Direitos humanos e a humanização das penas

11/09/2016 às 09:20
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O reconhecimento de direitos fundamentais da pessoa humana nos ordenamentos jurídicos ocidentais permitiu uma drástica mudança no sistema punitivo, que abandonou a tortura como regra, passando a incorporar a ressocialização do indivíduo.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

      O ser humano é uma espécie diferente dos outros animais com os quais compartilha o planeta Terra. Somos os únicos seres racionais e também apenas nós conseguimos possuir e expressar sentimentos. Essas duas habilidades especiais, raciocinar e emocionar -sentir emoção-, permitiram que pudéssemos sonhar com uma sociedade civilizada. “Sonhar” porque para construir uma civilização é necessário lidar com problemas humanos, como a criação das leis e dos instrumentos para assegurar sua eficácia e validade. Os primeiros grupos humanos organizados em sociedade criaram leis e formas de punir quem as desobedecesse, baseada na vingança privada ou na vingança divina, como por exemplo, o Código de Manu e a Lei de Talião. Essas punições eram fundadas no castigo corporal, que muitas vezes era feito de forma sanguinária. Essa maneira primitiva de punir – atingir o corpo do delinquente- perdurou até meados do século XIX em grande parte do ocidente, e uma verdadeira transformação dessa situação, ou seja, a humanização das penas, só veio a surgir com o desenvolvimento do Direito e a com concretização dos Direitos Humanos nas Constituições Ocidentais.

2 OS DIREITOS HUMANOS

2.1 Definição

      Cabe destacar que, para melhor apreciação do tema, a doutrina diferencia Direitos Humanos, Direitos do Homem e Direitos Fundamentais. A diferença entre essas terminologias está no grau de positivação de cada um.

      Os Direitos do Homem tem um caráter mais vago. São direitos característicos do ser humano, mas não estão necessariamente jurisdicizados. Não tem uma concretude jurídica, pois são supralegais. São direitos-princípios derivados dos conceitos jusnaturalistas.

      Os Direitos Humanos são os Direitos do Homem com densidade jurídica. São positivados em documentos internacionais.

      Os Direitos Fundamentais são os dois últimos reconhecidos pelo Estado e garantidos por este internamente. Eles são sempre direitos Humanos que,  no entanto, podem atingir sua plena eficácia e aplicabilidade devido à sua positivação nas Constituições.

      Essa diferenciação se torna importante neste estudo no momento em que se analisa a evolução dos Direitos Humanos (aqui tratados como direitos inatos ao homem), que no decorrer da história saem da condição de meras ideias Jusnaturalistas (Direitos do Homem) e atingem o patamar de Letra da Lei nas grandes Constituições ocidentais (Direitos Fundamentais).

2.2 Uma breve história dos direitos humanos

       Os direitos humanos são uma conquista grandiosa para a Humanidade, é por meio deles que se defende o que há de mais básico para cada indivíduo, como a liberdade, a vida, a educação, a saúde e a dignidade. Foi com o surgimento da fé monoteísta, mais especificamente a fé cristã, com a ideia de que um Deus Superior criou o homem e que dele descendemos e somos iguais, é que se iniciou o caminho para a consagração dos direitos humanos. É dessa ideia de igualdade que se deduz que não existem homens menos humanos que outros – a exemplo do escravo e seu senhor- e que tanto o superior como o subordinado são iguais em direitos.

       Com o desenvolvimento do Racionalismo, surgem os defensores do Direito Natural, que abandonam a origem divina dos direitos humanos e afirmam a origem natural dos direitos e que estes são inerentes a todo indivíduo desde o nascimento. Mais tarde se tornou visível a influencia dessa corrente no mundo Ocidental, com o surgimento da Declaração Americana de Independência (1776, EUA) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1879). Já em 1945, os terríveis acontecimentos da Segunda Grande Guerra levaram à criação da Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de manter e estabelecer a paz no mundo. Em 1948 foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos que serviu como referencia para inúmeros outros documentos internacionais e constituições ocidentais.

