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A necessidade de prévia participação do Poder Legislativo na denúncia de tratados internacionais

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19/08/2016 às 13:52
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3 A DISCUSSÃO DO ATO INTERNACIONAL DA DENÚNCIA EM SEDE DE CONTROLE DIRETO DE CONSTITUCIONALIDADE

A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007 foram aprovados pelo Congresso Nacional com status de emendas constitucionais, ou seja, de acordo com o §3.º do artigo 5.º da CF/88.

O decreto executivo que regulamentou tais tratados no âmbito interno, dispõe que qualquer modificação a respeito desse tratado, só será possível via referendo do Congresso Nacional. Essa assertiva foi reconhecida no próprio texto do decreto executivo nº 6.949 de 25 de agosto de 2009, que deu publicidade ao texto dos referidos documentos:

Art. 2o  São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão dos referidos diplomas internacionais ou que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição. 

Podemos considerar que o caso supramencionado demonstra uma mudança de entendimento com relação à denúncia de tratados internacionais. Mas, tal entendimento é recente, além do mais se refere a um tratado de direitos humanos. De fato, o que sempre ocorreu foram denúncias realizadas pela exclusiva vontade do Poder Executivo.

 Por exemplo, está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a denúncia da Convenção nº 158 da OIT, que o Presidente da República tornou pública por meio do Decreto nº 2.100/96. Foi proposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1625 em face da referida denúncia por ter sido ela unilateral, ou seja, sem o referendo do Congresso Nacional. Esta Adin levou ao STF a discussão em torno da qual se questiona a vontade unilateral do Executivo em se desligar de um tratado internacional, já que para este ter validade precisa também da vontade positiva do Legislativo.   

Iniciado o julgamento da referida Adin, alguns Ministros do Supremo, entre eles o Relator Ministro Maurício Corrêa, votaram pela procedência em parte, reconhecendo a necessidade de referendo do Congresso Nacional para denunciar tratados, embora dando interpretação conforme a Constituição ao Decreto nº 2.100/96.[3]

Porém, o Ministro Nelson Jobim pediu vistas ao processo e, em pauta posterior, divergiu do voto do relator por entender que englobou, no ato de aprovação do Congresso, a aceitação tácita da possibilidade de o Poder Executivo por si só denunciar, tendo em vista que o art. 17 da própria Convenção expressamente previu o ato. Além disso, entendeu que a função do Congresso é de evitar a aplicação interna das normas convencionadas e não de negociá-las, assiná-las ou denunciá-las.[4]

Pelo visto, o Ministro Nelson Jobim repetiu a tese de Clóvis Beviláqua que hoje vem sendo rechaçada pela doutrina majoritária, no que diz respeito a simples execução da cláusula de denúncia

Na ocasião do voto do Ministro Nelson Jobim, o Ministro Joaquim Barbosa pediu vista ao processo e em sessão posterior rebateu todos os votos já proferidos.[5]

   Em relação ao Ministro Joaquim Barbosa, seu voto abordou importantíssimos aspectos relacionados aos efeitos de uma possível declaração de inconstitucionalidade. Em voto-vista julgou a Adin totalmente procedente por entender não ser possível o Presidente da República, por ato unilateral, denunciar o tratado, principalmente quando a matéria versar sobre direitos humanos como a Convenção questionada. Segundo ele, a Constituição não prevê a participação do Congresso no ato de denúncia, mas também não o exclui. A função do Parlamento em aprovar ou reprovar um tratado decorre de um ato de vontade.

Acrescentou que pela interpretação do art. 1º do Decreto Legislativo nº 68/92, que aprovou a Convenção 158 da OIT, ficou prevista a intervenção do Congresso Nacional no caso de denúncia e que, além disso, um tratado de status supralegal não poderia ser denunciado por vontade exclusiva do Executivo, pois assim estaria reduzindo arbitrariamente a proteção da pessoa humana.

O Ministro Joaquim Barbosa também julgou inadequada a interpretação conforme a Constituição do decreto impugnado, segundo votara o Ministro Relator, porque a interpretação deve ser aplicada por violação material e não formal.

Cabe salientar que a denúncia, uma vez proferida no plano internacional, não poderá ser declarada inconstitucional, pois a declaração não causaria qualquer efeito nas relações internacionais. O que poderá ser declarado inconstitucional é o decreto que deu publicidade interna à denúncia. Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade que eventualmente seja proferida no julgamento final da Adin também foram abordados no voto do Ministro Joaquim Barbosa, tendo em vista que no plano internacional o Brasil não tem mais obrigação de cumprir o tratado:

1) a declaração de inconstitucionalidade somente teria o efeito de tornar o ato de denúncia não-obrigatório no Brasil, por falta de publicidade. Como conseqüência, o Decreto que internalizou a Convenção 158 da OIT continuaria em vigor. Caso o Presidente da República desejasse que a denúncia produzisse efeitos também internamente, teria de pedir a autorização do Congresso Nacional e, somente então, promulgar novo decreto dando publicidade da denúncia já efetuada no plano internacional; 2) a declaração de inconstitucionalidade somente atingiria o Decreto que deu a conhecer a denúncia, nada impedindo que o Presidente da República ratificasse novamente a Convenção 158 da OIT – Informativo nº 549 do STF de 12/06/2009. (BRASIL, 2009, on line).

A matéria até o momento não foi pacificada. Após o voto do Ministro Joaquim Barbosa, a Ministra Ellen Gracie também pediu vista dos autos e a demanda estava parada desde 2009.

