O Código de Defesa do Consumidor – CDC contemplou em seu artigo 6º, os direitos básicos do consumidor (direito à proteção à vida, à saúde, à segurança, direito à informação, à educação para o consumo, à proteção contratual e contra a publicidade enganosa ou abusiva, ao acesso aos órgãos administrativos e da justiça para defender seus interesses, à reparação efetiva de danos patrimoniais e morais, bem como a serviços públicos de boa qualidade).
No rol do art. 6º do CDC constava o inciso IX, que foi vetado pelo Presidente da República. O referido inciso incluía dentre os direitos básicos dos consumidores "a participação e consulta na formulação das políticas que os afetam diretamente, e a representação de seus interesses por intermédio das entidades públicas ou privadas de defesa do consumidor".
O dispositivo vetado estava em consonância com um dos pontos estabelecidos nos primeiros momentos de maturidade do consumerismo.
O Presidente Norte-americano John F. Kennedy, em discurso proferido no ano de 1962, anunciou os direitos dos consumidores (que somos "todos nós", nas palavras do Presidente Kennedy), perante o Congresso Americano. Dentre aqueles direitos estava o de ser ouvido pelo Poder Público e pelas empresas privadas, ou seja, o direito de representação.
As razões do veto, conforme transcritas por FILOMENO, foram que "o dispositivo contraria o princípio da democracia representativa ao assegurar, de forma ampla, o direito de participação na formulação das políticas que afetam diretamente o consumidor. O exercício do poder pelo povo faz-se por intermédio de representantes legitimamente eleitos, excetuadas as situações previstas expressamente na Constituição (CF art. 14, I). Acentue-se que o próprio exercício da iniciativa popular no processo legislativo está submetido às condições estritas (CF, art. 61, § 2º)".
Se o dispositivo vetado estava em consonância com ditames internacionais de políticas de defesa do consumidor, o veto, o triste veto, demonstra uma visão estreita dos direitos dos consumidores e pugna por uma restrição à aplicação da Constituição, ao imaginar que a participação política dos consumidores dar-se-ia tão somente pela apresentação de projetos de lei. Olvidou o senhor Presidente, o disposto no parágrafo único do art. 1º, da Constituição Federal que reza: "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".
Obviamente não se poderia inventar, constitucionalmente falando, sobre essa participação. Não era caso de se prever nova modalidade de apresentação de projeto de lei de iniciativa popular, mas sim, de dar espaço para que as entidades de defesa do consumidor, públicas ou não estatais, fossem ouvidas nas decisões que mais digam respeito aos consumidores. Ao fim e ao cabo, após as decisões políticas sempre há uma conta a ser paga e esta, invariavelmente, de maneira direta ou indireta, recai sobre os consumidores.
Nada mais cômodo e conveniente para o Estado do que criar obrigações para terceiros que sequer podem expressar as suas razões. As obrigações do consumidor são pagar calado, sofrer ameaças à sua integridade física e ou à sua saúde em silêncio, ser exposto a práticas violadoras de seus direitos sem protestar.
Tal postura da Presidência da República certamente colaborou em muito para que o Código de Defesa do Consumidor viesse a sofrer o retardamento para sua perfeita efetivação, vez que muitos dos direitos mencionados em seu texto não são assegurados plenamente ou de maneira ampla aos consumidores.
O direito de representação foi, aliás, o tema da campanha da maior entidade mundial de defesa do consumidor, a Consumers International (CI) para o ano de 2002.
A importância da questão reside, sobretudo, no fato de que, sendo o consumidor o principal destinatário da Política Nacional das Relações de Consumo, bem como dos produtos e serviços ofertados no mercado, é necessário que ele consumidor seja ouvido nos assuntos que lhe dizem respeito diretamente.
O consumidor será o mais afetado, quer positiva quer negativamente, pelos procedimentos adotados.
No Código de Defesa do Consumidor consta como um dos itens da política nacional de consumo, a concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor (art. 5º, inciso V, do CDC). Tal dispositivo foi espelhado em resolução da Organização das Nações Unidas que expõe diretrizes para o disciplinamento da defesa do consumidor nos países a ela vinculados. Ocorre que na citada resolução consta não apenas o incentivo à criação de associações de consumidores, mas também o direito dos consumidores apresentarem seus posicionamentos no processo de tomada de decisão que venha a afetar os interesses deles, aspecto este extirpado do nosso Código por força do veto presidencial já mencionado.
Se em um primeiro momento vê-se o consumidor como o principal beneficiado pelo exercício do direito de representação, de forma mediata o próprio poder público se beneficia, vez que aquela representação pode e deve se transformar em justiça social.
É em razão disso que deve a sociedade organizada promover ações em prol da defesa do seu direito básico a ser ouvida, na condição de agrupamento de consumidores que sofrem, constantemente, abusos por parte do poder estatal e dos mais diversos fornecedores, que sem receio, culpa ou remorso, elevam preços injustificadamente, colocam produtos no mercado cuja verdadeira nocividade é desconhecida e utilizam práticas desleais de publicidade para divulgá-los.