1. Introdução
O presente trabalho, realizado mediante a utilização de pesquisa bibliográfica, tem por objetivo analisar os principais aspectos da recente e polêmica teoria da transcendência dos efeitos do controle concreto de constitucionalidade, também denominada de teoria da abstrativização do controle difuso.
Referida Teoria iniciou-se após decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal que tiveram seus efeitos expandidos a outros órgãos administrativos e judiciais, de modo que alguns doutrinadores passaram a entender que houve uma mutação constitucional do inciso X, do artigo 52, da Constituição Federal.
Para os adeptos da referida mutação constitucional, dentre eles o Ministro Gilmar Mendes, o papel do Senado no atual cenário constitucional é meramente o de dar publicidade às decisões declaratórias de inconstitucionalidades proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade.
Inicialmente, o trabalho desenvolve-se com a conceituação do controle de constitucionalidade, seus aspectos históricos e doutrinários, além das principais espécies de controle.
Em seguida, desenvolve-se a discussão específica do tema, abordando-se os aspectos doutrinários e jurisprudenciais acerca da mencionada Teoria.
Ao final, o presente artigo apresenta uma conclusão final acerca do tema com fulcro nas pesquisas realizadas.
2. Conceito, Fundamento e Origem do Controle de Constitucionalidade.
O controle de constitucionalidade é a verificação da compatibilidade entre uma lei ou um ato normativo com a Constituição Federal, em seus aspectos formais e materiais.
Uma lei ou ato normativo será materialmente inconstitucional quando seu conteúdo for incompatível com a Constituição Federal (inconstitucionalidade nomoestática). Por sua vez, será formalmente inconstitucional quando violado o processo legislativo (inconstitucionalidade nomodinâmica).
Para que haja o controle de constitucionalidade deverá haver o reconhecimento da existência de supremacia entre a Constituição Federal e as demais leis e atos normativos.
Em razão dessa supremacia, verifica-se que o controle da constitucionalidade tem por fundamento o fato de que a Constituição é a norma de maior importância, sendo necessária a sua proteção a fim de garantir a prevalência dos direitos e garantias dela decorrentes.
Nesse diapasão, a supremacia constitucional decorre de seu conteúdo e de seu procedimento especial de elaboração, dos quais se abstrai o princípio da compatibilidade vertical, segundo o qual uma norma inferior somente será válida se for compatível com a Constituição Federal.
O controle de constitucionalidade historicamente surgiu nos EUA, cuja origem é normalmente atribuída à decisão do famoso caso Marbury vs. Madison, em 1803, proferida pelo juiz Marshall, quando o presidente da Suprema Corte norte-americana chegou à conclusão de que todas as leis daquele país deveriam se adequar à Constituição Americana, cuja compatibilização deveria ser analisada pelo Poder Judiciário.
Realmente, as bases teóricas do controle de constitucionalidade foram traçadas nessa paradigmática decisão, comumente citada pela doutrina. Contudo, a rigor, esta não foi a primeira vez em que o controle de constitucionalidade foi exercido nos EUA.
Existem dois precedentes anteriores a esse caso, que são:
Hayburn's Case (1792) - Nesta decisão, que não foi proferida pela Suprema Corte, os ministros das Cortes do Circuito decidiram que uma lei sobre pensão para inválidos era inconstitucional;
Case Hylton vs. United States (1796) – Julgado pela Suprema Corte. Neste caso, foi questionado um ato do Congresso Nacional, mas esse ato foi declarado compatível com a constituição.
No Brasil, a origem do controle de constitucionalidade remonta à Constituição Federal de 1891.
Segundo ressalta Gilmar Ferreira Mendes:
O regime republicano inaugura uma nova concepção. A influência do direito norte-americano sobre personalidades marcantes, como a de Rui Barbosa, parece ter sido decisiva para a consolidação do modelo difuso, cosagrado já na chamada Constituição provisória de 1890 (art. 58, §1º, a e b)1.
