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Os impactos do novo CPC nos processos administrativos

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Estudam-se as possibilidades de aplicação subsidiária e supletiva do novo Código de Processo Civil aos processos administrativos.

1.INTRODUÇÃO

O artigo 15 do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105∕2015) prevê expressamente a possibilidade de aplicação subsidiária e supletiva das suas normas aos processos administrativos.

Com essa novidade, vivenciamos ainda um período de enormes dúvidas e debates doutrinários sobre o tema. Afinal, quais institutos do CPC seriam aplicáveis aos processos administrativos?

Esse tema é de extrema importância para a Administração Pública brasileira. A atividade administrativa contemporânea é “processualizada”[1], ou seja, é construída por meio de um processo administrativo prévio que corrobora para uma maior legitimidade, controle e eficiência das decisões estatais.[2] Destarte, os impactos do CPC/2015 sobre o processo administrativo atingem a própria forma de administrar de cada ente federativo do nosso país.

Nesse contexto, o presente trabalho almeja destacar um rol exemplificativo de institutos do novel códex processual aplicáveis aos processos administrativos, evidenciando toda uma nova racionalidade que vigorará no direito administrativo contemporâneo.


2.  A POLÊMICA DIFERENCIAÇÃO ENTRE APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA E SUPLETIVA

O artigo 15 da Lei nº 13.105∕2015 (CPC/2015) dispõe que “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos” deve ocorrer a aplicação supletiva e subsidiária das disposições desse novo código de processo civil.

A doutrina processualista civil justifica essa aplicação subsidiária e supletiva aos demais ramos processuais com o seguinte argumento: o CPC é a principal fonte de direito processual no ordenamento jurídico brasileiro, consiste em uma “lei geral do processo” ou “lei processual residual por excelência”[3], devendo ser aplicado aos processos como um todo, e não apenas o processo civil.[4] 

Esse argumento possui como principal pressuposto a existência de uma Teoria Geral do Processo[5], legitimando a união dos diversos ramos da árvore do direito processual a um tronco único e comum, não obstante a autonomia científica e metodológica reconhecida a cada um deles. Cria-se, assim, entre processo civil, trabalhista, eleitoral e administrativo um elo que os torna inseparáveis, seja do ponto de vista metodológico, seja nas implicações recíprocas entre as disciplinas.[6]

Traçados os fundamentos e os pressupostos doutrinários do artigo, a primeira questão a ser tratada é quanto à diferenciação entre aplicação subsidiária e aplicação supletiva. De fato, não são expressões sinônimas, pois como indica antigo brocado interpretativo, a lei não contém palavras inúteis (verba cum effectu sunt accipienda).

Nesse contexto, a delimitação das expressões é tema controvertido na doutrina, existindo pelo menos três correntes doutrinárias.

Para uma primeira corrente doutrinária, a aplicação subsidiária visa preencher uma lacuna integral (omissão absoluta) de um corpo normativo.  Já a aplicação supletiva visa a complementação normativa ao que foi regulado de modo incompleto (omissão parcial). Ali falta a regra e ela será suprida, aqui a regra é incompleta e será complementada. Em ambos os casos, só cabe a aplicação subsidiária ou supletiva se a norma geral (CPC/2015) for compatível com a sistema jurídico da norma processual omissa que se pretende integrar ou complementar.[7]

Em sentido totalmente oposto, parte da doutrina inverte os conceitos supracitados e defende que enquanto a aplicação subsidiária visa a complementação de uma norma incompleta (omissão parcial), na aplicação supletiva ocorre a integração de uma lacuna integral (omissão total) pelo CPC/2015.[8]

Por fim, ainda existe voz doutrinária que defende a possibilidade de aplicação subsidiária do CPC/2015 ainda que não haja lacuna normativa nas leis processuais especificas. Nesse entendimento, embora não haja lacuna normativa, a lei processual pode possuir lacunas de sentido, é dizer, estaria desatualizada (lacuna ontológica) ou sua aplicação geraria uma solução injusta ou insatisfatória (lacuna axiológica), sendo, assim, cabível a aplicação subsidiária do CPC/2015 para corrigi-las.[9]

