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O princípio da igualdade e o Direito do Consumidor

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09/05/2004 às 00:00

Resumo:


  • O princípio da igualdade evoluiu historicamente, passando da aceitação da desigualdade social e legal para a igualdade formal perante a lei, e eventualmente para a igualdade material, que busca equilibrar as relações sociais e jurídicas desiguais.

  • As relações de consumo demonstraram a necessidade de aplicar a igualdade material no direito privado, levando à criação de leis de proteção ao consumidor, que reconhecem a vulnerabilidade do consumidor frente aos fornecedores e buscam restabelecer o equilíbrio nas relações de consumo.

  • No Brasil, a Constituição Federal de 1988 e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) são exemplos da incorporação do princípio da igualdade material, oferecendo proteção jurídica ao consumidor e reprimindo abusos do mercado, em reconhecimento à desigualdade fática nas relações de consumo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1.Introdução

Em consonância com uma tendência mundial, o legislador pátrio reconheceu o aspecto de vulnerabilidade do consumidor, haja vista a situação desprotegida deste frente aos fornecedores de produtos e/ou serviços que no intuito de fazer escoar seus bens, utilizam-se de todos os tipos de técnicas para auferir lucros.

A ferocidade do mercado fez surgir os métodos comerciais coercitivos ou desleais, as práticas abusivas, o detrimento da qualidade dos produtos e/ou serviços às vezes até pondo em risco a saúde e a segurança do consumidor, tudo isto aliados a técnicas cada vez mais avançadas de propaganda e marketing que induzem o consumidor a sentir necessidade de obter bens ou serviços muitas vezes supérfluos.

Em função disso, a lei 8.078/90, criou um micro-sistema jurídico, corporificando normas de interesse público, ajustando os desequilíbrios do mercado, oferecendo ao consumidor uma tutela jurídica capaz de protegê-lo e ao mesmo tempo reprimindo os abusos do consumerismo.

Este sentido de proteção ao consumidor encontra respaldo na própria Constituição Federal de 1988, que institui a defesa do consumidor como garantia individual do cidadão e como princípio da ordem econômica. Esta preocupação constitucional com o consumidor revela o reconhecimento do desequilíbrio das relações de consumo e a necessidade de criar um sistema jurídico que vise contrabalançar as condições do consumidor e do fornecedor, igualando-os.

É claro neste contexto a aplicação do princípio da igualdade sobretudo em seu aspecto material, consagrada na Carta Magna de 1988 e inspiradora das normas que tutelam os direitos do consumidor.

Revela-se, portanto, a evolução do princípio da isonomia, que não possui a virtude de igualar somente as relações emanadas do direito público, mas propiciar um alcance exegético mais amplo enfocando as relações de direito privado e trazendo para este ramo um sentido de equilibrar situações desiguais.

De início, cabe ressaltar que o presente trabalho visa esclarecer a sistemática do desenvolvimento do princípio da igualdade em sua noção histórico-evolutiva, abordando as diferentes matizes que lhe foram impostas pela sociedade ocidental.

Após a definição do que seja o princípio da igualdade, faz-se uma distinção do que representa o princípio da isonomia nos campos do direito público e do direito privado, analisando-se o seu desdobramento nas relações privadas, desde os primórdios do modelo da civilização jurídica, até a necessidade de se estabelecer normas que assegurem o princípio em comento.

Por fim, será analisado o princípio da igualdade como fundamento da chamada "defesa do consumidor", e da edição do Código de Proteção e Defesa dos Consumidores – Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, pontuando-se os principais aspectos dessa relação e seus efeitos na sociedade.


2.0 O Princípio da Igualdade

A noção que se deve compreender do princípio da igualdade está voltada para o que a sociedade entenda que ele seja. Assim, seria temerário conceituar de forma simples e unilateral o que seja o princípio jurídico da igualdade sem fazer uma análise histórica para se vislumbrar a sua evolução conceitual dada pelos povos no decorrer da história.

O princípio da isonomia é criação dos homens e, portanto, reflexo de valores das sociedades, tornando, assim, mutável o seu conceito e sua aplicação quer em relação à época, quer em relação à determinada sociedade. Assim, o que se entende como igualdade jurídica no Brasil pode não ser da mesma forma entendida em outro país, e, a isonomia de tempos passados pode não corresponder ao que se entende por igualdade atualmente.

