Jurisdição e competência no processo penal

03/09/2016 às 17:17
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Na vida em sociedade, surgem os conflitos de interesses,é necessário que um terceiro exerça a função de dirimente do mesmo, preservando a harmonia entre todos. Assim, o Estado chama a si a função e o poder de resolução desses conflitos.

SUMÁRIO

1. Introdução 2. Princípios Jurisdicionais 3. Competência no Processo Penal. 3.1 Justiças competentes. 3.2. Foro competente. 3.3. Prerrogativa de função. 3.4. Conexão e continência.

1. Introdução

Quando, na vida em sociedade, surgem os conflitos de interesses entre as pessoas, é necessário que um terceiro exerça a função de dirimente do mesmo, preservando a harmonia entre todos. Assim, o Estado chama a si a função e o poder de resolução desses conflitos.

No processo penal, a jurisdição toma novos ares, até mesmo porque nessa seara é importante a noção do jus puniendi, o direito de punir aquele que transgrida as normas penais de um Ordenamento jurídico. Destarte, no processo penal o conflito existe sempre que uma pessoa viole a esfera jurídica de outrem, sendo que o bem juridicamente tutelado deve ser daqueles elencados pelo Direito Penal.

Posto isso, o autor Alry Lopes Jr., retrata que a Jurisdição deve ser um poder-dever de realização de Justiça estatal, por órgãos especializados do Estado. O processo penal, assim, se resume a conhecer da pretensão acusatória e de seu elemento objetivo, qual seja, o caso penal. A jurisdição, entretanto, sob a ótica da Constituição Federal atual, só se realiza se efetivas as garantias e princípios do processo penal. Vejamos.

2. Princípios Jurisdicionais

Os princípios da Jurisdição, em rápida síntese, são os seguintes:

a) O princípio do juiz-natural implica no direito que tem a sociedade de saber quem será o julgador de suas lides, é o direito consistente de ser o acusado julgado por um juiz natural, que é o competente para tanto de acordo com os critérios processuais da competência.

b) O princípio da inércia coíbe que o magistrado atue de ofício. Deve atuar somente quando devidamente invocado pelo Ministério Público com o oferecimento da denúncia, ou pelo querelante, com a oferta da queixa.

c) O princípio da imparcialidade significa que o magistrado não pode julgar com interesse na lide posta em juízo, beneficiando qualquer das partes. No âmbito processual, deve existir a isonomia processual entre acusação e defesa. A imparcialidade, segundo Alry, não significa neutralidade e para ele o julgador não deve determinar provas em detrimento de uma das partes, por exemplo, pois isso pode contaminar a sua imparcialidade.

d) O princípio da indeclinabilidade, por último, implica na proibição que tem o magistrado de não se desobrigar da ação penal; uma vez provocado pela inicial acusatória, dela não pode se recusar, deixando que outra pessoa a julgue. A justiça negociada, a exemplo dos institutos dos Juizados Especiais Criminais, como a transação, vem relativizando esse princípio, posto que o acordo se dá entre promotor e acusado, restando ao juiz apenas homologá-lo.

3. Competência no processo penal

Para aplicar a sanção penal aos casos a ele levados, o Poder Judiciário utiliza-se de um conjunto de regras para eleger, para cada matéria, um órgão ou Justiça “natural”, por assim dizer. É justamente a competência, por meio de regras e critérios que definirá o local, Juízo e órgão onde a lide tramitará.

Consoante aos critérios, estes podem ser em razão da matéria, pessoa e lugar. A competência, a seu turno, se classifica em absoluta, sempre que puder ser declarada de ofício pelo juiz ou a requerimento das partes em qualquer tempo ou grau de jurisdição no processo, ou relativa, quando o réu deva alega-la no prazo de resposta, sob pena de preclusão e prorrogação da competências. Mesclando-se os critérios com a classificação, tanto no processo civil como no penal, considera-se a competência em razão da matéria e da pessoa, absoluta, não podendo ser modificada. Já a competência em razão do lugar, ao seu modo, é considerada relativa, posto que uma vez não impugnada, pode ser prorrogada; quanto a elas as partes podem escolher, alterar.

