1.CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Quando alguém busca o Judiciário, instaura uma relação jurídica que se quer composta por, pelo menos, três sujeitos (autor/Estado/réu). Só que essa relação jurídica não se desenvolve de qualquer maneira, há um formalismo previamente estabelecido - que admite adaptações, é verdade, mas que necessita de balizamento para alcançar segurança jurídica. Essa forma é o procedimento. Daí podermos concluir que processo é relação jurídica + procedimento.
Quando a Constituição Federal determina que o processo deve ter duração razoável, significa dizer que o procedimento deve ser bem conduzido, gerido pelo juiz em cooperação com as partes, respeitando-se os direitos e garantias fundamentais dos sujeitos processuais, a fim de que a tutela do direito se dê num tempo adequado. E para essa finalidade, a preclusão tem um papel relevante.
A preclusão é o impedimento da prática de ato processual depois do momento adequado. O objetivo é fazer com que o procedimento seja um caminhar para frente, evitando-se idas e vindas procedimentais, que certamente afetam a duração razoável. Cada ato processual deve ser praticado no momento correto, daí haver o procedimento que disciplina o instante que cada um tem para praticá-lo.
E o foco não é só a duração razoável do processo, como também a efetividade e a boa-fé, pois caso a preclusão não existisse, seria "um prato cheio" para os litigantes de má-fé que a todo tempo suscitariam matérias já resolvidas ou do passado, no afã de tumultuarem o processo.
Nesse sentido, as palavras Fredie Didier Jr:
“A preclusão não serve somente à ordem, à segurança e à duração razoável do processo. Não se resume à condição de mera mola impulsionadora do processo. A preclusão tem, igualmente, fundamentos éticos-políticos, na medida em que busca preservar a boa-fé e a lealdade no itinerário processual. A preclusão é técnica, pois, a serviço do direito fundamental à segurança jurídica, do direito à efetividade (como impulsionadora do processo) e da proteção à boa-fé. É importante essa observação: como técnica, a preclusão deve ser pensada e aplicada em função dos valores a que busca proteger.” (Curso de Direito Processual Civil. Vol. 01. 17ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2015. p. 417.)
“Oskar Von Büllow foi quem, com vistas a analisar os fatos processuais, chamou atenção para o fenômeno ao estatuir que o não agir da parte constitui fundamento decisivo para seu prejuízo jurídico. O non facere, por si só, é considerado fato processual.” (OLIVEIRA JÚNIOR, Zulmar Duarte de. Preclusão elástica no Novo CPC . Org. Bruno Dantas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 48, n. 190, t. 2, p. 307, abr./jun., 2011).
Giuseppe Chiovenda classificou a preclusão em temporal, lógica e consumativa. Segundo ele, "a preclusão consiste na perda, ou na extinção ou na consumação de uma faculdade processual, em razão de: i) de a parte não ter observado a ordem assinalada pela lei para a prática de uma faculdade; ii) de a parte ter realizado atividade incompatível com o exercício da de uma faculdade; iii) de ter a parte já exercido validamente a faculdade." (Cosa giudicata e preclusione. Saggi di diritto processuale civile, p. 233.)
A classificação de Chiovenda é a defendida pela maioria da doutrina e acolhida pela jurisprudência. A polêmica que sempre residiu foi qual tipo de preclusão alcança o juiz (preclusão judicial ou preclusão pro judicato), mas esse assunto vai ser objeto de outro artigo.
O cerne deste escrito é saber se a denominada preclusão consumativa permanece com o CPC/2015.
2. EXISTE PRECLUSÃO CONSUMATIVA?
Qual a razão da pergunta, se a classificação chiovendiana já ultrapassa um século e ainda é citada, reproduzida e aceita? É que o CPC/2015 fortalece o caráter instrumental do processo, determinando que o juiz em cooperação com as partes aproveite ao máximo os atos processuais (princípio do máximo aproveitamento da demanda), permitindo sempre que possível a sanação de erros, inclusive autorizando o juiz a superar vícios, isso em nome da premente necessidade de solucionar os conflitos postos no processo, não se satisfazendo o Judiciário apenas com a prolação de sentenças, mas também com a pacificação social. E isso se reflete no princípio da primazia do julgamento do mérito, insculpido nos arts. 4º e 6º do CPC.
Nessa perspectiva, se a parte, por exemplo, apresenta sua contestação no quinto dia do prazo, poderia ela, sem justa causa, retificar sua contestação até o fim de seu prazo? Poderia ela invocar os princípios da instrumentalidade das formas, do máximo aproveitamento da demanda e da primazia da decisão de mérito para fundamentar a possibilidade de conserto de sua peça, se ainda no prazo legal?
Caso a resposta seja positiva, estar-se-á defendendo que só há preclusão temporal, e não preclusão consumativa, pois enquanto estiver no prazo legal da contestação é possível a correção/complementação da peça. Caso a resposta seja negativa, defende-se a preclusão consumativa, pois a parte já exerceu validamente seu ato processual, não se podendo falar em alteração.
