Breves considerações sobre a teoria da perda de uma chance no Brasil

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A teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance no Brasil, a partir de sua raiz européia e com a evolução do instituto, mostra-se como uma forma de implementar uma responsabilidade civil que consolide Justiça, abrangendo danos até então não indenizáveis.

RESUMO:O presente trabalho analisa a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance no Brasil, a partir de sua raiz européia, verificando a evolução do instituto, assim como sua atual configuração pela doutrina e jurisprudência brasileiras, como forma de implementar uma responsabilidade civil que consolide Justiça, abrangendo danos até então não indenizáveis.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade civil, Perda de uma chance, Teoria, Brasil

ABSTRACT:This paper analyzes the theory of liability for loss of a chance in Brazil, from its European roots, checking the progress of the institute as well as its current configuration by the doctrine and jurisprudence in Brazil, in order to consolidate Justice, covering damage so far not compensable.

KEYWORDS: Civil liability, loss of a chance, Theory, Brazil

SUMÁRIO:1. INTRODUÇÃO; 2. RESPONSABILIDADE CIVIL POR PERDA DE UMA CHANCE; 2.1. CONCEITO; 2.2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA; 2.3. A TEORIA NO BRASIL; 2.4. A DOUTRINA NO BRASIL; 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS


1. INTRODUÇÃO

Apesar da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance ter surgido já no final do Século XIX, é somente no Século XX que ganha força, principalmente na França e na Itália, buscando uma resposta para uma indagação que parece simples, à primeira vista, mas se torna um complexa quando melhor analisada, ou seja, a perda de uma chance, de uma oportunidade, pode ser considerada um prejuízo, um dano?

No Brasil, como se verá, a assimilação é tardia, mas acontece, extraindo seus fundamentos da doutrina e jurisprudência estrangeira, mas com desenvolvimentos próprios, inclusive em tribunais superiores, que visam uma implementação da teoria da responsabilidade civil, de forma a reparar uma modalidade de dano que permanecia sem a devida reparação dentro do sistema jurídico.

Assim, o presente trabalho tem como finalidade analisar, ainda que brevemente, a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, bem como a doutrina nacional e estrangeira que norteia a matéria, utilizando o método indutivo cartesiano.


2. RESPONSABILIDADE CIVIL POR PERDA DE UMA CHANCE

2.1. Conceito

A teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance (perte d’ une chance) é caracterizada quando, por ato ilícito, é retirada a chance ou oportunidade de determinado agente obter lucro ou evitar prejuízo, proporcionando, assim, o dano. Tal teoria é aplicável quando presentes os requisitos básicos da responsabilidade civil, que por uma questão de espaço, não serão comentados, ou seja, a conduta, o nexo causal e o dano.

Assim ensina Sérgio Cavalieri Filho (2009, p.74-75):

Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um beneficio futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda.

Como se observa, a teoria visa reparar um dano que incide sobre a perda da probabilidade existente em uma expectativa de ganho, e não no evento que geraria lucro, ou seja, entende-se por tal teoria que há como equiparar a um bem, interesse ou patrimônio, a probabilidade de determinado ganho, havendo assim diferença entre aquilo que é lucro, e o que é probabilidade de lucro.

Cavalieri, sobre o assunto, afirma neste sentido (2009, p.75):

A indenização [...], deve ser pela perda da oportunidade de obter uma vantagem e não pela perda própria vantagem. Há que se fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. A chance de vitória terá sempre valor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização.

No caso do advogado que perde o prazo para recorrer de uma sentença, por exemplo, a indenização não será pelo benefício que o cliente do advogado teria auferido com a vitória da causa, mas pelo fato de ter perdido essa chance; não será pelo fato de ter pedido a disputa, mas pelo fato de não ter podido disputar. O que deve ser objeto da indenização, repita-se, é a perda da possibilidade de ver o recurso apreciado e julgado pelo Tribunal.

Tal diferenciação, que é essencial, acontece pela aplicação da Matemática,  na qual há o estudo da probabilidade, consistindo basicamente na previsão de determinados fatos futuros. Essas previsões são resultado de diferentes equações matemáticas, que são criadas através de avaliação de situações fáticas ou de experimentos aleatórios.

Nesse passo, a Matemática, e seus avanços, foi utilizadas já em meados do século XX, principalmente nos países europeus, como França e Itália, a fim de auxiliar a ciência jurídica a buscar atingir o ideal de Justiça, passando a desenvolver o que hoje se denomina teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance.

2.2. Contextualização Histórica

Como se sabe, a responsabilidade civil caminhou, no decorrer de anos e anos de evolução social, tecnológica, econômica etc, na busca de uma forma razoável e equânime de reparação ou compensação de danos.

Esse desenvolvimento foi proporcionado principalmente pelo amadurecimento social, juntamente com o aprimoramento de ferramentas e formas articuladas de promover a Justiça, que dentre outras maneiras, é também realizada através da aplicação do instituto da responsabilidade civil.

Para a teoria da perda de uma chance, o apogeu da criação de formas ou maneiras que auxiliam os estudos das relações humanas, deu-se com a adoção pelo Direito do estudo matemático da probabilidade, que trouxe fundamento e proporcionou a quantificação da oportunidade perdida ou da probabilidade de ganho futuro, premissas que norteiam a teoria ora estudada.