Essa concepção, para Alry, é deveras errada e perigosa, posto que civilista, somente se coadunando com o espírito cível, já que aqui não raro as partes escolhem o foro competente no âmbito de sua autonomia privada.

No processo penal, entretanto, deve (deveria) imperar, sempre a competência absoluta. É princípio garantidor do status libertatis do sujeito, o princípio da legalidade, posto que toda e qualquer disposição que interfira na sua liberdade, sanção de caráter mor dentro do ordenamento jurídico, deva ser expressamente previsto, seja no Código Penal, seja no Código de Processo Penal ao qual incube a aplicação daquele.

Assim, justamente por ter a natureza de ultima ratio do ordenamento, o Direito Penal só pode ser aplicado por um juiz competente para tanto, assim designado pelas regras de competência, que devem ser expressa. Se ao Ministério Publico, por exemplo, que é quem escolhe o foro competente, depois de devidamente escolhida órgão e o juízo competente, pode fazer isso ao seu livre talante, bastando observar o local de consumação da infração, é no mínimo perigoso que exista essa opção processual, E nisso reside a crítica de Alry Lopes Jr., sendo que para ele, por razões de legalidade, a concepção de competência relativa em razão do lugar é ultrapassada, civilista e não se coaduna com o Processo penal, vez que pode representar uma ameaça aos seus princípios, sobretudo o do juiz natural.

3.1 Justiças competentes

A competência jurisdicional pode ser determinada pelo lugar da infração, o domicílio ou residência do réu, a natureza da infração, a distribuição, a conexão ou continência, a prevenção e a prerrogativa de função.

Antes de se observar essas regras, contudo, há que se observar o órgão ou juízo onde devam tramitas as lides penais.

Assim, a divisão dos órgãos ou Justiças Especiais é a seguinte: a) Justiças Especiais (Militar Federal, Militar Estadual e a Eleitoral); b) as Justiças Comuns (Federal e Estadual).

As Especiais, Militar e Eleitoral, tem a sua competência determinada em razão da matéria e da pessoa, sobretudo esta última. A Militar pode ser Estadual ou Federal, sendo que a diferença reside no tocante aos crimes e as pessoas. Os crimes militares Federais vêm expressos; a Militar Estadual é residual em relação a Militar Federal. A Militar sempre julga os crimes os crimes militares, previstos no Código Penal Militar, mais precisamente no art. 9º do CPM. Ela nunca julga os crimes conexos a ela, que devem ser separados.

A Militar Federal se difere da Estadual porque a primeira deve julgar os crimes cometidos por militares das forças armadas que atuem em todo o território nacional nos casos em que um interesse militar for violado. A Justiça Militar Estadual, por sua vez, será competente para julgar, por sua vez, os crimes cometidos por um militar do Estado como os bombeiros, policiais militares estaduais e polícia rodoviária estadual, devendo-se sempre, segundo Alry, observar-se o interesse militar violado, requisito de suma importância.

A Justiça Eleitoral tem a sua competência prevista nos arts. 118 a 121 da Constituição Federal e Lei n. 4737/65. Assim, deve julgar os crimes eleitorais e a conexa a ela. No primeiro grau, tem-se os juízes eleitorais; no segundo, Tribunal Regional  Eleitoral e o Supremo Tribunal Eleitoral, acima daquele.

A justiça Comum Federal é sempre residual em relação à Justiça Especial: incide sempre que a lide não for da esfera especial e deve sempre estar prevista expressamente na Constituição Federal. Incide sempre que o crime envolva bens, serviços ou interesses da União, autarquias ou empresas públicas. É composta pelos seguintes órgãos: os Juizados Especiais Criminais Federais, Juízes Federais e Tribunal do Júri. Os Tribunais Regionais Federais fazem parte do seu segundo grau. Os Juizados Especiais Criminais deverão julgar crimes de menor potencial ofensivo (pena máxima não superior a dois anos) relativos à Justiça Federal.

