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A maioridade à luz do Projeto do novo Código Civil

01/10/1999 às 00:00
Leia nesta página:

          Dentre tantas outras importantíssimas alterações e inovações que o novo Código Civil trará para o cenário jurídico pátrio, a questão da maioridade é, sem dúvida, uma das questões que se aprovada como está no Projeto ao novel codex, refletirá em muitas outros ramos do direito, o que, sem sombra de dúvidas irá fazer nascer uma das mais implacáveis batalhas de posições que veremos no novo século que se iniciará juntamente com a vigência do tão esperado novo Código Civil.

          Hoje vivemos sobre a égide do Artigo 9º onde a maioridade se finda aos vinte e um anos completos e, sobre o disposto no artigo 6º, I, onde os menores de vinte e um e maiores de dezesseis anos, são relativamente incapazes para a vida civil, o que significa dizer que, dentre os limites deste último artigo, a pessoa necessita de ser assistida para ser validado certos atos seus na vida civil.

          Pois bem, pretende o novo codex impor que se atingirá a maioridade civil aos dezoito anos, havendo assim o rebaixamento de tal instituto civil, rebaixamento este que implicará na modificação tanto da Constituição Federal como também do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

          Há uma grande corrente parlamentar e até jurídica que entende que aos 18 anos a pessoa já tem capacidade para gerir sua vida integralmente, obviamente que a primeira corrente vê neste rebaixamento uma grande alavanca eleitoral.

          Mas para os juristas que defendem a continuidade da maioridade ser atingida somente aos 21 anos, este vêem este rebaixamento como uma grande irresponsabilidade, pois os danos que serão causados pelo advento da maioridade ser alcançada aos 18 anos, será de grande monta.

          Em sendo aprovado o novo Código Civil com esta alteração ter-se-á instalado o caos jurídico em nosso cotidiano.

          Sabemos que o genitor tem o dever de sustento aos filhos enquanto dure o pátrio poder e que por adoção jurisprudêncial esta obrigação se estende até aos 24 anos, desde que o filho esteja em universidade e não exerça atividade remunerada. Pois bem, tornando possível a maioridade aos 18 anos, chegada essa idade, o genitor não mais terá a obrigação de sustento, esteja o filho em universidade ou não; exerça ele atividade remunerada ou não. Assim, este filho terá de exercer uma atividade remunerada, pois já não mais contará com a obrigação de seu genitor. De modo que necessitando de auxílio este deverá ingressar com Ação de Alimentos contra o pai.

          Percebe-se, nesta modificação, que o dever de sustento não irá mais existir, o que significa dizer, que cessará também o pátrio poder, restando ao filho somente o caminho da Justiça.

          Said Cahali sustenta em suas palavras sobre esta temática o seguinte:

          "Aqui o genitor é que será o grande beneficiado, porque ele terá o dever de sustentar o filho até os 18 anos. Com essa idade, ele pára de pagar alimentos para o filho. A partir da aí, o filho terá que exercer atividade para sua manutenção ou entrar com ação de alimentos.

          Outro aspecto: vamos reduzir, pelo projeto, para 16 anos a possibilidade de emancipação do filho. Ora, se o filho é emancipado com essa idade, ele passa a adquirir a maioridade por força da emancipação, e, sob esse aspecto, o pai não é obrigado a sustentá-lo. O pai pode ser obrigado a prestar alimentos em função de uma ação que venha a ser proposta pelo filho, que terá de provar que não tem condições para trabalhar e que o pai tem condições para prestar alimentos a ele. Esse é primeiro aspecto que me parece relevante.

          Até agora não vi vantagem para o filho. É um erro de perspectiva. A incapacidade civil é imposta ao menor, ao deficiente mental e, antes do Estatuto da Mulher Casada, também à mulher casada, mas não no pressuposto de que se trata de uma pessoa discriminada, numa situação constrangedora. O instituto da incapacidade visa a proteção do incapaz, e com essa redução da menoridade para 18 anos, estamos retirando um instrumento de proteção do menor".

          É comum hoje em nossos dias escutarmos que uma criança é inteligente, mas pergunta-se até onde vai essa inteligência? Tem esse adolescente capacidade para gerir sua vida? Estará ele capaz para enfrentar os estranhos caminhos da vida?

          Temos que nos aperceber de que uma coisa é ser inteligente e outra, esta bem diferente, é conhecer a malícia da vida.

          Dizer-se-á, mas hoje alguns atos poderá ser efetivado pelo menor de 21 e maior de 18. Por que então tanta polemica sobre se reduzir a maioridade para os 18 anos? Simplesmente porque para os que hoje se encontram nesta condição, para que possam realizar alguns atos civis em sua vidas, deverão ser assistidos. E ainda será perguntado se se necessita de pais; tutor e curador, por que não se rebaixa a maioridade de vez por todas? Porque ninguém melhor do que estas pessoas para saber se tem ou não condições daquele menor gerir sua própria vida e por condições entenda-se capacidade.

