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As dificuldades dos empresários na participação de licitações na Administração Pública brasileira

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05. A INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO E OS FORNECEDORES.

Existem diversos casos em que a licitação é inexigível, isto é, nos casos em que está inviabilizada a competição entre os licitantes, os principais segundo a legislação pertinente ao caso são: [6]

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

Bem entendeu, sobre o assunto, Figueiredo (2002, p. 39), quando afirma que:

É regra geral a obrigatoriedade do processo licitatório, segundo dispõe o art. 2º da Lei n. 8.666/93, enquanto a inexigibilidade constitui exceção, sendo cabível apenas quando da impossibilidade material de utilizar qualquer forma de licitação, o não cumprimento desta regra afronta diretamente os princípios básicos a que se prende a Administração Pública, notadamente os da isonomia, legalidade, moralidade, impessoalidade e probidade administrativa, acabando por inviabilizar a competição entre virtuais interessados e, por conseguinte, a seleção de propostas potencialmente mais vantajosas ao erário, já que inexistentes outras causas de dispensa ou inexigibilidade de licitação.

No mesmo raciocínio segue Fernandes (1999, p. 313), dizendo que, "a lei estabelece uma desigualdade jurídica no universo dos licitantes visando, sobretudo, resguardar outros valores, também tutelados pelo Direito. No aparente conflito, deve o legislador estabelecer, com sabedoria, a prevalência do bem jurídico fundamental, no caso".

É de se destacar, a necessidade de licitação, mesmo no caso da probabilidade de inexigibilidade, esta não deve servir de regra geral. Isso poderia significar a abertura para os desmandos e os favorecimentos. O risco realmente existe e caso verificada, pelo menos como indício plausível, a sua ocorrência, a correção via processo judicial se legitimaria, devendo o licitador empresário intentar a ação devida.

Sobre o tema, após considera-se que a licitação seria dispensável se não houvesse possibilidade de competição e que, em havendo, seria indeclinável o procedimento licitatório para garantir a efetividade do princípio da isonomia.

Estará obrigado promover a licitação quando o critério de escolha do fornecedor ou executante não puder ser demonstrado sem ofensa ao princípio da moralidade e da impessoalidade. É esse estreito limite que paira entre o atendimento de todos os requisitos estabelecidos em cada uma das hipóteses de dispensa e a prevalência do dever de licitar.

Fernandes (1999, p. 326) é categórico ao afirmar que: "mesmo existindo várias instituições com igualdade de condições – se forem exatamente iguais, o que é pouco provável –, a escolha pode ser feita por uma pesquisa de preços, por exemplo. Mais adequado seria que a justificativa da escolha do contratado (...) tivesse relação com a capacidade da instituição e o objeto do contrato, e não só com o preço."

O conceito de inexigibilidade de licitação segundo, Pereira Júnior (1993, p. 141divide-se em duas vertentes:)

a) a lei descreve hipóteses ilustrativas e admite que de outras, não previstas, possa decorrer a inviabilidade de competição, de forma a configurar a inexigibilidade; mas as hipóteses relacionadas na lei, pelo só fato de constarem da lei, caracterizam a inexigibilidade sempre que ocorrem, independentemente de no caso concreto, ser ou não viável a competição;

b) a lei descreve hipóteses que, além de ilustrativas, somente caracterizam a inexigibilidade se, no caso concreto, a competição for inviável; sendo viável, a licitação é de rigor, posto que o traço distintivo entre a exigibilidade e a inexigibilidade é a viabilidade de estabelecer-se ou não a disputa.

Os Tribunais de Conta têm, em sua maioria, reconhecido o segundo entendimento, comungando com eles Pereira Júnior (1993, p. 141-142), que, para justificar apresenta três fundamentos:

1° - a competitividade é da essência da seguindo-se por ser esta exigível sempre que presente a possibilidade daquela; licitação inexigível equivale a licitação impossível; é inexigível porque impossível; é impossível porque não há como promover-se a competição;

2° - ao revés do que se inferiria da primeira vertente interpretativa, as hipóteses formuladas na lei não geram presunção júris et de jure, porque estão submetidas ao núcleo conceitual fixado na cabeça do artigo, que afirma, além de qualquer dúvida razoável, que a licitação é inexigível "quando houver inviabilidade de competição; por conseguinte, havendo viabilidade de competição, é exigível a licitação, impondo-se `a autoridade verificar, mesmo em face das hipóteses descritas nos incisos, se a competição, nas circunstâncias do caso concreto, é ou não viável; não sendo, não haverá o que licitar; logo, a inexigibilidade presumida nas hipóteses da lei admite prova factual em contrário quanto à viabilidade da competição, daí ser júris tantum;

3° - as hipóteses dos incisos não tem autonomia conceitual; entender diversamente significa subordinar o caput do artigo a seus incisos, o que afronta regra palmar de hermenêutica, sendo, como devem ser, os incisos de um artigo subordinados à cabeça deste, a inexigibilidade de licitação materializa-se somente quando a competição for inviável.