Por outro lado a igualdade obtém contornos próprios dependendo do ramo do direito em análise, pois em um mesmo sistema jurídico pode coexistir tanto a igualdade como a desigualdade, assim em 1916, quando foi instituído o Código Civil, havia notória discriminação da mulher relevada a um papel secundário em relação ao homem dentro da sociedade conjugal, ao passo que, se esta mesma mulher antes de casar fosse celebrar um contrato de compra e venda ela seria tratada de forma igualitária mesmo que do outro lado da relação obrigacional estivesse um homem ou um grupo de homens. Percebe-se por este exemplo que o direito civil codificado nesta época previa tratamento desigual entre homens e mulheres no direito de família e tratamento igual entre os sexos no direito obrigacional.

A contradição existente no início do século XX justificava-se pela sociedade eminentemente patriarcal e pelo liberalismo no direito contratual, corroborando a convivência de igualdade e desigualdade no mesmo ramo do direito.

Há de se entender também que o princípio da igualdade reveste-se de grande importância social, pois em virtude de inúmeras desigualações provenientes de contigências econômicas, culturais, geográficas, políticas e humanas, que se inserem no contexto da sociedade cumpre ao direito utilizar-se amplamente dos critérios encampados da isonomia para se atingir a justiça.

Neste passo revela-se o princípio em estudo seu papel fundamental para a transformação social equilibrando situações injustas e promovendo o bem de toda a coletividade, quer reconhecendo a hipossuficiência de alguns, quer tolhendo privilégios injustificados de outros.

A correlação existente entre o princípio da igualdade e o ideal de justiça é bastante clara. Tal posicionamento é defendido por Cármen Lúcia Antunes Rocha da seguinte forma: "A igualdade no direito é arte do homem. Por isto o princípio jurídico da igualdade é tanto mais legítimo quanto mais próximo estiver o seu conteúdo da idéia de justiça em que a sociedade acredita na pauta da história e do tempo" (ROCHA, 1990, p. 28). Assim sendo, o princípio jurídico da isonomia deve ser entendido como uma ferramenta para se materializar a justiça, norteando tanto aos legisladores quanto aos operadores do direito este critério para a edição e aplicação justa da norma de acordo com a idéia de justiça que possua a sociedade em seu trajeto histórico.

2.1 Evolução Histórico-Conceitual do Princípio da Igualdade

Para se entender a noção exata do princípio da igualdade deve-se, primeiramente, compreender a sua evolução histórica, ressaltando as principais contribuições dos povos que influenciaram a construção deste princípio.

Pode-se dividir em três fases a caminhada evolutiva da isonomia: na primeira tinha-se como regra a desigualdade; na segunda a idéia de que todos eram iguais perante a lei, significando que a lei deve ser aplicada indistintamente aos membros de uma mesma camada social; e na terceira, de que a lei deve ser aplicada respeitando-se as desigualdades dos desiguais ou de forma igual aos iguais.

Cármen Lúcia Antunes Rocha define da seguinte forma esse primeiro momento:

"[...] a sociedade cunhou-se ao influxo de desigualdades artificiais, fundadas, especialmente, nas distinções entre ricos e pobres, sendo patenteada e expressa a diferença e a discriminação. Prevaleceram, então, as timocracias, os regimes despóticos, asseguraram-se os privilégios e sedimentaram-se as diferenças, especificadas em leis. As relações de igualdade eram parcas e as leis não as relevavam, nem resolviam as desigualdades (ROCHA, 1990, p. 35)".

A sociedade então agraciava a desigualdade fundamentando este sistema nas leis, proporcionando para quem mais detivesse poder e riqueza mais privilégios. Às pessoas que não possuíam tais privilégios restava suportar de forma silente os desmandos dos poderosos.

O pensamento filosófico de Platão e Cícero não dissolvia as desigualdades criadas pelas sociedades grega e romana respectivamente. Os privilégios eram aceitos normalmente e a existência da escravidão dos homens não era contestada. A sociedade antiga legitimava a diferenciação entre ricos e pobres e não se preocupava em igualar os desiguais, mas sim em tornar jurídica a desigualdade.

Apesar de ser creditado a Aristóteles a célebre frase "a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais" pouco se fez nos povos antigos para desencadear o processo de igualação das pessoas, podendo ser citado como exceção:

"[...], a Lei das XII das Tábuas, pela qual consagra a igualdade entre patrícios e plebeus, o Edito Perpétuo que estende a igualdade às populações de outras etnias e o Edito de Caracalla ou Constitutio Antoniniana, que concede direito da cidadania de todos os habitantes do império (ROCHA, 1990, p. 30)".

