A utilização de câmeras privadas pela polícia militar na preservação da ordem pública

01/09/2016 às 08:54
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Hoje cada vez mais os órgãos da segurança pública vêm se valendo da tecnologia para o cumprimento de suas missões constitucionais. Assim, as câmeras de videomonitoramento se mostram como uma grande ferramenta para a Preservação da Ordem Pública.

1 - Introdução

A Constituição da República Federativa do Brasil traz, no seu artigo 144, a finalidade do sistema de segurança pública, que é a Preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Porém, é apenas no § 5º que a Carta Magna concede às Polícias Militares a missão exclusiva de Polícia Ostensiva e de Preservação da Ordem Pública.

Nesse contexto, é exclusividade da Polícia Militar o exercício da polícia de Preservação da Ordem Pública, através das ações de manutenção, repressão imediata, missão residual e subsidiária.

 Para isso, as Polícias Militares utilizam, além das ferramentas tradicionais de manutenção e repressão, outros instrumentos que possibilitam preservar a ordem pública de forma mais eficaz e eficiente, como as novas tecnologias ligadas ao videomonitoramento, que, com o passar dos anos, foram se aprimorando e estão cada vez mais evoluídas. Exemplo disso é a utilização de câmeras IP, reconhecimento facial e comportamental, drones, entre outros.

Por outro lado, cada vez mais o cidadão vem investindo em câmeras de videomonitoramento para prevenir delitos, em face do aumento da criminalidade e a latente falta de efetivo das corporações. São milhões de equipamentos particulares que têm um grande potencial de utilização.

Nesse sentido, esses equipamentos podem e devem ser utilizados pelas corporações policiais, com intuito de maximizar o monitoramento das situações delituosas, além de dar um maior subsídio às guarnições quando do atendimento de ocorrências.

O principal objetivo desse trabalho é apresentar ao leitor a possibilidade de utilização das câmeras de videomonitoramento particulares pelos órgãos da segurança pública, particularmente pela Polícia Militar. Os objetivos específicos são primeiramente verificar os principais conceitos ligados à ordem pública, discutir brevemente acerca do videomonitoramento e, ao final, discorrer sobre o assunto principal.

A sua justificativa baseia-se na premissa de que, cada vez mais, as instituições policiais sofrem com a falta de efetivo, devendo incorporar novas tecnologias que, em que pese não substituam o agente público, servem para otimizar as ações de polícia de preservação da ordem pública.

Foi utilizado, neste trabalho, o método indutivo e a técnica é a pesquisa bibliográfica, por meio da consulta de livros, artigos, trabalhos acadêmicos e publicações eletrônicas.

A organização do artigo é feita conforme os objetivos específicos, já informados anteriormente.


2 - Desenvolvimento 

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as Polícias Militares passaram a ser tratadas como protagonistas em relação aos demais órgãos da segurança pública. Até esse marco, possuíam um papel limitado, que por vezes lhe impediam de exercer plenamente seu potencial, já que a Polícia Militar é a força policial com o maior número de integrantes, presente nos mais diversos cantos do Brasil e trabalhando vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. 

Antes da CRFB de 1988, cabia às polícias militares apenas a missão de manutenção da ordem pública, sendo essa definida pelo decreto nº 88.777 de 1983 (R200), como o exercício dinâmico do poder de polícia, no campo da segurança pública, manifestado por atuações predominantemente ostensivas, visando a prevenir, dissuadir, coibir ou reprimir eventos que violem a ordem pública. (BRASIL. Dec. nº 88.777, 1983).

Atualmente, o texto constitucional não fala mais em manutenção da ordem pública, prevendo agora a expressão preservação da ordem pública. Essa singela mudança refletiu significativamente na expansão de competência das polícias militares.

Para entender essa nova expressão, primeiramente, é importante entender o que é ordem pública. O primeiro lugar onde se encontra esse conceito é no Decreto nº 88.777 de 1983, que aprova o regulamento para as policias militares:

Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum. (BRASIL. Dec. nº 88.777, 1983). 

