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Controle judicial do pedido de gratuidade da justiça

13/09/2016 às 18:10
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A gratuidade judiciária deve ser concedida apenas para quem dela realmente necessita, daí a criação de critério objetivo para aferição da presunção de insuficiência.

A prestação jurisdicional é serviço público específico e divisível prestado ao cidadão, daí a razão de instituição de taxas para o usufruto do serviço. Acontece que muitos não têm condições econômico-financeiras para arcarem com as despesas processuais, o que impediria o acesso da população carente ao Judiciário e, em última instância, à tutela de seu direito. Para concretizar o direito de acesso à justiça, conforme preconizado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, na célebre obra “Acesso à justiça”, nas hipóteses de pessoas com insuficiência financeira, deve-se afastar a necessidade de pagamentos para ajuizamento da ação (as denominadas custas iniciais), bem como para todo procedimento até o alcance da tutela estatal. Essa a razão para a gratuidade da justiça.

A gratuidade contempla uma ampla gama de isenções, conforme art. 98, §1º, CPC/2015, vejamos:

Art. 98.  A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.

§ 1o A gratuidade da justiça compreende:

I - as taxas ou as custas judiciais;

II - os selos postais;

III - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios;

IV - a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse;

V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais;

VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;

VII - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;

VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;

IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.

Por outro lado, é forçoso registrar que não há isenção para as despesas advindas da sucumbência, ficando as obrigações decorrentes de sua sucumbência sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. (§§ 2º e 3º do art. 98, CPC/2015)

Para usufruto da gratuidade, basta que o autor (ou o réu, tanto faz) afirme sua insuficiência financeira, havendo presunção legal dessa (apenas para as pessoas naturais; para as pessoas jurídicas, não há tal presunção). A presunção é relativa, podendo ser afastada por provocação de ofício do juiz ou por impugnação da parte.

E o pedido de gratuidade pode sofrer controle judicial? Sim, para assegurar que somente aqueles com insuficiência financeira sejam beneficiados com o favor legal. A concessão da benesse possui efeitos colaterais tanto para o Estado, quanto para os particulares. Para ficar só em um exemplo, o advogado da parte vencedora poderá ficar sem seus honorários advocatícios sucumbenciais se a parte adversa for beneficiária da gratuidade.

E o juiz pode fazer o controle ex officio? Sim, já que se trata de pedido de isenção tributária, pois a taxa é espécie de tributo. Ou seja, falar de gratuidade da justiça tem o espectro particular, em virtude dos efeitos para a sucumbência, mas também um nítido caráter publicista, pois além de gerar despesas para o Estado (pagamento de honorários periciais, por exemplo), tem o mencionado escopo tributário.

E como o juiz deve fazer o controle? De acordo com o STJ (Informativo n.º 528, de outubro de 2013), o controle deve ser no caso concreto, à luz do binômio necessidade/possibilidade, não devendo o juiz adotar critérios particulares gerais e abstratos, sob pena de não conceder para quem precisa e conceder para quem dela não necessita.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INADEQUAÇÃO DO USO DE CRITÉRIOS SUBJETIVOS PARA CONCESSÃO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.

O julgador não pode estipular, como único critério para a concessão de assistência judiciária gratuita, o recebimento de rendimentos líquidos em valor inferior a 10 salários mínimos, sem considerar, antes do deferimento do benefício, provas que demonstrem a capacidade financeira do requerente para arcar com as despesas do processo e com os honorários advocatícios sem prejuízo próprio ou de sua família. Isso porque a assistência judiciária gratuita não pode ser concedida com base exclusivamente em parâmetros subjetivos fixados pelo próprio julgador, ou seja, segundo seus próprios critérios. De fato, de acordo com o art. 4º da Lei 1.060/1950, a parte gozará do referido benefício mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo próprio ou de sua família. Todavia, essa afirmação possui presunção iuris tantum de veracidade, podendo ser ilidida diante de prova em contrário (art. 4º, § 1º, da Lei 1.060/50). Nesse contexto, para a concessão da assistência judiciária gratuita, deve ser considerado o binômio possibilidade-necessidade, com o fim de verificar se as condições econômicas-financeiras do requerente permitem ou não que este arque com os dispêndios judiciais, bem como para evitar que aquele que possui recursos venha a ser beneficiado, desnaturando o instituto. Precedentes citados: AgRg no AREsp 354.197-PR, Primeira Turma, DJe 19/8/2013; e AgRg no AREsp 250.239-SC, Segunda Turma, DJe 26/4/2013. AgRg no AREsp 239.341-PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 27/8/2013.

