Uma análise constitucional do feminicídio na ótica do princípio da isonomia

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O presente trabalho científico tem por escopo demonstrar os impactos constitucionais ocasionados pela Lei do Feminicídio, ressaltando a necessidade de intervenção desta com o escopo de resguardar o direito à igualdade material.

INTRODUÇÃO

As lutas da classe feminina no decorrer do processo evolutivo social foram intensas e eficazes, no que diz respeito ao ganho de autonomia e liberdade social. As mulheres foram à luta por seus direitos e conseguiram efetivar boa parte dos mesmos. Iniciadas na Europa ganharam o mundo através de diversos movimentos protagonizados por elas. As mulheres passaram a exigir mais direitos, e seu desejo de igualdade com os homens se intensificou e estas o buscaram fortemente no decorrer das últimas décadas.

Com a evolução social os países sentiram a necessidade de modernizar suas leis, e garantir constitucionalmente direitos a ambos os sexos de forma igualitária. As mulheres iniciavam uma era de reconhecimento jurídico-social, estavam, enfim, protegidas por lei e possuíam direitos semelhantes a da classe que até recentemente as dominavam. As leis foram evoluindo e se moldando aos costumes e comportamentos das épocas, controlando e regendo as relações sociais. As leis passaram a ser válidas para ambos os sexos, porém, os costumes ainda prevalecem em nossa sociedade e devido a isso, muitas foram às tentativas de minimizar a situação de submissão vivida pelas mulheres. Leis foram criadas para tentar iguala-las com os homens, as protegendo e favorecendo nessa sociedade, ainda, com resquícios machistas[1].

O grande problema está no fato de até que ponto elas devem se favorecer de leis ou medidas para sua proteção, sem ferir ou tocar nos direitos comuns a todos?! Esse questionamento se faz comum em leis com a Maria da Penha e Feminicídio, criadas para intensificar os cuidados a estas que são vistas como o “sexo frágil”[2]. O sexo masculino aparenta-se esquecido juridicamente, nessa sociedade que tenta por diversos meios, minimizar sua culpa histórica. Entretanto, como se pode legislar em benefício de uma determinada classe e em detrimento de outra? Segunda a Constituição Brasileira de 1988 (em vigência), em seu artigo 5°, todos somos iguais perante a lei e sem dentição de sexo ou outros aspectos.

Destes questionamentos, nasce o presente trabalho cientifico que busca analisar de maneira objetiva, a constitucionalidade da Lei n° 13.104/2015 (Feminicídio), confrontando a mesma com o princípio da isonomia, expresso em nossa Constituição no Art. 5°, e reproduzido em demais normas do nosso ordenamento jurídico.

{C}1.                  MOVIMENTOS FEMINISTAS NA HISTÓRIA:

Ao longo da história as manifestações femininas movidas por um ideal de igualdade com os homens ocorreram de forma intensa e marcante. As mulheres foram as ruas de todo o mundo gritar e clamar por seus direitos e por mais espaço em uma antiga sociedade que era dominada por homens e que não permitia a livre expressão e manifestação do “sexo frágil”. Ser mulher até o início do século XIX era uma condição de submissão a um ser superior, o homem. As mulheres eram tidas como propriedade de seus maridos, quando casadas, e de seus pais, quando solteiras. Suas vontades e anseios estavam condicionadas as de seus “representantes sociais” os homens. E como e quando essa realidade começou a ser transformada?

Durante toda a existência da vida humana na terra, existiram mulheres que se rebelaram contra suas condições e realidades. Lutas individuais que não lograram êxito por serem eventos isolados e sem uma causa especifica. Foi apenas por vota do século XIX que as mulheres começaram a lutar, juntas, por seus ideais. Essas lutas se intensificavam no ocidente, aonde anos depois viria a contagiar as mulheres de todo o mundo. Iniciava-se assim, uma nova era para as mulheres. Um tempo de dar as mãos e buscar melhorias coletivas e reais. Sobre essas primeiras manifestações, mesmo que singelas, o autor Fernando A. Novais redige:

