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Competência criminal da Justiça Federal

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5.MODIFICAÇÃO DA COMPETENCIA

             5.1 Perpetuação da competência

             É o consagrado princípio da "perpectuatio jurisdictionis". Por tal princípio, a competência se firmará no momento em que a ação é proposta. Mesmo em havendo alguma mudança nos elementos processuais que foram utilizados para definir a competência, esta não poderá mudar. Irrelevantes serão as mudanças de fato ou de direito que venham a ocorrer posteriormente, porquanto inalterável será a competência determinada. Por exemplo, comumente ocorrem mudanças de residência ou domicílio das partes ou mudanças legislativas nas leis que determinam critérios de escolha da competência territorial, mas não será por tais motivos que a competência antes determinada será modificada. Ressalte-se, entretanto e desde já, que tal princípio sofre exceções, como se vê infra.

             Está transcrito no art. 87 do CPC:

             "Art. 87. Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia."

             Este princípio, embora não previsto expressamente no Código Processual Penal, é plenamente admitido pelo Direito Processual Penal, a teor do art. 3° do CPP:

             "Art. 3o A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito."

             Assim decidiu o STJ: "Proposta a ação penal, ainda quando não instalada a vara federal no interior do Estado, firma-se a competência do Juiz processante, ante a combinação dos arts. 3° do CPP e 87 do CPC" (STJ, 5ª T., RHC 4.796/SP, DJU, 20.11.95, p. 39611).

             As exceções a esta regra estão previstas no mesmo art. 87, in fine:

             - Salvo quando suprimirem o órgão judiciário: A primeira exceção é óbvia. Suprimido o órgão que era jurisdicionalmente competente, os processos deste órgão não poderão deixar de ser encaminhados a outro órgão jurisdicional.

             - Ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia: A segunda exceção refere-se a casos de competência absoluta. Como as regras de competência absoluta são baseadas no interesse público, em busca de uma Administração da Justiça mais eficiente, o entendimento deste dispositivo deve ser no sentido de que se uma lei nova modifica a competência, em razão da matéria ou da hierarquia, é porque o legislador quis dotar o processo de uma maior efetividade e celeridade. Diante disto, quando, por exemplo, a única vara criminal de uma seção judiciária da Justiça Federal se subdivide em duas, criando uma Vara de Crimes Ambientais, é por que quis o legislador dar uma melhor atenção ao andamento de processos de crimes ambientais que ali existiam, devendo estes serem encaminhados à nova vara de crimes ambientais. Assim, se a finalidade da criação de novas Varas da Justiça Federal é agilizar a prestação jurisdicional, devemos então buscar uma interpretação teleológica do art. 87 do CPC. É a instrumentalidade do processo penal se materializando, através do princípio processual civil da perpetuação da competência.

             No sentido de manter a competência da vara originária quando a vara criada não for destinada a julgamento de matérias diferentes, Vladimir Souza Carvalho traz decisão singular asseverando pela "competência do juízo da 2ª vara criminal federal de São Paulo para o processo e julgamento do feito, porquanto recebeu a denúncia antes da instalação das varas federais de Piracicaba, pela aplicação ao processo penal do princípio da perpetuatio jurisdictionis, decorrente do art. 87, do CPC c.c. o art. 3°, do CPP (Juiz Sinval Antunes, HC 95.03.016320-0-SP, DJU-II 06.06.95, p. 34.950)" (13).

             5.2 Prorrogação da competência

             Por este princípio processual, a competência de um determinado juízo é alargada, para deter causas que, originariamente, dele não seriam. Este alargamento da competência só poderá se dar por permissão de lei.

             Pode se dar de forma voluntária, nos casos onde a parte não interpõe exceção de incompetência territorial nos prazos legais, como dispõe o art. 108 do CPP; ou no caso de ações penais de iniciativa exclusivamente privada, onde o querelante tem duas opções de escolha do ajuizamento da ação: o foro do domicílio do réu ou o foro do local da infração (art. 73 do Código de Processo Penal). Ou, também, a prorrogação da competência pode se dar de forma necessária, como nas hipóteses de conexão e continência, adiante estudadas. Outros exemplos de prorrogação necessária de competência, segundo Mirabete, são a "desclassificação para infração de competência para infração de competência de juízo inferior, permanecendo a anterior (art. 74, §2°), de exceptio veritatis nos crimes contra a honra de pessoas sujeitas à competência originária da jurisdição superior (art. 85)" (14).

             5.3 Conexão e continência

             Conexão e continência, como se sabe, não são critérios de fixação da competência, mas sim de sua modificação.

