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As prestações pecuniárias compulsórias no sistema constitucional brasileiro

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20/09/2016 às 15:50
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3. TRIBUTOS SINALAGMÁTICOS: REGIME CONSTITUCIONAL

Consoante já asseverado, a feição hodierna do Estado impõe sua atuação, direta ou indireta, no campo do fornecimento de utilidades aos particulares. Tal exercício se legitima, entre nós, a partir do artigo 173 e 175 da Constituição Federal de 1988.

Ademais, também restou assentado que, para fazer frente a sua complexa gama de atribuições, o Estado possui legitimidade de impor ao particular obrigações pecuniárias coativas, de natureza tributária ou não.

Certo é, que dentre as utilidades fornecidas pelo Estado, seja direta ou indiretamente, há de se ter uma contraprestação do particular. Analisando tal aspecto, bem como a correlação entre prestação e contraprestação, BRITO11 notou haver uma relação de dependência lógica entre ambas. Assim, abeberando nos ensinamentos de Orlando Gomes e Alberto Xavier, o professor baiano identificou estar presente em tais prestações o caráter sinalagmático, cunhando, então, a expressão tributo sinalagmático.

Registre-se, que o sinalagma é categoria de há muito conhecida no direito privado, inerente às prestações bilaterais em que hajam uma necessária correspondência jurídica entre a prestação e a contraprestação. Não obstante, deve-se atribuir ao mestre muritibano a sua transposição ao direito tributário e identificação de sua existência entre as prestações coativas impostas pelo Estado aos particulares.

Note-se, não há que confundir o caráter sinalagmático das prestações pecuniárias compulsórias com as conhecidas prestações vinculadas ou causal do direito tributário. Com efeito, tributo vinculado, na esteira de ATALIBA12, representa a obrigação tributária onde está necessariamente presente uma atividade estatal em face da qual se legitima a exação.

Sinalagma, contudo, não se reduz à existência de contraprestação. Além da própria contraprestação estatal, o sinalagma exige a correspondência jurídica entre o valor pago e aquela utilidade disponibilizada ao ou fruída pelo particular. Pode-se afirmar, portanto, que o sinalagma nas prestações coativas representa uma faceta de incidência do princípio da proporcionalidade nesta seara.

Não se desconhece, aqui, a distinção doutrinária feita acerca do sinalagma genético e funcional, onde o primeiro se configura na existência do sinalagma no nascimento da relação jurídica e o último durante a própria execução do contrato.

Certo é, que nas prestações pecuniárias compulsórias de natureza sinalagmática esta correspondência há de ser desde o seu nascedouro e durante sua execução. Assim o é, porque o sinalagma de tais prestações decorre do desenho constitucional que lhe atribuiu a Carta Política, vinculando, pois, o legislador instituidor e o administrador arrecadador.

Nesse contexto, pode-se afirmar que possuem natureza sinalagmática as prestações pecuniárias compulsórias advindas das taxas, contribuição de melhoria (tributárias), contribuições sociais, contribuição de intervenção no domínio econômico, contribuição das categorias profissionais ou econômicas, contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública (não tributárias).

Dentro da tipologia dos tributos inserta na Constituição Federal de 1988, especificamente no seu artigo 145, destaca-se como obrigações sinalagmáticas as taxas e a contribuição de melhoria, as quais merecem uma análise pormenorizada do seu regime constitucional.

3.1 Taxas

A Constituição Federal dispõe em seu artigo 145, II (BRASIL, 1988), que as entidades políticas são competentes para instituírem taxas em função do exercício do poder de polícia ou pela utilização, seja efetiva, seja potencial, de serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte ou colocado à sua disposição.

A partir dessa matriz constitucional é possível extrair os elementos que, segundo BRITO13, integram a tipicidade cerrada do tributo em estudo, quais sejam, os elementos material, subjetivo, espacial e temporal.

