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Competência territorial. Justiça do Trabalho.

Dano moral. Aplicação do CPC ou CLT ?

02/06/2004 às 00:00
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Introdução

Este trabalho tem a finalidade de abordar uma das inovações trazida pelo Código Civil, em seu artigo 186, que é a tipificação como ato ilícito daquele que pratica ofensa à moral de outrem, e os reflexos que isso tem no direito processual do trabalho, no tocante à competência territorial, para decidir pedido exclusivo de dano moral decorrente da relação de emprego.

Afirmamos que o artigo 186 do novo Código Civil, combinado com o parágrafo único do artigo 100 do CPC, leva à conclusão irretorquível de que a Justiça do Trabalho deve se pautar pela regra de competência estabelecida nesse diploma adjetivo civil, que dá opção de foro à vítima de ato ilícito, quando a ação estiver fundamento ressarcitório por dano moral.

Fazemos uma consideração acerca da jurisdição e competência, para depois chegarmos à conceituação desses institutos; em seguida, analisamos a competência material da Justiça do Trabalho, sem contudo, nos aprofundarmos sobre o tema.

Posteriormente, discorremos sobre o dano moral, buscando conceituar esse fenômeno e para tanto trazemos em nosso apoio lições de renomados juristas. Também falamos sobre as conseqüências jurídicas da ofensa à moral.

Nosso objetivo é enfrentar o problema da fixação da competência territorial trabalhista, para julgamento de ação indenizatória proveniente de ofensa à moral ocorrida durante o liame laboral, visando uma solução diversa da que vêm decidindo os tribunais do trabalho.


Competência Territorial. Justiça do Trabalho

Para chegar à definição de competência, é necessário apresentar um breve conceito de jurisdição. Esta palavra origina-se do latim juris, significando "direito", e dictio que é "dizer".

Segundo Tostes Malta, "o traço essencial da jurisdição consiste em o Estado, por via dessa atividade, dirimir conflitos de interesses. A jurisdição é a função da soberania mediante a qual o Estado dirime litígios, podendo a decisão ter força de coisa julgada" (Prática do Processo Trabalhista, 30ª ed., São Paulo: LTr, 2000, p.22/23)

Jurisdição é uma das funções do Estado, mediante a qual este substitui as partes em litígio, para, imparcialmente, solucionar o conflito, buscando a pacificação social.

Na lição de Liebman, competência é a "quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupo de órgãos". Nessa ordem de idéias, competência é a concretização da jurisdição, por meio das regras legais que atribuem a cada órgão do poder judiciário, o seu exercício.

A Competência material da Justiça do trabalho está estabelecida no artigo 114, da Constituição Federal: "Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, (...), e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho,(...).".

Em razão da expressão outras controvérsias, contida nesse preceito constitucional, a jurisprudência e a doutrina largamente dominantes, reconhecem a competência da Justiça Especializada para decidir conflitos decorrentes de dano moral oriundos da relação empregatrícia.

Não nos aprofundaremos sobre a questão da competência da Justiça Especializada Trabalhista para apreciar dano moral, tendo em vista que isto refoge aos objetivos desse ensaio.


Dano moral

A palavra dano, etimologicamente, significa ofensa ou mal que se pratica a alguém, com o fim de diminuí-lo moral ou patrimonialmente. No mesmo sentido, Aurélio Buarque de Holanda diz que o vocábulo dano é originário do latim damnu. Definindo-o como sendo "1. Mal ou ofensa pessoal; prejuízo moral (...): 2. Prejuízo material causado a alguém pela deterioração ou inutilização de bens seus" (Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 519).

Rodolfo Pamplona Filho, conceitua dano moral como sendo "a lesão ou prejuízo que sofre uma pessoa, em seus bens vitais naturais – não patrimoniais – ou em seu patrimônio valorado economicamente" (O Dano Moral na Relação de Emprego, 3ª edição, São Paulo: LTr, 2002, p. 43).

Para Carlos Bittar, "qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social)". (in, Yussef Said Cahali. Dano Moral. 2ª ed., São Paulo: RT, 1998, p. 20).

O professor Agostinho Alvim diz que o termo " dano, em sentido amplo, vem a ser a lesão de qualquer bem jurídico, e ai se inclui dano moral. Mas, em sentido estrito, dano é, para nós, a lesão do patrimônio; e patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro. Aprecia-se o dano tendo em vista a diminuição sofrida no patrimônio. Logo, a matéria do dano prende-se à indenização, de modo que só interessa o estudo do dano indenizável" ( citado por Carlos Roberto Gonçalves. Responsabilidade Civil. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 529).

Entendemos ser o dano moral a dor provocada no íntimo da pessoa, na sua personalidade, no seu caráter, nos seus valores; é o que toca na consciência do ser humano, afetando o seu psíquico, fazendo-o sentir ferido.

A vida em sociedade é um constante interagir entre as pessoas. E desse relacionamento emergem conflitos de interesse e a ofensa à dignidade enseja litígio. E para solucionar as divergências inevitáveis entre os homens, surge o Direito visando garantir a harmonia.

