1. Introdução
Do debate entre diversas categorias econômicas, jurídicas e docentes nasceu o Código de Defesa do Consumidor, um código que, segundo muitos juristas, é o mais bem elaborado dos existentes na atualidade.
Dentro deste Código são vários os assuntos tratados e, em um capítulo específico, são traçadas as linhas mestras quanto às práticas comerciais. Como por exemplo, aonde a propaganda não fere o consumidor; quais as obrigações que o fornecedor assume ao veicular uma oferta; como o consumidor inadimplente terá de ser tratado, e mais outros tantos tópicos.
A partir de um simples ato de comércio, é difícil não imaginar uma possível situação que poderia gerar efeitos na esfera consumerista. Desta forma, este breve artigo procura sintetizar alguns destes tópicos, discorrendo sobre o capitulo da codificação em questão no melhor anseio de auxiliar ao leitor e, quiçá, ao consumidor.
2. Práticas Comerciais
2.1 Conceito
O capítulo V do Código de Defesa do Consumidor - CDC3 trata relações de consumo, ou seja, daquelas operações que tem por fim escoar os produtos e os serviços que estão à disposição do consumidor.
O CDC brasileiro, ao contrário de outros códigos, incluiu dentro das práticas tanto os atos pré-venda como os atos pós-venda. Assim, passamos a definir cada um deles:
O primeiro, atos pré-venda se pode citar a OFERTA4 e a PUBLICIDADE5, que são atos destinados a concretizar futura relação comercial.
Em segundo, atos pós-venda, quais sejam a COBRANÇA DAS DÍVIDAS6, que é ato que somente vai existir após a realização de um contrato.
2.2 Sujeitos Equiparados ao Consumidor
O primeiro artigo dentro do capítulo traz uma equiparação entre as pessoas expostas às práticas comerciais e os consumidores.
Na lição de Rizzato Nunes a intenção do legislador foi de que “uma vez existindo qualquer prática comercial, toda a coletividade de pessoas já está exposta a ela, ainda que em nenhum momento se possa identificar um único consumidor real que pretenda insurgir-se contra tal prática”7.
Assim, conforme explicado, entende-se que todas as pessoas são consumidoras ante o fato de estarem expostas às práticas comerciais. OCDC, em seu artigo 2º, caput, define que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
2.3 Oferta
A oferta8 é o ato pelo qual uma das partes da relação de consumo, o fornecedor9, manifesta sua intenção de contratar e quais as condições do contrato que pretende assinar.
Pelas disposições do CDC a oferta deverá seguir alguns requisitos, não deixando livre a forma como é realizada. Igualmente, dispôs que a oferta veiculada, independente do meio em que é posta, integrará o contrato que vier a ser celebrado.
O CDC estabelece que a oferta deverá conter informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa para que o consumidor tenha uma noção completa do que ele está contratando. Ainda, deverá descrever as características, qualidade quantidade, composição, preço, garantia e prazo de validade, como também, riscos que apresentem à saúde ou segurança do consumidor.10
No caso de oferta veiculada via telefone ou reembolso postal, deverá conter, ainda, o nome do fabricante e seu endereço11.
Quanto a responsabilidade pela oferta, o CDC ampliou o prazo em que o ofertante12 /fabricante13 deverá manter a oferta de componentes e peças de reposição14.
No tocante à responsabilidade, esta é solidária entre o fornecedor e os prepostos ou representantes autônomos15.
Caso haja recusa no cumprimento da oferta o consumidor pode escolher entre o cumprimento forçado da obrigação16 e a aceitação de outro bem ou serviço em troca do primeiro17. Mas, caso já tenha sido firmado o contrato, o consumidor pode exigir sua rescisão, com restituição do que já foi pago18. Em todos os casos é devida indenização por perdas e danos19.
Deve-se observar que tal disposição implica no fato de que o fornecedor deverá manter a oferta, mesmo que tenha ocorrido erro na sua veiculação.
2.4 Publicidade.
A publicidade é o meio pelo qual a oferta poderá ser veiculada e, por tal motivo, apresenta os mesmos requisitos e regime de responsabilização daquela. Na definição do Código é “toda atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos e idéias”20.
Como a publicidade, nos dias atuais, passou de mera fonte informadora de produtos para meio de influência, criando tendências e mudando hábitos tem-se tomado um cuidado cada vez maior na sua elaboração, veiculação e responsabilização21.