Assim, a responsabilidade civil conseguiu, de certa forma, evoluir através de uma nova vertente, que é a teoria da perda de uma chance, criada na França, no Século XIX, tendo seu primeiro registro no dia 17 de Julho de 1889, conforme aponta Rafael Peteffi da Silva (2013, p.11):

Já no século XIX, precisamente em 17 de Julho de 1889, a Corte de Cassação francesa aceitara conferir indenização a um demandante pela atuação culposa de um oficial ministerial que extinguiu todas as possibilidades de a demanda lograr êxito, mediante o seu normal procedimento. Este é o que exemplo mais antigo de utilização do conceito de dano pela perde uma chance encontrado na jurisprudência francesa.

Cumpre salientar, entretanto, que a temática da responsabilidade civil por perda de uma chance foi aprimorada apenas na década de 60, do Século XX,  após passar por diversas discussões doutrinárias, conforme menciona Sérgio Savi (2012, p.3):

Na França, houve dedicação maior ao tema por parte da doutrina e da jurisprudência. Em razão dos estudos desenvolvidos naquele país, ao invés de admitir a indenização pela perda da vantagem esperada, passou-se a defender a existência de um dano diverso do resultado final, qual seja, o da perda de uma chance. Teve início, então, o desenvolvimento de uma teoria especifica para estes casos, que defendia a concessão de indenização pela perda da possibilidade de conseguir uma vantagem e não pela perda da própria vantagem perdida. Isto é, fez-se uma distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. Foi assim que teve início a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance.

[...], o tema despertou acirradas discussões doutrinarias, influenciando a Corte de Cassação, que passou a conceder indenizações a este título e, consequentemente, a contribuir para a evolução da teoria da Responsabilidade Civil por Perda de Uma Chance.

Vale dizer ainda, que em dado momento histórico, a perda de uma chance foi aplicada com maior frequência diante dos casos que envolviam atividades médicas, surgindo o que se denomina de teoria da perda de uma chance de sobrevivência ou de cura.

O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Miguel Kfouri Neto ensina que (2003, p.53):

O primeiro julgado, na Françaa, que inaugura a jurisprudência sobre a perda de uma chance, é da 1a Câmara da Corte de Cassação, reapreciando caso julgado pela Corte de Apelação de Paris, de 17.07.1964. O fato ocorreu em 1957. Houve um erro de diagnóstico, que redundou em tratamento inadequado. Entendeu-se em 1a instância que, entre o erro do médico e as graves consequências (invalidez) do menor não se podia estabelecer de modo preciso um nexo de causalidade. A Corte de Cassação assentou que: ‘Presunções suficientemente graves, precisas e harmônicas podem conduzir à responsabilidade’. Tal entendimento foi acatado a partir da avaliação de o médico haver perdido uma ‘chance’ de agir de modo diverso – e condenou – o a uma indenização de 65.000 francos.

Evidentemente, a teoria da perda de uma chance continuou evoluindo, principalmente através dos estudos desenvolvidos pelos magistrados da Corte de Cassação Francesa, que passou a aceitar a aplicação da teoria em diversas hipóteses, conforme bem destaca Rafael Peteffi da Silva (2013, p.155):

A jurisprudência francesa, a partir de um acordão pioneiro que data do final do século XIX, pode ser considerada como a mais criativa em relação às possibilidades de utilização da perda de uma chance.

A propósito, os juristas franceses apresentam um leque de hipóteses bastante variado, como a responsabilidade pela perda de uma chance de lograr êxito em um jogo de azar ou em uma competição esportiva, tal como ocorreu com um criador que teve seus cavalos de corridas arrestados, ficando impedido de inscrevê-los em competições.

Também se pode observar a utilização da teoria em casos de perda de uma chance pela quebra do dever de informar; perda de uma chance de ganhar uma demanda judicial devido a falhas de advogados e perda de uma chance em matéria empresarial.

Mais adiante, em sua obra sobre responsabilidade civil pela perda de uma chance, Peteffi cita recente entendimento da Corte de Apelação de Paris, o que evidencia cada vez mais o avanço da teoria (2013, p.156):

Em 11 de Janeiro de 2002, a corte de Apelação de Paris responsabilizou uma empresa fabricante de perfumes pela perda de uma chance de obter lucros substancias, tendo como vítima a conhecida empresa “L’Occitane”, já que a ré havia fabricado um produto que gerava um cheiro desagradável, se utilizado em determinadas cirscustâncias. A corte de Cassação, em 24 de Setembro de 2003, condenou um contador, que havia “maquiado” o balanço de uma empresa, a indenizar os fiadores da dívida da empresa por terem estes perdido a chance de “limitar o seu risco financeiro”.

A jurisprudência francesa também se sente à vontade para conferir reparações pela de uma chance quando esta constitui um prejuízo futuro. Assim, em alguns casos, observa-se a reparação pela perda de uma chance de auferir melhor condição social, como no caso em que a Corte de Cassação, no início da década de 1970 do século passado, concedeu reparação a uma jovem viúva que perdeu o marido, um brilhante médico residente, pela conduta culposa do réu.

