria uma maior abertura da economia, utilizando-se os instrumentos das políticas comerciais e cambiais como meio de induzir aumentos de produtividade e estímulos à incorporação do progresso técnico, o que se faria com a criação de acordos preferenciais de comércio entre os países mediante a formação de blocos regionais, com a eliminação de barreiras comerciais entre seus membros, estendendo-se ainda os benefícios a terceiros países, havendo a expectativa de que essas modificações aumentassem a entrada de capitais externos, ampliando a taxa de investimentos da economia (PAIVA e BRAGA, 2007, p. 67).

Assim, num mundo globalizado, o “regionalismo aberto” seria uma forma de criar parcerias de livre comércio preferenciais, sem reforçar as barreiras comerciais para os países do resto do mundo, esclarecendo-nos Corazza (2006, p. 135), neste particular aspecto:

No novo cenário mundial globalizado, com alta mobilidade de capital, o que não era suposto na visão centro-periferia, já não são mais as fronteiras nacionais que delimitam a distribuição dos ganhos de produtividade, mas esta se processa a partir de um novo centro (o mercado internacional) e de uma nova periferia (os excluídos, países e grupos sociais) (...).

Assim, não se trata mais de promover a industrialização pela substituição de importações, mas de fomentar as exportações e conquistar acesso amplo a mercados altamente dinâmicos e competitivos. Por isso, os acordos de integração regional devem não só ser compatíveis com o objetivo do persistente incremento da competitividade internacional, mas inclusive um instrumento para atingir esse objetivo. A integração regional não constitui mais um objetivo próprio, mas apenas um meio para se construir uma futura economia internacional livre de protecionismo e de barreiras para a troca de bens e serviços. Por isso, a integração regional deve ser compatível com uma ordem econômica internacional mais aberta e transparente.

Cria-se na América Latina, pois, inclusive por influência da CEPAL, um grande consenso em torno da necessidade de criação de um novo modelo de desenvolvimento regional, e, como se vê, mais uma vez a integração aparece como sendo um instrumento adicional na tão sonhada e necessária busca pelo desenvolvimento regional. A CEPAL, nesse desiderato, passa a defender a ideia de que a integração latino-americana e a cooperação intra e interregional são essenciais, na medida em que contribuem de maneira vital para a garantia da democratização e da justiça distributiva, mas especialmente que a “transformação produtiva com eqüidade deverá ser alcançada no contexto de uma maior competitividade internacional” (CEPAL, 2000, p. 895).

Esta nova “onda”, tendo surgido a partir de 1990 com a consolidação de diversos esquemas regionais, perdura até o momento atual, com a formação de novas iniciativas integracionistas, as quais, diferentemente da fase anterior, não mais estão interessadas em promover uma “integração fechada”, baseada no processo de industrialização. Ao contrário disso, as iniciativas que surgem nesse momento buscam obter uma melhor inserção na economia mundial, por meio da abertura comercial, implantação de políticas de atração de investimentos e aproximação com outras nações que estão inclusive fora da América Latina, principalmente aquelas detentoras de tecnologia.

Nesse contexto, o traço diferencial do “regionalismo aberto” em relação ao período anterior é o fato da industrialização já ter ocorrido na região, sendo que, naquele momento, a integração teria como ênfase as novas indústrias a serem criadas, ou seja, a integração era vista como um importante aliado ao processo de industrialização nas economias latino-americanas; agora, no novo cenário, a integração não pode ser vista como um processo de criação de estruturas econômicas específicas, mas sim como uma forma de tornar mais eficiente as estruturas já implantadas.

O foco desta nova fase é tornar as indústrias nacionais existentes mais eficientes, voltando-se as preocupações para a necessidade de se melhorar a sua produtividade econômica, tornando-as mais competitivas no âmbito do comércio internacional, buscando uma maior e melhor inserção produtiva e tecnológica na economia mundial, com os Estados assumindo o papel de coordenação das políticas empresariais, não mais ficando como o único responsável na implantação de políticas para o desenvolvimento, função esta que agora também é dividida com as empresas.

Neste sentido, uma das características que chama a atenção no “regionalismo aberto” proposto pela CEPAL é a ênfase dada às estratégias empresariais no processo de integração, em que o empresariado privado teria uma participação fundamental na condução do processo, ou seja, o processo de integração econômica seria conduzido não apenas pela participação do Estado como agente coordenador, mas também pelas empresas num processo de criação e expansão da ação empresarial no mercado integrado. Em tal contextura, caberia ao Estado o estímulo aos acordos setoriais, além da criação de condições adequadas para um maior intercâmbio produtivo, senão vejamos:

Um processo de integração que procure favorecer a incorporação do progresso técnico requer, além da liberalização ampla dos mercados, acordos setoriais flexíveis a serviço das empresas que desejem aproveitar os benefícios potenciais da integração. Caberia aos governos desempenhar o papel de catalisador, para que se gerem estruturas flexíveis de coordenação empresarial, que facilitem a intermediação da transferência tecnológica, a criação de redes de informação e a abertura de canais ou foros de intercâmbio, reflexão, construção de consenso e mobilização de recursos de apoio. Essas instâncias também poderiam servir para gerar projetos empresariais conjuntos ou propiciar outros tipos de acordos entre as empresas estabelecidas nos diversos países da região (CEPAL, 2000, p. 950).