             A economia processual ordena, nestes casos, que o juiz intervenha, de ofício, e reúna os processos, com o fito de se harmonizar a decisão do Poder Judiciário. (art. 105, CPC). É como leciona Marino Pazzaglini Filho, em judicioso artigo na Revista Justitia, quando diz que tais critérios "têm por finalidade a adequação unitária e a reconstrução crítica unitária das provas a fim de que haja, através de um único quadro de provas mais amplo e completo, melhor conhecimento dos fatos e maior firmeza e justiça nas decisões, evitando-se discrepância e contradições entre os julgados" (15).

             A conexão e a continência em matéria criminal ocorrem de maneira um pouco distinta da forma do Processo Civil. Da leitura dos arts. 103 e 104 do CPC depreende-se que: quando duas ações possuírem idênticos objetos, ou idênticas causas de pedir, são entendidas ambas como conexas; já a continência ocorreria quando, além de serem iguais as causas de pedir e as partes em litígio, o objeto de uma ação engloba o objeto da outra.

             Por sua vez, a matéria é assim tratada no Código de Processo Penal:

             "Art. 76. A competência será determinada pela conexão:

             I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;

             II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;

             III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

             Art. 77. A competência será determinada pela continência quando:

             I - duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;

             II - no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51, § 1o, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal."

             Vê-se que a conexão do art. 76 do Código de Processo Penal divide-se em conexão material/substantiva (incisos I e II) e conexão processual/probatória/instrumental (inciso III).

             A conexão material ainda se subdivide em conexão subjetiva (infrações praticadas por várias pessoas em concurso, ou umas contra as outras), em conexão objetiva (infrações praticadas para ocultar outras), e em conexão subjetiva-objetiva (infrações praticadas por várias pessoas reunidas almejando conseguir impunidade em relação a qualquer delas).

             Quanto à continência, temos que, na hipótese do inciso I do art. 77 do CPP, há crime em concurso de pessoas (16), em que duas ou mais pessoas colaboram para a consecução da conduta criminosa, mas onde há a diversidade de critérios de fixação da competência, como prerrogativa de função para um dos agentes criminosos ou a eventualidade da localização diversa de cada um destes colaboradores. Assim, nestes casos, conquanto haja a diversidade de foros competentes, deverá o julgador buscar a unidade de julgamento de ambos os agentes.

             O inciso II do art. 77 refere-se a condutas descritas nos dispositivos originais do Código Penal. Foram eles modificados, devendo a menção ser direcionada aos artigos 70, 73 e 74 da nova Parte Geral do Código Penal, ditada pela Reforma de 1984. Referem-se estes artigos aos casos de práticas delituosas verificadas nas condições de concurso formal de crimes (17), erro na execução (18) (aberratio ictus) e resultado diverso do pretendido (19) (aberratio criminis).

             Com Mirabete, nestas ocasiões de conexão e continência "em que foram instauradas ações penais separadas, o juiz com o foro prevalente deve avocar o processo em curso em outro Juízo; o não prevalente deve remeter os autos à autoridade judiciária competente" (20). Os critérios para a determinação do foro prevalente são esmiuçados nos arts. 78 a 82 do CPP. Em não havendo foro prevalente, o juiz que primeiro conhecer de uma das causas se tornará prevento para as demais, como determina o art. 78, II, c do CPP. As regras para determinar qual será o juiz prevento se encontram no art. 83 do Código de Processo Penal (21).

             Interessa-nos, em demasia, a regra determinada para os casos de conexão e continência de crimes da competência da Justiça Federal e da Justiça Estadual. Embora não haja entre elas hierarquia, o extinto TFR vinha julgando pela exclusão da regra do art. 78, II, a do CPP, firmando a competência, nestes casos, à Justiça Comum Federal. Lembremos da Súmula 52 do TFR, neste patamar. Tal entendimento também foi seguido pelo STJ, ao ditar, em sua Súmula 122: "Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal." Por fim, solidificando esta regra, em nome da competência constitucional expressamente delimitada da Justiça Federal e em detrimento da competência residual da Justiça Estadual, a Suprema Corte também vem seguindo a premissa da Súmula 122 do STJ. Transcrevemos excerto de voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence, em decisão de habeas corpus: "Ao votar, na linha do parecer da Procuradoria-Geral, o em. relator aplicou ao caso acórdão de minha lavra, no qual, em caso de conexão emprestei força atrativa à competência da Justiça Federal - especial em relação à Justiça dos Estados - de modo a atrair os crimes conexos a infrações de caráter federal, que à Justiça local ordinariamente tocaria julgar (HC 68.339, 19.2.91, Pertence, RTJ 135/672)(...)" (22).