O CDC traz os conceitua a publicidade enganosa22 e a abusiva23. Quanto à primeira pode-se dizer que é aquela que vicia a vontade do consumidor criando-lhe uma expectativa que não será atendida, seja em relação ao produto ou serviço, preço, garantia, etc; já a segunda distorce a realidade agredindo outros valores importantes ao consumidor tais como moral, respeito, intimidade, segurança, etc.
Destaca-se que também a omissão pode caracterizar a publicidade enganosa, isto se dá quando o fato omitido for essencial ao que se está veiculando, influenciando o consumidor e não dando ao mesmo possibilidade de criar um conhecimento adequado sobre o objeto do contrato24.
Ainda sobre a publicidade, a prova sobre a enganosidade ou abusividade do anúncio cabe ao fornecedor do produto. É um caso de inversão do ônus da prova sem a necessidade de declaração judicial, por ter expressa previsão legal25.
Para os casos de veiculação de publicidade enganosa ou abusiva o Código de Defesa do Consumidor prevê várias sanções àquele que a veicula, uma delas é a contrapropaganda26, que é medida judicial que visa proteger o consumidor da oferta ofensiva27.
2.5 Práticas Abusivas
As práticas abusivas, na lição de Tupinamba Miguel Castro do Nascimento são “práticas comerciais, nas relações de consumo, que ultrapassam a regularidade do exercício de comércio e das relações entre fornecedor e consumidor28”.
O CDC elenca algumas práticas abusivas, mas sem criar um rol taxativo, e, a título meramente ilustrativo, algumas delas: venda casada, recusa de fornecimento, remessa sem solicitação, prevalecimento abusivo em relação à hipossuficiencia29 do consumidor, vantagem excessiva, execução de serviço sem orçamento, repasse de informação depreciativa, descumprimento de normas expedidas por órgão oficiais, recusa de bens ou de prestação de serviços, elevação injustificada de preços, aplicação de índice ou fórmula de reajuste diverso do legal ou do contratual e abuso quanto aos prazos30.
Nos casos em que o consumidor receber algum produto sem tê-lo solicitado, o produto que lhe foi enviado será considerado amostra grátis, pelo CDC.
No que respeita aos orçamentos31, o CDC tanto determina regras para a sua elaboração, bem como, a obrigatoriedade de o consumidor tomar conhecimento e o autorizar.
Sua validade poderá ser fixada pelas partes ou, então, será aplicada a legal, qual seja: dez dias32, obrigando ambos os contratantes nos termos fixados no orçamento.
Poderá, ainda, ser cobrada pelo fornecedor uma taxa pela elaboração do orçamento, uma vez que a lei não proíbe tal prática e, em alguns casos, este ato pode demandar-lhe esforço.
Havendo tabelamento de preços33, o fornecedor deverá respeitar o valor fixado e, caso haja abuso, o consumidor tanto poderá pedir a restituição do excesso ou o desfazimento do negócio.
2.6 Cobrança de Dívidas
O CDC, com a finalidade de evitar situações constrangedoras para o consumidor regulou como o fornecedor deveria proceder para cobrar os débitos junto do consumidor.
De forma expressa proibiu a utilização de qualquer meio que pudesse expor o consumidor ao ridículo e também a prática de ameaças, coação, constrangimentos e afirmativas falsas34.
O CDC também traz uma sanção civil para aquele que cobrar dívida em valor maior que o real. Ocorrendo tal fato o fornecedor deverá repetir o indébito em dobro, sem prejuízo de indenização35 por danos materiais36 e morais37.
Entretanto, para a aplicação da sanção é necessário que o valor cobrado seja indevido e o consumidor já o tenha pago.
Ressalta-se que esta sanção é apenas para casos de cobrança extrajudiciais, uma vez que, para cobranças judiciais, se aplicará o Código Civil.
Caso tenha ocorrido um engano justificável, apurado em ação judicial, o credor terá de restituir o valor de forma simples, sem prejuízo, ao consumidor, de receber indenização por danos morais e materiais.
4.7 Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores
É muito comum que os fornecedores mantenham cadastro dos consumidores com os quais realizam, ou já realizaram, contrato. Entretanto, tais cadastros, se utilizados indiscriminadamente, podem gerar danos aos consumidores.