Conquanto a norma constitucional indique a possibilidade de instituição de duas modalidades de taxa – a taxa de polícia e a taxa de serviço –, é assente que dentre os elementos do tipo apenas o aspecto material de ambas se distinguem. Assim, por questão didática, serão abordados os critérios subjetivo, espacial e temporal conjuntamente, distinguindo-se, posteriormente, os aspectos materiais de cada modalidade.

Quanto ao polo ativo da relação jurídica tributária decorrente da exação da taxa tem-se que qualquer ente político – União, Estados, Distrito Federal ou Municípios – pode instituir a taxa, desde que competente para a prestação do serviço alusivo ou exercício do poder de polícia.

Decerto, sendo a taxa um tributo comutativo apenas o ente político fornecedor da utilidade – encara-se aqui em sentido lato, designando tanto o serviço quanto o poder de polícia – detém legitimidade para a exação.

Note-se que, para uma correta identificação do sujeito ativo em casos deste jaez há que se socorrer das normas constitucionais de competência insertas nos artigos 21 e seguintes do texto político. Nesse contexto, sendo a competência material residual atribuída aos Estados Federados, nos termos do § 1º do artigo 25 da Constituição Federal, soa legítimo afirmar que tais entidades políticas detém competência tributária residual em casos de taxa de serviço.

No que se refere ao sujeito passivo da relação tributária, é obrigado ao pagamento da taxa o particular que goza ou tem a disponibilidade de gozo da utilidade fornecida pelo Estado.

Aqui, cabe a advertência que os entes políticos não podem cobrar taxas das pessoas jurídicas de direito público em função de não se submeterem, entre si, às prestações administrativas nem ao poder de polícia um dos outros (BRITO, 2015, p. 85).

Em relação ao aspecto espacial, convém indicar que a incidência da norma tributária está adstrita ao território do poder tributante. É dizer, não é possível a exação em função de serviço ou poder de polícia prestado fora do território do ente tributante. Não obstante, é possível que a exação recaia sobre particular não residente dentro daquele território, desde que ali seja exercido o aludido poder ou prestado ou serviço.

Quanto ao elemento temporal, tem-se ocorrido o fato gerador no exato momento em que prestado o serviço, ou posto à disposição do particular, para o caso de taxa de serviço, e no momento em que exercido o poder de polícia, no caso da taxa de polícia.

Como já assentado, a norma constitucional institui duas hipóteses distintas para instituição da taxa, ensejando, assim, elementos materiais igualmente distintos na tipificação do tributo. Decerto, as taxas possuem como elemento material o exercício do poder de polícia e a prestação efetiva ou potencial de serviço público específico e divisível.

Antes de analisar tal aspecto uma ressalva, porém. Tem-se deixado claro que a feição assumida pelo Estado brasileiro contemporâneo é dualista, de desenvolvimento econômico e bem-estar social, ensejando a assunção de um plexo de atribuições por parte do poder público advindo da sua intervenção no campo privado.

Nesse passo, parece estar em crise a noção de serviço público ora analisada como aspecto material da taxa. Com efeito, a posição assumida pelo Estado no fornecimento de utilidades e intervenção na esfera do particular não cabe dentro do estrito conceito de serviço público. Aqui, mostra-se extremamente sóbria a advertência que num Estado dualista de prestação e prescrição, o conceito de serviço público utilizado no matiz constitucional da taxa deva ceder lugar à noção de prestação administrativa (BRITO, 2015, p. 87-88), por ser mais completa e apta a albergar o plexo de prestações incumbidas ao Estado.

Explicado estes termos, cumpre identificar qual a prestação administrativa – serviço público na linguagem da CF/88 – admite sua remuneração por taxa, na medida em que o texto constitucional prevê outras espécies remuneratórias para ditos serviços públicos – preço e tarifa. Entrementes, não é toda e qualquer prestação administrativa que legitima a instituição e cobrança de taxas. Há que ser analisado a própria essência da prestação administrativa para identificar sua possibilidade de remuneração na via deste tributo.