Na relação de emprego, ante a estreita convivência diária entre as partes, estão elas sujeitas a sofrer ou causar danos morais, os quais devem ser ressarcidos, tendo em vista que a tutela jurídica aos direitos da personalidade possui status constitucional.

O dano moral pode surgir até mesmo na fase pré-contratual. Todavia, é mais comum na contratual, isto é, durante a vigência do pacto laboral, na qual os sujeitos do contrato se relacionam com mais intensidade.

Em vista da condição de subordinação jurídica do empregado, essência do contrato de trabalho, está este mais sujeito a ser moralmente ofendido. Entretanto, pode ocorrer que o empregador, tanto pessoa física como jurídica, seja vítima de ofensa moral praticada pelo empregado. Cita-se como exemplo o obreiro de um posto de gasolina que propala, caluniosamente, que seu empregador adultera o produto, colocando-lhe água. Isso obviamente causa um dano moral à imagem da empresa, passível de indenização.

Antes da entrada em vigor do novo Código Civil, havia divergência sobre a possibilidade de a pessoa jurídica ser vítima de dano moral. Agora, entretanto isso não mais ocorre, face ao disposto no artigo 52 desse Diploma Civilista. Em auxílio dessa posição trazemos a jurisprudência abaixo:

"Dano moral sofrido por pessoa jurídica. ‘A honra objetiva da pessoa jurídica pode ser ofendida pelo protesto indevido de título cambial, cabendo indenização pelo dano extrapatrimonial daí decorrente" (STJ, 4ª T, REsp. 60033-2-MG, rel. Ruy Rosado de Aguiar, v. u., j. 9.7.1995) (in Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil Anotado, 2ª ed., São Paulo: RT, 2003, nota ao art. 52).

As partes envolvidas no contrato de trabalho devem sempre estar de boa-fé e agir com eticidade, posto que não lhes é dado investir ofensas imprudentes à honra da outra. Porquanto o faça, seja por ação ou omissão, comete ato ilícito, pois infringe o disposto no art. 186, do CC.

Portanto, os agentes do pacto laboral, devem pautar suas condutas de acordo com o Princípio Geral da Boa-fé, no qual todo o ordenamento jurídico se fundamenta. E nas palavras de Carlos Maximiliano, esse princípio constitui "as diretivas idéias do hermeneuta, os pressupostos científicos da ordem jurídica" (in Francisco Rossal de Araújo. A Boa-fé no Contrato de Emprego. São Paulo: RT, 1996, p.15.

Mister consignar que somente há direito à indenização por dano moral se houver certa intensidade na ofensa à honra e dignidade da pessoa, que será avaliada eqüitativamente pelo juiz. Não é o simples amargor, tristeza ou angustia que o ser humano possa experimentar no seu dia-a-dia, em decorrência de eventual desavença com outras pessoas, que permite a reparação indenizatória.


Omissão da CLT e aplicação do parágrafo único do artigo 100 do CPC

É pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que os conflitos emergidos de dano moral, decorrentes da relação de trabalho, são solucionados pela Justiça Laboral.

Acontece que a CLT não disciplina as normas fixadoras da competência territorial dos juizes trabalhistas para julgar demandas que tenham por objeto exclusivamente dano moral oriundo da relação de emprego. Logo, necessário se faz a aplicação subsidiária do CPC, por força do artigo 769 da CLT.

Nos termos do artigo 186 do Código Civil "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

E ato ilícito, na definição do professo Sílvio Rodrigues, "é aquele praticado com infração a um dever e do qual resulta dano para outrem. Dever legal, ou contratual" (Direito Civil, v. I, São Paulo: Saraiva, 1998, p.324).

Logo, quem tiver um comportamento que se enquadre na regra desse artigo, pratica um ilícito civil (delito) e está sujeito à reparação, através da ação de indenização, pois "quem rouba a honra, a liberdade, a tranqüilidade de outrem nada deve à sua vítima?" (Gorgio Giorgi)

De acordo com o citado artigo 186 civilista, não resta dúvida de que o dano moral, praticado por um dos sujeitos da relação de emprego, trata-se de um delito, todavia, sem regulamentação na CLT. Sendo assim, forçosa é a aplicação do parágrafo único do art. 100 do Código de Processo Civil, que regula o assunto no que pertine à competência territorial.

O parágrafo único do artigo 100 do Diploma Adjetivo Civil determina ser competente o juízo do local do fato ou do domicílio do autor para ação de reparação de dano sofrido em razão de delito. E, frise-se, esses dois foros especiais são igualmente competentes para apreciação da ação de indenização e a escolha compete exclusivamente ao autor (vítima) uma vez que foram estabelecidos exclusivamente em seu benefício.

Desde que o objeto da causa seja indenização por ato ilícito (delito) praticado por um dos sujeitos do contrato de trabalho, incide a regra do parágrafo único do artigo 100 do CPC, eis que visa facilitar a atuação da vítima perante a Justiça pouco importando a origem do dano para que o autor tenha privilégio de foro.

Há juizes trabalhistas que entendem incidir as regras celetistas de competência territorial quanto ao julgamento das ações de reparação de dano moral, ao fundamento de que este diploma legal não é omisso com relação à matéria. Apoiam-se, principalmente, nas prescrições estabelecidas nos artigos 651 e 763, da CLT.