Aliás, é de se mencionar, no tocante, que, no contexto em que vieram a público, as novas ideias cepalinas emblematizaram uma importante mudança de rumos na concepção da CEPAL, privilegiando a integração comercial em detrimento da integração produtiva, prevista no período anterior, o que coincide com a reunião em Washington de um grupo de acadêmicos e executivos do Governo e das empresas transnacionais estadunidenses, bem como do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e de grandes grupos financeiros americanos, com o objetivo de analisar o panorama mundial e propor alternativas para as dificuldades econômicas enfrentadas pela economia mundial, como nos esclarecem Almeida Filho e Corrêa (2011, p. 97):

O momento de divulgação dessas ideias coincide, em conjuntura, com a realização da conferência organizada pelo Instituto de Economia Internacional em 1989, em Washington, evento no qual um trabalho apresentado por John Williamson – Senior Fellow do mesmo instituto – acabou por cunhar a expressão “Consenso de Washington”, para expressar um conjunto de pontos de política econômica que vinham sendo adotados pelos países da América Latina e Caribe. Neste sentido, o Consenso era ao mesmo tempo uma síntese do que estava em curso, bem como uma recomendação de “boa prática” de política.

Realmente, dentre outras “recomendações” do “Consenso de Washington”, destacam-se a abertura econômica, isto é, o fim das barreiras protecionistas, o que acabou se perfectibilizando com o “regionalismo aberto”, privilegiando-se a integração comercial em lugar da integração produtiva, prevista no período anterior, e o livre comércio em detrimento à união aduaneira com proteção externa à produção regional. O “Consenso de Washington”, na mesma medida, recomendou a desestatização, ou seja, a privatização de empresas estatais, com a retirada do Estado da economia e a regulação econômica por meio do mercado (SOUZA, 2012, p. 112).

Como decorrência dessas ideias, houve a partir de então na América Latina uma proliferação de acordos bilaterais e o surgimento de diferentes fóruns negociadores direcionados à integração econômica entre os países, numa tendência de aproximação entre as nações que ressalta uma nova dinâmica regional.

Dentre todos os modelos integracionistas levados a efeito na América Latina no período, destaca-se a formação, em 1991, com a assinatura do “Tratado de Assunção”, do Mercado Comum do Sul-MERCOSUL, pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai – tendo a adesão posterior, em 2012, da Venezuela –, modelo este que, segundo Haffner (2002, p. 119), viria a se constituir no principal deles em termos de crescimento do comércio intrazona, dado “que o comércio interno entre o Brasil, o Paraguai, a Argentina e o Uruguai cresceu de U$ 4 bilhões em 1991 para U$ 18 bilhões em 2000”. Aliás, neste particular, é de se destacar o fato de que, no momento de sua conformação enquanto união aduaneira, em 1995, o MERCOSUL já representava um peso importante na economia mundial, com seu setor industrial sendo um dos mais importantes dentre os países em desenvolvimento, produzindo um PIB de U$ 994,74 bilhões, passando a constituir, com uma população de 201,9 milhões de habitantes, o quarto maior mercado consumidor do mundo, depois do NAFTA, União Europeia e Japão (SOUZA, 2012, p. 107).

Outra tendência do período, ainda segundo Haffner (2002, p. 119), seria o ressurgimento de três acordos regionais que estavam um pouco esquecidos: o Grupo Andino13, o Mercado Comum Centro-Americano14 e a Comunidade do Caribe-CARICOM15, sendo que a ALADI, antiga ALALC, perdera um pouco o sentido de sua existência com a criação do MERCOSUL e com o ingresso do México no NAFTA16.

De tudo, o que se pode concluir é que, com o “regionalismo aberto” esperava-se o fortalecimento dos vínculos entre as nações latino-americanas, impulsionando tanto os acordos regionais de integração como políticas que favoreceriam a abertura comercial e a desregulamentação dos mercados, com o objetivo de aumentar a competitividade da região, e, ao mesmo tempo, constituir uma base econômica mais aberta e transparente. Mas o “novo regionalismo” propõe, também, que os processos de integração que estão em pauta adentrem em temas novos, tanto econômicos como sociais e políticos (HAFFNER, 2002, p. 123).

O fato é que, realmente, todas estas ideias parecem estar presentes no processo de integração que viria culminar com a criação do Mercado Comum do Sul-MERCOSUL, mediante a celebração do “Tratado de Assunção”, em 26 de março de 1991, firmado por Brasil, Argentina, e também pelo Uruguai e Paraguai, acordo internacional este que determinou a instituição de um mercado comum entre os referidos países, como resultado de um grande período de discussões sobre um possível processo de integração sulamericana.