Por sua vez, a Constituição de 1934 manteve o sistema de controle difuso, porém estabeleceu a necessidade de observância da cláusula de reserva de plenário, segundo a qual a declaração de inconstitucionalidade somente poderia ser declarada por decisão da maioria absoluta do respectivo Tribunal. Também instituiu a denominada ação direta de inconstitucionalidade interventiva e atribuiu ao Senado Federal a competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo declarado inconstitucional por decisão definitiva.
Como bem destacado por Gilmar Mendes:
Talvez a mais fecunda e inovadora alteração introduzida pelo Texto Magno de 1934 se refira à “declaração de inconstitucionalidade para evitar a intervenção federal”, tal como denominou Bandeira de Mello, isto é, representação interventiva, confiada ao Procurador-Geral da República, nas hipóteses de ofensa aos princípios consagrados no art. 7º, I, a a h, da Constituição. Cuidava-se de forma peculiar de composição judicial dos conflitos federativos, que condicionava a eficácia da lei interventiva, de iniciativa do Senado Federal (art. 41, §3º), à declaração de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal (art. 12, §2º)2.
A Constituição de 1937 é considerada um retrocesso na história do controle de constitucionalidade brasileiro. Denominada de “Polaca”, por ter sido elaborada sob a inspiração da Carta Ditatorial polonesa de 1935, aquela Constituição atribuiu ao Presidente da República a possibilidade de influenciar na decisão do Poder Judiciário que declarasse a inconstitucionalidade de uma determinada lei. Previa que, de forma discricionária, o Chefe do Poder Executivo poderia submeter o julgamento que declarasse uma lei inconstitucional a reexame do Poder Legislativo que, por decisão de 2/3 de ambas as Casas, poderia torná-la sem efeito.
Já a Constituição de 1946 foi fruto da redemocratização instaurada no país e restaurou o sistema tradicional de controle de constitucionalidade. O Poder Executivo passou a ter menor poder de influência nas decisões judiciais, retomando-se o sistema inaugurado pela Constituição de 1934. A grande novidade ocorreu com a EC nº 16, de 26 de novembro de 1965, por meio da qual foi criada uma nova modalidade de ação direta de inconstitucionalidade, de competência do Supremo Tribunal Federal, que tinha por finalidade o julgamento de representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo Federal ou Estadual, de iniciativa exclusiva do Procurador Geral da República. Também foi possibilitado o controle de constitucionalidade originaria perante os Tribunais de Justiça Estaduais.
A Constituição de 1967 e EC nº 1/69 pouco inovou em matéria de controle de constitucionalidade. O controle difuso permaneceu como antes e a ação direta de inconstitucionalidade continuou. Contudo, a Constituição de 1967 deixou de prever o controle de constitucionalidade de lei municipal em face da Constituição Estadual, mantendo somente a hipótese de controle de constitucionalidade em âmbito Estadual quando interposta para fins de intervenção no Município.
3. O Controle de Constitucionalidade na Constituição Federal de 1988
A atual Constituição Federal de 1988 instituiu quatro principais novidades no sistema de controle de constitucionalidade nacional.
A legitimação para a propositura da representação de inconstitucionalidade foi ampliada, deixando de ser atribuição exclusiva do Procurador Geral da República (art. 103).
Introduziu-se a possibilidade do controle de constitucionalidade das omissões legislativas, o que pode ocorrer tanto por via abstrata (ADI por omissão), quanto na via concreta, por meio do controle difuso (mandado de injunção).
Retomou-se o controle de constitucionalidade de leis municipais perante a Constituição Estadual, cuja competência é dos Tribunais dos Estados.
A quarta mudança introduzida pelo constituinte originário de 1988 foi a criação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, prevista no artigo 102, de competência do Supremo Tribunal Federal.
Tempos depois, introduziu-se por meio da Emenda Constitucional nº 3/93, a Ação Declaratória de Constitucionalidade de lei ou ato normativo Federal, também de competência originária do Supremo Tribunal Federal.
Por fim, a Emenda Constitucional nº 45/2004, conhecida como Reforma do Judiciário, igualou a legitimidade para o ajuizamento da ação declaratória de constitucionalidade aos legitimados da ação direta de inconstitucionalidade e estendeu o efeito vinculante da primeira para a segunda.