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Todavia, atrevemos discordar dos magistrados que adotam as normas do Código Obreiro para definir a competência territorial da Justiça do Trabalho no que pertine ao conflito de interesse envolvendo postulação de dano moral. Entendemos que deve incidir o parágrafo único do artigo 100 do CPC, pois trata-se de ação de reparação de dano oriunda de delito e esse preceito legal, combinado com o artigo 186 do Código Civil, se completa no tocante à matéria, e sobretudo porque a CLT é silente.

Entendimento diferente violaria a tendência atual do Direito, que visa dar maior segurança e garantia à vítima de modo geral, pois seria um contra-senso o ofendido injustamente ter de se dirigir até o foro da prestação de serviço para buscar reparação.

Como já observou aquele que é o artífice da interpretação, "Deve o Direito se interpretado inteligentemente, não de modo a que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que torne aquela sem efeito, inócua ou este, juridicamente nulo" (Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 18ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p 166).

Todos que laboram com a lei devem interpretá-la de forma que atenda aos fins sociais de uma dada sociedade. E no momento atual a norma que apresenta um significado protetivo ao ofendido, e é o que faz o parágrafo único do artigo 100 do CPC, ao conceder a opção de foro à vítima de dano sofrido em razão de delito, está em harmonia com a vocação moderna do Direito. " Isto é assim porque a letra da norma permanece, mas seu sentido se adapta a mudanças que a evolução e o progresso operam na vida social" ( Maria Helena Diniz. Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro Interpretado, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p.142).

Sendo o dano moral um ato ilícito, ou seja, um delito, e se ocorrente na relação de emprego, diante da omissão da CLT, deve ser observada a disposição do multi citado parágrafo único do artigo 100 do CPC, que faculta à vítima a opção de ajuizar a ação no local do fato ou em seu domicílio. Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial, in verbis:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO DECORRENTE DE DELITO. O autor da ação pode optar pelo foro de seu domicílio, do lugar do delito e ainda do domicílio dos réus. Sendo diversos os domicílios dos réus, em princípio, qualquer um dos foros será competente para apreciar e julgar a causa (STJ, Ccomp 2129, rel. Min. Cláudio Santos, j.24.6.1992, DJU 14.9.1992, p. 14933)

REPARAÇÃO DE DANO. Tal norma refere-se aos delitos de modo geral, abrangendo tanto os problemas de natureza penal como civil (STJ, 3ª T., Resp 56867-6-MG, j. 15.12.1994, DJU 3.4.1995, p. 8131).

Em questão infortunística, pode o trabalhador optar em propor a ação tanto no local do fato como no foro de sua residência. (Ac. da 6ª Câm. do 2º TACiv/SP de 27/10/92, no Agravada. 370.208, Rel. Juiz Gamaliel Costa; JTACiv/SP 143/434) In: Alexandre de Paula. Código de Processo Civil Anotado, vol. I, n.7, art.100, CPC. Ed. RT:SP

Processo Civil. Competência. Reparação de dano. Delito – A norma do parágrafo único do art. 100 do CPC refere-se aos delitos de modo geral, abrangendo tanto os de natureza penal como civil.(STJ 3ª T. REsp.– Rel. Costa Leite–j.11/10/94–RSTJ 65/471).

Diante da exposição acima, podemos afirmar que nos casos de indenização por dano moral decorrente da relação de emprego, pode o autor ajuizar a ação em seu domicílio ou no local do fato.


Conclusão

Em vista de a legislação trabalhista brasileira não trazer regramento, no que pertine à competência territorial de juízo, para decidir sobre a ação de indenização que tenha por objeto ato ilícito causador de dano moral ocorrente na relação de emprego, impõe-se a observância do estabelecido no parágrafo único do artigo 100 do Código de Processo Civil, ou seja, a vítima tem a faculdade de optar entre aforar sua demanda no local onde se passaram os fatos ou em seu domicílio, considerando-se que esse diploma regula inteiramente a matéria, e o artigo 769 da CLT autoriza sua aplicação subsidiária.

Esse entendimento assume grande importância na atualidade, pois há uma evolução do direito material, qual seja, a tendência de socialização, que exige do órgão jurisdicional proteção expedita àquele que tem seu direito ameaçado ou violado, e a facilitação do acesso à Justiça dando opção à vítima de poder aforar sua demanda na localidade de seu domicílio ou no local do fato, é uma forma de atingir tal escopo.

O operador do direito tem diante de si uma nova situação jurídica, que exige reflexões e mudanças de condutas antes estandardizadas, sob pena de acarretar estagnação dos institutos e preceitos direcionados à boa aplicação da lei aos casos reais.

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Sobre o autor
Roberto Silva

Advogado em Caçapava/SP,Especialista em Direito do Trabalho pela PUC/SP, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade de Taubaté

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Roberto. Competência territorial. Justiça do Trabalho.: Dano moral. Aplicação do CPC ou CLT ?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 330, 2 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5182. Acesso em: 29 mar. 2024.

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