Nem sempre os Tribunais de Contas acolhem o parecer de seus técnicos ou auditores nesse sentido, optando em seus julgados, muitas vezes, pela inexigibilidade, agindo assim quando entendem ser o ato honesto, mesmo sendo viável a competição.

O principal argumento para tal situação segundo, ainda o doutrinador [7], "é o de que descaberia constranger à competição, para citar hipótese mais freqüente, empresas ou profissionais notoriamente especializados e de idêntica qualificação. Sem embargo das vênias de estilo, o argumento é de mérito administrativo (conveniência) onde a lei não abre ao administrador espaço discricionário tão largo."

Tal vertente é inquietante e deixa aberta a possibilidade para o administrador público usar a exigibilidade, mesmo quando há condições de competição no certame, assim agindo o servidor público, apenas para acelerar a contratação, ou para diminuir formalismos para a administração, trazendo prejuízo aos prováveis concorrentes, em condições de participar da contratação, e principalmente, aos cofres públicos que muitas vezes pagam mais por falta de opção.

Sobre o assunto assevera Cintra do Amaral [8]:

1. A Lei 8.666 tem inúmeros defeitos, mas não impede que a Administração planeje adequadamente suas contratações. Ela não veda, por exemplo, a preocupação com a qualidade do bem, do serviço ou da obra. Muitas vezes, o agente público a usa como escudo. A fim de escapar à crítica de que não está contratando pelo menor preço, relega a qualidade a um plano secundário, sob a alegação de que a lei não lhe permite contratar por um preço nominalmente maior. Não apenas a Lei 8.666 não o obriga a isso, como, ao assumir tal postura, o agente público fere os princípios constitucionais da eficiência (art. 37) e da economicidade (art. 70).

2. Freqüentemente o agente público planeja mal porque não quer "perder tempo". Ou então porque não conhece suficientemente bem o mercado. Não há norma legal que venha a fazer com que ele se conscientize de que o planejamento é a etapa mais importante do processo de contratação. Se ele planeja bem, aumenta a probabilidade de a contratação ser bem sucedida. Se planeja mal, termina por perder tempo (sem aspas).

3. Apesar dos progressos registrados nos últimos anos (sobretudo em empresas estatais e nas novas agências executivas), no geral ainda se dá pouca atenção à administração do contrato. Até mesmo os órgãos de controle preocupam-se mais com a licitação do que com a execução do contrato. Mas por melhor que seja o trabalho desenvolvido nas etapas do planejamento, da licitação e da celebração do contrato, pode ele ser comprometido por uma má administração do contrato. O que acentua outra deficiência: os vários envolvidos no processo de contratação nem sempre estão atentos à integração de suas atividades. Cada um cuida da sua parte, sem a necessária visão e articulação do conjunto. Por exemplo: os que administram o contrato nem sempre mantêm informados os órgãos planejadores sobre as dificuldades práticas que estão encontrando na etapa da execução, orientando-os, assim, para que corrijam os erros nas novas contratações. Outro exemplo: muitos integrantes de Comissões de Licitação costumam agir como se nada tivessem a ver com o edital, que recebem pronto e acabado. Limitam-se a cumpri-lo, sem questionar suas falhas - às vezes evidentes -, agindo como verdadeiros autômatos. Com essa atitude deixam de colaborar, com seu conhecimento e sua experiência, para o aperfeiçoamento das normas específicas da licitação.

4. É muito comum um agente público apregoar que está obtendo preços mais baixos em suas contratações. Mas será que esses preços estão sendo honrados na etapa da execução do contrato? Nos contratos de execução imediata, muito bem. Mas nos contratos de duração, ou de trato sucessivo, como os de obras e serviços contínuos, um dos principais problemas enfrentados pela Administração Pública é o "mergulho", ou seja, o licitante vence o certame com um preço baixo para mais tarde tentar aumentá-lo ilicitamente, valendo-se de uma situação que a essa altura não é favorável à Administração. É verdade que a lei determina que as propostas inexeqüíveis devem ser desclassificadas. Mas essa desclassificação quase não ocorre na prática, mesmo nas obras e serviços de engenharia, em que o critério não é econômico e sim matemático (art. 48, § 1º, da Lei 8.666). Primeiro, porque é difícil provar-se a inexeqüibilidade. Segundo, porque a Administração tem receio (justificado, diga-se de passagem) de desclassificar a proposta de menor preço.

5. Há excesso de burocracia e de papel mesmo quando a lei assim não exige. Um exemplo: alguns órgãos e entidades, para fazer uma inscrição em seminário aberto ao público, exigem proposta escrita. Muitas vezes, chega-se a formalizar o respectivo contrato mediante "termo"."