O professor Luciano Amaro14 entende que serviços inerentes à soberania do Estado como, por exemplo, a prestação jurisdicional, só podem ser remunerados na via taxa. Contudo, adverte que tal critério não se mostra suficiente para abraçar todas as possibilidades dentro de uma realidade de Estado dualista. Segundo ele, “o Estado adstringe-se a adotar a figura da taxa, se o serviço (que ele executa) deve ser realizado por imperativo de ordem pública” (AMARO, 2012, p. 74). Segue afirmando que em casos tais, a prestação administrativa é de tamanha relevância para a coletividade que deve o poder público disponibilizá-la ao particular, podendo exigir a taxa pelo simples uso potencial.

No mesmo sentido, BRITO15 adverte que “a taxa de serviço terá como elemento material da sua hipótese de fato gerador essa prestação administrativa (...), traduzida no gozo de benefícios pela coletividade porque destinada a satisfazer uma necessidade pública”.

Esclarecido tal ponto, cabe enfrentar a questão da divisibilidade e especificidade da prestação administrativa apta a legitimar a instituição da taxa. Aqui, socorre-se do legislador complementar, que no Código Tributário Nacional, artigo 79, estabeleceu o conceito de serviço público específico – quando se lhe permite ser destacado em unidade autônoma de intervenção, utilidade ou necessidade pública –, bem assim o conceito de serviço divisível – quando suscetível de utilização separada por parte de cada usuário.

Assim, em compasso com a Constituição, a taxa só tem lugar quando instituída em face de prestações administrativas que integrem a própria soberania do Estado e naquelas em que sua disponibilização e uso seja de fundamental importância para a coletividade e, ainda, configurem prestações específicas e divisíveis.

Observando a segunda abertura constitucional para a instituição de taxa, tem-se como aspecto material do tributo o exercício do poder de polícia. Dito poder vem conceituado no artigo 78 do Código Tributário Nacional e deve ser exercido dentro dos ditames constitucionais.

Decerto que a feição dualista do Estado moderno impõe sua intervenção no domínio particular, sobretudo para se alcançar seus objetivos de desenvolvimento econômico e bem-estar social. Ocorre que, tal intervenção não pode olvidar para os direitos e garantias fundamentais sob pena de macular conquistas históricas do homem. Aqui, destaca-se, como bem o faz Antonio Roberto Sampaio Dória16, que a evolução da limitação do poder estatal com baldrame na cláusula do due process of law atingiu, também e sobretudo, o poder de tributar.

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Nesse contexto, o poder de polícia apto à tributação pela taxa há de ser o regular poder de polícia.

No que tange ao interesse ou liberdade objeto de limitação, cabe destacar que o interesse regulado é o interesse particular, que deve se conformar com o interesse público – aspecto legitimador da intervenção estatal – sem, contudo, importar em prática proibitiva de atividade lícita (BRITO, 2015, p. 94-95, 103-104).

Quanto ao sinalagma das taxas, de se observar que também o reconheceu o professor Paulo de Barros Carvalho17. São suas as seguintes palavras:

Em qualquer das hipóteses previstas para a instituição de taxas — prestação de serviço público ou exercício do poder de polícia — o caráter sinalagmático deste tributo haverá de mostrar-se à evidência, como já lecionara Alberto Xavier e como bem sintetiza Edvaldo Brito, em preciosa colaboração ao 43º Congresso da “International Fiscal Association”.

Um aspecto, ainda, há de ser esclarecido, contudo. O sinalagma existente na taxa, seja ela de polícia seja ela por prestações administrativas, decorre de uma relação de equivalência entre a prestação e a contraprestação. Equivalência esta, registre-se, jurídica e não financeira. Com efeito, não se exige do poder público a elaboração de cálculos precisos quanto ao custo da prestação ou do exercício do poder de polícia, devendo o valor da exação “ser calculado até em certo limite estipulado pelo legislador ao estabelecer a base de cálculo e alíquota, a fim de não ultrapassar essa quantia geral ou total que a Administração está gastando” (BRITO, 2015, p. 93).