Na idade média a desigualdade atinge o seu clímax, haja vista que a sociedade cada vez mais enrijecia as diferenças e da mesma forma o pensamento filosófico as legitimava. Era o tempo dos suseranos e dos vassalos no qual se utilizava o critério de posses de terras para se distinguir as camadas sociais que formavam o modelo de sociedade estamental. Cláudio Vincentino explica esta sociedade da seguinte forma:

"[...], a sociedade feudal era composta por dois estamentos, ou seja dois grupos sociais com status fixo: os senhores feudais e os servos. Os servos eram constituídos pela maior parte da população camponesa, vivendo como os antigos colonos romanos – presos à terra e sofrendo intensa exploração. Eram obrigados a prestar serviços ao senhor e a pagar-lhe diversos tributos em troca de permissão de uso da terra e proteção militar (VINCENTINO, 1997, p. 109)".

A filosofia nesta época teve grande influência do cristianismo, em função do papel preponderante que exerceu a Igreja na idade média sobre os Estados e sobre a sociedade, ditando as normas, os comportamentos aceitáveis, os valores e a cultura medieval. Giorgio Del Vecchio esclarece o pensamento filosófico:

"A liberdade e a igualdade de todos os homens, a unidade da grande família humana, constitui, sem dúvida o corolário da pregação evangélica. Estas idéias, contudo, não foram diretamente dirigidas contra a ordem política existente. A própria escravatura não combatida, mas respeitada como instituição humana, muito embora se afirmasse a igualdade dos homens perante a lei divina. Os Padres da Igreja chegaram a considerá-la como condição propícia aos servos e aos senhores: aos primeiros, para se exercitarem na paciência e obediência devida aos segundos; a estes, na doçura e benevolência devida àqueles (VECCHIO, 1979, p. 59)".

Em um segundo momento histórico a igualdade ganha terreno e começa a ser reconhecida como uma necessidade para juridicizar as transformações sociais que levaram ao nascimento do Estado moderno. Com efeito, o renascimento comercial proporcionou a volta da moeda como fator de enriquecimento em detrimento da propriedade do sistema feudal, abrandando dessa forma o poder dos suseranos. O sistema feudal entra em declínio, e, no mesmo compasso, surgem as cidades, as grandes monarquias nacionais e uma nova classe social – os burgueses.

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Apesar de terem ajudado a construir as monarquias absolutistas, a burguesia pouco a pouco foi se insurgindo contra esse modelo estatal que privilegiava os nobres e limitava o seu crescimento social. Cármen Lúcia Antunes Rocha resume de forma brilhante este momento histórico:

"[...], a sociedade estatal ressente-se das desigualdades como espinhosa matéria a ser regulamentada para circunscrever-se a limites que arrimassem as pretensões dos burgueses, novos autores das normas, e forjasse um espaço de segurança contra as investidas dos privilegiados em títulos de nobreza e correlatas regalias no Poder. Não se cogita, entretanto, de uma igualação genericamente assentada, mas da ruptura de uma situação em que prerrogativas pessoais decorrentes de artifícios sociais impõem formas despóticas e acintosamente injustas de desigualação. Estabelece-se, então, um Direito que se afirma fundado no reconhecimento da igualdade dos homens, igualdade em sua dignidade, em sua condição essencial de ser humano. Positiva-se o princípio da igualdade. A lei, diz-se então, será aplicada igualmente a quem sobre ela se encontre submetido. Preceitua-se o princípio da igualdade perante a lei (ROCHA, 1990, p. 35)".

Os filósofos do iluminismo também ressaltavam a idéia da igualdade. Rousseau defendia que os homens eram iguais posto que pertenciam ao gênero do ser humano diferenciando-se apenas pelas condições físicas e psíquicas de cada um, sendo que outros tipos de desigualações deveriam se rejeitadas pela sociedade.

Tais idéias influenciaram sobremaneira às revoluções ocorridas no final do século XVIII, tanto na França como nas colônias inglesas. Em decorrência destes movimentos revolucionários fora normatizado o princípio da igualdade nas diversas Constituições que surgiram neste fim de século. Desse modo, a Constituição de Virgínia de 12 de junho de 1776 consignou em seu art. 1º que "todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes". A Constituição norte-americana elaborada em 1787, no entanto, não definia textualmente o princípio da igualdade somente se inserindo nela com a Emenda XIV, de 1868.