Somente em 11/11/2015 o STF retomou o julgamento, ocasião em que a Ministra Rosa Weber, sucessora da Ministra Ellen Gracie (aposentada), apresentou seu voto na sessão, julgando pela inconstitucionalidade formal do decreto executivo que deu publicidade à denúncia da Convenção.

O voto da Ministra Rosa Weber, partiu da premissa de que leis ordinárias não podem ser revogadas por decretos executivos, eis que a Convenção nº 158 da OIT é aprovada por meio de decreto legislativo e, portanto, possuindo status de lei ordinária, não pode deixar de valer na esfera interna sem que outra lei a revogue.

Segundo a Ministra:

“A derrogação de norma incorporadora de tratado pela vontade exclusiva do presidente da República, a meu juízo, é incompatível com o equilíbrio necessário à preservação da independência e da harmonia entre os Poderes (artigo 2º da Constituição da República), bem como com a exigência do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV)”,              

Após o voto da Ministra Rosa Weber, o Ministro Teori Zavascki pediu vista.    

Conforme já exposto, todo decreto executivo deve regulamentar lei pré-existente, com exceção do art. 84, VI da CF. Assim, não poderia ser diferente quando nos referimos ao decreto que publica determinada denúncia de tratado internacional, pois sem o referendo do Congresso Nacional é na verdade um regulamento autônomo, ou seja, decreto que não tem o condão de regulamentar uma lei, visando a sua aplicabilidade, pois tão somente inova na ordem jurídica na medida em que cria ou extingue direitos e obrigações.

Há na jurisprudência do STF o entendimento de que quando o decreto regulamentar não precede lei, ou seja, quando ele inova na ordem jurídica, poderá ser objeto de controle concentrado de constitucionalidade, conforme se verifica no acórdão proferido, in verbis:                       

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de liminar. Decreto n. 409, de 30.12.91. - Esta Corte, excepcionalmente, tem admitido ação direta de inconstitucionalidade cujo objeto seja decreto, quando este, no todo ou em parte, manifestamente não regulamenta lei, apresentando-se, assim, como decreto autônomo, o que da margem a que seja ele examinado em face diretamente da Constituição no que diz respeito ao princípio da reserva legal. [...]. (ADI 708 / DF, DJ 07-08-1992 PP-11778).

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Podemos concluir que o Decreto nº 2.100/96, que deu publicidade a denúncia da convenção nº 158 da OIT é um regulamento autônomo, e isso se confirma pelo fato de ele ser objeto de controle concentrado de constitucionalidade.

Por fim, o que for decidido pelo STF não terá o condão de restabelecer o acordo no plano internacional, a decisão final somente terá efeitos internamente, eis que uma vez denunciado o tratado, o Brasil não tem mais obrigação em relação aos co-pactuantes. Entretanto, com a invalidação do decreto executivo que deu publicidade à denúncia, a força normativa do tratado será restabelecida no plano interno, eis que

Nada impede que o Presidente da República inicie o processo legislativo para que, com a aprovação do Congresso Nacional, a denúncia seja efetivada na esfera interna. Ou, como disse o Ministro Joaquim Barbosa, a Convenção poderá ainda ser novamente ratificada.


CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Embora a denúncia seja um ato praticado de acordo com as regras do Direito Internacional que, por definição, compete ao Chefe de Estado, que no caso do Brasil é o Presidente da República, a Constituição Federal determina que o Congresso Nacional é competente para resolver definitivamente sobre tratados internacionais, sem referência a qual momento deve ocorrer a interferência do Poder Legislativo.

Na ordem jurídica brasileira, o Executivo negocia, assina e submete o texto do tratado ao Congresso Nacional, para somente após sua aprovação poder ratificar ou aderir o texto negociado junto aos demais estados co-pactuantes. Assim, os tratados internacionais só podem fazer parte do ordenamento jurídico interno através de um ato complexo, que envolve os dois Poderes.

Entretanto, o mesmo não acontece quando nos referimos à saída do compromisso internacional. Na pratica brasileira, o ato de denúncia ocorre pela exclusiva vontade do Poder Executivo.

A falta de referendo do Congresso Nacional para aprovação ou não do ato de denúncia por parte do Executivo atinge vários princípios jurídicos basilares presentes no direito brasileiro, entre eles, o Princípio Democrático e o Princípio da Separação dos Poderes.

Além desses princípios, a prática também não coaduna com o princípio adotado pelo ordenamento de que lei posterior revoga lei anterior, haja vista que os tratados deixam de valer na ordem jurídica interna por simples decreto executivo.

Também verificamos que o Legislativo, ao apreciar um tratado com vistas à sua aprovação, na realidade, está exercendo um controle sobre os atos praticados pelo Executivo. Mas ocorre a falta desse controle na hora da retirada do País do compromisso internacional, porque o Poder Legislativo fica totalmente alheio ao ato de denúncia de tratados por ele aprovados.

O procedimento legislativo interno para a aprovação da denúncia deveria corresponder àquele pelo qual houve a aprovação para a ratificação ou adesão, inclusive para os tratados supralegais, pois embora se posicionem acima das leis ordinárias, foram aprovados pelo procedimento ordinário. Assim, com o referendo do Congresso Nacional, o decreto executivo serviria tão somente para regulamentar a aprovação legislativa do ato de denúncia.

Diante de tais conclusões, afirmamos que é imprescindível a atuação do Congresso Nacional previamente ao ato de denúncia de tratados internacionais que estejam integrados no ordenamento jurídico pátrio. 

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Sobre a autora
Diana Nogueira

Advogada. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Diana. A necessidade de prévia participação do Poder Legislativo na denúncia de tratados internacionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4797, 19 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51411. Acesso em: 2 nov. 2024.

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