Tal posicionamento foi referendado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 1772/MG, onde se discutia a possibilidade de custas judiciais – taxa, portanto – ad valorem. A controvérsia cingia-se à possibilidade das custas judiciais serem calculadas em face do valor da causa sem, contudo, um limite máximo.

No referido julgado, conquanto, não tenha havido expressa menção ao sinalagma, o Tribunal assentou que há de haver uma equivalência entre o custo do serviço prestado e o valor do tributo a remunerá-lo – noção de sinalagma –, sob pena de ser inconstitucional a exação. Colhe-se o seguinte excerto do voto do Ministro Relator, Carlos Velloso18:

a taxa judiciária, espécie de tributo – taxa – resulta da prestação de serviço público específico e divisível, tem como base de cálculo o valor da atividade estatal referida diretamente ao contribuinte, pelo que deve ser proporcional ao custo da atividade do Estado a que está vinculada

Vê-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal adota o caráter sinalagmático da taxa como aspecto limitante do poder de tributar, consoante escandido até aqui.

Por fim, merece destaque o disposto no § 2º do artigo 145 da Constituição Federal, cujo intuito é proibir que as taxas tenham “base de cálculo própria de imposto” (BRASIL, 1988). Assim, a base de cálculo das taxas não pode ser representada por grandeza econômica cuja incidência tributária é própria dos impostos. O intuito do constituinte é claro ao proteger o contribuinte de exações desvirtuadas na forma de taxa, mas que em essência representem impostos.

O Supremo Tribunal Federal, contudo, enfrentando questão de ordem no Recurso Extraordinário 576.321, cujo objeto era proposta de súmula vinculante, interpretando o citado comando constitucional, entendeu ser possível à Administração Pública o uso de elemento integrante da base de cálculo de imposto para o fim de servir como base de cálculo de taxa.

A controvérsia versava sobre o uso da área construída do imóvel – elemento integrante da base de cálculo do Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana-IPTU – para o cálculo da taxa de coleta de lixo domiciliar do município de Campinas/SP. Entendeu, por maioria, que a base de cálculo do imposto pode ser decomposta para o fim de utilizar elementos parciais dessa decomposição na base de cálculo da taxa. Utilizou-se do raciocínio, no específico caso, que a área construída do imóvel mostra-se parâmetro razoável para apurar o valor da taxa de coleta domiciliar de lixo ao fundamento de presumir-se que imóveis maiores tendem a produzir maior quantidade de lixo domiciliar.

Não obstante, não parece ser tal exegese possível a partir do citado § 2º do artigo 145 da Constituição Federal de 1988. Decerto, afigura-se acertada e condizente com os ditames constitucionais, especificamente com as garantias fundamentais dos contribuintes, a posição manifestada pelo Ministro Marco Aurélio19, em voto vencido, quando aduziu inexistir, em face da norma analisada, “qualquer temperamento a ponto de dizer-se que só é impossível cogitar-se da identidade quando é absoluta. Nesse caso a confusão seria total. Evidentemente, a Constituição Federal não precisaria versar a matéria para ter-se a pecha” (BRASIL, 2009).

Ao fim, em que pese o flagrante desacerto, o Supremo Tribunal Federal editou o verbete sumular vinculante nº 2920, admitindo o “uso de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra (BRASIL, 2009).

3.2 Contribuição de Melhoria

O texto constitucional (artigo 145, III, CF/88) é sobremaneira singelo ao prever, na tipologia tributária, a contribuição de melhoria. Entrementes, limita-se a afirmar que compete aos entes federados instituir a “contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas” (BRASIL, 1988). Nesse passo, avulta em importância a integração desta figura tributária feita pelo Código Tributário Nacional, especificamente em seus artigos 81 e 82.

Descendo aos elementos integrantes da tipicidade cerrada do tributo em estudo, tem-se que o sujeito ativo pode ser qualquer dos entes federados – União, Estados, Distrito Federal ou Município – desde que seja o titular da obra pública da qual decorreu a valorização do imóvel.