Na França, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, firmou o princípio da igualdade como base do Estado moderno influenciando todas as constituições modernas. A Constituição Francesa de 1791 também seguiu o modelo da Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos, consagrando a idéia de que todos são iguais perante a lei.

Ocorre porém, que este primeiro passo do princípio da igualdade que levou a erigi-lo como norma constitucional, não foi o bastante para satisfazer as necessárias mutações que se sucedem na evolução dos povos. No momento das revoluções do século XVIII estão em voga os ideais do iluminismo e do liberalismo. Este novo Estado que surge com as revoluções revela-se extremamente liberal e não intervencionista e, apesar de definir a igualdade como princípio constitucional, o Estado liberal não se preocupou em efetivar a igualdade, deixou a tarefa para os aplicadores ou operadores do direito, que segundo o que entendessem fariam valer o princípio da igualdade.

Esta igualdade perante a lei surgida com o liberalismo é conhecida na doutrina como igualdade formal, a qual se mostrou incapaz de estabelecer efetivamente a isonomia jurídica, posto que a igualdade era concebida para igualar os membros de uma mesma classe social, subsistindo dessa maneira a desigualdade entre as classes. Cámen Lúcia Antunes Rocha explicita de forma clara a ineficácia dessa igualdade formal:

"Esta interpretação da expressão iguais perante a lei propiciou situações observadas até a muito pouco tempo em que a igualdade jurídica convivia com a separação dos desigualados, vale dizer, havia tratamento igual para os igualados dentro de uma estrutura na qual se separavam os desigualados, inclusive territorial e socialmente. É o que se verificava nos Estados Unidos em que a igualdade não era considerada desrespeitada, até o advento do caso Broen versus Board of Education. Até o julgamento deste caso pela Suprema Corte norte-americana, entendia-se nos Estados Unidos da América que os negros não estavam sendo comprometidos em seu direito ao tratamento jurídico igual se, mantidos em escolas de negros, fossem ali tratados igualmente (ROCHA, 1990, p. 36)".

Esta noção individualista do princípio da igualdade forjada em um Estado liberal não intervencionista restou ineficaz com o surgimento de um novo modelo estatal preocupado em reduzir as desigualdades sociais, econômicas, culturais e outras que signifiquem discriminações injustificadas. O Estado social, que se seguiu ao liberal procurou reduzir desigualdades incrustadas na sociedade. O constitucionalismo com relação ao princípio da igualdade não está limitado à igualdade perante a lei, mais em garantir a cada cidadão iguais oportunidades para a realização dos seus próprios objetivos. Se antes não se vislumbrava como realizar a igualdade, a norma agora desiguala desiguais para atingir a igualdade dando dinamicidade ao princípio da isonomia.

A visão material da igualdade vem complementar a sua visão formal. Não basta, portanto, a lei declarar que todos são iguais, deve propiciar mecanismos eficazes para a consecução da igualdade. José Afonso da Silva (SILVA, 1999, p. 466) leciona o seguinte: "A Constituição procura aproximar os dois tipos de isonomia, na medida em que não se limitara ao simples enunciado da igualdade perante a lei". Ao contrário do modelo formalista o Estado assume um papel fundamental para garantir aos membros da sociedade uma efetivação da isonomia, redimensionando os seus objetivos e os meios para atingi-los.

A igualdade material ou substancial vem, portanto, complementar a igualdade formal, conferindo aos cidadãos além da igualdade em direitos e obrigações, a garantia que o Estado será um ente preocupado em efetivar a isonomia proibindo aos administrados desigualações injustas e sem motivo. Neste sentido é o abalizado entendimento de José Joaquim Gomes Canotilho:

"[...] a obtenção da igualdade substancial, pressupõe um amplo reordenamento das oportunidades: impõe políticas profundas; induz, mais, que o Estado não seja um simples garantidor da ordem assente nos direitos individuais e no título da propriedade, mas um ente de bens coletivos e fornecedor de prestações (CANOTILHO, 1982, p. 306)".

Tomando-se a Constituição da República Federativa do Brasil encontra-se claramente os conceitos de igualdade formal e material. Ao dizer que "todos são iguais perante a lei", no caput do seu art. 5º, consagra a idéia de igualdade formal na qual a lei deve ser aplicada a todos indistintamente. Se a Carta Magna brasileira se limitasse somente ao disposto no caput do art. 5º acerca do princípio de igualdade, teríamos uma sociedade retrógrada que entende que a igualdade dos homens seria apenas a declaração na lei sem qualquer garantia efetiva de que este princípio fosse realizado.