Observe-se, no entanto, que essa aliança regional teria o seu nascedouro já na segunda metade dos anos 1980, particularmente a partir da aproximação entre o Brasil e a Argentina, os quais, até então, rivalizavam posições quanto à liderança no Continente.

Realmente, como sinala Soares (1997, p. 41), até chegar à formação do MERCOSUL, o Brasil teria que percorrer um longo caminho com seus vizinhos do Continente, caminho este sempre limitado pelas crises que tão usualmente alcançaram toda a região, até que surgisse um momento vivenciado internacionalmente como propício ao desencadeamento de um processo de integração regional.

De fato, olhando para a história recente da América do Sul, verifica-se que, terminada a Segunda Guerra Mundial, o mesmo cenário de “guerra fria” que servira para unir os países da Europa Ocidental num mesmo projeto de reconstrução econômica, começando a sua caminhada para o seu ideal integracionista, contribuiu, deste lado do Atlântico, para dividir politicamente Brasil e Argentina, enquanto os dois grandes vizinhos continentais.

É o que leciona Almeida (1998, p. 43), como se vê:

A política neutralista do Governo Peronista no imediato Pós-Guerra, num momento em que o Brasil aceitava a opção ocidental e a correspondente liderança dos Estados Unidos, assim como, de maneira geral, o enfrentamento hegemônico entre governos de diferentes orientação ideológica e militar nas duas vertentes do Prata, foram poderosos fatores de separação entre os dois países nas décadas seguintes.

Na segunda metade dos anos 1970, por exemplo, quando a quase totalidade da América Latina se encontrava dominada por regimes militares ou por ditaduras de fato, se dá a negociação do “Tratado Bilateral Brasil-Paraguai”, constituindo a empresa “Itaipu Binacional”, para fins de construção entre as duas nações daquela que viria a ser a maior usina hidrelétrica do mundo à época, abrindo-se especialmente uma fase caracterizada por grandes rivalidades político-militares e econômico-comerciais entre Brasil e Argentina, que passam a se enfrentar diplomaticamente a propósito do aproveitamento dos recursos hídricos da Bacia do Paraná. Tal crise viria perdurar por mais de uma década, durante a qual a hipótese de confronto armado esteve sempre presente e as políticas dos dois países ficaram baseadas na correlação de forças a nível regional (ALMEIDA, 1998, p. 43).

Esse processo de distanciamento entre o Brasil e a Argentina, em virtude da construção da “Usina de Itaipu” sobre o Rio Paraná, só viria a ser consertado depois de um longo processo de negociações, que só seria equacionado em 1979, com o “Acordo Tripartite Itaipu-Corpus”, que resolve definitivamente a questão e permite que os dois países iniciem uma nova etapa nas suas relações recíprocas, superando as antigas tensões e dando espaço a que a confrontação hegemônica fosse substituída pela cooperação econômica e pelo entendimento político. Esse resultado seria, sobretudo, fruto da então vigente política externa brasileira do “pragmatismo responsável e ecumênico” do Presidente da República Ernesto Geisel, que governou o país de 1974 a 1979, como elenca Visentini (2013, p. 76):

Com relação à América Latina, o Brasil procurou estreitar a cooperação, abandonando o discurso ufanista de grande potência. Iniciou conversações com a Argentina para a solução do contencioso das barragens hidrelétricas da Bacia do Prata, obtendo um acordo durante o governo seguinte. O apoio ao regime militar argentino implantado em 1976 facilitou ainda mais a aproximação.

Com o último dos governos militares, dirigido pelo então Presidente da República João Batista Figueiredo, que governou o Brasil de 1979 a 1985, sendo o “pragmatismo responsável e ecumênico” substituído pelo “universalismo”, pode-se dizer que a colaboração entre o Brasil e a Argentina se acentua num momento em que a América Latina havia sido atingida em cheio pela “Crise da Dívida de 1981”, causada pelo aumento dos juros dos empréstimos externos concedidos pelo Fundo Monetário Internacional aos países do terceiro mundo, e, em seguida, pela Guerra das Malvinas, em 1982, na qual o Brasil veio a apoiar integralmente a Argentina. Tudo veio a solidificar a cooperação entre ambos, como sinala novamente Visentini (2013, p. 82):

A nova política externa continua a anterior, mas não a repete. Pela primeira vez, a América Latina, enquanto prioridade da política externa brasileira, ultrapassava a posição retórica e as iniciativas de alcance limitado. Todos os generais presidentes, inclusive Castelo Branco, colocavam a América Latina como prioridade. Mas, até Figueiredo, isso permaneceu só no plano do discurso.

Assim, por muito tempo a rivalidade entre as duas maiores nações sulamericanas, Brasil e Argentina, de fato frustraria a integração de duas economias altamente complementares. Esse ambiente de afastamento entre os dois países se manteria durante a maior parte do século XX, com avanços nos Governos Geisel e Figueiredo, como antes dito, até que, posteriormente, a partir de meados dos anos 80, a necessidade econômica e a vontade política viessem a se combinar, numa aliança virtuosa entre as duas democracias remanescentes.