Como se observa, a teoria da perda de uma chance se desenvolveu e ganhou espaço em suas mais variadas formas, porém, é necessário a constatação de que a aplicação da teoria, principalmente dentro da seara médica, como já mencionada, é controversa, conforme leciona Rafael Pettefi (2013, p.156-157):

A doutrina francesa aplaude a utilização da teoria da perda de uma chance nessas hipóteses. Entretanto, verificou-se que a maior parte dos doutrinadores franceses é fortemente contrária à aplicação da responsabilidade pela perda de uma chance nos casos em que a noção de causalidade parcial necessite ser utilizada, como ocorre na maioria dos casos de perda de uma chance na seara médica.

É interessante notar que a intensa controvérsia doutrinaria francesa parece ter passado absolutamente despercebida pela jurisprudência. Tendo como referencial primordial as decisões da Corte de Cassação, pode-se afirmar que não foram encontradas discussões aprofundadas sobre a natureza jurídica da perda de uma chance, tampouco argumentações sobre a possibilidade de se abandonar a utilização da teoria da perda de uma chance nos  casos em que a causalidade parcial fosse chama a depor. Destarte, a Corte de Cassação, desde os primeiros acórdãos sobre responsabilidade médica, firmou posição no sentido de admitir os casos de perda de uma chance nesta seara.

Apesar da constatação analisada por Rafael Peteffi, no tocante à falta de discussões que envolvam a teoria da perda de uma chance, a Corte de Cassação continuou seguindo a linha de entendimento que possuía anteriormente, qual seja, de amparar os jurisdicionados com a aplicação da teoria (2013, p. 157):

Os acórdãos mais recentes demonstram que a Corte de Cassação não mudou de posicionamento, desde a sua primeira manifestação sobre os casos de perda de uma chance na seara médica. Patrice Jourdain dá conta de uma decisão da Corte de Cassação, julgada em 28 de Janeiro de 2010, que concedeu a reparação requerida por uma criança e seus pais pela da chance de evitar as graves sequelas neurológicas que a criança apresentou depois do parto, já que um correto procedimento de obstetrícia poderia ter evitado o dano sofrido.

Na Itália, assim como ocorreu na França, houve grande controvérsia para a aplicação da teoria. Porém, como aponta Sérgio Savi, juristas como Adriano de Cupis e Maurizio Bocchiola favoreceram a referida teoria com argumentos extremamente lisonjeiros (2012, p. 4):

Na Itália, a inicial resistência ao acolhimento da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance sucumbiu às consistentes manifestações favoráveis de importantes juristas, como Adriano de Cupis e Maurizio Bocchiola.

Assim como na França, doutrina e jurisprudência italianas passaram a visualizar um dano independente do resultado final, consistente na perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo. Passou-se, então, a admitir o valor patrimonial da chance por si só considerada, desde que séria, e a traçar os requisitos para o acolhimento da teoria. Em vez de enquadrar o dano material causado pela perda de chance como espécie de lucros cessantes, passou-se a considera-lo como dano emergente e, assim, a superar o problema da certeza do dano para a concessão de indenização.

Por outro lado, seguindo na Itália, conforme aponta Sérgio Savi, em 1940, Giovanni Pacchioni, professor da Università di Milano, em sua obra Diritto Civile Italiano, indagava sobre qual fim teria o agente que, por uma conduta culposa, tirasse a possibilidade de lucro de outra pessoa. As críticas a teoria foram severas, porém esclarecedoras. Menciona Sérgio Savi (2012, p.7-8):

Os exemplos analisados por Pacchioni são os seguintes: um jóquei que deverá montar um cavalo de corrida que foi entregue pelo proprietário não chega, por sua culpa exclusiva, a tempo de participar do Grande Prêmio; um pintor envia pelo correria um quadro a uma exposição, mas, por culpa do correio ou de outros, o seu é destruído ou não é entregue a tempo de participar da exposição; um advogado deixa transcorrer in albis o prazo para interpor um recurso de apelação, privando o seu cliente da possibilidade de obter a reforma ou a cassação da sentença que lhe foi desfavorável.

Segundo Pacchioni, em todas essas hipóteses as vítimas – o proprietário do cavalo, o pintor e o cliente do advogado – teriam sem dúvida razão para se queixar. Todavia, afirma ser muito controverso se as vítimas teriam interesse jurídico para ajuizar ação de indenização, tendo em vista que não se poderia falar em um dano certo.

Para este autor que, frise-se, enfrentou o tema antes mesmo da entrada em vigor do atual Código Civil Italiano, as condutas culposas descritas nos exemplos fizeram com que as vítimas de tais atos perdessem uma possibilidade de lucro, uma simples chance que, no seu entender, seria uma possibilidade aleatória e não um valor efetivo, certo e presente. As situações descritas seriam, assim, desagradáveis, mas incapazes de causar um dano patrimonial.

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Pacchioni possuía o entendimento de que as hipóteses do jóquei, do pintor, e do advogado, assim como diversas outras hipóteses, são situações que apontam danos hipotéticos, que não poderiam ser apreciados pelo Judiciário, por não haver a certeza do dano, ou de visualizá-lo de maneira muito distante. Por essas razões o autor é incisivo ao discordar com a doutrina francesa, considerando que uma simples possibilidade de ganho, ou uma chance perdida, não é passível de indenização, por não possuir valor de mercado. Constatou Sérgio Savi sobre o entendimento de Pacchioni (2012, p.8):

Apesar de admitir que alguns autores franceses e a jurisprudência deste país já estariam reconhecendo o valor da chance em si considerada, desde que séria e real, Pacchioni é enfático ao afirmar que não poderia concordar com esta corrente.