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             Porém, importa observar que, na ocorrência de crimes conexos da competência da Justiça Federal e da Justiça Militar, não é permitida a junção de processos para julgamento, regramento este determinado pelo art. 79, I, do CPP. Os processos, portanto, serão julgados separadamente.

             5.4 Delegação de competência

             Por razões várias (como celeridade processual e instrumentalidade do processo), o ordenamento jurídico impõe que, em determinadas situações, haja uma cooperação judicial entre os vários juízos e tribunais, delegando atribuições jurisdicionais de um a outro. São os casos de delegação de competência.

             Nos casos criminais que sejam da competência da Justiça Federal, em que há a delegação de competência, o embasamento constitucional é o mesmo para as causas cíveis: o artigo 109, §3°. Ei-lo:

             "§ 3º - Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual."(grifo nosso)

             Athos Gusmão Carneiro indaga, e em seguida elucida: "Pergunta-se: quais serão estas outras causas? Quaisquer feitos? Não. Estas ‘outras causas’ deverão evidentemente estar compreendidas no elenco do art. 109 da Constituição, devem ser ‘causas federais’, sob pena de admitirmos possa a lei ampliar a competência recursal do Tribunal Regional Federal da área de jurisdição do juiz de primeiro grau – art. 109, §4°. (23)".

             Assentado na legislação e jurisprudência nacional há apenas um tipo de causa criminal passível de delegação: o processo e julgamento de crimes de tráfico internacional de entorpecentes. Assim dispõe o art. 27 da Lei n°. 6.368/76, plenamente recepcionada pela Constituição Federal:

             "Art. 27. O processo e o julgamento do crime de tráfico com exterior caberão à justiça estadual com interveniência do Mistério Público respectivo, se o lugar em que tiver sido praticado, for município que não seja sede de vara da Justiça Federal, com recurso para o Tribunal Federal de Recursos".

             O TFR pacificou a matéria, à sua época, editando a Súmula 54, nestes termos: "compete à Justiça Estadual de primeira instância processar e julgar crimes de tráfico internacional de entorpecentes, quando praticado o delito em comarca que não seja sede de vara do Juízo Federal".

             De seu turno, o STF, arrimado no art. 20 da antiga Lei 5.726/71, editou a Súmula 522, que assim diz: "salvo ocorrência de tráfico com o exterior, quando, então, a competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados o processo e o julgamento dos crimes relativos a entorpecentes."

             Tal súmula, a teor do presente ordenamento jurídico, demonstra-se dispensável, não se determinando a hipótese em tela como caso de competência delegada. Isto por que é sabido que, em tese, a Justiça Federal não possui competência para julgar tráfico interno de entorpecentes. E, assim sendo, não se pode delegar aquilo de que não se tem competência.

             Importa observar que os crimes de tráfico interno, por vezes, encontram-se em conexão ou em continência com crimes sob a persecução do Ministério Público Federal, como o são o contrabando e o descaminho, cabendo, então, a decisão à Justiça Federal, respeitando-se o preceito da citada Súmula 122 do STJ. Vladimir Souza Carvalho: "...importante observar, ao lado do Juiz Vladimir Freitas, que, oferecida denúncia por tentativa de contrabando, cabe ao juiz federal proferir sentença de mérito, ainda que reconheça o tráfico como local, pois, se simplesmente declinar da competência para a justiça estadual, estará subtraindo do Ministério Público Federal o direito de recorrer ao Tribunal Regional Federal objetivando o reexame da matéria (RC 95.04.1214-8-PR, DJU-II 30.08.95, p. 55.751). (24)"

             Por fim, não é demais relembrar que a delegação de competência influi decisivamente na indicação do tribunal responsável por julgar conflitos de competência. Athos Gusmão Carneiro traz a sistematização correta: "Quando juiz estadual e juiz federal entram em conflito, a competência para apreciar o incidente é do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, d, in fine); porém, se o conflito se estabelece entre juiz estadual no exercício da jurisdição federal delegada e juiz federal, competente será o Tribunal Regional Federal (Súmula 3 do STJ), salvante se sediados um e outro em áreas sob jurisdição de Tribunais Regionais Federais diversos, hipótese em que o Superior Tribunal de Justiça conhecerá do conflito (CC 2.779-STJ, j. 28-10-1992, rel. Min. Athos Carneiro) (25)".

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Sobre o autor
Victor Roberto Corrêa de Souza

Servidor Público Federal na Procuradoria Regional da República - 5ª Região – em Recife/PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Victor Roberto Corrêa. Competência criminal da Justiça Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 324, 27 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5232. Acesso em: 26 abr. 2024.

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