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As prestações pecuniárias compulsórias no sistema constitucional brasileiro

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20/09/2016 às 15:50
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4. A INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 149 E DOS §§ 4º, 6º E 7º DO ARTIGO 195 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Já restou asseverado que as contribuições integram o rol constitucional das prestações pecuniárias compulsórias. Ademais, restou também consignado que sua essência e regime jurídico-constitucional diferem dos tributos em geral. Neste ponto do trabalho, então, já se pode enfrentar a questão das contribuições dentro do todo orgânico que é a Constituição Federal de 1988.

A análise deve partir do artigo 149 da Constituição Federal, que estatui competir exclusivamente à União a competência para instituir duas modalidades de contribuição: as sociais e as de intervenção no domínio econômico, aqui insertas, também, aquelas formuladas no interesse de categorias econômicas ou profissionais.

De início, é possível extrair da formulação constitucional que o quanto já escandido acerca do sinalagma das prestações pecuniárias compulsórias tem aplicação às contribuições, sejam elas sociais ou de intervenção. Com efeito, tal qual explicitado no texto político, as contribuições só tem lugar em face de uma postura estatal consistente na prestação assistencial ou na atuação intervencionista em prol dos fins colimados no Estado dualista.

Tal situação, contudo, não se traduz no sinalagma, como já foi asseverado. Entrementes, para além da comutatividade da relação obrigacional de recolher as contribuições é fundamental, para sua legitimidade, que haja uma correspondência – equivalência – jurídica entre o que se recolhe e a prestação administrativa. Aqui reside o caráter sinalagmático das contribuições.

Outro ponto de importante destaque, logo de saída, reside na competência para a instituição das contribuições. Assevera, a Constituição Federal de 1988, ser a União o único ente político competente para instituição de contribuições outras que não a de melhoria. Contudo, frise-se, no específico caso das contribuições sociais para financiamento do regime previdenciário, a norma constitucional inserta no § 1º do aludido artigo 149 franqueia – no sentido de poder-dever – aos demais entes políticos, que mantenham fundo previdenciário próprio dos seus servidores públicos efetivos, a instituição de contribuição social para manutenção do respectivo regime previdenciário, advertindo que não poderá praticar alíquota inferior àquela utilizada pela União.

Feito este introito, adverte-se, por questões didáticas, a abordagem do tema se dará sob duas grandes vertentes, inciando-se pelas contribuições sociais e, posteriormente, enfrentando as contribuições de intervenção no domínio econômico.

Nesse passo, inicia-se pelo estudo das contribuições sociais escandidas no artigo 195 da Constituição Federal de 1988. A partir deste dispositivo pode-se identificar que a seguridade social será financiada a partir de contribuições sociais impostas ao empregador e incidente sobre a folha salarial, a receita ou faturamento e o lucro; ao trabalhador e demais segurados obrigatórios do regime geral de previdência; sobre a receita de concursos de prognósticos; e sobre o importador de bens ou serviços.

Aqui, impende destacar em que consiste este fim seguridade social. A exegese a ser feita desta associação de signos perpassa por tudo aquilo que já foi dito acerca do Estado dualista do desenvolvimento econômico e do bem-estar social. Decerto, é imperioso observar que os contornos modernos do Estado impõe a este a incumbência de inúmeras prestações administrativas voltadas para a assistência vital dos cidadãos. No específico caso da seguridade social, a própria Constituição, em seu artigo 194, estabelece que a mesma compreende um plexo de ações do poder público e da sociedade voltado para assegurar direitos relativos à saúde, previdência e assistência social.

Assim, a inteligência do caput do artigo 195, integrado pelo artigo 194, ambos da Constituição Federal de 1988, traduz o exercício do poder de soberania estatal que legitima que se imiscua no patrimônio particular e retire-lhe parcela suficiente para fazer frente aos custos financeiros da sua atuação em prol da sociedade. Não diverge do quanto exposto o pensamento de BRITO23, assim sintetizado:

o disposto no art. 195 sinaliza para o dever jurídico público de geração de meios para manter a seguridade social. Sob esse ângulo, a prestação é de toda a sociedade civil; mas há um outro ângulo em que se identifica um dever público jurídico, qual seja a prestação é, também, do Estado brasileiro por todas as entidades intraestatais que exprimem a descentralização política caracterizadora da Federação brasileira.

