Ex-cônjuge sim, ex-genitor nunca!

Diálogo sobre a alienação parental.

11/08/2016 às 11:46
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Ainda é latente a dificuldade de alguns genitores para superar o término do relacionamento conjugal, agindo de modo a prejudicar a manutenção de vínculos afetivos entre o ex-cônjuge e a prole comum. A Lei n. 12.318/2010 busca mudar essa realidade!

Neste mês de agosto comemoramos seis anos da Lei n. 12.318/2010, que disciplina a ALIENAÇÃO PARENTAL no âmbito jurídico brasileiro. A abordagem do tema ainda é muito importante, já que comportamentos negativos que configuram esta prática continuam a existir e impactam no desenvolvimento psicológico de crianças e adolescentes de pais não conviventes, e que possivelmente apresentarão prejuízos emocionais na vida adulta em decorrência dessas interferências.

Não seria mais oportuno começar senão imbuído nas lições de Zygmunt Bauman, para quem o desprendimento de vínculos emocionais é decorrência da evolução da sociedade, cuja modernização de preconcepções de valores e de significados ensejou mudanças de paradigmas quanto à importância concedida a sentimentos e relacionamentos. O que o referido autor sugere se dar pela ausência de significados acerca da importância do envolvimento afetivo dá lugar ao reconhecimento de uma vida líquida, onde nada mais "é", mas simplesmente "está" enquanto se mostrar conveniente.

Para quem não conhece o trabalho do sociólogo polonês, convém mencionar que seus estudos, sempre tão profundos e interdisciplinares, exaltam como um número cada vez maior de pessoas opta pelo esvaziamento de compromissos com sentimentos (próprios e alheios), em razão de diversificação de possibilidades sinérgicas e multifacetadas, com mero apego a circunstâncias momentâneas e de fácil desligamento.

Muito antes de a Internet ser realidade comum, Bauman já defendia que a tecnologia e as tarefas do cotidiano estavam entrelaçadas e se revelavam capazes de causar o afastamento das pessoas e a elevação a uma irracionalidade quanto à capacidade de criação e consolidação de vínculos emocionais e também afetivos, seja pela possibilidade de rompimento sem atenção às implicâncias psicológicas, ou seja, ainda, pelas incontáveis possibilidades de “renovar” e “recriar” histórias com personagens distintos.

Assim, na atualidade em que a profundidade de sentimento se torna cada vez mais superficial, agregou-se um padrão supostamente ético, onde não importa o impacto que se promove na vida daqueles com quem se relaciona a partir das ações da pessoa em evidencia, mas sim, apenas, os estados emocionais que se revelam a partir das respostas que se espera nos significados interpretados por terceiros.

Numa mesma linha de raciocínio, muitos psicólogos atribuem ao ritmo frenético a que a sociedade tem se desenvolvido o aumento de condições patológicas que levam ao individualismo e a inaptidão de se relacionar, dificultando o estabelecimento de vínculos emocionais saudáveis entre pares e familiares, e assim promovendo a liquidez defendida por Bauman.

Independentemente das razões que conduzem as pessoas a tratarem seus relacionamentos com tamanha leviandade, o fato é que as estatísticas demonstram que nunca houve um índice tão alto de dissolução de casamentos e uniões estáveis como nesta última década (aumento de 160% em uma década - IBGE, 2014), com deteriorização do núcleo familiar e prejuízos na convivência com os filhos comuns, realidade a ser considerada pelo sistema de justiça.

Isso porque a fragilidade dos cônjuges e companheiros em processo de rompimento nem sempre reserva proporções limitadas ao próprio casal. Ao contrário, não raras vezes refletem em todo o núcleo familiar e em outras áreas da vida, de modo que, se não houver uma mínima dedicação em se preservar a reserva de intimidade psicológica de cada um dos envolvidos, o estado de falência do relacionamento afetivo dos pais pode impactar negativa e, talvez, irreversivelmente, no desenvolvimento dos filhos.

Quando genitores em litígio iniciam verdadeira batalha para desmoralizar o ex-cônjuge ou a família deste perante os filhos, resta evidenciada a síndrome da alienação parental, prática tão comum e tão danosa que exigiu a publicação de uma lei regulamentando esses comportamentos e prevendo uma série de sanções para coibi-los e responsabilizar o alienante.

Então, com a criação da Lei n. 12.318/2010 foi definida a alienação parental, considerada como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este ou com avós e parentes.