A Justiça Comum Estadual sempre residual às demais. Só incide depois que a “peneira” da competência já tiver passado pelas demais. No primeiro grau temos o Tribunal do Júri, Juízes de Direito e Juizados Especais Criminais. Já no segundo grau ela é composta pelos Tribunais de Justiça.

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3.2 Foro competente

À fase de escolha dos órgãos procede à fase de determinação do foro competente. Segundo Alry, a resposta à essa questão deve perpassar à análise da prevenção e da distribuição. O juiz que antecede os demais em algum ato decisório, como receber  a denúncia poderá ser o competente (distribuição); já na prevenção, também poderá ser o competente aquele que na fase de inquérito tiver, por exemplo, decretado a prisão em flagrante. Se nenhum juiz for prevento, o critério será o da distribuição.

Também observa-se o local do cometimento da infração: onde ela se consumou ou onde foi praticado o último ato de execução. No caso de continuidade delitiva ou crime permanente praticado em território de duas ou mais jurisdições, o juiz prevento será o competente.

3.3 Prerrogativa de função

A prerrogativa por função é um privilégio que algumas autoridades gozam em relação as atribuições exercidas por elas, como por exemplo, o Presidente da República. Não quebra o princípio da igualdade, tendo em vista que a prerrogativa é da função e não da pessoa. Quando findada a função, cessa a prerrogativa. Exemplificativamente, no STF serão julgados o Presidente da República, o Vice-presidente, os deputados federais, seus próprios ministros, o procurador-geral da República, o advogado-geral da União, ministros de Estado, comandantes das forças armadas, ministros dos Tribunais Superiores, membros do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.

Todas as prerrogativas devem constar expressamente da Constituição Federal, como faz com a competência acima trazida (art. 102, I, a, b e c). No que tange a interação entre a conexão e a prerrogativa de função, Alry lembra uma regra importante: se uma pessoa que goza da prerrogativa de função, comete um crime de competência do Tribunal do Júri, prevalece a prerrogativa de função prevista na Constituição Federal. Se, entretanto, a prerrogativa é prevista em Constituição Estadual, será julgado pelo Júri, por ser este de competência da Lei Maior, o qual deve observância a Constituição Estadual.

3.4 Conexão e continência

A conexão e a continência são duas causas modificadoras da competência. A conexão opera-se quando há um vínculo estreito entre os delitos, exigindo-se se a prática de dois ou mais crimes. Ela pode ser: intersubjetiva ocasional (quando dois ou mais crimes forem praticados ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas), intersubjetiva concursal (quando dois ou mais crimes forem praticados por várias pessoas em concurso, ainda que diversos o tempo e o lugar) ou intersubjetiva por reciprocidade (quando duas ou mais infrações forem praticadas por várias pessoas, umas contra as outras).

A continência, por sua vez, opera-se sempre que duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração, tendo elas cometido um mesmo, que por razões de garantis processuais, serão julgadas simultaneamente, evitando o julgamento diferenciado.

Alguns exemplos de regras importantes quando da interação dos critérios de competência e conexão: se um crime eleitoral é conexo a um crime comum, os dois serão julgados na esfera eleitoral; a infração cometida entre pessoas imputáveis e inimputáveis não serão julgados num mesmo processo. Opera-se a cisão dos processos (separação obrigatória).


[1]                    

                 Referência bibliográfica da resenha: JR., Alry Lopes. Direito Processual Penal. 9ªed. São Paulo: Saraiva, 2012. Cap. 

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Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Resenha apresentada à disciplina Processo Penal I do curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão, para a obtenção de segunda nota. Prof.ª: Tamara.

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