Convém destacar o ensinamento trazido por Pedro Lenza ao fazer citação a José Afonso da Silva:
Por todo o exposto, valendo-se das palavras de José Afonso da Silva, “o Brasil seguiu o sistema norte-americano, evoluindo para um sistema misto e peculiar que combina o critério difuso por via de defesa com o critério concentrado por via de ação direta de inconstitucionalidade, incorporando também, agora timidamente, a ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 102, I, a e III 103). A outra novidade está em ter reduzido a competência do Supremo Tribunal Federal à matéria constitucional. Isso não o converte em Corte Constitucional. Primeiro porque não é o único órgão jurisdicional competente para o exercício da jurisdição constitucional, já que o sistema perdura fundado no critério difuso, que autoriza qualquer tribunal e juiz a conhecer da prejudicial de inconstitucionalidade, por via de exceção. Segundo, porque a forma de recrutamento de seus membros denuncia que continuará a ser um Tribunal que examinará a questão constitucional com critério puramente técnico-jurídico, mormente porque, como Tribunal, que ainda será, de recurso extraordinário, o modo de levar a seu conhecimento e julgamento as questões constitucionais nos casos concretos, sua preocupação, como é regra no sistema difuso, será dar primazia à solução do caso e, se possível, sem declarar inconstitucionalidades”.3
Assim, em síntese, conclui-se que a Constituição Federal de 1988 ampliou a legitimação para a propositura da representação de inconstitucionalidade, possibilitou o controle por omissão legislativa, restabeleceu o controle de constitucionalidade em âmbito Estadual e instituiu o sistema de arguição de descumprimento de preceito fundamental. Posteriormente, por meio de emendas, instituiu a ação declaratória de constitucionalidade e igualou os legitimados e efeitos das ações então existentes.
4. Espécies de controle de constitucionalidade
4.1. Em relação ao órgão
Quanto ao órgão, o controle de constitucionalidade pode ocorrer nas modalidades de controle político (não jurisdicional) e controle jurisdicional (judicial).
Haverá controle político de constitucionalidade quando realizado por Corte Constitucional que não integra qualquer dos três Poderes clássicos, como aqueles realizados pela Europa continental. A título de exemplo, pode-se citar o Conselho Constitucional Francês, composto por nove membros, com mandato de nove anos, sendo três deles nomeados pelo Presidente da República, três pelo presidente da Assembleia Nacional e os outros três pelo Presidente do Senado. Essa é a visão restritiva do conceito de controle político, adotada por autores como Alexandre de Moraes, Pedro Lenza e Michel Temer.
Contudo, numa visão extensiva (Mauro Cappelletti e José Afonso da Silva), considera-se político todo controle que não é realizado pelo Poder Judiciário.
No Brasil, em razão da possibilidade de realização desse controle por outros órgãos que não sejam o Poder Judiciário, prevalece a tese extensiva.
Como formas de controle político de constitucionalidade amparadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, temos a fiscalização preventiva realizada pelo Congresso Nacional, no curso do processo legislativo; o veto presidencial por inconstitucionalidade (veto jurídico); e a possibilidade de sustação parlamentar dos atos delegados praticados pelo Poder Executivo quando exorbitem os limites da delegação.
Já o controle jurisdicional é aquele realizado no Brasil normalmente pela modalidade repressiva, por meio da intervenção do Poder Judiciário.
O controle jurisdicional será melhor estudado adiante, em capítulo específico que tratará do controle judicial de constitucionalidade.
4.2. Em relação ao momento da realização
No que se refere ao momento, o controle de constitucionalidade poderá ser preventivo ou repressivo.
Será preventivo quando exercido antes da promulgação da norma, ainda durante o processo legislativo, e tem por objetivo evitar o ingresso de normas inconstitucionais no mundo jurídico.
No sistema brasileiro, há o controle preventivo realizado pelo Poder Legislativo, por intermédio das comissões de constituição e justiça ou pelo plenário de cada uma das casas legislativas. Também é exercido pelo Chefe do Poder Executivo por meio do veto por motivo de inconstitucionalidade (veto jurídico).
Excepcionalmente, o controle preventivo também pode ser exercido por meio do Poder Judiciário. Isso porque o Supremo Tribunal Federal tem aceitado o manejo do mandado de segurança contra projeto de lei impetrado por parlamentar que o repute inconstitucional e que esteja em trâmite perante o Congresso Nacional.
Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser cabível a propositura de ação judicial (mandado de segurança) para se realizar o controle prévio dos atos normativos. Entendeu o Pretório Excelso que poderá ser manejado o remédio constitucional somente caso haja proposta de emenda constitucional que seja manifestamente ofensiva a cláusula pétrea ou na hipótese em que o projeto de emenda constitucional ou projeto de lei cuja tramitação esteja correndo com violação às regras constitucionais sobre o processo legislativo4.
O controle repressivo visa à declaração de inconstitucionalidade de ato normativo após a sua promulgação.
Em regra, o controle repressivo é realizado no Brasil por intermédio do Poder Judiciário, mediante o manejo de uma das espécies de ações constitucionais (controle concentrado, abstrato), ou via incidental como causa de pedir de qualquer ação (controle difuso, concreto).
Excepcionalmente, o controle repressivo pode não ser promovido pelo Poder Judiciário.
É a hipótese de sustação parlamentar de ato normativo do Executivo que exorbite do poder que lhe fora delegado (artigo 49, inciso V, da Constituição Federal).
Ainda haverá controle repressivo quando do controle legislativo dos pressupostos constitucionais dos decretos de intervenção federal (art. 36, §1º), do estado de defesa (art. 136, §§4º a 7º) e sustação do estado de sítio (art. 49, IV). Também poderá haver o controle repressivo quando houver rejeição parlamentar de medida provisória expedida pelo Presidente da República (art. 62, §5º).
Por fim, não se pode olvidar o entendimento estampado pela Súmula nº 347, do STF, segundo a qual “o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”.
5. Controle Judicial de Constitucionalidade
O controle jurisdicional de constitucionalidade, no Brasil, ocorre de forma mista, ou seja, tanto na modalidade concentrada (abstrata), quanto na forma difusa (concreta).
Com efeito, o controle concentrado está previsto no artigo 102, inciso I, a, da Constituição Federal, cujo dispositivo estatui que caberá ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo Federal ou Estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo Federal. Por sua vez, o artigo 97, da Carta Magna, estabelece que poderão os Tribunais de Justiça declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público mediante o voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial.
5.1 Controle Concentrado (Abstrato)
O controle concentrado, também denominado de abstrato, de via direta, tem por finalidade garantir a supremacia da Constituição.
Em paralelo ao sistema norte-americano que originou o controle difuso, o controle concentrado tem suas bases históricas no sistema austríaco (Kelsen), de base positivista.
É considerado controle concentrado porque a competência para a declaração da inconstitucionalidade é atribuída a um único órgão do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal a nível nacional e aos Tribunais de Justiça dos Estados a nível regional (artigo. 125, §2º, da Constituição Federal).
Referida forma de controle, no Brasil, é realizada pelo manejo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação de Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). As três primeiras são regulamentadas pela Lei nº 9.868/99 e a última pela Lei nº 9.882/99.
Será cabível a ação direta de inconstitucionalidade quando o objeto for a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo Federal, Estadual ou Distrital, editados posteriormente à promulgação da Constituição Federal e que ainda estejam em vigor.
Já a ação declaratória de constitucionalidade, diante do texto expresso da Constituição Federal, somente poderá ser manejada quando o objeto for lei ou ato normativo Federal (art. 102, I, a, da Constituição Federal).
Os legitimados para a interposição da ADI, ADO e ADC são aqueles previstos no artigo 103 da Constituição Federal. Por sua vez, a Lei nº 9.882/99, em seu artigo 2º, prevê que podem propor a arguição de descumprimento de preceito fundamental os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade.
A doutrina classifica os legitimados ativos em universais (genéricos) e temáticos (específicos). Os legitimados universais são aqueles que podem propor a ação sobre qualquer matéria, já os temáticos devem demonstrar que a pretensão por eles deduzidas guarda pertinência temática com os objetivos institucionais. São legitimados temáticos as confederações sindicais e as entidades de classe de âmbito nacional, a mesa das Assembleias Legislativas ou Câmara Legislativa do Distrito Federal e o governador do Estado ou do Distrito Federal. Os demais legitimados são considerados universais5.