Nos termos do parágrafo único do art. 2° da referida norma, configuram alienação parental realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade, dificultar o exercício da autoridade parental, bem como o contato de criança ou adolescente com o genitor, ou ainda o exercício do direito regulamentado de convivência familiar.

Ainda configuram tal síndrome a omissão deliberada de informações pessoais e relevantes sobre os filhos, apresentação de falsa denúncia contra o outro genitor ou familiares deste para dificultar a convivência destes com a prole, e por fim mudança de domicílio, sem justificativa, para obstaculizar o exercício do direito de visitas.

Quando houver indício de quaisquer das práticas relatadas acima, o processo judicial instaurado para resolver tal controvérsia, ou cuja causa tenha sido levantada incidentalmente, tramitará com prioridade e serão adotadas as medidas necessárias para a preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, em atenção ao seu primordial interesse.

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Se restar comprovado nos autos mediante perícia judicial que foram realizados atos de alienação parental, o genitor responsável poderá sofrer sanções civis e criminais, inclusive ser condenado a pagar multa e ter suspenso o seu poder familiar em relação à prole.

Como visto, o sistema de justiça está comprometido em coibir esses comportamentos abusivos em razão da reconhecida necessidade de preservar a saúde psicológica dos filhos, que não podem sofrer interferências negativas em seu desenvolvimento em razão da incapacidade dos pais de gerenciarem suas frustrações quanto ao relacionamento fadado ao insucesso. Para tanto, a intenção do legislador é de que não sejam medidos esforços para que o direito da criança e do adolescente à convivência familiar saudável seja adequadamente respeitado.

Repisa-se que o foco desta lei não é proteger o genitor ofendido, mas, sim, garantir a integridade psicológica dos filhos, que devem ser mantidos alheios às dificuldades relacionais decorrentes do matrimônio desfeito, sobretudo porque não há que se confundir os papéis de cônjuges e genitores, já que aquele pode ser extinto por mera conveniência, enquanto este apenas mediante declaração judicial de extinção do poder familiar.

Ademais, sob a ótica da psicologia, o ajuste de definições acerca da importância de cada um dos integrantes do núcleo familiar, independentemente da existência de relacionamento afetivo entre os pais, tende a proporcionar melhores condições emocionais para compreensão das figuras que homem e mulher exercem dentro e fora da relação matrimonial, percepção esta que deve ser incentivada de acordo com a idade e a capacidade dos filhos.

No sentido desta conclusão, é plausível que, quando um dos pais se afasta abruptamente por morte, abandono ou divórcio, a criança sinta-se rejeitada, o que pode ser evitado nos casos que ora se trata pela manutenção de diálogos dos cônjuges em processo de separação com os filhos, que naturalmente apresentam dificuldade de compreensão sobre o rompimento matrimonial por lhes faltar a maturidade necessária para entender sob frustrações e decepções da fase adulta.

Se esse dificultoso processo de acomodação de sentimentos e papéis diante da nova constituição familiar já é um desafio quando não há litígio entre os pais, pode se tornar dramático e traumatizante quando um dos genitores promove ações no sentido de denigrir o ex-cônjuge perante a prole, ou, então, criar manobras para impedir o exercício do direito de visitação. Comportamentos desta natureza precisam ser brevemente identificados e repelidos para se evitar prejuízos na formação da identidade emocional dos filhos.

 Portanto, considerando que a própria Constituição Federal trata a família como a base da sociedade, e reconhece sua máxima importância para a dignidade humana e plenitude das pessoas, a Lei n. 12.318/2010 reforça a necessidade da proteção dos filhos e do direito à sadia convivência familiar apesar de os genitores não se encontrarem mais unidos.

Para que a norma alcance o êxito que dela se espera, mostra-se imprescindível a colaboração de cada um dos ex-cônjuges, afim de não confundirem a falência do relacionamento afetivo com a influência que, como pais, devem exercer sobre o desenvolvimento da prole, objetivando, ambos, que seja preservada a integridade física, emocional e psicológica de cada um dos integrantes do núcleo familiar, alcançando-se o bem-estar e a felicidade de todos os envolvidos no processo de separação. Afinal, um casamento pode acabar, mas a família permanece para sempre! 

 

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Sobre a autora
Naiara Czarnobai Augusto

SECRETARIA DE INTEGRIDADE E GOVERNANÇA no Governo do Estado de Santa Catarina. Peofissional bacharel em Direito, e pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal, em Propriedade Intelectual, em Compliance e Direito Corporativo. Possui Certificação internacional em compliance público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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