1 INTRODUÇÃO
É de conhecimento geral e, na mesma proporção, polêmica a discursão em torno do tema aborto.
Existem aqueles que defendem a descriminalização do fato jurídico citado e também os que se posicionam contrariamente ao assunto.
Fato é que, nos últimos anos, alguns dogmas vêm sendo derrubados, possibilitando que as arenas de discursão tornem tal tema relevante para o Direito.A polêmica que envolve o assunto está, muitas vezes, relacionada à influência religiosa e ética, aos costumes de uma sociedade que por si só julga o aborto como ilícito ou não.Faz-se necessário quebrar as barreiras criadas pela sociedade, neste ponto ainda preservando características arcaicas, para adotar posturas condizentes com a necessidade da humanidade.
Ignorar que a não regularização do aborto traz risco à vida de pessoas que se submetem a procedimentos irregulares e sem acompanhamento médico adequado, torna o ato uma das maiores calamidades pública, que atinge principalmente os menos favorecidos e pouco orientados, é tão criminoso quanto o posicionamento contrário à regularização.
O aborto é tipificado no Capítulo I do Código Penal- Decreto Lei 2.848, de 7 de Dezembro de 1940, que fala dos crimes contra a vida, tendo modalidades culposas e dolosas, forma qualificada e nos casos em que o aborto se faz necessário(3). Este trabalho vai se aprofundar à parte das excludentes de ilicitude do aborto, visto que, já foi conquistado o direito de interromper a gestação nos casos de estupro, risco eminente á vida e, recentemente, o aborto em casos de anencefalia.
A decisão jurídica não almeja tornar o aborto uma prática desenfreada e/ou sem acompanhamento adequado, mas sim, garantir a faculdade de decisão e exercício da autonomia privada por parte da gestante.A escolha passa a ser da mulher, dar continuidade ou não á gestação, ter o direito de escolha sem risco de sanções ou punições por parte do Estado. A intenção então passa a ser a garantia de escolha e decisão por parte da mulher e não uma obrigação imposta por quem quer que seja (legislador ou sociedade).
2 RELATO HISTÓRICO
A prática do aborto era comum nas civilizações hebraicas e gregas. Era um método de controle populacional defendido por filósofos como Aristóteles, Platão e Sócrates.
Em Roma, o aborto tornou-se lesão ao Cristianismo porque ofendia um princípio do Velho Testamento:“Crescei e multiplicai-vos, povoai e submetei a terra.” (SAGRADA, Bíblia, Gênesis 1:28). Filhos eram sinônimos de benção e, este princípio ganhou ainda mais força com Noé, após o dilúvio, com a necessidade de repovoamento da Terra. Por isso, o assunto possui tanta influência religiosa. Concordar ou não com o aborto implica abrir mão de preceitos religiosos e também de ensinamentos passados para gerações há milhares de anos (4).
A igreja sempre exerceu grande influência política, moral e jurídica na sociedade. Na Idade Média tais assuntos formavam uma amálgama, não havia separação dos elementos e, mesmo nos dias atuais, os princípios do Cristianismo impactam as decisões da sociedade (4).
No Brasil, o Código Criminal do Império de 1830 não previa o crime de aborto praticado pela própria gestante, apenas criminalizava a conduta de terceiros que o realizassem, com ou sem o consentimento dela.
Já, o Código Penal de 1890, passou a prever a figura do aborto provocado pela própria gestante. Mas foi com o Código Penal de 1940, em vigor nos dias atuais, que houve a tipificação da figura do aborto, sendo o mesmo provocado, artigo 124 CP, onde a gestante assume a responsabilidade pelo fato; o aborto sofrido – art. 125 CP, onde o aborto é realizado por terceiros sem consentimento da gestante – e o aborto consentido, que conforme o artigo 126 do CP é o realizado por terceiro com o consentimento da gestante (5).
3 OPINIÃO MÉDICA A RESPEITO DO ABORTO
O aborto é utilizado como método contraceptivo e, por isso tornou-se problema de saúde pública. As mulheres não utilizam métodos adequados para prevenção da gravidez e recorrem ao aborto para “consertar” a falta de planejamento e proteção no ato sexual.