O CDC trouxe previsão expressa quanto ao prazo que as informações negativas poderão ser arquivadas, fixando-o em cinco anos em seu artigo43, § 1º, in fine. Vedou também que se arquivassem informações onde já se consumou a prescrição do crédito e informações pessoais do consumidor38, limitando apenas às informações de consumo (comerciais).
Para a inserção de dados, o consumidor deverá ser comunicado da mesma39, terá livre acesso aos dados e poderá retificá-lo e, não sendo atendido qualquer destes requisitos, o ato caracterizará abuso de direito e o consumidor terá direito a reparação (danos morais e materiais).
Na tentativa de facilitar os acessos aos dados, os cadastros de consumidores foram considerados pela lei entidades de caráter público40 possibilitando, assim, a utilização de ações como o habeas data41.
2.7 Bancos de Dados e Cadastros de Fornecedores
Os cadastros de fornecedores são bancos de dados mantidos por órgãos de defesa do consumidor onde se inserem as reclamações dos consumidores contra os fornecedores42.
Para tais cadastros são aplicadas as mesmas regras que para os cadastros de consumidores43, sendo amplo o acesso aos dados lá arquivados e sendo aplicado o prazo máximo de cinco anos para o armazenamento das informações.
As informações constantes nos cadastros devem ser divulgadas. Tanto que a lei determinou o prazo mínimo de uma vez a cada ano para que ocorra a divulgação44. Determinou também que a divulgação deverá ser pública para que atinja o maior número possível de consumidores.
3. Bibliografia
ACQUAVIVA, Marcos Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva, 12 ed. Ampl, rev. E atual., São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2004
ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor, São Paulo: Saraiva, 2003. GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do Consumidor, 2 ed., rev. Ampl. Atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
GRINOVER, Ada Pellegrini,... Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do ante projeto, 8 ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor: com exercícios, 2 ed. Rev., mod. E atual., São Paulo: Saraiva, 2005.
Código de Defesa do Consumidor e sua Interpretação Jurisprudencial, 2 ed., São
Paulo: Saraiva, 2000.
MARQUES, Cláudia Lima, BENJAMIN, Antônio Herman V. E MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts. 1º ao 74: aspectos materiais, São Paulo: Editora RTr, 2003.
SIPOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas, 7ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria dos contratos, 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2003
4. Notas:
3 doravante apenas CDC.
7 In, Curso de Direito do Consumidor, Ed. Saraiva, 2004, p. 85
8 art. 30 CDC - Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados.
9 art. 3º CDC - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
12 fornecedor que veicula a oferta
13 sujeito que produz o bem e, conforme art. 3º do CDC, também é considerado fornecedor
19 São a configuração de uma perda em prejuízo. Nas obrigação em dinheiro, as perdas e danos consistem nos juros de mora e custas, além da correção monetária cabível, de acordo com o artigo 404 do Código Civil. (in, Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria dos contratos, p. 258
21 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, in, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do ante projeto, 8 ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
22 art. 37, § 1º, CDC - É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
23 art. 37, § 2º, CDC – É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
24 art. 37, § 3º, CDC - Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.
25 art. 38 CDC – vide, também, TJSP 150 9ª Câm. Civil; Ap. Civil n.º 255.461-2-6-São Paulo; rel. Des. Aldo Magalhães
26 Meio de divulgação destinado a combater ou anular outra propaganda ou publicidade. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas, p. 210
28 citado por João Batista de Almeida, in Manual de direito do Consumidor, Ed. Saraiva, 2003, p. 90
29 Característica atribuída pela lei aos consumidores que, além de vulneráveis, ou seja, passíveis de ser lesados mesmo que apenas em tese, são, efetivamente, mais sujeitos a má fé alheia, por sua falta de discernimento e incultura, in, Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva, p. 699
36 a expreção dano pode i ndicar tanto o ato de causar um prejuízo ao pratimônio alheio (danificar) como o resultado da açãop lesiva (causar dano) (...), a reparação de uma dano material tem, unicamente, o objetivo de ressarcir o lesado mediante a substituição do bem deteriorado ou destruído, ou mediante o ressarcimento em dinheiro, in, Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva, p. 445
37 Segundo Antônio Chaves, citado por Acquaviva, é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado sem repercussão material, in¸Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva, p. 445
41 Ação mandamental que tutela a prestação de informações contidas em bancos de dados pertencentes a entidades públicas ou de caráter público, bem como sua retificação, in, Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva, p. 691