No que toca ao sujeito passivo, de se observar que o mesmo centra na figura do proprietário do imóvel beneficiado com a obra. Tal constatação, contudo, não impede que o legislador instituidor do tributo adote a técnica da responsabilização tributária (artigo 121, parágrafo único, II, CTN). Com efeito, é a partir da hipótese de incidência que se pode identificar os indivíduos elegíveis como sujeitos da relação jurídica tributária. Nesse sentido, a lição de Marçal Justen Filho21:

a sujeição passiva decorre da existência de um mandamento normativo. É na determinação subjetiva mandamento que se localiza a eleição legislativa de sujeitos ativos e passivo; já na determinação objetiva encontra-se a previsão das condutas facultadas, impostas ou vedadas.

É evidente, portanto, que havendo um elo de conexão entre o sujeito eleito pela norma para figurar como responsável tributário e o aspecto material do tributo, será legítima a eleição de terceira pessoa – não proprietária do imóvel – como sujeito passivo da obrigação tributária.

Ainda acerca do aspecto subjetivo da tipicidade da contribuição de melhoria, conquanto a norma constitucional de imunidade se refira expressamente a impostos, é de se considerar que a mesma tem, também, abrangência em face da contribuição de melhoria. Assim o é, porque não se afigura legítimo, no sistema constitucional brasileiro, franquear a tributação de um tributo comutativo quando a própria norma constitucional estabelece imunidade para um tributo não causal. Ademais a receita dos impostos também servem para o financiamento de obras públicas, configurando um desvio ilegítimo o custeio da obra por intermédio da contribuição de melhoria com exclusivo fim de afastar a norma imunizadora (BRITO, 2015, p. 126).

Encerrando esse aspecto do tipo tributário, cabe asseverar que a capacidade contributiva há de ser aplicada também à contribuição de melhoria (BALEEIRO, 1984, p. 369). Não obstante o lastro da doutrina que sustenta tal entendimento, é de se reconhecer aplicável ao tributo em questão, muito embora a norma constitucional também a limite aos impostos, em função de uma compreensão orgânica do sistema constitucional tributário.

Decerto, a capacidade contributiva é manifestação da justiça tributária e decorre do princípio da isonomia. Assim, há que se reconhecer seu status de princípio-garantia do contribuinte e, como tal, verdadeira limitação constitucional ao poder de tributar. Cabe transcrever as palavras de BRITO22 entalhadas em artigo intitulado “Capacidade Contributiva”, in verbis:

o princípio da capacidade contributiva é corolário do princípio da isonomia, visto que este importa igual imposição para idêntica capacidade contributiva e pressupõe sempre, por parte do legislador ordinário, uma igualdade de situações tomadas em consideração, desde quando a noção de capacidade contributiva implica em uma avaliação da idoneidade do indivíduo para suportar a carga tributária. Uma idoneidade abstrata enquanto avaliada pelo legislador, mas, concreta, quando o for, pelo aplicador da norma ao caso específico. E essa imbricação da isonomia sobre a capacidade econômica do sujeito passivo da obrigação tributária chega ao ponto de se poder afirmar que são ambos princípios constitucionais que se integram, atuando como identificadores da medida das possibilidades econômicas a qual, para os causalistas, é a causa jurídica da imposição, cumprindo, por isso, ao juiz investigá-la como fundamento da tributação para que possa aplicar a norma tributária no caso concreto.

Vê-se, pois, ser a capacidade contributiva verdadeiro princípio geral do direito tributário com aptidão para irradiar influxo sobre todas as espécies tributárias e entidades tributantes.

Quanto ao elemento material da hipótese de incidência, tal qual já assentado, deve o exegeta buscar na legislação complementar a integração da norma constitucional. Assim, o CTN se mostra como norma de fundamental matiz para o preenchimento dos elementos do tipo do tributo em estudo.

Nesse contexto, tem-se que a contribuição de melhoria demanda a realização de obra pública que acarrete valorização imobiliária.