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          Outro aspecto interessante sobre a maioridade aos 18 anos é que até se atingir essa idade o menor será considerado desde o início de sua vida até os 18 anos absolutamente incapaz.

          Neste sentido com muita propriedade, o Min. Moreira Alves, do STF discorreu:

          "Não há dúvida de que a tendência mundial é manter a maioridade aos 18 anos. Por isso mesmo tivemos aquele problema. Eu disse que não é possível também ficar do início da vida até os 18 anos absolutamente incapaz. Já temos em nosso sistema que aos 16 anos o indivíduo é relativamente incapaz. Ele não depende, portanto, de representante, mas apenas de um assistente. Mas os atos são simplesmente anuláveis e podem ser confirmados. Enfim, há toda aquela série de princípios que procura, de certa forma, dar validade aos atos que eles praticam, ainda que sem assistência, o que não acontece na representação e, portanto, na incapacidade absoluta. Ora, se já admitimos que dos 16 até aos 21 anos haja uma incapacidade relativa, não tem sentido que agora os indivíduos de até 18 anos fiquem absolutamente incapaz. É preciso Ter um parâmetro ou limite para incapacidade absoluta". (g.n.)

          Devemos ainda considerar que se ter a maioridade fixada aos 18 anos teremos reflexões no instituto do casamento, no Direito de Família e Sucessões e até mesmo no Direito Penal.

          Sobre o Direito Penal, nos defrontaremos com uma questão curiosa e por isso não menos importante.

          Aos menores que cometem atos infracionais são remetidos, muitos deles, quando não se verifica outra possibilidade, a sua internação em estabelecimentos educacionais (FEBEM). Há neste estabelecimentos menores internado além dos 17 anos, ou sejam, há os que já completaram 18 anos e ali permanecem por força de uma medida adotada pelo Eca.

          Como se operará diante desta questão, pois de um lado teremos o Direito Civil impondo a maioridade aos 18 anos e nos deparamos com o ECA nos impondo medida como esta, de se manter o jovem infrator com mais de 18 anos ainda sob a custódia desses estabelecimentos para menores? Ou se apanhará todos esse que se encontram em tais situações e transferimos para penitenciária ou deixamos como se apresenta?

          Vejamos que o rebaixamento da maioridade implicará em diversos ramos e institutos do Direito pátrio.

          Uma das implicações que ainda não está definida é a que será aplicada as novas regras aos processos pendentes ou não?

          O instituto da capacidade civil, ao trata da maioridade será abruptamente modificado com o rebaixamento da maioridade dos 21 para 18 anos, e, neste sentido, há se fazer uma reflexão criteriosa para tal pretensão. Pretensão esta que, por sua natureza puramente política, irá integrara o novo Código Civil.

          Todos nós sabemos que os Códigos em nosso país, vigem em todo território nacional por igual, não temos diversas codificações para cada unidade federativa.

          Assim, pensar que os valores são iguais para todas as cidades que compõem nosso país, seria no mínimo infantil, pois nem todos os jovens são iguais aos jovens de cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro, ou ainda como nas de grande porte. Temos que nos apercebemos de que há cultura e valores bem distintos de populações nacionais. Conceber que todos os valores são iguais nos mais diferentes rincões desse país continental, é estar errando conscientemente de que se está cometendo.

          Há que se preservar certos princípios gerais, ainda mais em se tratando de Direito, pois nossa cultura jurídica está balizada nos princípios dos tempos de Roma, assim como em muitas outras culturas. Derrubar todos estes anos de cultura, apenas por um propósitos eleitoreiros não nos parece sensato.

          Apenas para reafirmar nossa posição, temos nos dias de hoje um sem número de Ações de Alimentos, intentadas por pais que, ainda que por força de Lei têm a obrigação de prestarem alimentos aos seus filhos, mas ainda assim mesmo não a cumprem. Imaginemos o que acontecerá quando o Código Civil entrar em vigor e dirá que aos 18 anos os pais não têm mais qualquer obrigações de sustento para com seus filhos.

          Se apesar da imposição da Lei impor esta obrigação já temos um Judiciário abarrotado de ações desta natureza, qual será então o acervo que teremos com a não obrigatoriedade?

          É preciso cautela.


NOTAS

          1 Said Cahali, palestra realizada na Câmara dos Deputados, em 01/09/99

          2. Moreira Alves, palestra realizada na Câmara do Deputados em 25/08/99

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Sobre o autor
Ricardo Braga Lou

membro do Instituto de Ciências Criminais (IBCCrim) e da Associação dos Advogados Criminais do Estado de São Paulo (ACRIMPESP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOU, Ricardo Braga. A maioridade à luz do Projeto do novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/519. Acesso em: 6 nov. 2024.

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