Seguimos nessa pesquisa a primeira corrente doutrinária supracitada, pois essa foi expressamente a mens legis por detrás das expressões do CPC/2015. Segundo a exposição de motivos feita pela Comissão especial do CPC/2015 (PL 8046/2010), o deputado federal Reinaldo Azambuja justifica que:

Com frequência, os termos “aplicação supletiva” e “aplicação subsidiária” têm sido usados como sinônimos, quando, na verdade, não o são. Aplicação subsidiária significa a integração da legislação subsidiária na legislação principal, de modo a preencher os claros e as lacunas da lei principal. Já a aplicação supletiva ou complementar o corre quando uma lei completa a outra.[10] (Grifos nossos)

Esse entendimento também fica evidente no artigo 1.046, § 2º do CPC/2015, que afirma ser possível a aplicação supletiva do CPC/2015, sem que ocorra uma lacuna normativa (omissão total) nas leis processuais especiais.

Assim, data máxima vênia, não podemos concordar com a segunda doutrina (que defende os conceitos totalmente opostos ao do CPC/2015) e muito menos com a terceira corrente, pois o artigo 15 do CPC/2015 expressamente exige lacuna normativa (“na ausência de normas”) para a aplicação subsidiária e supletiva, não existindo disposições sobre lacunas de sentido (que por serem valorativas, reduziriam a segurança jurídica e previsibilidade das normas processuais a serem aplicadas ao caso concreto).

Nesse diapasão, a nosso ver, o melhor entendimento é o da primeira corrente doutrinária. Logo, a contrario sensu podemos concluir que:

1.Não cabe a aplicação subsidiária do CPC/2015, se houver lei processual específica (CLT, Código Eleitoral, Lei de Processo Administrativo, etc.) disciplinando a matéria de maneira diversa (não há omissão absoluta) ou se o CPC/2015 for totalmente incompatível com a sistemática jurídica daquele tema no processo trabalhista, eleitoral ou administrativo.

2.Não cabe aplicação supletiva do CPC/2015, se:

 a)A lei processual especial esgotar expressamente o tratamento da matéria/instituto jurídico (não há omissão relativa).

B) A lei processual especial esgotar implicitamente o tratamento da matéria/instituto jurídico.  Trata-se do que Karl Larenz chama de silêncio eloquente[11], é dizer, o silêncio é proposital, fruto de deliberada escolha de corte processual, e não ocasional.

c)Se o CPC/2015 for totalmente incompatível com a sistemática jurídica do tema na legislação processual especial.

São pressupostos da aplicação subsidiária e supletiva, portanto, a omissão (total ou parcial) normativa e a compatibilidade entre a norma omissa e a norma que será aplicada.

Superada essa questão terminológica de clara influência pragmática, vamos elencar um rol exemplificativo de aplicação do novo código aos processos administrativos.


3.  ROL EXEMPLIFICATIVO DE APLICAÇÕES DO CPC/2015 AOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS

Inicialmente, devemos destacar que, ao contrário do processo trabalhista (que já possui a IN 39/2016 do TST) e do processo eleitoral (com sua Resolução nº 23.478/2016 do TSE), não existe um rol exemplificativo definido pela jurisprudência com relação à aplicação do CPC/2015 ao processo administrativo.

Vivenciamos ainda um período de enormes dúvidas e debates doutrinários sobre o tema. Desse modo, os exemplos citados abaixo estão longe de serem pacíficos ou esgotarem a matéria. Apenas refletem algumas opiniões doutrinárias na qual comungamos e reflexões próprias deste autor.

De modo didático e semelhante ao que foi regulamentado na IN 39/2016 do TST, dividiremos os exemplos em três blocos, a saber: aplicáveis; aplicáveis em termos e não aplicáveis.

