O tema do momento é sem dúvidas o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Roussef. Discussões acaloradas, argumentos imperiosos e raciocínios jurídicos suntuosos foram os grandes atores, no palco da Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Tudo isso para decidir sobre a existência ou não do crime de responsabilidade.
E o que decidiu o Senado Federal? A decisão foi no sentido de condenar a ex-presidente por crime de responsabilidade, com a consequente perda do cargo, mas retirando o efeito da inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, com fundamento de que seriam penas autônomas.
Dessa maneira, foram realizadas duas votações: uma para decidir sobre a perda do cargo de Presidente da República, e a outra para discutir acerca da inabilitação por oito anos para o exercício das funções públicas.
Nesse momento, o poder constituinte originário da atual Constituição Federal tremeu em seu “túmulo”. Isso porque a Carta Magna estabelece que a competência privativa do Senado Federal, no julgamento de crime de responsabilidade contra o Presidente da República, limitar-se-á, na condenação, à perda do cargo, e como consequência direta e automática da procedência do processo de impeachment, à inabilitação, por oito anos, para o exercício da função pública.
Assim estabelece o parágrafo único do artigo 52 da Carga Magna:
“Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.” (grifos meus)
Portanto, não se trata de penas independentes, mas sim de consequência direta da condenação, pois a expressão “com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública” conduz à ideia de acessoriedade da pena, afastando de modo transparente a suscitação de natureza autônoma.
No entanto, entendendo de forma diversa, o procurador do Estado de Pernambuco, Francisco Mário, defende a independência das penas, não existindo qualquer relação de complementariedade entre ambas. Tal argumento é amparado no MS 21.689/93, julgado no Supremo Tribunal Federal, impetrado por Fernando Affonso Collor de Mello. Assim estabelece o trecho do julgado:
“Constitucional. «Impeachment». Controle Judicial. «Impeachment» do Presidente da República. Pena de Inabilitação para o exercício de função pública. CF, art. 52, parágrafo único. Lei nº 27, de 7-1-1892; Lei nº 30, de 8-1-1892. Lei nº 1.079, de 1950.”
“IV — No sistema do direito anterior à Lei nº 1.079, de 1950, isto é, no sistema das Lei nºs 27 e 30, de 1892, era possível a aplicação tão-somente da pena de perda do cargo, podendo esta ser agravada com a pena de inabilitação para exercer qualquer outro cargo (Constituição Federal de 1891, art. 33, § 3º; Lei nº 30, de 1892, art. 2º), emprestando-se à pena de inabilitação o caráter de pena acessória (Lei nº 27, de 1892, artigos 23 e 24). No sistema atual, da Lei nº 1.079, de 1950, não é possível a aplicação da pena de perda do cargo, apenas, nem a pena de inabilitação assume caráter de acessoriedade (CF, 1934, art. 58, § 7º; CF, 1946, art. 62, § 3º; CF, 1967, art. 44, parág. único; EC nº 1/69, art. 42, parág. único; CF, 1988, art. 52, parágrafo único; Lei nº 1.079, de 1950, artigos 2º, 31, 33 e 34).” (STF, MS 21689/93 –DF)”.
Ademais, o autor defende ainda que, em razão do julgamento pelo Senado Federal ser de natureza política, a casa legislativa teria um amplo grau de discricionariedade.
Pelo exposto, tais argumentos não merecem prosperar. Ab initio, O texto constitucional é de clareza solar sobre a não autonomia das penas.
E, sobre o argumento supracitado da discricionariedade, esta margem de escolha está limitada à norma. Caso a Carta Republicana deseja-se estabelecer essa discricionariedade, teria redigido “com ou não inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública”. Dessa forma, se a própria disposição constitucional não confere essa liberdade a nenhuma das casas do Congresso Nacional, não cabe ao Senado Federal atribuir a si próprio essa competência.
O Senado Federal confundiu-se com o poder constituinte originário. Seria cômico se não fosse trágico.