O entendimento que sempre prevaleceu foi de que uma vez praticado o ato, não se pode mais alterá-lo, por haver preclusão consumativa. Mas o que dizer diante do art. 223 do CPC/2015, que disciplina que: "Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa." (grifo nosso)
Acrescentei o negrito para demonstrar uma alteração na redação do art. 183 do CPC/73, que assim disciplinava: "Decorrido o prazo, extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato, ficando salvo, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa."
A expressão "ou de emendar o ato processual" significa o fim da preclusão consumativa? Daí que enquanto estiver em seu prazo a parte pode emendar/aditar a sua peça, sendo impedida de praticá-la apenas findo o prazo (preclusão temporal)?
Os professores Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero entendem que:
"Uma vez praticado o ato, consome-se a possibilidade de emendá-lo dentro do prazo legal eventualmente ainda disponível. A alusão à possibilidade de emendar o ato processual dentro do prazo legal constante do art. 223, CPC, deve ser entendida como possibilidade de praticar-se novo ato processual por força de viabilização de nova oportunidade para tanto por força do dever de prevenção do juiz na condução do processo - daí falar-se em emenda do ato, cujo exemplo clássico é o da emenda à petição inicial. Vale dizer: o art. 223 não aboliu a preclusão consumativa para as partes." (Novo Código de Processo Civil Comentado. 2ª ed. São Paulo, RT. 2016. p. 326.)
Por outro lado, o professor José Miguel Garcia Medina defende que:
"O princípio que informa essas figuras é o mesmo: se o juiz deve dar à parte oportunidade para corrigir o vício detectado (princípio que se aplica inclusive aos recursos, ex vi do art. 932, parágrafo único do CPC/2015), deve ser admitido, a fortiori, que a parte o faça por sua conta, antes de escoado o prazo processual respectivo. O sentido com que deve ser compreendida a faculdade prevista no art. 223, caput, do CPC/2015 é amplo: compreende não apenas a correção de algum problema que a parte tenha detectado na petição, mas, também, a adição de novo fundamento. Impõe-se à parte, como é evidente, agir em conformidade com a boa-fé - como, de resto, deve proceder em relação à prática de qualquer ato processual (cf. art 5º do CPC/2015). Nesse contexto, resta mitigada a preclusão consumativa, desde que a emenda ao ato processual seja realizada dentro do prazo originário." (Novo Código de Processo Civil Comentado. 2ª ed. São Paulo, RT. 2015. Edição eletrônica)
Eu ainda prefiro a ideia da preclusão consumativa. Se a hipótese for de permitir a prática de emenda, somente nesses casos é que será possível a renovação da prática do ato, mas veja que isso não significa um salvo-conduto para todas as hipóteses. O raciocínio contrário traz efeitos daninhos, quais sejam:
a) em todos os casos, ter-se-ia que esperar o fim do prazo para o processo ter seguimento. Mesmo que a fazenda pública, por exemplo, apelasse no quinto dia do prazo recursal, os autos do processo deveriam ficar parados aguardando o término dos 30 (trinta ) dias, porque ainda poderia haver eventualmente uma emenda/aditamento;
b) se o juiz sentenciasse no décimo dia, com intimação das partes, e houvesse a apelação, e depois ele entendesse de retificar a sentença sobre o fundamento de que ainda está no seu prazo legal de 30 (trinta) dias... Qual a segurança jurídica nisso?
c) Como se sabe, os prazos para os juízes são impróprios. Se não houver preclusão consumativa, o que aconteceria depois de decorrido o prazo de 30 (trinta) dias e o juiz não tiver sentenciado? Preclusão temporal? A sentença prolatada no 45º dia seria extemporânea? A resposta será obviamente que não, e ele poderá sim proferir sua sentença no 45º dia. Mas ele poderá modificá-la depois disso? Inexistindo preclusão consumativa, e não sendo a hipótese de preclusão lógica, o que o impediria?
d) e nas hipóteses de prazo impróprio para as partes, o mesmo problema acima apontado para os juízes se repetiria.
3. CONCLUSÃO
O fim da preclusão consumativa traz mais mal do que bem. É um instituto salutar para a boa e adequada condução do processo, devendo ser mantido para a higidez ético-político do processo, além de contribuir indiscutivelmente com a duração razoável. A melhor interpretação do art. 223 é a de que a possibilidade de emenda se dá nas hipóteses em que juiz entende que há vícios processuais e deve ser oportunizada à parte a chance de corrigi-la. Essa interpretação evita os efeitos daninhos acima mencionados da extirpação da preclusão consumativa, além de prestigiar os princípios da instrumentalidade das formas, do máximo aproveitamento da demanda e da primazia do julgamento de mérito.
4. REFERÊNCIA
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 01. 17ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2015.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz, MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. 2ª ed. São Paulo, RT. 2016.
MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. 2ª ed. São Paulo, RT. 2015.
OLIVEIRA JÚNIOR, Zulmar Duarte de. Preclusão elástica no Novo CPC . Org. Bruno Dantas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 48, n. 190, t. 2, p. 307, abr./jun., 2011