Acontece porém, que a Constituição Federal de 1988, demonstra clara preocupação com o princípio da isonomia desde o seu Preâmbulo, no qual os representantes do povo brasileiro reunidos em Assembléia Nacional Constituinte ao instituir um Estado Democrático que seja destinado a assegurar a igualdade e a justiça como valores supremos da República Brasileira.

A materialidade da isonomia encontra eco no art. 3º da Lei Maior ao se instituir como objetivo da República Federativa do Brasil, a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como redução das desigualdades sociais e regionais, além do disposto no inciso IV do mesmo artigo que determina também como objetivo "promover o bem de todos sem preconceitos, de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". Há inúmeras formas de manifestação da igualdade material tais como o art. 5º, I, XXXII, LXXIV, o art. 7º, XXX e XXXI, o art. 170, VII, art. 193, art. 196, art. 205 etc.

Há de se entender que o princípio jurídico da igualdade está voltado tanto para os cidadãos destinatários da norma, como para o legislador. Assim, não cabe ao Poder Legislativo Federal ou Estadual promulgar normas que não estejam em consonância com os ditames da igualdade. O legislador ao elaborar uma norma não pode criar situações que discriminem sem motivo, devendo o princípio da igualdade ser respeitado no nascedouro sob pena de se criar uma norma inconstitucional.

Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que:

"Há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando:

I – A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura indeterminada.

II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator tempo – que não descansa no objeto – como critério diferencial.

III – A norma atribui tratamento jurídicos diferentes em atenção ao fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados.

IV – A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses protegidos constitucionalmente.

V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discrímens, desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de modo claro, ainda que por via implícita (MELLO, 2002, p. 47)".

Estes critérios estabelecidos por Celso Antônio Bandeira de Mello devem ser respeitados, segundo este doutrinador, tanto na elaboração da norma como para se identificar se há ou não inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da igualdade após a promulgação da norma. Torna-se claro, então, que coexistem no nosso sistema constitucional tanto a igualdade perante a lei como a igualdade na lei, ou seja, o princípio deve ser compreendido para o aplicador da norma bem como para o legislador.

Segundo José Afonso da Silva, essa distinção no nosso sistema constitucional é desnecessária posto que:

"[...] a doutrina como a jurisprudência já firmaram, há muito, a orientação de que a igualdade perante a lei tem o sentido que, no exterior, se dá à expressão igualdade na lei, ou seja: o princípio tem como destinatários tanto o legislador como os aplicadores da lei (SILVA, 1999, p. 218)".

Esse entendimento constitui sobremaneira um avanço para a efetivação do princípio da igualdade pois ao se limitar o Poder Legislativo ao princípio da isonomia na elaboração das normas, tem-se para o ordenamento jurídico brasileiro a garantia de que as leis não poderão criar privilégios injustificados ou produzir situações discriminatórias sem qualquer fundamento.

Tal interpretação, no entanto, ainda não é completa. O princípio da isonomia não se limita somente ao postulado de que todos são iguais perante a lei podendo haver tratamento desigual para os desiguais na medida em que se desigualam. Cármen Lúcia Antunes Rocha descreve o estágio atual de interpretação constitucional do princípio da igualdade:

"O que se pretende, então, é que a igualdade perante a lei signifique igualdade por meio da lei, vale dizer, que seja a lei o instrumento criador das igualdades possíveis e necessárias ao florescimento das relações justas e equilibradas entre as pessoas. Há se desbastarem, pois, as desigualdades encontradas na sociedade por desvirtuamento sócio-econômico, o que impõe, por vezes, a desigualação de iguais sob o enfoque tradicional (ROCHA, 1990, p. 39)".

Dessa maneira, para cada situação encontrada na sociedade como injusta e discriminatória, deve o Direito, por meio da lei, promover a equiparação dos desiguais atendendo dessa forma o princípio constitucional da igualdade. Percebe-se que o princípio da isonomia se veste de total dinamicidade, pois não se limita à forma estática de outrora, agora é aplicado e elaborado para transformar a sociedade, para promover o bem de todos visando a consecução dos ideais de justiça que permeiam a sociedade.

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Sobre o autor
José Alexandre Silva Lemos

Advogado em Aracaju-SE, membro fundador da ABLO– Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, José Alexandre Silva. O princípio da igualdade e o Direito do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 306, 9 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5172. Acesso em: 23 dez. 2024.

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