As mudanças no comportamento feminino ocorrido ao longo das três primeiras décadas deste século incomodaram conservadores, deixaram perplexos os desavisados, estimularam debates entre os mais progressistas. Afinal, era muito recente a presença das moças das camadas médias e altas, as chamadas “de boa família”, que se aventuravam sozinhas pelas ruas da cidade para abastecer a casa ou para tudo o que se fizesse necessário. Dada a ênfase com que os contemporâneos interpretaram tais mudanças, parecia ter soado um alarme. (NOVAIS, p.368, 2002)

Um dos marcos históricos temporais importantes para as lutas feministas e que as influenciaram, foi o Iluminismo. Neste período as mulheres começaram a entender que ficar em casa sujeitas, apenas, a vontade de seus pais e maridos não podia mais acontecer. Os pensamentos defendidos por essa corrente trouxeram mudanças valorosas para a história. E foi logo depois da “Idade das trevas”, que o Iluminismo propiciou uma abertura para aquelas mulheres que tivessem um determinado grau de conhecimento, possibilitando a essas, irem a luta por seus direitos.

Nesse momento da história questionava-se em áreas do saber como política, economia e filosofia, sobre qual seria o verdadeiro lugar da mulher na sociedade. Devido a esse questionamento, três importantes filósofos trataram de defender um maior nível de igualdade entre os sexos e as classes sociais dessa época. Jonh Locke[3], Jean-Jacques Rousseau[4] e David Hume[5], foram alguns a perceberem a capacidade feminina e a defender de forma parcial nesse momento histórico. (GOMES, 2001).

Após a exposição dos referidos autores, as mulheres passaram a entender que o papel social delas não era apenas serem donas de casa, elas eram parte de uma sociedade, e coma tais deviam buscar e lutar por avanços para esta. E é nesse intuito que a filosofa iluminista Mary Wollstonecraft (1759 – 1797), considerada a percussora de ideias feministas no período escreve em sua obra mais relevante, A Vindication of the Rights of Woman, que:

É possível que eu provoque o riso ao fazer a seguinte insinuação, em que penso existirá no futuro: creio realmente que as mulheres deveriam ter seus representantes, em lugar de ver-se virtualmente governadas, sem que as permitam ter nenhuma participação direta nas deliberações do governo. (WOLLSTONECRAFT, 1972)

Vale ressaltar que foi através dessa obra que Wollstonecraft conseguiu sucumbir a imagem difamada que seu marido havia perpetuado em outras obras escritas por ele, e ganhar reconhecimento filosófico, atribuído pela sua coragem de, “propor uma nova maneira de analisar as questões de gênero, tendo como foco os efeitos sociais em vez de ideias de conteúdo moral.” Como relatado pelo escritor Anderson Soares Gomes, em sua obra Mulheres, Sociedade e Iluminismo: O Surgimento de uma filosofia protofeminista na Inglaterra do século XVIII.

Um outro fato muito marcante nas lutas feministas foi a Revolução Francesa de 1789, quando as mulheres peixeiras de Paris levaram as ruas da mesma, cerca de 7 mil mulheres que clamavam por igualdade e exigiam que fossem tratadas de maneira semelhante aos homens, seguindo assim a evolução que a sociedade francesa passava nessa época.  Em síntese, podemos dizer que a Revolução Francesa foi um marco importante para as mulheres, não só pelo fato de ter sido importante para toda a França, mas pelo motivo de que elas estiveram por trás dos movimentos, esquematizando e incentivando os homens nessa luta, e fazendo-se ouvir pelos líderes políticos de diversas formas. Mostrando, dessa maneira, que eram capazes e que não aceitariam mais aquela condição de dependência.

Daí em diante, muitos foram os momentos de lutas da classe feminina em todo mundo. Um efeito cascata que ocorreu e se intensificou no decorrer dos anos em diversos países e de inúmeras maneiras diferentes.

As origens do feminismo no Brasil se encontram no século XIX. Estas manifestações provocaram ao mesmo tempo a ordem que excluía a mulher do mundo político e ia além desses direitos, buscando também a independência da mulher em relação ao homem. Durante o império alguns juristas tentaram sem sucesso legalizar o voto feminino, pois a política era considerada uma desonra para a mulher.

Alguns momentos históricos do século XX foram importantes para a luta do feminismo, as greves de 1917, e em 1922 foi fundada a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que lutava pelo voto. O Rio Grande do Norte foi o primeiro estado a legalizar o voto feminino em 1917. E em 1934 houve uma representante do sexo feminino, a primeira deputada do Brasil: Carlota Pereira de Queirós. Na década de 1960 o feminismo se tornou um movimento de maior força.