Atualmente, a realidade apresentada nas Unidades Básicas de Saúde comunitária, mostra que, a maioria das mulheres recorre ao planejamento familiar após inúmeras gestações ocorridas sem programação, desvirtuando a ideia do programa oferecido á população que, em seu conceito originário, busca idealizar a premeditação da gravidez no tempo e quantidade de filhos desejados (6).
Em sua maioria, as mulheres e os parceiros que buscam o método contraceptivo cirúrgico, são adolescentes que iniciaram a vida sexualprematuramente e sem orientação.. Acaba que, ao invés de prevenir o problema, o planejamento familiar atua como reparação do fato ocorrido.
No entanto, a opinião clínica se divide. Alguns profissionais acreditam que a informação distribuída à população é eficaz, as mulheres é que a desconsideram. Para outros, ainda existe ineficácia na divulgação do método por parte das autoridades.Para Nuno Montenegro, diretor do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de São João, em Portugal, a culpa é sem dúvida das mulheres:"A tutela soube tomar iniciativas. Distribuem de modo gratuito dez métodos contraceptivos nos centros de saúde. As mulheres sabem disso, não se protegem porque não querem" , defende, alertando: “Existe uma total desresponsabilização” (7).
Infelizmente as mulheres encaram o aborto de forma errada, banalizando o ato ao torná-lo reparador da falta de prevenção. Por ser considerado ilícito, as gestantes se submetem a procedimentos irregulares, em locais inadequados, propiciando risco de morte ou infertilidade permanente a elas mesmas. Daí a importância de descriminalizar a conduta. Ao tornar ilícito o aborto, é incentivada, de forma indireta, a busca por meios irresponsáveis e criminosos que utilizam desse artifício para enriquecimento ilegal à custa do sofrimento alheio.
4 PRÓS E CONTRAS
A opinião favorável à licitude do aborto defende que, submeter a gestante a um desgaste físico e psicológico mantendo a gravidez indesejada, com risco de morte ou anencefalia seria submetê-la a imensa crueldade. Muitas mulheres desenvolvem repulsa ao feto, adquirem traumas e depressões durante e após o parto. É desumano que, nos tempos atuais, o Estado adote a postura tirânica de decidir sobre a autonomia privada. A decisão de interferir ou não na gestação diz respeito apenas à mulher, que carrega consigo um feto sem condições de sobrevivência ou não desejado. Pior do que a frustação da mãe, é deixar nascer uma criança que não será amada e esperada por sua progenitora. É o caso de mães que não desejam seu bebê, seja por dificuldades financeiras, psicológicas ou pessoais. Tratar desses casos como sendo criminosos faz com que se desenvolvam outros crimes. Reincidentemente ouvimos nos noticiários a respeito de mulheres que abandonam recém-nascidos por não terem condições reais de criar o bebê. Qual o papel do Estado nesses casos? Deixar a criança na espera de um casal que o adote (nas imensas e burocráticas filas de espera), destinar essas crianças ao acompanhamento e tutela dos orfanatos e abrigos ou tornar essa pessoa mais cidadão infrator ao invés de prevenir todos esses aspectos sociais com a liberação da interrupção da gravidez? Os casos aceitos ainda não são suficientes para minimizar os problemas que envolvem o aborto (8).
Por outro lado, as opiniões contrárias ao procedimento, acreditam que lidar com a liberação da interrupção da gravidez é ferir princípios éticos, morais, religiosos e fundamentais. Esses direitos fundamentais então estãorelacionados ao Direito Natural, ainda em cunho transcendental, ferindo mandamentos do próprio Deus.
O ser humano não tem autonomia de decidir sobre um ser que está hierarquicamente acima das pessoas. Desobedecer a um mandamento positivado na Bíblia Sagrada é um crime contra a vida e contra os princípios do cristianismo. A lei aplicada aos homens foi inicialmente fundamentada por Deus, por isso deve ser obedecida e não infringida, nem sequer questionada.A grande influência do cristianismo classifica então o ato como criminoso e inaceitável (9).