É em 1985, pois, num contexto de crise econômica, mas de volta à democracia no Continente Sulamericano, com a derrocada de diversos regimes militares e a sua substituição por lideranças civis, que se inaugura uma nova fase no relacionamento Brasil-Argentina, com a assinatura da “Declaração de Iguaçu”, mediante a qual os Presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín expressaram a firme vontade de seus países de acelerar o processo de integração bilateral e criam, para tal fim, uma “Comissão Mista de Alto Nível”, presidida pelos seus Ministros de Relações Exteriores17. Sarney e Alfonsín, como sinala Albuquerque (2007, p. 128), vindos de uma recente experiência militar e autoritária, viam no estreitamento da cooperação entre o Brasil e a Argentina a possibilidade de reforçar a democracia de ambos os países no novo contexto.

Estava aberto, a partir daí, o processo de integração bilateral que, mais tarde, se desdobraria na iniciativa quadrilateral do MERCOSUL – posteriormente, como antes dito, ampliada pela participação da Venezuela.

As fases seguintes desse novo relacionamento, agora privilegiado pelo entendimento, se dariam, num primeiro momento, em 1986, em Buenos Aires, com os Presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín firmando a "Ata para a Integração Brasil-Argentina", estabelecendo o Programa de Integração e Cooperação Econômica-PICE, de caráter "gradual, flexível e equilibrado”, e prevendo tratamentos aduaneiro-tributários preferenciais frente a terceiros mercados, adotando-se uma estratégia de integração paulatina por setores industriais, cuja complementação dinâmica constituía o próprio núcleo do processo integracionista.

Numa segunda etapa, em 1988, também em Buenos Aires, e novamente com José Sarney e Raúl Alfonsín como seus protagonistas, é assinado o "Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento", com o objetivo de consolidar o processo de integração bilateral e instituir um espaço econômico comum no prazo máximo de dez anos, com a harmonização das políticas aduaneira, comercial, agrícola, industrial e de transportes e comunicações, assim como a coordenação de políticas monetária, fiscal e cambiária.

Mais tarde, como nos lembra Candeas (2010, p. 221), já com Fernando Collor de Mello e Carlos Menem tendo sucedido José Sarney e Raúl Alfonsín como Presidentes do Brasil e da Argentina, respectivamente, a convergência ideológica entre os primeiros teria sido determinante para a aceleração das políticas de liberalização comercial entre os dois países, e assim a integração bilateral, concebida antes como projeto de integração de unidades produtivas para a formação de empreendimentos regionais de larga escala, transformou-se em um projeto de “espaço econômico comum”, com a assinatura, em 1990, da “Ata de Buenos Aires”.

Com a “Ata de Buenos Aires”, ainda segundo Candeas (2010, p. 221), os Presidentes do Brasil e Argentina abandonam o conceito de integração “gradual, flexível e equilibrada” e adaptam os objetivos do "Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento" de 1988 às políticas de abertura econômica e reforma aduaneira, acelerando o ritmo da liberalização comercial, num processo no qual Uruguai e Paraguai viriam a se associar, o que leva à assinatura, em 26 de março de 1991, do “Tratado de Assunção”, instrumento constitutivo do MERCOSUL, pelos Presidentes Fernando Collor de Mello, Carlos Saúl Menem, Luis Alberto Lacalle Herrera e Andrés Rodríguez Pedotti.

Como observa Magnoli (2013, p. 354), o eixo estratégico do MERCOSUL é a cooperação bilateral entre o Brasil e a Argentina, tendo o Uruguai e o Paraguai, no contexto do processo de integração, reduzida importância econômica, mas elevado valor geopolítico, pois eliminam fontes de atrito entre os dois parceiros maiores, que desde a independência disputaram influência junto aos vizinhos menores. Além disso, a inserção do Uruguai e Paraguai no contexto do processo de integração sinaliza o compromisso do Bloco com a noção de “regionalismo aberto”, que prevê a sua expansão pela incorporação de novos membros.

Assinala Candeas (2010, p. 218), no ponto, o seguinte:

É muito significativo, nessa perspectiva, o fim da resistência dos vizinhos sulamericanos a um processo de concertação iniciado pelo eixo Brasil- Argentina e aberto à adesão das nações do continente. Ao contrário do que ocorrera em 1915 (pacto do ABC) e 1961 (Uruguaiana), o novo patamar de concertação entre os dois principais países da América do Sul não será visto como “sub-imperialismo” ou “anti-norte-americanismo”, e produzirá interesse genuíno de adesão por parte dos vizinhos regionais. O MERCOSUL e a UNASUL decorrem dessa nova postura de concertação regional sem o receio da reação negativa de potências extracontinentais.

É, pois, com a assinatura do “Tratado de Assunção”, em 26 de março de 1991, como resultado de intensas negociações levadas a cabo durante os períodos precedentes, que Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai passam a conformar a existência de um mercado comum quadrilateral, como uma resposta coletiva à dinâmica dessas economias nacionais, encontrando uma nova forma de inserção econômica externa, com a criação do bloco regional que viria a se constituir no MERCOSUL.