Tanto a ação direta de inconstitucionalidade, quanto a ação declaratória de constitucionalidade possuem natureza dúplice, uma vez que a decisão de mérito abarca ambos os efeitos. Ou seja, julgada improcedente a ADI, haverá a declaração de constitucionalidade da lei ou ato normativo impugnado, da mesma forma em que ocorre com a ADC, na qual a sua improcedência enseja a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo objeto de discussão.
Na lição de Alexandre de Moraes, referidas ações podem ser denominadas de “ações de sinais trocados”:
Dessa forma, é possível afirmar que as ações diretas de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade são “ações de sinais trocados”, pois ambas têm natureza dúplice e a procedência de uma equivale – integralmente – à improcedência da outra e vice-versa6.
Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo para fazê-lo em 30 dias (art. 103, §2º, da Constituição Federal).
As decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário (o STF pode revisas suas próprias decisões) e à administração pública direta e indireta, nas esferas Federal, Estadual e Municipal (art. 102, §2º, da Constituição Federal). Por sua vez, o §3º, do art. 10, da Lei nº 9.882/99 prevê que a decisão proferida em arguição de descumprimento de preceito fundamental tem eficácia contra todos e efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário.
A arguição de descumprimento de preceito fundamental está prevista no §1º, do artigo 102, da Constituição Federal e foi regulamentada pela Lei nº 9.882/99. Seu objeto é evitar (ADPF preventiva) ou reparar (ADPF repressiva) lesão a preceito fundamental decorrente da Constituição Federal resultante de ação ou omissão do Poder Público.
Devem ser entendidos como preceitos fundamentais os princípios constitucionais, os objetivos, direitos e garantias fundamentais, as cláusulas pétreas, os princípios da administração pública e outras disposições constitucionais que se mostrem fundamentais para a preservação dos valores protegidos pela Constituição Federal7.
A ADPF possui caráter subsidiário, uma vez que a lei expressamente veda a possibilidade de arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.
Também poderá ser manejada a ADPF quando o objeto for relevante controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo Federal, Estadual ou Municipal, incluídos os anteriores à Constituição vigente à época de sua propositura. A doutrina a denomina de ADPF por equiparação8.
Assim, diante do texto legal que regulamentou a ADPF, é cabível o uso da referida ação mesmo quando o objeto for lei ou ato normativo anterior à ordem constitucional vigente.
Alexandre de Moraes considera inconstitucional a ADPF por equiparação, ao lecionar que:
O legislador ordinário utilizou-se de manobra para ampliar, irregularmente, as competências constitucionais do Supremo Tribunal Federal, que conforme jurisprudência e doutrina pacíficas, somente podem ser fixadas pelo texto magno. Manobra essa eivada de flagrante inconstitucionalidade, pois deveria ser precedida de emenda à Constituição9.
Contudo, a despeito da divergência acima mencionada, verifica-se que o STF vem aceitando o uso da ADPF mesmo quando o objeto for lei ou ato normativo anterior à Constituição Federal (ADPF nº 54).
Por não ser o objeto específico do presente trabalho e a fim de evitar o alongamento desnecessário do texto, o estudo limitou-se a sintetizar os principais aspectos das ações constitucionais no âmbito do controle abstrato.
5.2. Controle Difuso (concreto, aberto)
O controle difuso, também denominado de controle por via de exceção ou defesa, ou processo constitucional subjetivo, é aquele que surge a partir de um caso concreto e tem como principal finalidade a proteção de direitos subjetivos.
Quanto à origem do controle difuso de constitucionalidade, na linha do que já foi exposto acima, Alexandre de Moraes ensina:
A ideia de controle de constitucionalidade realizado por todos os órgãos do Poder Judiciário nasceu do caso Madison versus Marbury (1803), em que o Juiz Marshall da Suprema Corte Americana afirmou que é próprio da atividade jurisdicional interpretar e aplicar a lei. E ao fazê-lo, em caso de contradição entre a legislação e a Constituição, o tribunal deve aplicar esta última por ser superior a qualquer lei ordinária do Poder Legislativo10.