Isso porque “uma simples possibilidade, uma chance, tem sim um valor social notável, mas não um valor de mercado”. A justificativa para essa afirmação seria a de que, ao contrário do ordenamento jurídico francês, na Itália, àquela época, a indenização dos danos estaria limitada aos danos patrimoniais, e não a qualquer tipo de dano moral.

Certo que Pacchioni, conforme aponta Sérgio Savi, enfrentou os estudos sobre a teoria da perda uma chance, em um período desfavorável a seu pleno entendimento, principalmente no tocante a possibilidade de quantificação dos danos e as facilidades postas pelo direito contemporâneo, razões que não favoreceram o apoio à teoria da perda de uma chance.

Todavia, após Pacchioni e diversos outros juristas italianos terem reprovado a aplicabilidade da teoria, a controvérsia criada sobre a aplicação da teoria foi sendo sanada por autores como Adriano de Cupis, na época professor de direito civil da Università di Perugia, favorecendo a aplicabilidade da teoria da perda de uma chance.

Sérgio Savi esclarece que (2012, p.10):

Adriano De Cupis, à época professor de direito civil da Università di Perugia, ao publicar, em 1966, Il danno: Teoria Generale Della Responsabilità Civile, adotando posição contrária aos autores até aqui citados, reconheceu a existência de um dano passível de indenização nos mesmos casos citados por Pacchioni.

Adriano De Cupis foi, em nosso sentir, o responsável pelo início da correta compreensão da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance no direito Italiano. Este autor conseguiu visualizar um dano independente do resultado final, enquadrando a chance perdida no conceito de dano emergente e não de lucro cessante, como vinha sendo feito pelos autores que o antecederam.

Nesse passo, Adriano De Cupis foi um dos juristas que mais contribuíram com o avanço da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, visualizando, diferentemente dos demais juristas, uma nova espécie de responsabilização, independente das outras, que se perfaz através da análise da probabilidade, que após ser apurada e quantificada, deve ser valorada como patrimônio, e indenizada caso prejudicada.

Sérgio Savi continua explicando o posicionamento de Adriano De Cupis (2012, p.10):

Ao enfrentar os mesmos exemplos citados por Pacchioni, De Cupis admite que, no caso do cavalo que deixou de correr o grande prêmio por culpa do jóquei, não há como falar que o dano consistiria no valor pago ao vencedor da corrida. Isto porque, ainda que o cavalo tivesse corrido, nada assegura que conseguiria chegar em primeiro lugar: “La vittoria è assolutamente incerta” e, consequentemente uma ação que visasse a condenação do jóquei ao pagamento do valor pago ao vencedor da corrida estaria certamente fadada ao insucesso. Afinal, o dano neste caso não preenche o requisito de certeza exigido pelo ordenamento jurídico para o surgimento do dever de indenizar.

Da mesma forma, nos casos do pintor e do advogado, não há como afirmar que, caso o quadro tivesse chegado em tempo à exposição, ou o recurso tivesse sido interposto no prazo correto, o pintor venceria a exposição e o recurso seria provido, respectivamente. Desta forma, não é possível reconhecer um dano passível de indenização relativo ao prêmio pago ao vencedor da exposição e ao benefício que o cliente do advogado teria auferido se sua pretensão fosse acolhida pelo Tribunal. Mais uma vez, o danos nestes casos é meramente hipotético e, portanto não indenizável.

Adriano De Cupis reconhece a impossibilidade de reparação em relação a perda sofrida nos exemplos do jóquei, do pintor ou do advogado, mas afirma que não há como negar a existência de uma possibilidade de vitória antes de ocorrido o fato danoso. Sendo assim, é razoável dizer que, no que diz respeito a possibilidade de vitória, há um dano juridicamente plausível, passível de indenização. (SAVI, 2012, p.10).

Neste sentido vê-se que, o grande mérito de Adriano De Cupis, foi reconhecer o valor patrimonial da chance e, além disso, enquadrá-la como uma espécie de dano emergente, o que afastaria os óbices relacionados as incertezas dos danos (SAVI, 2012, p. 11).

Logo, não se pode mais enxergar a perda de uma chance como uma forma de responsabilizar o agente causador do dano face ao total prejuízo, muito menos ao total do ganho, mas sim em face a probabilidade ou possibilidade que fora gerada de ter o ganho ou de não ter o prejuízo.

Savi cita trecho da obra de Adriano De Cupis onde afirma que ( 1966 apud 2012, p.11):

A vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe, talvez em reduzidas proporções, no momento em que se verifica o fato em função do qual ela é excluída: de modo que se está em presença não de um lucro cessante em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada.

Desse modo, a mudança do enquadramento do dano da perda de uma chance, de lucro cessante para dano emergente, retira as dúvidas referentes existência do dano e do nexo causal antes colocadas pelos demais doutrinadores, pois não mais se busca indenizar a perda de um ganho, mas sim a perda da chance de um ganho (SAVI, 2012, p.11).