Em 26 de março de 1991, com a assinatura do “Tratado de Assunção”, iniciou-se o “período de transição” do MERCOSUL, assim definido pelo próprio “Tratado”. Esse período se estendeu até 31 de dezembro de 199418, e foi caracterizado por dois elementos básicos: o desenvolvimento do programa de desgravação tarifária e a negociação dos instrumentos de política comercial comum. A finalização daquele programa e a aprovação desses instrumentos permitiu que o MERCOSUL passasse a constituir, em 1º de janeiro de 1995, uma união aduaneira, encerrando-se assim o “período de transição”, e iniciando-se uma nova etapa, que tem sido qualificada como “período de consolidação da união aduaneira”19.

Posteriormente, como observa Almeida (1998, p. 52), os Estados-Partes decidiram, em 17 de dezembro de 1994, concluir um instrumento adicional ao “Tratado de Assunção”, materializado no “Protocolo de Ouro Preto”, que acabou por se constituir seguramente no mais importante dos documentos celebrados no âmbito do MERCOSUL, atribuindo-lhe personalidade jurídica internacional – consolidando a prática, até então observada, de negociar de forma coletiva com terceiros países ou grupos de países, ou com organismos internacionais –, aperfeiçoando a estrutura institucional já existente ao amadurecimento do processo de integração e dos objetivos inicialmente propostos, pois até então existia uma estrutura institucional precária, com órgãos de caráter provisório.

Como esclarece Menezes (2007, p. 172), os órgãos do MERCOSUL foram disciplinados no “Protocolo de Ouro Preto” estabelecendo as suas bases institucionais, mas acordos recentes permitem identificar uma compIexibilização maior desses órgãos, que passam a ser compostos por outras instituições que foram criadas e poderiam ser identificadas a seguir:

- Conselho do Mercado Comum-CMC: é o órgão superior e de decisão do MERCOSUL, que tem a missão de conduzir a política do processo de integração e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo “Tratado de Assunção”, sendo integrado pelos Ministros das Relações Exteriores e pelos Ministros da Economia dos Estados-Membros;

- Grupo Mercado Comum-GMC: é o órgão executivo do MERCOSUL, que tem como missão fazer cumprir as decisões do CMC, bem como adotar todas as medidas para os avanços no processo de integração regional, sendo integrado por quatro membros titulares e quatro membros alternados por país, designados pelos respectivos Governos, dentre os quais devem constar necessariamente representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, dos Ministérios da Economia e dos Bancos Centrais;

- Comissão de Comércio do MERCOSUL-CCM: é o órgão encarregado de assistir o GMC, e que tem por missão velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados-Membros para o funcionamento da união aduaneira, e também acompanhar e revisar os temas e matérias relacionados com as políticas comerciais comuns, com o comércio intrazona e com terceiros países, sendo integrada por quatro membros titulares e quatro membros alternados por Estado-Parte;

- Comissão Parlamentar Conjunta-CPC: é o órgão representativo dos Parlamentos dos Estados-Membros no âmbito do MERCOSUL, sendo integrada por dezesseis parlamentares de cada Estado-Parte, metade deles Deputados Federais e a outra metade Senadores, tendo a função de procurar acelerar os procedimentos legislativos necessários para a entrada em vigor, em cada país, das normas emanadas dos demais órgãos do MERCOSUL, além de auxiliar o processo de harmonização de legislações, de acordo com as necessidades do avanço do processo de integração, podendo igualmente encaminhar recomendações ao GMC, não tendo, contudo, poder decisório;

- Foro Consultivo Econômico-Social-FCES: é o órgão de representação dos setores econômicos e sociais, sendo integrado por igual número de representantes dos Estados-Membros, não tendo competência decisória, podendo apenas manifestar-se mediante "Recomendações" ao GMC, sem caráter impositivo;

- Secretaria Administrativa do MERCOSUL-SAM: é o órgão de apoio operacional que é responsável pela prestação de serviços aos demais órgãos do MERCOSUL, tendo como sede permanente a Cidade de Montevidéu, no Uruguai, estando a cargo de um Diretor, o qual será nacional de um dos Estados-Partes, eleito pelo GMC, em bases rotativas e mediante prévia consulta aos Estados-Membros, sendo designado pelo CMC, com mandato de dois anos e vedada a reeleição;

- Tribunal Permanente de Revisão-TPR do MERCOSUL: é o órgão de revisão e de solução de controvérsias do MERCOSUL, tendo sido institucionalizado em 18 de fevereiro de 2002 pelo “Protocolo de 0livos”20, e instalado em 13 de agosto de 2004, tendo como sede permanente a Cidade de Assunção, no Paraguai, servindo como instância consultiva dos Estados-Partes, e também com a competência de revisar em última instância o que é decidido em primeira instância por meio de arbitragem no tocante às controvérsias entre os Estados-Membros, sendo integrado por cinco árbitros.