Na atualidade o feminismo se mostra na formação de movimentos organizados, as mulheres alcançaram muitos direitos, ocupando vários cargos que antes não era possível, porém ainda não estão em total igualdade com os homens, ainda existe preconceito de sexo, para alguns é considerada como "sexo frágil", e as mulheres ainda têm lutas para travar, novos desafios que estão por vir, mas o caminho é esse, e já foi boa parte concluída.

Hoje, elas se encontram em igualdade com os homens, adquiriram direitos e expressam livremente suas vontades. A Sociedade brasileira vive um momento que, poderíamos entender como uma possível “soberania feminina”. Elas conquistaram o mercado de trabalho e ocupam cargos de chefia, estão representadas nas diversas classes profissionais e políticas, inclusive a presidência da república.  Por todos esses fatores, percebemos que as mulheres começam a adquirir direitos superiores aqueles detidos pelos homens. Talvez, por uma dívida social histórica hoje as mulheres podem usufruir de inúmeros benefícios, entre eles a lei do feminicídio.

2. FEMINICÍDIO: CONCEITO E QUESTIONAMENTOS:

Durante muito tempo foram comuns crimes contra a mulher em nosso país, muitos deles motivados por fatores familiares, ciúmes e domínio masculino perante as mulheres. As mulheres, subjugadas inferiores e tidas como sexo frágil foram durante um bom tempo de nossa história objetos de posse masculina, e como já mencionado, à eles estavam condicionados os seus desejos.

Ainda sobre essas, somos sabedores que devido sua condição social, por um longo período as mulheres foram obrigadas a realizar os desejos de seus maridos e companheiros, e quando se rebelavam contra essa condição muitas vezes sofriam violência, abusos e em determinados casos eram mortas. Para tentar minimizar e impedir que ações como estas continuassem ocorrendo no dia 9 de março de 2015, foi sancionada pela Presidente Dilma Rousseff a lei n° 13.104, que ficou conhecida como lei do Femicídio, e teve como sua relatora a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).

 A mesma, sendo uma qualificadora hedionda dos crimes de homicídio contra as mulheres quando envolverem violência doméstica e familiar, menosprezo ou descriminação à sua condição de mulher. O presente crime encontra-se descrito no artigo 121 do Código Penal em vigência, e prevê uma pena de 12 a 30 anos de reclusão, podendo esta ser acrescida de 1/3 (um terço) de seu tempo, até metade se o crime for praticado no período gestacional ou em até três meses posterior ao parto; em casos de a vítima ser menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, possuidora de deficiência, e também casos que o crime seja presenciado por descendentes ou ascendentes desta.

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Em resumo, a nova lei altera o art. 1° da Lei 8.072/90 a qual trata de crimes hediondos, atribuindo, claramente, que o feminicídio é uma nova qualificadora para o crime de homicídio, ingressando assim, na lista de crimes hediondos. Em redação original sancionada pela Presidenta Dilma Rousseff.

LEI Nº 13.104, DE 9 DE MARÇO DE 2015.
Altera o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.

O assunto é delicado, e à primeira vista parece ser uma boa ideia já que, em média, 15 (quinze) mulheres são assassinadas por dia no Brasil. Estudos apontam que 40.000 mil mulheres foram vítimas de homicídio no país, entre 2001 e 2010. Só no ano de 2010, 4,5 entre 100.000 mulheres perderam suas vidas no país[6]. São números alarmantes. E foi com base em números reais que o governo brasileiro sentiu a necessidade de intervir de forma dura na realidade social, buscando minimizar os efeitos dessa violência exacerbada contra o sexo feminino e criou a lei do Feminicídio. Com base nesse apontamento os escritores Leila Posenato Garcia, Lúcia Rolim Santana de Freitas, Gabriela Drummond Marques da Silva e Doroteia Aparecida Höfelmann, mostraram em seu trabalho científico “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil” publicado pelo IPEA- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-  que:

No Brasil, no período de 2001 a 2011, estima-se que ocorreram mais de 50 mil feminicídios, o que equivale a, aproximadamente, 5.000 mortes por ano. Acredita-se que grande parte destes óbitos foram decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher, uma vez que aproximadamente um terço deles tiveram o domicílio como local de ocorrência.