Conquanto a soberania permita essa ingerência da potestade estatal no patrimônio particular, DÓRIA24 ensina que de há muito impõe-se limites a tal proceder num Estado que se pretenda democrático. Assim, merece menção a disposição contida no § 6º, do citado artigo 195 da Constituição Federal de 1988.

Dispõe o citado dispositivo que as contribuições só podem ser exigidas após o decurso de noventa dias da data de publicação da lei que a instituiu ou modificou, não se lhes aplicando o princípio tributário da anterioridade consubstanciado no artigo 150, III, b, CF/88.

Tal regra visa a preservação do patrimônio do particular e prestigia o postulado da não surpresa, garantindo-lhe prazo razoável para adequar-se à exação. Não obstante, duas observações são de suma importância.

A uma, pela própria teologia da norma – proteção do particular em face da ingerência estatal em sua propriedade privada –, o signo “modificou” há que ser interpretado dentro de uma pragmática constitucional.

Aqui, pede-se vênia para expor o raciocínio do professor Edvaldo Brito25 acerca do Direito como um objeto cultural e, portanto, linguagem. Ensina o mestre muritibano que o direito não carece de precisão, antes, o seu caráter científico o impõe, e que, sendo um objeto cultural, o direito, por excelência, é linguagem. Assim, imperiosa sua análise, também, sob os auspícios da teoria da comunicação.

Nesse passo, o veículo normativo há de ser analisado sobre seu aspecto semântico, sintático e pragmático, donde o primeiro guarda com a representação do signo; o segundo diz com a relação dos signos ente si; e o terceiro refere-se ao uso do signo e os sujeitos envolvidos na comunicação (BRITO, 1993, p. 17). Vê-se, pois, que qualquer expressão exposta no na Constituição só terá seu real alcance extraído se perpassar por uma detida análise semântica, sintática e pragmática. Dito isto, é de se concluir que ao se referir que a incidência da norma que modifique a exação de uma contribuição já existente só será válida noventa dias após a publicação da respectiva lei só tem lugar em caso de majoração da cobrança. Decerto, sendo a modificação benéfica ao particular, uma análise pragmática do discurso constitucional permite concluir pela sua aplicabilidade imediata, posto que a regra só existe em benefício do particular.

Um segundo aspecto relevante constante na norma do § 6º do artigo 195 em questão diz com a ressalva à limitação constitucional ao poder de tributar inserta no artigo 150, III, b, também da CF/88. Dita ressalva, parece deixar claro a opção do constituinte de não deferir o mesmo tratamento dos tributos às contribuições sociais. É dizer, a Constituição, com normas desse jaez, expressamente dispõe que o regime constitucional das contribuições se difere daquele estabelecido para os tributos. Tal constatação só vem a corroborar o até aqui escandido acerca da natureza não tributária de tais prestações pecuniárias compulsórias.

Também merce um enfrentamento detalhado a norma disposta no § 7º do multicitado artigo 195 da CF/88. Estabelece tal preceito que são “isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei” (BRASIL, 1988). De igual modo, dois aspectos merecem destaque neste dispositivo.

Conquanto os conceitos de isenção e imunidade não estejam positivados, remontando a MARSHALL26, no caso Mac Culloch vs. Maryland, pode-se encontrar o matiz que lhe dá o direito constitucional. Com efeito, a norma de imunidade, diferente da isenção, goza de assento constitucional e atua do campo da própria competência da potestade estatal, retirando-lhe situações ou pessoas de sua incidência.

Assim, ao analisar o citado § 7º do artigo 195, mais uma vez com baldrame em BRITO27, há de ser encarado o discurso jurídico sob o prisma da teoria da comunicação, em ordem à observância da semântica, sintática e pragmática. Nesse contexto, em que pese a norma constitucional se refira à isenção, em verdade, de imunidade se trata. Decerto, o dispositivo ora analisado, com assento constitucional, retira da potestade estatal a competência para instituir contribuição em face das entidades beneficentes de assistência social que atendam os requisitos exigidos em lei.

O próprio Supremo Tribunal Federal, muito embora equivocadamente se refira à imunidade tributária, reconheceu nos autos do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 22.192/DF, esse aspecto da teoria da comunicação na interpretação do direito. Colhe-se as seguintes palavras do Ministro Relator, Celso de Mello28, proferidas em seu voto:

A cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Carta Política – não obstante referir-se impropriamente à isenção de contribuição para seguridade social –, contemplou as entidades beneficentes de assistência social com o favor constitucional da imunidade tributária, desde que por elas preenchidos os requisitos fixados em lei (…)

Convém salientar que esse magistério doutrinário reflete-se na própria jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, que já identificou, na cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Carta Política, a existência de típica garantia de imunidade estabelecida em favor das entidades beneficentes de assistência social.