Atualmente, o MERCOSUL busca expandir-se e incorporar outros países sulamericanos, tendo o Chile, o Peru, a Bolívia, a Colômbia e o Equador sido admitidos como Membros Associados do Bloco, enquanto o México desfruta da condição de Observador. Mais recentemente, em 2012, levando em consideração o compromisso assumido pelos Estados-Partes com a noção de “regionalismo aberto” e partindo da premissa de inclusão de novos Membros, houve a decisão de admitir a Venezuela como Membro Pleno do MERCOSUL, o que alterou de forma significativa a configuração geopolítica do Bloco, que passou então a participar do espaço de relações do Caribe (MAGNOLI, 2013, p. 354).

A Venezuela, como acentua Amaral Júnior (2013, p. 461), ingressou oficialmente no MERCOSUL como resultado da decisão tomada pela 43ª Reunião do Conselho de Mercado Comum-CMC e Cúpula de Presidentes do MERCOSUL, também chamada “Cúpula de Mendoza”, ocorrida em 29/06/2012, que também decidiu suspender o Paraguai do Bloco em virtude da declaração de impeachment, pelo Congresso Nacional Paraguaio, do então Presidente Fernando Lugo, por “mau-desempenho de suas funções”, substituindo-o pelo Vice-Presidente Federico Franco, até a próxima eleição presidencial, que se daria nos próximos nove meses21.

Releva notar, finalmente, que, no caso do MERCOSUL, a geopolítica da formatação desse bloco econômico, inspirada nas bases teóricas do “regionalismo aberto” cepalino, prestigiando a visível interdependência entre os seus Estados-Partes, tem paulatinamente resultado no fortalecimento de suas políticas comerciais intrazona e extrazona, colaborando não só para impulsionar um maior desenvolvimento desses países, mas também para a melhora das condições socioeconômicas e da qualidade de vida das populações da região.


 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o presente trabalho objetivou-se mostrar a evolução do pensamento da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe-CEPAL acerca da questão da integração econômica regional latino-americana como um dos instrumentos para obter o desenvolvimento econômico e social da região.

Observou-se, particularmente, que os países latino-americanos, em diferentes momentos históricos, adotaram políticas desenvolvimentistas diferentes a fim galgar uma melhor inserção na economia mundial, disso se valendo, como instrumentos auxiliares, de estratégias integracionistas distintas.

Por esse motivo, com base no pensamento cepalino, é possível dividir as estratégias de integração econômica na América Latina em duas fases perfeitamente identificáveis: o “velho regionalismo” ou “regionalismo fechado”, prevalente a partir do final da década de 1950, e o “novo regionalismo” ou regionalismo aberto”, surgido a partir de 1990.

De fato, o “velho regionalismo” ou “regionalismo fechado” tem incidência quando há o surgimento de diversos blocos regionais que, criados com a finalidade de superar o subdesenvolvimento, adéquam-se como uma linha auxiliar à política de industrialização por substituição de importações que é propugnada pela CEPAL no período, modelo este que, diante das divergências de entendimento entre países de níveis econômicos assimétricos, aliado ao próprio cenário político da época, com a implantação de ditaduras em diversos países latino-americanos, acabou contribuindo para o insucesso do empreendimento.

Já o “novo regionalismo” ou regionalismo aberto”, surgido na década de 1990, configura-se como uma nova “onda” integracionista na qual, diferentemente da fase anterior, tem seu foco não mais no sentido de auxiliar o processo de industrialização dos países latino-americanos, mas sim na obtenção de uma melhor inserção na economia mundial, por meio da abertura comercial e da aproximação com outras nações, principalmente aquelas detentoras de tecnologia. O foco desta nova fase é, enfim, tornar as indústrias latino-americanas existentes mais eficientes, com o fito de dar-lhes maior competitividade na economia internacional, com a formação de diversos esquemas regionais integracionistas voltados a aumentar os níveis de exportação e investimento dos países que se encontram nessa porção geográfica.

O Mercado Comum do Sul-MERCOSUL, consubstanciado em 1991, com a assinatura do “Tratado de Assunção”, pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai – tendo a adesão posterior, em 2012, da Venezuela –, exsurge como o principal modelo de integração regional dessa nova fase do pensamento cepalino, em termos de incremento do comércio internacional intra e extrazona, tratando-se de uma iniciativa que, por meio de políticas conjuntas coordenadas, tem conseguido proporcionar um maior desenvolvimento econômico e social aos seus Estados-Membros, tornando essas nações mais atrativas para o investimento e comércio de bens e serviços, a fim de se projetarem com maior competitividade sobre as demais regiões do Planeta.

De tudo, o que se conclui é que o avanço da integração dos países latino-americanos é uma grande oportunidade para que essas nações possam melhorar seus termos de troca e diversificar seus parceiros comerciais, o que é de fundamental importância em tempos de economia globalizada.