     Porém, esta, é alvo de algumas críticas e questionamentos de pesquisadores, juristas e estudiosos da ciência do Direito. Pois, para alguns, essa lei seria desnecessária ou até mesmo injusta com o sexo masculino. Visto que o nosso ordenamento jurídico e em foco poderíamos citar o código penal, protege de forma igualitária os sexos, não sendo possível ou necessária a distinção do mesmo para que o direito seja validado. Outras dúvidas que surgem nesse momento a respeito da lei Maria da Penha, analisando-se que esta, já possibilita a mulher certa superioridade na relação conjugal e no convívio familiar. E se analisarmos o processo histórico e as lutas travadas pelas mulheres- como citado no primeiro capitulo deste trabalho- não seria esse o momento de igualar as condições entre os sexos, estabelecendo assim, verdadeiramente, uma sociedade igualitária de direitos?! Com base nesses apontamentos um questionamento nos surge: Qual a real necessidade da lei n° 13.104/15, lei do feminicídio?

Do exposto, entende-se que o imprescindível, na verdade, era efetivar as medidas que já foram tomadas em benefício desse sexo. Leis como a Maria da Penha, Lei contra a violência Sexual, leis trabalhistas e entre outras que as mulheres se beneficiaram e se beneficiam ao longa dos anos seriam o bastante para inibir atitudes covardes de homens, que por serem fisicamente mais fortes que suas parceiras, se utilizam disso e as condicionam a situações humilhantes e degradáveis. Seria a morte, para muitas delas, algo indesejável, porém libertador. Entende-se também que criar novas leis, visando necessidades antigas e já questionadas seria, não mais, que uma maneira de “tapar o sol com a peneira”, visto que medidas efetivas devem e precisam ser tomadas. Afinal, tratar os diferentes de forma diferente, para que ambos tenham direitos, é isonomia. Agora beneficiar um ou outro sexo com leis, acaba sendo descriminação, e a partir desse momento, ocorre uma diferenciação entre os gêneros, e claramente, não é esse o objetivo, visto que a busca é pela igualdade, e não pela soberania.

Também observasse que a Lei 13104/15 não foi inovadora no ordenamento jurídico, no que diz respeito a mortalidade feminina. Visto que a mesma somente atendeu a vontade dos que pediam por leis mais severas com penas mais duras. Mostrando-nos assim que essa, é mais um simbolismo penal, que se fundamenta na aplicação de normas penais para cumprir finalidades representativas, não contribuindo diretamente para a diminuição dos crimes. Vale a ressalva de que na maioria das vezes o simbolismo penal é criado para satisfazer a opinião pública, sendo este, perfeito escrito, porém, na prática somos sabedores que não funcionam como se prescreve. Mostra-se hoje, mais fácil criar leis penais que em nada mudarão a realidade, do que pensar em políticas públicas efetivas para alterar aquela condição.

Ao final conclui Karam: “o reconhecimento e a garantia dos direitos da mulher não irão encontrar na reação punitiva um instrumento adequado para sua realização”. Através dessas palavras, podemos compreender que, na verdade, a validação dos direitos femininos, não estão condicionadas a medidas punitivas, mas sim, na busca ativa por efetivação de políticas sócias, com campanhas educativas de gêneros e etc.

Após compreendermos o que foi mencionado, percebemos que medidas como essa, ao invés de acabarem com a desigualdade entre os sexos, aumentam. Possibilitando um distanciamento jurídico entre os gêneros e viabilizando a injustiça tendo por base o princípio da isonomia, um dos norteadores constitucionais de qualquer lei de nosso ordenamento jurídico. Pois, tratar iguais, de forma diferente, fere gravemente a noção, muito difundida, de que todos somos iguais perante a lei. Fazendo-nos nos questionarmos sobre a constitucionalidade de normas como a referida, e despertando a necessidade de entender qual o real ruma que a justiça deve tomar, para cada vez mais ser efetiva e eficaz, de modo a não necessitar de novos mecanismos de controle ineficientes -em geral- e desnecessários. 