Adriano De Cupis ainda chama atenção ao concluir que a chance de um dado ganho terá sempre valor inferior do que o ganho em si, de modo que a indenização face a chance perdida sempre será inferior ao resultado final de um ganho, pois, logicamente, há a possibilidade também de se ter prejuízo (SAVI, 2012, p.11).

Além de esclarecer sobre responsabilização pela teoria da perda de uma chance, De Cupis aponta no sentido de que nem todas as situações são passíveis de sua aplicação, é necessário que a chance perdida seja real e séria. Assim, o autor aponta um importante requisito para a aplicação da teoria, qual seja a perda de uma chance séria, concreta, uma real probabilidade de ganho que gerou expectativas sólidas, e que sejam diferentes das meras esperanças aleatórias de ganho, que não podem ser passíveis da indenização (SAVI, 2012, p. 12).

Em relação ao quantum devido, as indenizações para os jurisdicionados, De Cupis não estabelece critérios que devem fundamentar a atividade do julgador, mas afirma que a apuração de tais valores deve se dar de maneira equitativa pelo magistrado (SAVI, 2012, p. 12).

Seguindo na Itália, no ano de 1976, o então professor Maurizio Bocchiola da Università Di Milano redigiu um artigo chamado “Perdita di una chance e certeza del danno” que foi sem dúvidas um dos trabalhos que definiram a teoria ora estudada.

Sérgio Savi esclarece em seu livro (2012, p.13):

O termo chance significa, em sentido jurídico, a probabilidade de obter um lucro ou de evitar uma perda. Assim entendida, a perda de uma chance assumiria um valor econômico, um conteúdo patrimonial.

Ao se referir às mesmas hipóteses aventadas por Pacchioni e De Cupis, Bocchiola afirma que, em todos aqueles casos, a chance aparece “a não ocorrência de uma eventualidade favorável”. Desta forma, a chance implicaria necessariamente em uma incógnita – um determinado evento poderia se produzir (as vitórias na corrida de cavalos e na ação judicial, por exemplo), mas a sua ocorrência não é passível de demonstração.

Nesta linha de entendimento, Bocchiola torna ainda mais independente a teoria da perda de uma chance, pois ao passo que impõe distância entre a demonstração da ocorrência de um ganho, incita os demais juristas a apurar e estudar a inocorrência de uma eventualidade favorável, quantificando-a e indenizando o agente na qual tal eventualidade fora tirada.

Sérgio Savi traz trecho importante da obra de Bocchiola (1976 apud SAVI, 2012, p. 13):

É inútil esperar para saber se haverá ou não um prejuízo, porque o seu concretizar-se não depende absolutamente de qualquer acontecimento futuro e incerto. A situação é definitiva e não poderá ser modificada. Um determinado fato interrompeu o curso normal dos eventos, que poderia dar origem a uma fonte de lucro, de tal modo que não é mais possível descobrir se a chance teria ou não se realizado.

Seguindo a linha de raciocínio criada por Adriano De Cupis, Bocchiola sustenta que a teoria da perda de uma chance, assim como dano emergente, é caracterizada normalmente como um prejuízo presente tendo em vista que, a chance quase sempre é perdida concomitantemente ao momento que ocorre o fato danoso (SAVI, 2012, p. 19).

Vale consignar o trecho da obra de Bocchiola trazido por Savi (1976 apud SAVI, 2012, p. 19):

A possibilidade, por si só considerada, é atual já no momento do fato lesivo, e quando se julga sobre esta perda, a situação é, normalmente, definitiva, cristalizada em todos os seus elementos, de modo que o dano já se verificou.

Insta salientar que, diferentemente de Adriano De Cupis, Bocchiola se preocupou em determinar parâmetros sobre o que poderia ser considerado uma chance ou probabilidade séria de ganho, chegando a conclusão de que 50% de probabilidade de vitória seria um valor razoável, restringindo assim a aplicação da teoria da perda de uma chance somente a aqueles que realmente possuíam a possibilidade ou probabilidade ganho.

Em suma, percebe-se que a controversa teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, desenvolvida no século XX, principalmente na França e na Itália, é um tema bastante singular, que vem ganhando cada vez mais espaço em diversas partes do mundo, principalmente em razão de sua vasta aplicabilidade, que alcança as expectativas de ganho de um indivíduo. Tal teoria, com o passar do tempo, chegou ao Brasil, causando acirrados debates.

2.3. A teoria no Brasil

O primeiro julgado que faz menção a teoria da perda de uma chance no Brasil é datado da década de 90. Trata-se de um acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pelo então relator do processo, o desembargador Ruy Rosado de Aguiar Júnior, que negou acolhimento a tese de aplicação da referida teoria (SAVI, 2012, p. 47-48).

Sérgio Savi explica em sua obra (SAVI, 2012, p. 48):

Tratava-se de ação de indenização dos danos decorrentes de erro médico. A autora da ação havia se submetido a uma cirurgia para correção de miopia em grau quatro da qual resultou uma hipermetropia em grau dois, além de cicatrizes na córnea que lhe acarretam névoa no olho operado.