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Na esteira do que decidiu o STJ, o juiz deve verificar, dentre os elementos possíveis (profissão, se é casado/união estável, local onde mora etc.) indícios de que a pessoa necessita ou não da gratuidade. Diante de dúvidas, deve haver a intimação do requerente para que comprove a sua necessidade.

E qual o problema disso? Na prática, é extremamente complicado analisar a insuficiência diante de critérios tão genéricos. A análise adequada de tal pedido gera um incidente logo no início do processo, com um retardamento indesejável, fazendo com que muitos juízes façam "vistas grossas" e defiram indiscriminadamente o benefício. O que, desde logo consigno, é um mal ao sistema.

Para fugir dos problemas práticos, muitos juízes adotam critérios objetivos, tendo o TRF da 4ª Região adotado o critério de 10 (dez) salários-mínimos (sendo possível encontrar esse posicionamento também em alguns julgados do TRF da 5ª Região); outros juízes adotam o critério da tabela de isenção do imposto de renda; e assim por diante...

Penso que o legislador ou o STJ (através da Corte Especial) deveria adotar um critério objetivo único, abaixo do qual haveria a presunção absoluta de insuficiência. Acima do critério estabelecido, deveria o requerente demonstrar a sua necessidade - e não apenas afirmar. Ou seja, acima do critério não há presunção, devendo haver a comprovação do alegado. Confesso que não gosto do critério do TRF da 4ª Região, que se mostra por demais elevado para fins de presunção. Se for possível opinar, votaria pela adoção do critério para se fazer uso do patrocínio da Defensoria Pública da União: 2 (dois) salários-mínimos. (MODELO IDEAL)

Enquanto não há a adoção por lei ou precedente obrigatório (a decisão do STJ acima mencionada não contém precedente obrigatório), defendo a seguinte posição: Se o requerente ganha até 2 salários-mínimos (não é necessário juntar nenhum documento, basta a afirmação do requerente nesse sentido), não deve o juiz fazer controle acerca do pedido, simplesmente defere. Querendo, pode a parte adversa impugnar fundamentadamente, e aí o juiz analisa de forma mais detida. Se a pessoa ganha mais de 2 salários-mínimos, deve demonstrar sua necessidade, para fins de controle pelo juiz (controle inicial) e pela parte adversa (controle secundário). (MODELO REAL)

Creio que o sentido do texto normativo tem que ser assim entendido, haja vista a possibilidade de concessão da gratuidade para determinado ato/fase processual, e não para todo o processo (§ 5º, art. 98); é possível também a concessão parcial da gratuidade (§ 5º, art. 98); bem como é possível o parcelamento (§ 6º, art. 98), a demonstrar que a teleologia do texto é no sentido de estimular a autorresponsabilidade de demandar em juízo, o que inclui arcar com as despesas decorrentes, e não se blindar com gratuidade elástica, que estimula demasiadamente a litigiosidade aventureira.

A gratuidade judiciária deve ser concedida apenas a quem dela necessita. A concessão indevida é um mal que prejudica a todos, devendo ser evitada. Nisso, o juiz tem um papel relevante!

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Sobre o autor
Matusalém Dantas

Mestre em Direito pela FADIC/PE. Presidente do Instituto Potiguar de Direito Processual Civil - IPPC. Professor da Graduação e da Pós-graduação lato sensu do Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN), onde ministra a disciplina de Direito Processual Civil. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual - ABDPro e membro da Associação Norte Nordeste de Professores de Processo - ANNEP. Diretor de Secretaria da 4ª Vara da Justiça Federal de Primeiro Grau no Rio Grande do Norte.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Matusalém. Controle judicial do pedido de gratuidade da justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4822, 13 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52049. Acesso em: 2 nov. 2024.

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