       Essas conquistas surgiram após muito tempo de sofrimento e desigualdade da maior parte da população mundial. Havia aparentemente uma distinção entre pessoas mais humanas e menos humanas. Isso era observado no tratamento desigual dado a trabalhadores, às mulheres, aos mais pobres e aos demais que viviam à margem da sociedade. Os marginalizados, que não tem acesso às beneficies do desenvolvimento social, são, não raro, os que cometem delitos para sobreviver. No passado, eles constituíam a esmagadora parcela populacional. Por serem considerados menos humanos, mereciam penas desumanas. Dessa forma, naqueles tempos sombrios, a punição penal era aterrorizante e não observava nenhuma garantia aos Direitos Humanos. Isso mudou drasticamente com o reconhecimento destes direitos.

3 AS PENAS E SEU ENCONTRO COM OS DIREITOS HUMANOS

       Inúmeras foram as formas tentadas pelas leis e governos de séculos passados para conter a criminalidade. Tortura, pena capital, humilhação e o suplício foram alguns dos instrumentos usados para coibir criminosos e delinquentes, e que não tinham outro objetivo senão atingir direta ou indiretamente a Vida Humana. Era na violação desse direito que se encontrava a solução para os “foras da lei”, um meio primitivo que apenas demonstra o quanto era subdesenvolvida a política criminal daqueles tempos.

      O fim da punição e humilhação do corpo e vida humanos, como instrumento penal para prevenção e supressão de delitos, ocorreu por volta do fim do século XVIII e início do século XIX, em países como França, Inglaterra, Áustria e Suíça. Essa transformação ocorreu de forma gradual: a França aboliu pela primeira vez a confissão pública dos crimes em 1791, e o suplício de exposição em 1848; a Inglaterra aboliu a marca de ferro em 1834 e o pelourinho em 1837; e as humilhações públicas, como correntes de ferro no pescoço, zombarias e injúrias ao preso enquanto este caminhava na rua, foram eliminadas na Áustria e Suíça e em algumas províncias americanas no fim do século XVIII ou no início do século XIX.  

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      Essa mudança ocorreu devido a uma drástica reforma no mundo ocidental após o reconhecimento dos direitos humanos nas Cartas Constitucionais dos países mais importantes do século XIX, como o recém-nascido Estados Unidos, a França e a Inglaterra. Com o reconhecimento da universalidade dos direitos como a Dignidade Humana, a Vida e a Liberdade, transformou-se também nessa esteira, o Direito e o sistema punitivo. Passaram a ser adotadas penas mais brandas, como a pena privativa de liberdade. A pena capital se tornou mais limpa, ou seja, deixou de ser um “espetáculo” em que a população se reunia em torno da guilhotina e depois assistia ao o esquartejamento em praça pública e se mudou para dentro das penitenciárias numa forca “silenciosa”.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

      A grande revelação da consagração dos Direitos Humanos é que todos os seres humanos, a despeito das inúmeras diferenças culturais e biológicas que os diferenciam entre si, são merecedores do direito à vida, à liberdade e à igualdade na mesma proporção. E isso reflete no sistema punitivo adotado pelas nações, que devem tratar seus prisioneiros e delinquentes com o mínimo de garantias aos direitos fundamentais. 

      A época dos suplícios, torturas e sofrimento corporal como formas de punição foi um tempo em que os Direitos Humanos não foram respeitados e em que a referência à dignidade humana não existia, mas nos faz lembrar que atingir o corpo humano-por meio da tortura, pena capital e outros- nunca foi a solução para combater a criminalidade. Atualmente, a maioria dos países não adota nem sequer a pena capital que, assim como a tortura, são meios ineficazes para coagir um futuro criminoso, como bem lembra Beccaria, “o espetáculo atroz, porém momentâneo, da morte de um criminoso é um freio menos poderoso para o crime do que o exemplo de um homem a quem se tira a liberdade (...)”. Em meados do século XX, surge um princípio conhecido como Princípio da Moderação das Penas, amplamente adotado em diversos ordenamentos jurídicos, o que demonstra a prevalência da racionalidade humana sobre uma questão tão complexa quanto a punição do infrator. A aplicação efetiva dos Direitos Humanos torna uma sociedade mais justa, até mesmo para os infratores em suas penas e na forma como são punidos.

                                 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 2004.

BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1977.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martin Claret, 2001.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2008.

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Sobre o autor
Gian Paolo Bosco

ADVOGADO. Aprovado para Procurador dos municípios de Belo Horizonte/MG e São Luís/MA. Acadêmico de Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Estagiário por 2 anos no Ministério Público Federal pelo 10º Ofício Criminal e Cível da PRMA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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