5 CONCLUSÃO
O presente artigo defende a liberação do aborto, de forma assistida e monitorada pelo Estado, de casos ainda não aceitos pelo ordenamento jurídico. Sendo assim, a mulher teria assistência médica garantida em maternidades que fornecessem tecnologia e recursos pertinentes ao procedimento médico.
Os que defendem a ideia contrária a esta são os que se baseiam em argumentos de cunho religioso e não conseguem fundamentá-los de forma racional.
Obrigar uma mulher a decidir, não por seus próprios meios, mas pelo que é outorgado pelo Estado, é isentá-la de seus direitos subjetivos por motivos de crença religiosa ou convicção filosófica. Tal conduta é totalmente contrária ao Estado Democrático que vivemos atualmente. Para garantir então essa democracia, ainda ideológica, precisamos romper algumas barreiras como a que propomos neste trabalho.
(3) Os crimes de aborto estão previstos na Parte Especial, dos crimes contra a pessoa, Capítulo I do Código Penal. As qualificações estão entre os Artigos 124 e 128. Dados retirados do VadeMecum RT 2012.
(4) Até ao dia 15 de Agosto de 1930 as Igrejas cristãs estavam de acordo na proibição do aborto. Nessa data, em Lambeth, os anglicanos passaram a aceitar o aborto em certos casos. De acordo com princípios bíblicos descritos em Gênese, o aborto vai contra o intuito de Deus para com a criação. Essa percepção existe até os dias atuais.
(5)Desde o período do Brasil Império, trazemos conosco herança de Portugal. Pode-se dizer que a Constituição que carrega consigo elementos que a caracterizam como, de fato, brasileira é a de 1988. Para garantir marca própria, sem interferência de outras culturas é que reivindicamos os direitos e deveres ainda não tipificados
(6) Dados retirados do Programa de Planejamento Familiar do Posto de Saúde da Família no bairro São Cosme em Santa Luzia- MG. Uma vez por mês, a unidade dispõe palestras e encaminhamento para a contracepção cirúrgica no Centro Viva Vida. É feito acompanhamento do serviço social local em conjunto com o PSF.
(7) Nuno Montenegro é diretor do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de São João, Portugal. É contra o procedimento de aborto porque acredita que o acesso a meios de prevenção de gravidez são suficientes para evitar o aborto.
(8) Os casais ou pares homoafetivos que desejem efetivar a adoção nos dias atuais, além de enfrentar a fila de espera, passam por um burocrático processo seletivo. Esse processo pode chegar a 2 anos de análise. Atualmente os casos aceitos para aborto são nos episódios decorrentes de estupro, risco iminente á vida e gestação de bebês anencefálicos. Conceder á mulher a opção de aborto para outros casos ainda não aceitos, como quando esta não possui meios para manter a gestação seja por fins financeiros, psicológicos, etc, ou não possuir estrutura para criar a criança, seria grande avanço para tratar o problema de saúde pública que envolve aborto ilegal.
(9) Além da influência cristã que engloba todas as esferas da sociedade, a mudança em questão ao aborto trata-se de quebrar tabus da própria população que, apenas justifica seus atos com base nos mandamentos bíblicos. Ferir o orgulho das pessoas pesa mais do que a própria herança religiosa. Se as opiniões se resumissem apenas a questão do credo, as pessoas não realizariam tantos atos infracionais graves tanto quanto o aborto.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Aborto no. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Aborto_no_Brasil. Acesso em 08 de Setembro de 2012.
LEITE, Chico. A polêmica do aborto. Disponível em <http://www.chicoleite.com.br/leitura.php?id_materia=64>. Acesso em 08 de Setembro de 2012.
LOUREIRO, David Câmara; VIEIRA, Elisabeth Meloni. Aborto: conhecimento e opinião de médicos dos serviços de emergência de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, sobre aspectos éticos e legais. Disponível em www.scielo.br/pdf/csp/v20n3/04.pdf. Acesso em 08 de Setembro de 2012.
MECUM, Vade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
SÁ, Maria de Fátima Freire de: Direito de morrer: eutanásia, suicídio assistido. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
SAGRADA, Bíblia: Gênesis 1:28.