Ao a prova dos autos, o Tribunal chegou à conclusão de que a hipermetropia em grau dois e as cicatrizes na córnea eram consequências diretas e imediatas do erro cometido pelo médico da cirurgia. Ou seja, neste foi possível estabelecer nexo de causalidade entre a atitude culposa do médico e o dano final, não havendo portanto, que se falar em indenização da chance perdida, conforme se extrai do voto do Des. Ruy Rosado de Aguiar Junior.

Passado um ano, Ruy Rosado de Aguiar Júnior foi relator de uma apelação cível, na qual reconheceu a aplicabilidade da perda de uma chance, entretanto, a apuração da quantia da indenização devida fora remetida a liquidação de sentença, sem ter o referido Desembargador fixado premissas para o juízo liquidante (SAVI, 2012, p.48).

Tratava-se de ação contra o Instituto Nacional da Previdência Social que pretendia pensão por morte de uma viúva. A ação foi distribuída em 1975, para a 1ª Vara Cível do Foro de Novo Hamburgo, mas infelizmente, os autos do processo foram extraviados, e jamais chegaram àquele Juízo. Ocorre que o advogado, contratado pela autora, não informou o extravio do processo, nem providenciou a restauração do mesmo, tendo assim a autora sido cerceada no direito de ver seu pleito analisado (SAVI, 2012, p.48).

Vale citar trecho do voto do relator, o então desembargador Ruy Rosado de Aguiar Júnior (SAVI, 2012, p. 48):

Não lhe imputo o fato do extravio, nem asseguro que a autora venceria a demanda, mas tenho por irrecusável que a omissão da informação do extravio e a não restauração dos autos causaram à autora a perda de uma chance e nisso reside seu prejuízo. Como ensinou o Prof. François Chabas: ‘ Portanto, o prejuízo não é a perda da aposta (do resultado esperado), mas da chance que teria alcança-la’ (‘LA Perte d’e une chance em Droit Français’, conferencia na Faculdade de Direito da UFRGS em 23.5.90) [...]

[...] a álea integra a responsabilidade pela perda de uma chance. Se fosse certo o resultado, não haveria a aposta e não caberia invocar este princípio específico da perda de chance, dentro do instituto da responsabilidade civil.

Isto posto, estou em negar provimento ao apelo para manter a sentença de procedência, esclarecendo que a fixação da indenização, através de arbitramento em liquidação de sentença, deverá atentar para o fato de que o dano corresponde apenas à perda de uma chance.

No caso, o acórdão está ementado da seguinte maneira (SAVI, 2012, p. 48):

RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda da chance.

Como se observa, os dois exemplos mencionados, refletem as primeiras aparições da responsabilidade por perda de uma chance no Brasil. Vê-se que, com o passar dos anos, a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance vem ganhando cada vez mais espaço, sendo certo que a evolução se deu graças ao anseio dos jurisdicionados, e o grande trabalho dos advogados, incansáveis lutadores por efetivação da Justiça.

2.4. A Doutrina no Brasil

Primeiramente, cumpre consignar que Agostinho Alvim, citado na obra de Rafael Peteffi. (1955 apud SILVA, RP, 2013):

A possibilidade e talvez a probabilidade de ganhar a causa em segunda instancia constituía uma chance, uma oportunidade, um elemento ativo a repercutir, favoravelmente, no seu patrimônio, podendo o grau dessa probabilidade ser apreciado por peritos técnicos.

Tanto isto é verdade, que o autor de uma demanda pode, mesmo perdida a causa em primeira instância, obter uma quantia determinada, pela cessão de seus direitos, a um terceiro que queira apelar. No exemplo figurado, os peritos técnicos, forçosamente advogados, fixariam o valor a que ficara reduzido o crédito após a sentença da primeira instância, tendo em vista, para isso, o grau de probabilidade de reforma da mesma, de modo a estabelecer-se a base negociável desse crédito.

O crédito valia dez. Suposta a sentença absolutória, que mal apreciou a prova, seu valor passou a ser cinco. Dado, porém, que a mesma haja transitado em julgado, tal valor desceu a zero. O prejuízo que o advogado ocasionou ao cliente, deixando de apelar, foi de cinco.

Se este cálculo não traduz exatamente o prejuízo, representa, em todo o caso, o dano que pôde ser provado, e cujo ressarcimento é devido.

Insta consignar também os ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira e Miguel Maria Serpa Lopes, ambos favoráveis a aplicação da responsabilidade civil por perda de uma chance, com suas peculiaridades.

Leciona Caio Mário da Silva Pereira (PEREIRA, 2002, p. 42):

É claro, então, que, se a ação se fundar em mero dano hipotético, não cabe reparação. Mas esta será devida se se considerar, dentro na idéia de perda de uma oportunidade (perte d'une chance) e puder situar-se na certeza do dano.

Segue ainda Miguel Maria de Serpa Lopes (LOPES, 2000, p.391):

A perda de uma chance ocorre quando o causador do dano por ato ilícito, com o seu ato, interrompeu um processo que podia trazer em favor de outra pessoa a obtenção de um lucro ou o afastamento de um prejuízo. Tem se entendido pela admissibilidade do ressarcimento em tais casos, quando a possibilidade de obter lucro ou evitar prejuízo era muito fundada, isto é, quando mais do que a possibilidade havia uma probabilidade suficiente, é de se admitir que o responsável indenize essa frustração. Tal indenização, porém, se refere à própria chance [...] Tudo quanto se impõe é a investigação judicial em torno das circunstâncias de que se revista cada caso, e apurar se delas emerge uma situação clara e definida, uma apreciação sobre a possibilidade perdida, se certa ou hipotética.