3.  REFLEXÕES JURÍDICAS ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DO FEMICÍDIO:

Os crimes contra a vida são, infelizmente, comuns e inevitáveis ainda nessa sociedade em que vivemos. Constantemente pessoas perdem a vida e os motivos são os mais variados e mesquinhos possíveis. Matar, em uma sociedade pós moderna como a nossa, é mostrar a força e se reafirmar como o ser mais forte. Os índices de violência são alarmantes, e essa violência atinge de maneira severa os jovens em fases iniciais  da vida.

São crimes contra a vida humana que o art. 121 do Código Penal Brasileiro trata.  Quando no mesmo atribui-se a pena de 6 a 20 anos de reclusão para o indivíduo que retirar o direito de viver de outrem. O referido artigo é repleto de qualificadoras que buscam fortalece-lo e preenche-lo ainda mais de eficácia e força jurídica. Recentemente, com já mencionado, o referido Art. ganhou mais uma qualificadora, que ficou conhecido coma Feminicídio, pois vem a tratar dos homicídios contra as mulheres pela simples condição de ser mulher. Porém, o que muito se questiona sobre essa qualificadora, é a respeito de sua constitucionalidade, visto que esta, feriria o princípio da isonomia.

Para que iniciemos a analise constitucional desta qualificadora, é necessária que conheçamos alguns conceitos. Entre eles, sobre o que viria a ser Constitucionalidade, normas constitucionais, e princípio da isonomia.

De acordo com o dicionário Aurélio, Constitucional é "Qualidade do que é conforme a constituição." Ou seja, tudo que está nos devidos termos da constituição. E Constituição, segundo o estimado Dr. em Direito Constitucional Dirley da Cunha Jr. é:

A Constituição do Estado é a sua Lei Fundamental; a Lei das Leis; a lei que define o modo concreto de ser e de existir do estado; a Lei que ordena e disciplina os seus elementos essenciais (poder-governo, povo, território e finalidade).

Em linguagem simples e objetiva, podemos conceituar a Constituição como um conjunto de normas jurídicas supremas que estabelecem os fundamentos de organização do estado e da Sociedade, dispondo e regulando a forma do Estado a forma e sistema de governo, o seu regime político, seus objetivos fundamentais, o modo de aquisição e exercício do poder, a composição, as competências e o funcionamento de seus órgãos, os limites de sua atuação e a responsabilidade de seus dirigentes, fixando uma declaração de direitos e garantias fundamentais e as principais regras de convivência social. (CUNHA, p.69, 2014).

Em acordo com a conceituação do referido autor, é necessário tomarmos um certo cuidado, ao expressarmos que tudo aquilo que está na Constituição, é constitucional. Como nos define os dicionários. Somos sabedores que uma normal pra ser considerada Constitucional ela deve preencher alguns requisitos, que não se limitam apenas a sua presença na Constituição vigente. Essas normas devem entre outros aspectos, serem dotados e estarem de acordo com princípios pré-fixados em todas Constituição. Esses princípios servem como base para toda norma jurídica e por muito tempo eles assumiram uma posição de submissão a essas, devendo esses serem aplicados apenas em hipóteses de falhas no ordenamento jurídico, como expressa Art. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC, Decreto-lei n° 4.657/42): “Quando a Lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios geris de direito”. Porém, com o pós-positivismo, foi superado a diferença entre princípios e normas e muitos autores destacam essa normatividade dos princípios. 

Segundo o autor Luís Roberto Barroso, por princípios podemos entender:

São o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui.  A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais dinâmico ao mais específico até chegar a formulação da regra completa que vai reger a espécie. (BARROSO, p.151, 2004)

      Em síntese, os princípios são um conjunto de direcionamentos que serviram de base para a formulação da Constituição, sendo estes dotados de valor social e constitucional, podendo ou não estarem explícitos no corpo do referido documento legal.

     Para uma melhor analise da constitucionalidade da Lei do Feminicídio, devemos entender um princípio aparentemente violado por esta, o princípio da isonomia. Esse princípio prevê a igualdade entre as pessoas, sem distinção de qualquer natureza. O mesmo, encontra-se exposto na Constituição Federal Brasileira de 1988, no art. 5°, caput, no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais:

Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do Direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade.

O presente Artigo, retirado da Constituição Brasileira, deixa claro que para a Lei homens e mulheres são iguais, sem distinção de qualquer modo e devendo o Estado regular a relação entres os seus, de maneira justa e sem favorecer, sexo, religião, cor, raça ou qualquer grupo que seja.