Vejamos que para o decreto, a Ordem Pública é formada apenas pelas regras formais que emanam do ordenamento jurídico. Esse conceito apresenta uma acepção formal de Ordem Pública, que hoje não é mais aceita pelos doutrinadores. Segunda a atual doutrina, Ordem Pública possui mais que uma compreensão formal, também abarcando o conjunto de regras não jurídicas, incluindo as regras de caráter moral. Nesse sentido, preleciona Álvaro Lazzarini:

Ordem pública é mais fácil de ser sentida do que definida, mesmo porque ela varia de entendimento no tempo e no espaço. [...] sentir-se-á a ordem pública segundo um conjunto de critérios de ordem superior, políticos, econômicos, morais e, até mesmo, religiosos. A ordem pública não deixa de ser uma situação de legalidade e moralidade normal, apurada por quem tenha a competência para isso sentir e valorar. [...] A ordem pública, em outras palavras, existirá onde estiver ausente a desordem, os atos de violência, de que espécie forem, contra pessoas, bens ou o próprio estado. [...] A ordem pública encerra um contexto maior, no qual se encontra a noção de segurança pública, como estado antidelitual, resultante da observância das normas penais, com ações policiais repressivas ou preventivas típicas, na limitação das liberdades individuais. (LAZZARINI, 1999, p. 202).

Com maestria, o Coronel PM RR Marlon Jorge Teza apresenta um conceito único de ordem pública, que é capaz de sintetizar tanto a acepção formal, quanto material:

Situação de normalidade em que o Estado tem o dever de assegurar a instituições e todos os membros de sua sociedade, consoante as normas jurídicas legalmente estabelecidas. A ordem pública é sempre uma noção de valor, composta por segurança pública, tranquilidade pública e salubridade pública. Ela existe quando estão garantidos os direitos individuais, a estabilidade das instituições, o regular funcionamento dos serviços públicos e a moralidade pública. É a condição que conduz ao bem comum, sendo variável no tempo e no espaço. (TEZA, 2011). 

Diante do conceito apresentado, Ordem Pública é sempre uma noção de valor, portanto depende do tempo e espaço. É composta pela, segurança pública, tranquilidade pública, salubridade pública e ultimamente a dignidade da pessoa humana. Serve então para garantir um clima de convivência harmoniosa e pacífica.

Já a Preservação da Ordem Pública pode ser considerada como sendo um conceito ampliado pela constituição de 1988, para além da manutenção, nesse caso, quando a Ordem Pública ainda não foi quebrada. Portanto, a preservação também contempla o restabelecimento da ordem pública quando quebrada através da repressão imediata. Nesse passo, ensina Lazzarini:

A expressão preservação tem espectro mais amplo que manutenção, eis que este tem lugar quando a ordem pública não tiver sido quebrada, em que a Polícia, por meio de ações próprias, consegue manter a situação em estado de normalidade, enquanto a primeira se opera a partir da eclosão, por exemplo, de um ilícito penal, em que “[...] deve ser restabelecida de imediato e automaticamente pelo órgão de polícia administrativa que tenha competência constitucional de preservação da ordem pública”. (LAZZARINI, 2003, p. 97).

Conforme dito anteriormente, fazem parte da Ordem Pública a segurança pública, tranquilidade pública e a salubridade pública. Para Lazzarini, Segurança Pública é o estado antidelitual que resulta da observância dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pela lei das contravenções penais com ações de polícia preventiva ou repressiva típicas, afastando assim de todo o perigo ou de todo o mal que possa afetar a ordem pública. (LAZZARINI, 1999, pg. 53).

Portanto, podemos considerar que existe segurança pública, na constatação da ausência de delitos. Para se chegar à essa segurança pública as instituições policiais devem agir tanto preventivamente, quanto repressivamente através de seu efetivo.

Todavia, é fato que as instituições policiais vêm sofrendo cronicamente ao longo dos anos com a falta de efetivo. Apesar do ingresso constante de novos agentes, essas inclusões servem apenas para minimizar esse problema, considerando que o número de policiais que se aposentam é superior àqueles que ingressão nas corporações.

Com o atual cenário de crise econômica, e considerando a lei de responsabilidade fiscal, cada vez mais os Estados estão deixando de incluir novos policiais. Isso faz com que a corporações busquem alternativas criativas para esse problema, principalmente através de novas tecnologias.

Várias instituições policiais pelo mundo, vêm adotando novas tecnologias para combate ao crime. Podemos citar algumas dessas inovações como tecnologia embarcada, câmeras termais que possibilitam encontram um fugitivo homiziado em região de mata ou produtos ilícitos escondidos em veículos, sensores de disparo que identificam exatamente de onde partiu o som, entre inúmeras outras tecnologias que vem auxiliando as polícias pelo mundo.