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O conhecimento mais aprofundado sobre licitações, tanto por parte do serviço público, quanto dos empresários, é a mola mestra para a boa administração pública e privada, pois a sapiência permite a redução de tempo e custos sem trazer prejuízo de ordem moral ou econômica para os administradores e beneficia de forma direta a sociedade.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se escrever muito mais sobre as características e dificuldades dos empresários na participação de licitações públicas, mas o objetivo não é esgotar o assunto, e sim destacar que a lei de licitações em vigor, quando bem aplicada, sem os excessos, omissões ou descasos, pode trazer benefícios tanto para o serviço público quanto para a iniciativa privada, desde que se corrijam os problemas estruturais, comportamentais, dando ao servidor público treinamento prático sobre a elaboração de editais e julgamentos dos certames licitatórios, tanto na fase documental quanto na abertura das propostas, deixando de se ater apenas ao frio entendimento das letras da lei.

Há a necessidade, igualmente, do empresário em atualizar-se, buscando alternativas para melhor conhecer todos os procedimentos licitatórios pertinentes a administração pública, não esperando a boa vontade do serviço público em contratar seus serviços ou comprar seus produtos.

Deve o empresário manter-se informado, participando de cursos sobre o assunto, inteirando-se sobre as leis e procedimentos licitatórios, aprendendo sobre técnicas redacionais para elaboração de editais e de eventuais recursos administrativos, bem como contratar profissional conhecedor do assunto para assessorá-lo nos certames licitatórios.

A experiência e o estudo sobre o assunto em epígrafe têm demonstrado que freqüentemente, nossos legisladores estão preocupados, apenas, com os interesses da Administração pública, esquecendo-se, nesse caso, dos interesses das pessoas privadas. A mudança de raciocínio para o caso, certamente, traria maiores benefícios para o serviço público, estimularia a competitividade e reduziria custos, fazendo prevalecer os princípios que regem o direito público.


REFERENCIAS

AMARAL, Antônio Carlos Cintra do, Considerações À Margem Do Anteprojeto Da Nova Lei De Licitações, Comentário nº 61 de 01.06.2002, disponível em: http://www.celc.com.br/celc00.htm. Acesso em 26.01.2004, 23:10 horas.

BIOLCHINI, Alberto, Codificação da Contabilidade Pública Brasileira, vol II, Editora Imprensa Nacional. São Paulo, 1930.

CARLIN, Volnei Ivo, Direito Administrativo Doutrina, Jurisprudência e Direito Comparado, 2ª edição verificada atualizada e ampliada, OAB/SC Editora. Florianópolis, 2002.

DAYRELL, Carlos Leopoldo, Das Licitações na Administração Pública, Companhia Editora Forense. Rio de Janeiro, 1.973.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, Editora Atlas S/A. São Paulo, 1999.

EDAUER, Odete, Direito Administrativo Moderno. 2ª edição revista e atualizada. Editora Revista dos Tribunais Ltda. São Paulo, 1998.

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby, Publicado na Revista Jurídica nº 221, Ed. Revista Jurídica, São Paulo, 2003.

FIGUEIREDO, José Reinaldo, Licitações Públicas para Principiantes, Editora Insular Ltda. Florianópolis, 2002.

MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 14ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1989.

MUKAI, Toshio, Direito Administrativo Sistematizado. Editora Saraiva Ltda, São Paulo, 1999.

NUNES, Pedro dos Reis, Dicionário de Tecnologia Jurídica, 12ª Edição, Biblioteca Jurídica Freitas Bastos. Rio de Janeiro, 1993.

PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres, Comentários à Nova Lei das Licitações Públicas, Livraria e Editora Renovar Ltda. Rio de Janeiro, 1993.

SERVÍDIO, Américo, Dispensa de Licitação Pública, Editora Revista dos Tribunais Ltda. São Paulo, 1979.


NOTAS

1 Deve-se entender como lanço a oferta de preço em leilão ou em venda; lance.

2 Publicado no Diário Oficial da União, de 18 de março de 2003.

3 Lei n° 8666/93 com as alterações dadas pela Lei n° 9648/98.

4 Em latim: a coisa pública

5 Como exemplo: empresa apresenta o envelope documentação, juntando todos os documentos, solicitados. No entanto, o CNPJ estava desatualizado e foi entregue por engano, tendo por tal motivo sido considerada inabilitada para o certame licitatório. Neste caso ocorre um rigorismo exagerado no ato de inabilitar a empresa, uma vez que as certidões e demais documentos destinados a comprovar a integridade fiscal da empresa têm como pressuposto básico a regular inscrição do CNPJ.

6 Lei n° 8666/93 com as alterações dadas pela Lei n° 9648/98.

7 Emprega-se, usualmente, o termo doutrinador, na linguagem forense, para significar o autor que expõe e defende suas idéias, opiniões, juízos críticos, conceitos e reflexões teóricas, no estudo e ensino do direito e interpretação das leis.

8http://www.celc.com.br/celc00.htm. Acesso em 26.01.2004, 23:10 horas.

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Sobre os autores
Sergio Luis Sievers

Advogado e Professor Universitário de Direito.

Giancarlo Moser

Historiador, Mestre em Planejamento e Gestão e Doutorando em Ciências Sociais. Professor de Pós-Graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIEVERS, Sergio Luis ; MOSER, Giancarlo. As dificuldades dos empresários na participação de licitações na Administração Pública brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 307, 10 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5170. Acesso em: 26 abr. 2024.

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