Cabe ao legislador, o papel de saber preservar esse princípio, velando pela igualdade de gêneros, de modo a permitir possibilidades igualitárias as pessoas em condições diferentes.  Portanto deve-se condicionar a leis e sanções igualitariamente, devendo essas se diferenciarem apenas pela ação, e não pela condição, seja ela física, financeira, social, conjugal etc. Pois vale ressaltar que a isonomia entre os gêneros é a base para qualquer Constituição de um país democrático de direito, como é o caso do Brasil.

Ressalta-se também, que essa envolve dispositivos importantíssimos para valorização de uma nação como a dignidade da pessoa humana, a igualdade entre os povos e raças, e a manutenção da paz e do bem-estar social.  

Faz-se necessário compreender que o Princípio da Isonomia ou Igualdade com também é conhecido, se divide em tipos de isonomia. A Isonomia Formal e a isonomia Material. E sobre essas divisões o autor Ivo Henrique Santos, trata em seu artigo “Aplicabilidade do princípio isonômico à Lei 11.340/06.

A isonomia formal diz respeito à equiparação do indivíduo no âmbito jurídico, isto é, todos serão iguais perante a Lei, eximindo demais características inerentes à peculiaridade de cada um, ao passo que a isonomia material focará no que diz respeito à dimensão social, porquanto considera aspectos outrora irrelevantes ao ordenamento jurídico, como, por exemplo, o contexto histórico-cultural de violência doméstica ao qual nós, cidadãos brasileiros, estamos imersos.

 

Em síntese, a isonomia formal diz respeito a igualdade expressa na norma (Lei), já a isonomia matéria seria a igualdade perante a Lei. Expondo-se assim uma diferença clara e necessária para o entendimento do referido princípio.

 

CONCLUSÃO

 Diante do entendimento, questiona-se a inobservância do princípio da isonomia na formulação da Lei n° 13.104/15, visto que essa viola, claramente, a isonomia constitucional entre os sexos, quando a mesma, qualifica como crime hediondo o homicídio de mulheres pela simples condição de mulher, e deixa de lado o homicídio cometido contra homens pela sua condição. Somos cientes que o número de homicídios masculinos cometidos por mulheres é bem inferior ao número de óbitos femininos nestas condições. Porém, também somos sabedores que se deve tratar de maneira igualitária os sexos, não podendo legislar em favor de um, e detrimento de outro. Somos cientes ainda, que o Feminicídio não é a primeira, e certamente não será a última lei, criada para proteger um determinado sexo, visto que já contamos hoje com a lei n° 11.340/2006 (Maria da Penha). Atribui-se medidas como esta, a condição de submissão vivida pelas mulheres ao longo dos anos, sendo esta uma maneira de nossa nação limpar seu passado negro com as mulheres e buscar uma “evolução” dessa classe, que em décadas passadas estavam condicionadas à vontade de seus maridos, e sofriam pelo uso da força as sanções penais do possível desacato.

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Sobre os autores
Semiramys Fernandes Tomé

Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Docente do Curso de Direito do Centro Universitário Católica de Quixadá lecionando as disciplinas de de Prática Civil, Direito Penal II, Direito Penal IV, Direito Processual Penal I e Direito Civil VI (Sucessões) desde 2012.2. Docente convidada do Módulo de Direito Penal - Parte Especial do curso de pós-graduação em Direito e Processo Penal em 2014.2 da Faculdade Católica Rainha do Sertão - FCRS. Advogada atuante no Estado do Ceará, inscrita na OAB/CE sob o nº 22.066. É especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Vale do Acaraú- UVA (2010). Possui graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR (2009.1). Possui experiência na área de Direito, com ênfase em Direito e Processo do Trabalho e Direito e Processo Penal. Bolsista Funcap. Membro do grupo de pesquisa Mulheres e Política junto ao CNPQ. É autora de diversos artigos e capítulos de livro sobre temas de significativo relevo na área jurídica.

Ygo do Nascimento Cruz

Discente do 5º semestre do curso de direito no Centro Universitário Católica de Quixadá

Larissa Holanda de Castro

Discente do 5º semestre em direito pelo Centro Universitário Católica de Quixadá - Unicatólica

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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