Porém, é o videomonitoramento que se consagra entre uma das maiores inovações tecnológicas adotadas pelas polícias mundiais nas últimas décadas, principalmente após o fatídico ataque de “Onze de Setembro”. Só a Inglaterra, pais com a maior vigilância do mundo, possui cerca de 3 milhões de câmeras entre públicas e privadas.

Esse sistema não serve apenas para a prevenção de delitos, mas também quando exista a necessidade da repressão imediata. Também denominado circuito fechado de televisão (CCTV)[1], pode ser definido da seguinte forma:

É um conjunto de câmeras que gera um sistema de televisionamento que partilha sinais provenientes de câmeras localizadas em locais específicos e estratégicos dentro da área de alcance da câmera. Normalmente, essas câmeras são instaladas em áreas de grande concentração de pessoas, as quais captam e transmitem as imagens para um sistema de monitoramento dedicado, numa sala de videomonitoramento. (VALLES, 2013, pg. 37)

Os sistemas de videomonitoramento têm duas funções principais, a primeira ligada a prevenção, pois inibe uma ação delituosa possibilitando rápida resposta por parte da polícia, e a segunda ligada à repressão, pois o registro das câmeras servirá como posterior prova do delito, auxiliando na persecução penal.

No âmbito do Estado de Santa Catarina existe o programa Bem-Te-Vi da Secretaria de Estado da Segurança Pública, que visa em parceria com os municípios catarinenses, o videomonitoramento dos logradouros, agindo em três pilares: prevenção, combate ao crime e investigação.

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Estima-se que nas ruas das cidades brasileiras, existam mais de 1 milhão de câmeras particulares de videomonitoramento. Portanto, é impossível andar por qualquer rua de uma grande cidade sem estar sob a vigilância de um desses equipamentos. Segundo os especialistas em tecnologia, dentro de alguns anos esse número deverá se multiplicar.

Cada vez mais esse tipo de equipamento vem se aprimorando para que possa captar imagens de alta qualidade, que facilitem a identificação de objetos e principalmente pessoas. Softwares de reconhecimento facial e de padrões, são uma realidade em vários países do mundo.

Nesse sentido, considerando o grande número de câmeras particulares utilizadas pela sociedade nos mais diversos ambientes, seria interessante o acesso das Polícias Militares às imagens dessas câmeras em tempo real, aumentando assim, o poder de monitoramento de locais que hoje não possuem programas de videomonitoramento.

Estabelecimentos comerciais e particulares poderiam liberar o acesso das suas câmeras para a Polícia Militar, através de um termo de cessão de imagens, o que permitiria a utilização desses equipamentos pela Polícia Militar, na preservação da ordem pública, como exemplo na verificação de um logradouro onde acabou de acontecer um crime, ou até mesmo para fazer o acompanhamento de suspeitos pelas câmeras privadas.

Esse projeto já é desenvolvido em várias partes do mundo e também do Brasil. Na Inglaterra, conhecida por ser o país com a maior vigilância eletrônica, o governo tem acesso à praticamente todas as câmeras particulares, utilizando softwares de alta tecnologia para identificação de pessoas e padrões. No Paraná em algumas cidades, a Polícia Militar já utiliza essa ferramenta para ter acesso à locais onde não há câmeras públicas.

Todavia, nem todo equipamento permite o acesso através da rede mundial de computadores. Somente os equipamentos que possuem tecnologia IP tem essa facilidade, por permitirem o tráfego de dados (voz, vídeo) em rede, o que não acontece com os equipamentos chamados analógicos. Esse tipo de equipamento também possui grande capacidade de armazenamento, bem como uma alta qualidade nas imagens captadas.

Importante salientar que as imagens dessas câmeras podem ser acessadas por qualquer tipo de equipamento, como smartphones, tablets e notebooks, bastando apenas a conexão com a rede mundial de computadores. Assim, esses equipamentos poderiam ser integrados às novas tecnologias usadas na PM como o PMSC Mobile.