Enfim, inspirados na noção de “novo regionalismo” ou regionalismo aberto” do pensamento cepalino, o surgimento de alianças integracionistas como o MERCOSUL pode ter o condão de aprofundar a real possibilidade de os países latino-americanos, consolidando os resultados almejados, chegarem mais próximos da tão sonhada e necessária melhora de seus níveis de desenvolvimento regional.

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VILABOY, S.G. “Principales momentos en lá búsqueda de la integración latinoamericana.” In: AYERBE, L. F. (Coord.). “Integração latino-americana e caribenha”. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina; Imprensa Oficial do Estado, 2007.

VISENTINI, Paulo Fagundes. “A projeção internacional do Brasil: 1930-2012: diplomacia, segurança e inserção na economia mundial.” Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.

2 Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios Ponte-Andrade y Blanco (24/07/1783 a 17/12/1830), comumente conhecido como Simón Bolívar, foi um militar e líder político venezuelano, tendo sido, junto com José de San Martín (José Francisco de San Martín y Matorras, 25/02/1778 a 17/08/1850), uma das peças-chave nas guerras de independência da América Espanhola (Nota do Autor).

3 Havia dúvida entre os participantes sobre a conveniência de se convidar os Estados Unidos, mas Bolívar manifestou seu desacordo: “Os americanos do Norte e os do Haiti, por serem estrangeiros, têm o caráter de heterogêneos para nós. Por isso, jamais serei de opinião de que os convidemos para nossos acertos americanos” (BOLÍVAR, s.d.: p. 148, apud VILABOY, 2007, p. 122). Durante o congresso, aprovaram-se quatro tratados, que propunham, basicamente, a integração da América Hispânica. “O mais importante desses acordos foi o de União, Liga e Confederação Perpétua” (VILABOY, 2007, p. 122).

4 Raúl Prebisch (17/04/1901 a 29/04/1986), economista argentino, foi o mais destacado intelectual da CEPAL, tendo sido o seu Secretário-Executivo, principal cargo da CEPAL, entre 1950 e 1963, quando assumiu o cargo de Secretário-Geral da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), no qual permaneceria até 1969 (Nota do Autor).

5 Segundo Prebisch, em uma situação de aumento de renda, o consumo dos bens primários não cresceria proporcionalmente ao consumo dos bens manufaturados, que, tendo maior elasticidade-renda, são produzidos pelos países industrializados. Deste modo, as nações produtoras de manufaturas obteriam sempre ganhos maiores no comércio internacional, provocando, assim, nas trocas entre as nações, um crescimento desigual entre os países industrializados – ditos de “centro” pelos cepalinos – e os especializados em produtos primários – ditos “periféricos”. Para comprovar a sua tese, e sobretudo para expor o problema dos preços do setor primário, Raúl Prebisch apresentou a evolução dos preços mundiais entre 1860 e 1930, demonstrando que nos anos de 1930 era possível comprar apenas 63% dos produtos finais da indústria que eram adquiridos, em 1860, com a mesma quantidade de produtos primários. Portanto, era necessário, em média, 58,6% a mais de produtos primários para comprar a mesma quantidade de artigos finais da indústria (PREBISCH, 2000, p. 82).

6 A ALALC foi constituída por Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai. Com posterior adesão de Bolívia, Colômbia, Equador e Venezuela (Nota do Autor).

7 Em 1973 houve um aumento no preço do petróleo em mais de 400%, patrocinados pelos países árabes em protesto pelo apoio prestado pelos Estados Unidos a Israel durante a “Guerra do Yom Kippur” (Nota do Autor).

8 Em 1979, durante a crise política ocorrida no Irá que culminou com a deposição do Xá Reza Pahlevi, desorganizou-se todo o setor de produção de petróleo no país, ocasionando-lhe um aumento de preços na ordem de 1000% (Nota do Autor).

9 Fernando Fajnzylber (1940 a 1991) foi um economista chileno que, dentre outras atividades, a partir de 1986 exerceu a Direção do Departamento de Desenvolvimento Industrial da CEPAL, função na qual propugnou o abandono de seu modelo desenvolvimentista orientado para o mercado interno ajudando a criar um novo conceito de integração ativa entre os mercados mundiais (Nota do Autor).

10 Gert Rosenthal Königsberger (1935) é um diplomata guatemalteco que dirigiu a CEPAL entre 1988 e 1997 (Nota do Autor).

11 O NAFTA (“North American Free Trade Agreement” ou “Tratado Norte-Americano de Livre Comércio”) foi firmado em 1992 por Estados Unidos, Canadá e México (Nota do Autor).

12 Trata-se da união econômica e política de 28 Estados-Membros independentes, situados principalmente na Europa, tendo suas origens na Comunidade Européia do Carvão e do Aço e na Comunidade Econômica Européia, formadas por seis países em 1957 (Nota do Autor).

13 O Grupo Andino, Comunidade Andina, Pacto Andino ou Mercado Comum Andino-ANCOM é um bloco econômico sulamericano formado originariamente em 1969, sendo integrado atualmente por Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, tendo o Chile deixado o grupo em 1977 e a Venezuela em 2006 (Nota do Autor).