É imperioso destacar também a posição de Judith Martins-Costa, citada por Sérgio Savi em sua obra (2003 apud SAVI, 2012, p.41):

Embora a realização da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa. Por estes motivos não vemos óbice à aplicação criteriosa da Teoria. O que o art. 403 afasta é o dano meramente hipotético, mas se a vítima provar a adequação do nexo causal entre a ação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da probabilidade séria e real), configurados estarão os pressupostos do dever de indenizar.

Criando divisões razoáveis e inteligentes, o doutrinador Fernando de Noronha leciona que a teoria da perda de uma chance subdivide-se em duas, quais sejam: a perda da chance de obter uma vantagem futura; a perda da chance de evitar um prejuízo que ocorreu, sendo que nesta ultima hipótese, há o apontamento nos sentidos de perder a chance de evitar que outrem sofresse um dano e a perda da chance em si, por falta de informação, apurando a causalidade parcial. (SAVI, 2012, p.45).

Na mesma linha de raciocínio, após análise da doutrina francesa, seguiu Rafael Peteffi em sua Dissertação de Mestrado, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, após análise da doutrina francesa (2001 apud SAVI, 2012, p.45):

[...], entende-se que a correta sistematização atual da teoria da perda de uma chance encerra duas categorias. A primeira embasada em um conceito específico de dano. A segunda, por outro lado, estaria respaldada no conceito de causalidade parcial em relação ao dano parcial. Imperioso ressaltar que os casos da seara médica, como enfoca Francois Chabas, podem ser observados nas duas categorias da teoria da perda de uma chance, não se apresentando como objeto exclusivo da segunda aplicação.

A rigor, pretende-se propor aqui uma ruptura, porém não mais entre os casos ‘clássicos’ e aqueles vinculados à seara médica. Também seria correta afirmas que todas as vezes que o processo aleatório em que se encontrava a vítima é interrompido, com a perda definitiva da vantagem esperada e a total aniquilação das chances da vítima, está-se diante de chances perdidas como dano específico e autônomo. Porém, quando o processo aleatório chegou até o final, como costuma acontecer na seara médica, a noção de causalidade parcial é chama a depor. Neste último caso, a conduta do agente apenas retira algumas chances de a vítima auferir a vantagem esperada, fazendo com que esta ainda possa ser alcançada.

Importante citar excerto trazido por Sérgio Savi, trazido na tese de doutorado  de Gisela Sampa da Cruz, sobre a questão da teoria da perda de uma chance clássica ou a que utiliza a causalidade parcial (2008 apud SAVI, 2012, p.46-46):

“[...] enquanto na perda de uma chance clássica o dano decorre do evento danoso que interrompeu o processo em curso, no caso da perda de uma chance de evitar um prejuízo que já aconteceu o dano surge exatamente porque o processo em curso não fora interrompido, quando poderia tê-lo sido feito. Se o processo tivesse sido interrompido, haveria a possibilidade- isto é, a chance- de o dano não se verificar. Então, ao contrário dos casos clássicos de perda de uma chance, aqui as chances não estão mais relacionadas a algo que poderia vir a acontecer no futuro, antes são atinentes a algo que podia ter sido feito no passado, para evitar o dano verificado. Tem-se conhecimento de que ocorreu um dano por força de determinada cadeia causal; o que se indaga é se o dano poderia ter sido evitado, caso tivessem sido adotadas certas providências que interromperiam o processo em curso.

Em suma, é indispensável informar que a perda de uma chance, conforme demonstrado, é um tema novo e controverso, pois tende a auferir a probabilidade da perda de uma chance, de prejuízo ou de ganho, que pode ser causada de maneira positiva (teoria clássica) ou de forma negativa (teoria neoclássica).

Apesar de controverso e complexo, a teoria quando exportada para nosso ordenamento, deve ser aplicada de maneira adequada, trazendo aos jurisdicionados segurança jurídica e uniformização, o que infelizmente muitas vezes não ocorre.

Uma das principais dificuldades assistidas pelos operadores do direito frente a teoria da perda de uma chance, é diferenciá-la entre os demais danos, principalmente pela pseudo aproximação que a teoria possui com o lucro cessante, matéria que passará ser abordada.

2.5. Diferença entre Lucros Cessantes e a Perda de Uma Chance

Como se sabe, o lucro cessante é uma espécie de dano material, que é apurado após o evento danoso, constituindo aquilo que o lesado razoavelmente lucraria se o dano não tivesse ocorrido, ou seja, é a apuração dos lucros que se cessaram, conforme art. 402, do Código Civil.

 Por outro lado, conforme também já mencionado, a perda de uma chance é observada quando há uma expectativa provável de ganho, e esta é perdida por uma conduta ilícita. Indeniza-se assim, a expectativa provável do ganho, e não o ganho em si, ou seja, apura-se a probabilidade que o agente lesado possuía de obter o lucro, e indeniza-se tal probabilidade.

Vê-se que, com tais conceitos formulados, mais simples é a assimilação da diferença entre o lucro cessante e a perda de uma chance, pois enquanto o lucro cessante indeniza os lucros que futuramente iriam advir, com certeza, a perda de uma chance indeniza apenas a probabilidade ou chance de determinado ganho, que n~unca advirá. 