Desse modo, a guarnição ao deslocar para o atendimento de uma ocorrência em determinada localidade, poderá acessar as câmeras de videomonitoramento particulares próximas ao fato, antes mesmo de chegar ao local. Outro exemplo, é o caso de uma ocorrência de roubo à banco, as Centrais Regionais de Emergência poderiam tomar conhecimento do que está acontecendo na agência, verificando a quantidade de elementos e armamento utilizado, repassando as informações às guarnições.

Nesse sentido, essa medida traria enormes benefícios para a Polícia Militar de Santa Catarina, no que tange à sua missão de preservação da ordem pública, aumentando significativamente a capilaridade do videomonitoramento feito pela corporação, e também auxiliando sobremaneira as guarnições de serviço, na obtenção de maiores informações sobre uma ocorrência em andamento.

Também não existirá problema quanto a invasão de privacidade, pois o acesso somente é permitido, após a autorização do proprietário dos equipamentos.

Conclui-se que essa é uma opção viável, pois a tecnologia já existe e, comparada à implantação de câmeras públicas, é menos onerosa para o Estado, pois diminuiria a aquisição de novos equipamentos pelo Estado e ainda salvaria a vida de policiais que teriam informações importantes, além de fornecer subsídios para a persecução penal.


3 - Conclusão 

Como foi visto, a Preservação da Ordem Pública é de exclusividade das Polícias Militares, cabendo a elas a busca de novas ferramentas para a concretização desse mister.

Nesse sentido, não basta apenas as soluções tradicionais que vêm sendo desenvolvidas ao longo dos anos, e que têm se mostrado ineficientes frente às rápidas mudanças sociais vividas pela sociedade. Vivemos em “tempos líquidos”, parafraseando BAUMAN, quando nada é feito para durar.

A Polícia Militar de Santa Catarina vem se adequando à essa nova realidade, e tem incorporado à sua rotina tecnologias que auxiliam nas missões de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública. Controle de frota, tecnologia embarcada e videomonitoramento são algumas das inovações implantadas nos últimos anos. Nesse último caso, com grande poder de expansão através da utilização de equipamentos particulares.

A tecnologia já existe, bastando apenas ser aplicada, como fazem outros países do mundo. Portanto, considerando que a segurança pública é dever do estado e responsabilidade de todos, a sociedade tem o dever de participar ativamente das soluções desses problemas.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 01 jan. 2016.

BRASIL. Decreto nº 88.777 de 1983 (R200). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D88777.htm> Acesso em: 01 jan. 2016.

BRUSCH TERRES, Carlos Alberto. Termo circunstanciado: uma análise sob a ótica da expressão constitucional “preservação da ordem pública” como atribuição da polícia militar. Monografia apresentada no curso de pós-graduação: UNISUL, 2012.

LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2 ed. – São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 1999.

_________. Temas de direito administrativo. 2 ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

VALLES, Eduardo Luiz. Descentralização da atividade de videomonitoramento: uma alternativa estratégica para eficácia desta ferramenta. Monografia apresentada no curso de pós-graduação: UNIVALI, 2013.

TEZA, Marlon Jorge. Temas de polícia militar: novas atitudes da polícia ostensiva na Ordem Pública. Florianópolis: Darwin, 2011.

G1 – Brasil tem mais de um milhão de câmeras de monitoramento nas ruas.  Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2011/05/brasil-tem-mais-de-um-milhao-de-cameras-de-monitoramento-nas-ruas.html>. Acesso em: 01 jan. 2016.

__________. Câmeras privadas serão monitoradas pela polícia. Disponível em: <http://rcrservicos.com.br/cameras-privadas-serao-monitoradas-pela-policia/>. Acesso em 01 jan. 2016.

___________. Tecnologia IP, o que é e qual as suas vantagens. Disponível em: <http://olhardigital.uol.com.br/solucoes_corporativas/noticia/tecnologia-ip-o-que-e-e-quais-sao-suas-vantagens/54456>. Acesso em: 01 jan. 2016. 

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Rosa

Bacharel em Direito pelo Instituto de Ensino Superior da Grande Florianópolis (IESGF), Bacharel em Ciências Policiais pela Academia de Polícia Militar da Trindade (APMT), Especialista em Gestão de Ecossistemas e Educação Ambiental (Dom bosco), Especialista em Gestão Pública e Educação Profissional e Tecnológica (IFSC) e Especialista em Estratégias para Conserrvação da Natureza (IFMS).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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