Mais adiante, prossegue o autor com a citação de um interessante julgado norte-americano proferido após a emblemática decisão acima mencionada:
Após o caso Marbury versus Madison, a Corte somente voltou a declarar a inconstitucionalidade de uma lei federal em 1857, no caso Dred Scott, quando entendeu incompatível com a Constituição a seção 8ª do Missouri Compromise Act, de 1850, que proibia a escravidão nos territórios. Entendeu o então Chief Justice Taney, relator do caso, que esse dispositivo era contrário à 5ª Emenda (“ninguém poderá ser privado da vida, liberdade ou bens, sem processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização”), pois, se fosse aplicado, estaria permitindo que um cidadão (proprietário do escravo), pudesse ser privado de seus bens e de sua propriedade (escravo), sem o devido processo legal. Essa decisão entendeu que os escravos deveriam ser considerados como propriedade e não como cidadãos11.
Referida decisão trouxe grave descrédito à Suprema Corte americana que somente foi suprida com a consolidação da Corte de Marshall, após decisões que controlaram atos governamentais que violavam a legislação.
No Brasil, como mencionado no capítulo referente aos aspectos históricos do controle de constitucionalidade, o controle difuso emergiu no ano de 1891, por inspiração norte-americana.
Atualmente, a legislação permite que qualquer juiz ou Tribunal realize o controle de constitucionalidade de maneira incidental, contudo exige o artigo 97, da Constituição Federal, que a inconstitucionalidade de qualquer ato normativo estatal somente poderá ser declarada por voto da maioria absoluta da totalidade dos membros do Tribunal ou dos integrantes do respectivo órgão especial. Trata-se da denominada cláusula de reserva de plenário que, segundo doutrina majoritária, deverá ser respeitada até mesmo pelo Supremo Tribunal Federal (apesar de haver posição minoritária em sentido contrário).
Essa regra, contudo, comporta algumas exceções. A primeira delas diz respeito aos juízes monocráticos e às Turmas Recursais que, por não se tratarem de Tribunais na acepção dada pelo dispositivo constitucional, estão dispensados da cláusula de reserva de plenário.
Outra exceção é a existência de anterior pronunciamento de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Também estará dispensada a exigência quando houver, no âmbito do próprio Tribunal a quo, uma decisão plenária que haja apreciado a controvérsia constitucional. Nestes últimos dois casos, poderá, por exemplo, o relator proferir decisão afastando a constitucionalidade do ato normativo combatido12.
Nos casos em que julgar uma norma inconstitucional por via incidental, deverá o Supremo Tribunal Federal comunicar ao Supremo Tribunal Federal para que este, utilizando-se da competência prevista no artigo 52, X, da Constituição Federal, suspenda, por ato discricionário, mediante resolução, a execução da norma.
Ensinam os autores Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior:
Não há mais dúvida de que o Senado Federal exerce poder discricionário, podendo ou não suspender a execução da norma declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. O momento do exercício da competência do artigo 52, X, é ato de política legislativa, ficando, portanto, ao crivo exclusivo do Senado. Não se trata de dar cumprimento à sentença do Supremo Tribunal Federal, que decidiu pela via de exceção. Na verdade, a decisão do Senado Federal é no sentido de estender a sentença do Supremo, pertinente à inconstitucionalidade (não à prestação de fundo do pleito – caso concreto), para todos. Os efeitos da resolução, portanto, são sempre a partir de sua edição, ou seja, ex nunc 13 .
Como bem salientam os autores retromencionados após a citação acima transcrita, os efeitos ex nunc da resolução emitida pelo Senado não são unânimes na doutrina.
Há quem entenda que a mencionada resolução produziria efeitos erga omnes e ex tunc (Gilmar Ferreira Mendes).
Em paralelo à discussão dos efeitos da resolução do Senado, surge entendimento capitaneado por Gilmar Ferreira Mendes e que é o objeto do presente estudo: a abstrativização/objetivação do controle difuso ou transcendência dos efeitos das decisões do STF em matéria de controle incidental de constitucionalidade.
Obviamente, por ser o núcleo central do presente trabalho, o tema será tratado no próximo capítulo.