Segue Sérgio Cavalieri (2009, p. 77):

Há forte corrente doutrinaria que coloca a perda de uma chance como terceiro gênero de indenização, a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante. Entre um extremo e outro caberia uma graduação, que devera ser feita em cada caso, com critério equitativo e distinguindo a mera possibilidade da probabilidade.

De qualquer forma, a indenização deve corresponder à própria chance, que o juiz apreciará in concreto, e não ao lucro ou perda que dela era objeto, uma vez que o que falhou foi a chance, cuja natureza é sempre problemática na sua realização.

Desse modo, a natureza jurídica da perda de uma chance, apesar de controversa, é posta de maneira distinta do lucro cessante, pois nada tem a ver com lucro perdido, mas sim probabilidade de um lucro perdido.

Sérgio Savi expõe uma grande diferença entre a perda de uma chance e o lucro cessante (SAVI, 2012, p. 15-16):

Contudo, é possível estabelecer algumas diferenças entre os dois  conceitos. A primeira delas seria quanto à natureza dos interesses violados. A perda de uma chance decorre de uma violação a uma mero interesse de fato, enquanto o lucro cessante deriva de uma lesão a um direito subjetivo.

A importância desta distinção estaria no fato de que, dependendo da interpretação que se dê ao termo injustiça do dano, previsto no art. 2043 do Código Civil italiano, o ressarcimento da chance por si só considerada poderia restar abalado.

Isto porque, a se entender que o termo injustiça do dano abarca tão somente as lesões a direitos subjetivos das vitimas, a chance, compreendida como interesse de fato, não poderia ser considerada um dano indenizável. Por outro lado, a se atribuir a este termo uma interpretação mais elástica e abrangente, assegurando a indenização mesmo no caso de lesão a interesses diversamente tutelados, pelo simples fato de ser consequência direta e imediata ao evento danoso, aí então a perda de chance poderia ser considerada um dano indenizável.

O cerne de toda discussão sobre a natureza jurídica da perda da chance, bem como sua distinção entre o lucro cessante é extinta após a conclusão mencionada por Savi. Quando este autor conceitua a perda de uma chance como um interesse de fato, face a uma consequência direta do evento danoso, significa dizer que a perda de uma chance é uma espécie mais próxima de dano emergente, um dano real.

Constatou Sérgio Cavalieri Filho (2009, p. 77-78):

Sérgio Savi, em excelente monografia sobre o tema (responsabilidade civil por perda de uma chance, Atlas, 2006), baseado em Adriano De Cupis, conclui que a perda de uma chance deve ser considerada em nosso ordenamento jurídico uma subespécie de dano emergente. Sustenta que a chance deve ser considerada em nosso ordenamento jurídico uma espécie de propriedade anterior do sujeito que sofre a lesão e que, ao se inserir a perda de uma chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrario de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda da chance de obter o resultado útil esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial)... Assim, não se concede a indenização pela vantagem perdida, mas sim pela perda da possibilidade de conseguir vantagem. Isto é, faz-se uma distinção entre resultado perdido e a chance de conseguia-lo. Ao assim proceder, a indenização da perda de uma chance não se afasta da regra da certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente: perdida a chance, o dano é, portanto, certo.

Savi, apesar de não ser o único a elocubrar sobre a natureza jurídica da teoria da perda de uma chance, é o que apresenta um raciocínio mais convincente e lógico, sendo que seu entendimento é, atualmente, o mais utilizado pelos operadores do direito, tendo em vista a plausibilidade e coesão de suas constatações.


3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo em questão buscou uma abordagem geral sobre a teoria da perda de uma chance, analisando sua evolução e aplicabilidade no Brasil, a fim de verificar o panorama atual da matéria.

Como foi possível constatar, a teoria da perda de uma chance, após uma evolução em grande período de tempo, atualmente é uma realidade no direito brasileiro, com plena aplicabilidade, embora hajam grandes discussões dentro do seio da doutrina e da jurisprudência, que tentam principalmente evitar uma banalização de seu conteúdo, e buscam realizar distinções conceituais, a fim de diferenciar a real oportunidade perdida de outras espécies de danos, principalmente os lucros cessantes.

Não obstante, há grande necessidade de aplicação da teoria, a fim de que a responsabilidade civil possa servir como instituto que concretiza a Justiça Social, o respeito a valores intrínsecos da pessoa, inclusive de cunho Constitucional, buscando a meta da reparação plena, indenizando situações de perda efetiva de uma oportunidade, que causa dano real ao jurisdicionado, e não a mera irrealização de uma expectativa, de um desejo, cuja reparabilidade deve ser reprovada.

REFERÊNCIAS

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NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. I.

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SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3. ed . São Paulo: Atlas, 2013.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed.. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2007.

TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 7. Ed. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2012. Vol. 2.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012. Vol. IV.

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This paper analyzes the theory of liability for loss of a chance in Brazil, from its European roots, checking the progress of the institute as well as its current configuration by the doctrine and jurisprudence in Brazil, in order to consolidate Justice, covering damage so far not compensable. KEYWORDS: Civil liability, loss of a chance, Theory, Brazil

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