A propósito da confusão feita pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento acima citado, não há que confundir a presente regra de imunidade de contribuição com a imunidade tributária inscrita no artigo 150, VI, c, da CF/88. Eis o segundo aspecto a ser destacado neste ponto do trabalho.

Entrementes, a imunidade de contribuição alcança as “entidades beneficentes de assistência social que atendam as exigências previstas em lei” (BRASIL, 1988) ao passo que a imunidade tributária protege “as instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei” (BRASIL, 1988). Vê-se, portanto, que a imunidade de contribuição tem um espectro mais abrangente que a correlata imunidade tributária neste desempenho, recursos financeiros são necessários, valendo-se o Estado do seu poder de soberania para adentrar no patrimônio particular e retirar-lhe a parcela suficiente para tanto.

Antes de enfrentar o regramento das contribuições de intervenção no domínio econômico e de interesse de categoria econômica ou profissional, uma última observação, porém.

Decerto, o multicitado artigo 195 da CF/88 traz o § 4º, reconhecido como norma de outorga de competência residual para instituição de contribuições. Reza tal dispositivo que “a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I” (BRASIL, 1988).

Muito embora num primeiro momento o dispositivo pareça estabelecer a possibilidade de instituição de contribuições sociais outras que não as previstas na Constituição Federal, numa análise do discurso normativo, sob o viés da teoria da comunicação, é de se notar que tal disposição mascara verdadeira competência residual para imposição de impostos, mais especificamente impostos com destinação específica (BRITO, 2015, p. 179).

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Com efeito, a norma ao fazer remissão ao artigo 154, I, da Constituição Federal está franqueando a possibilidade de imposição tributária especificamente destinada para o financiamento da seguridade social na via do imposto, desde que seja “não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição” (BRASIL, 1988).

Não obstante, a análise da norma não há de ficar restrita a este aspecto. Note-se que o dispositivo confere uma dupla competência. Primeiro, estatui ser da competência da União a instituição legal de novas fontes de recursos. É dizer, compete à União, através de lei, eleger novas grandezas econômicas, diversas das já especificadas no texto constitucional, para servir como base imponível da exação. Num segundo momento, que não se confunde com primeiro, outorga competência para União instituir novas contribuições – leia-se, impostos com destinação específica – para financiar.

A doutrina pátria não descurou para tal distinção (BRITO, 2015, p. 179. AMARO, 2012, p. 77) e ressalta que os instrumentos normativos do exercício de ambas competências é diverso. Entrementes, a Carta Política outorga à Lei Ordinária o papel e eleger quais serão as novas fontes de custeio da seguridade social, ao passo que a instituição das contribuições – impostos com destinação específica – só podem sê-lo na via da Lei Complementar.

Retornando ao caput do artigo 149, volta-se os olhos para as contribuições de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias econômicas e profissionais, com a advertência que serão expostos apenas os aspectos gerais, já que o presente trabalho não se propõe a descer às minúcias de todas elas.

Conforme já se assentou, o Estado brasileiro carateriza-se por ser dualista de desenvolvimento econômico e do bem-estar social, legitimando seu papel intervencionista no campo econômico sempre voltado para as finalidades públicas que colima.

É assente que dita intervenção pode se dar de maneira direta, nos termos do artigo 173 da Constituição Federal de 1988, ou indireta, atuando como agente regulador e indutor da economia. Especificamente nessa feição de intervenção indireta é que se legitima a instituição de contribuições de intervenção no domínio econômico.

Aqui, cabe observar, não poderá o Estado afastar-se do caráter sinalagmático das contribuições, o que enseja afirmar que toda exação nessa seara deve corresponder a uma efetiva atuação estatal onde esta deve guardar equivalência jurídica – sinalagma – com o valor vertido aos cofres públicos.

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Sobre o autor
Eugenio Nunes Silva

Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia; Bacharel em direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC; Pesquisador bolsista da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas - FAPEAM. Procurador do Estado do Amazonas. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Eugenio Nunes. As prestações pecuniárias compulsórias no sistema constitucional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4829, 20 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51999. Acesso em: 26 nov. 2024.

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