14 Foi criado em 1960 e é formado até hoje pelos países fundadores: Costa Rica, Guatemala, Honduras, Nicarágua e El Salvador (Nota do Autor).

15 Trata-se de um bloco de cooperação econômica e política, criado em 1973, formado por quatorze países e quatro territórios da região caribenha: Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Haiti, Jamaica, Mont’serrat, Santa Lúcia, São Cristóvão e Neves, São Vicente e Granadinas, Suriname e Trinidad e Tobago (Nota do Autor).

16 Ver nota de rodapé nº 10.

17 Na mesma ocasião, como reitera Almeida (1998, p. 45), ainda que com efeitos meramente simbólicos nessa primeira fase, se firma uma "Declaração Conjunta sobre Política Nuclear", que proclama os propósitos pacíficos da cooperação bilateral nessa área.

18 O artigo 1º do “Tratado de Assunção” estabeleceu a data de 31 de dezembro de 1994 para a implementação definitiva da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através da eliminação dos direitos alfandegários e de todas as restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias, ou qualquer outra medida de efeito equivalente (Nota do Autor).

19 Como acentua Florêncio (1996, p. 41), o processo de integração econômica entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, com a assinatura do “Tratado de Assunção”, se daria mediante o cumprimento de metas, prazos e instrumentos para a sua construção. Tal se daria em duas fases, com o incremento, inicialmente, de um “período de transição”, que se estenderia até 31 de dezembro de 1994, sendo caracterizado por dois elementos básicos: o desenvolvimento do programa de desgravação tarifária e a negociação dos instrumentos de política comercial comum. Ao depois, a partir de 1º de janeiro de 1995, com o encerramento do “período de transição”, iniciar-se-ia uma nova etapa, que tem sido qualificada como “período de consolidação da união aduaneira”, quando desapareceriam as tarifas incidentes sobre o comércio entre os Estados-Membros e entraria em vigor a “Tarifa Externa Comum-TEC” para o comércio dos quatro países do Bloco com o resto do mundo. São estabelecidas, assim, pelo “Tratado de Assunção”, duas metas sucessivas para o processo de integração entre os Estados-Partes do MERCOSUL: uma primeira fase, com a configuração de uma zona de livre comércio; e uma segunda etapa, com a formação de uma união aduaneira, pela adoção da “TEC”. É importante, desta forma, na linha do que leciona Florêncio (1996, p. 27), realçar um conceito importantíssimo para entender o MERCOSUL: a distinção entre o que acontece no comércio intrazona, isto é, entre os quatro países membros, e o que ocorre no comércio extrazona, ou seja, no intercâmbio de bens entre os países do MERCOSUL e o resto do mundo. No caso do MERCOSUL, as tarifas no comércio intrazona desapareceram, enquanto as tarifas para o comércio extrazona foram equalizadas.

20 Com o “Protocolo de Olivos” há o aprimoramento do Protocolo de Ouro Preto para assegurar maior agilidade ao mecanismo, tornando mais orgânicas, completas e sistematizadas as disposições do Protocolo de Brasília, assinado em 17 de dezembro de 1991, alterando-se o órgão de solução de controvérsias do Bloco Regional, possibilitando uma uniformização de interpretação da normativa MERCOSUL, pela maior estabilidade dos árbitros, estabelecendo critérios para a sua designação e disciplinando o cumprimento dos laudos arbitrais e o alcance das medidas compensatórias (Nota do Autor).

21 Os países-membros do MERCOSUL decidiram em 2006 admitir a Venezuela como integrante do Bloco Econômico, mas esta medida dependia da aprovação do Congresso do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai. A entrada da Venezuela como membro pleno no Bloco estava pendente desde 2006, devido à negativa do Congresso Paraguaio em ratificar o protocolo de adesão, mas a suspensão do Paraguai destravou o processo. Com exceção do Congresso Paraguaio, os três outros países já haviam referendado a admissão da Venezuela, que, após ingressar no MERCOSUL, deverá, com o decorrer do tempo, cumprir todas as obrigações resultantes da condição de Membro do Bloco Regional. A suspensão do Paraguai do MERCOSUL deveu-se aos termos do “Protocolo de Ushuaia”, assinado em 24 de julho de 1998, o qual, como refere MAGNOLI (2013, p. 354), ao prever entre as obrigações dos Estados-Partes do Bloco o compromisso de manter "a plena vigência das instituições democráticas como condição essencial para o desenvolvimento do processo de integração", introduzindo uma verdadeira “clausula democrática” no “Tratado de Assunção”, estabelecendo a obrigação dos Estados-Partes de respeitar os valores e as regras da democracia representativa, que se consubstanciam nas liberdades políticas, na separação dos poderes e na vigência dos direitos humanos.

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Sobre o autor
Marcus Vinicius Aguiar Macedo

Procurador Regional da República, Professor Adjunto do Departamento de Ciências Penais da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS, Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC e Doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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