Como primeiro elemento do aspecto material, obra pública deve ser entendida como obra executada pelo poder público, direta ou indiretamente, voltada ao atendimento de fins públicos. Dito elemento ganha relevo quando se constata que o sinalagma existente na contribuição de melhoria tem, também, ligação direta com o custo da obra. Assim, o valor arrecado a título de contribuição de melhoria não pode ser superior ao custo total da obra.

Ainda acerca do sinalagma no caso em questão, é de se observar que deve haver uma equivalência entre o valor vertido aos cofres públicos a título de contribuição de melhoria e a valorização imobiliária individual.

Assim, por expressa disposição legal, o sinalagma, na contribuição de melhoria, é jurídico e financeiro, devendo o valor da prestação guardar equivalência jurídica e financeira com os custos da obra e a valorização experimentada pelo proprietário do imóvel.

Note-se, contudo, que a dita valorização imobiliária não se confunde com valor venal ou valor de mercado. Há que ser perquirido através de critérios específicos a quantificação representativa da valorização imobiliária. Só assim restará satisfeita a exigência legal para legitimar a exação.

Em relação ao aspecto espacial, tal qual as taxas, a contribuição de melhoria é reconhecidamente um tributo territorial, só sendo legítima sua exação no âmbito territorial da entidade federativa. Aqui, todavia, há um aspecto peculiar. Como a obra pública acarreta valorização restrita ao entorno da sua execução ou a regiões distantes, porém beneficiadas diretamente, há que ser observada a delimitação da zona beneficiada. Assim, apenas as zonas que efetivamente experimentaram uma valorização imobiliária em função da respectiva obra podem estar na abrangência do tributo.

Uma ressalva, porém. Como as áreas impactadas pela obra podem ter gradação diferenciada de valorização, é legítimo à Administração Pública instituir valores diferenciados de acordo com a zona beneficiada pela obra. Tal possibilidade visa materializar a própria justiça tributária.

Por fim, de suma importância para a configuração do tributo em questão é o elemento temporal. Decerto, muito se discute acerca da legitimidade de se instituir a contribuição de melhoria prévia à própria realização da obra pública, com respaldo em estudos técnicos detalhados dos custos e potencial valorização imobiliária. Não se afigura, contudo, legítimo tal proceder por mais de uma razão.

A uma, porque o próprio texto constitucional estabelece que só é possível a instituição da contribuição de melhoria decorrente de obra pública. Ora, se o tributo decorre da obra é elementar que esta deva preceder aquele. Não há decorrência antecedente – verdadeira contradição em termos – e, portanto, não é possível dita exação de forma prévia, ainda que pautada em estudos e relatórios técnicos.

A duas, em função da própria essência dessa espécie tributária. Com efeito, a contribuição de melhoria tem lastro no postulado da proibição do enriquecimento sem causa, objetivando evitar que toda a coletividade custeie obra que beneficiará destinatário específicos. Assim, permitir a tributação previamente à obra abriria possibilidade concreta de desvirtuar a proibição do enriquecimento sem causa na medida em que ainda não se teria a certeza – em que pese estudos técnicos pudessem estimar com algum grau de aproximação – do valor final da execução.

A três, por uma questão prática. É cediço que inúmeras obras em nosso país são deflagradas sem, contudo, virem a ser concluídas. E mais! Não é incomum casos em que obras públicas são licitadas, créditos orçamentários são abertos, empresas são contratas, contudo sequer é dado início à execução das mesmas. Em casos tais, os contribuintes deste tributo se viriam alijados de parcela do seu patrimônio sem a devida contraprestação por parte do poder público.

Vê-se, portanto, que o aspecto temporal da contribuição de melhoria exige a conclusão da obra da qual deve decorrer a valorização imobiliária.

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Sobre o autor
Eugenio Nunes Silva

Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia; Bacharel em direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC; Pesquisador bolsista da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas - FAPEAM. Procurador do Estado do Amazonas. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Eugenio Nunes. As prestações pecuniárias compulsórias no sistema constitucional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4829, 20 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51999. Acesso em: 3 mai. 2024.

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