Vejamos:

3.1. ARTIGOS APLICÁVEIS:

I-  Amicus curiae (art.138 CPC/2015)

Com o novo CPC/2015, foi esclarecida a polêmica doutrinária com relação à natureza jurídica do Amicus curiae. Trata-se de uma intervenção de terceiros, em que uma pessoa física ou jurídica canaliza nos processos diversos interesses da sociedade (Amicus curiae representativo[12]) ou traz conhecimento técnico específico (Amicus curiae técnico), influenciando e legitimando a decisão judicial.

Não vislumbramos qualquer impedimento para aplicação subsidiária do Amicus curiae em processos administrativos. O instituto corrobora, simultaneamente, com uma maior participação democrática dos cidadãos na construção das decisões estatais (status ativae civitatis[13]) e um maior acesso a conhecimentos técnicos por parte do gestor público antes da tomada de sua decisão.

Nesse sentido, a legislação de processo administrativo já admite situações análogas ao Amicus curiae representativo, é a intervenção de terceiros em audiências e consultas públicas, nos casos em que houver matéria de interesse geral (art.31 e 32 Lei 9.784∕99). Por sua vez, o art.33 da LPAF, expressamente autoriza que a Administração adote “outros meios de participação de administrados”.

Logo, em casos de interesse público (sistema de ensino e hospitalar, controle da aplicação e gestão de verbas públicas, questões ambientais, etc.), o gestor público poderá solicitar ou admitir a participação do Amicus curiae representativo e∕ou técnico na forma do art. 138 do CPC/2015. Assim, o gestor, fixará os poderes do Amicus curiae (§2º do art 138 CPC/2015) e deverá admitir recursos administrativos em caso de decisão administrativa obscura, omissa, contraditória ou com erro material (§1º, art. 138 CPC/2015) ou em caso de nítida violação dos precedentes judiciais (§3º, art. 138 CPC/2015).

Diante da lacuna legal sobre o tema, defendemos, assim, a aplicação subsidiária do art. 138 do CPC/2015 aos processos administrativos.

II- Prática eletrônica de atos processuais (art.193-195 CPC/2015), a exemplo da intimação eletrônica (art. 246, IV, CPC/2015)

O processo administrativo eletrônico já é uma realidade legislativa e fática em diversos Estados-membros do país[14], garantindo maior celeridade, eficiência, segurança e atualização na atividade administrativa.  Os atos processuais eletrônicos, outrossim, não são novidade sequer no CPC/1973, pois o código anterior, após a reforma de 2006 (Lei 11.419∕2006), já os previa expressamente.

Ocorre que, a Lei nº 9.784∕99 ainda não foi atualizada nesse tema (embora o art. 22, §1º do decreto nº 8.539/2015 imponha a implementação do processo eletrônico no âmbito federal até 2017), carecendo de dispositivos sobre a prática de atos processuais eletrônicos (lacuna legal).

Destarte, é notoriamente cabível a aplicação subsidiária dos arts. 193-195 e 246, IV CPC/2015 aos processos administrativos federais. A realização de intimação eletrônica nos processos administrativos, por exemplo, constitui uma evolução tecnológica inevitável e necessária para uma melhor concretização do interesse público qualitativo no caso concreto.[15]

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III- Sistema aberto de produção das provas (art.369 CPC/2015), a exemplo da ata notarial (art. 384 CPC/2015) e prova técnica simplificada (art.464, §2º CPC/2015)

Diante do princípio da verdade material e por força do art.38, §2º da Lei nº 9.784∕99, é evidente que o processo administrativo deve admitir todos os meios lícitos e necessários de prova para fundamentar a decisão administrativa. Desse modo, é totalmente compatível com o processo administrativo o sistema aberto de produção de provas (art. 369 CPC/2015).

Nesse diapasão, é cabível a aplicação subsidiária das novas modalidades de provas previstas no CPC/2015, a saber: a ata notarial (art.384) e a prova técnica simplificada (art. 464, §2º). A ata notarial serviria, por exemplo, para dar maior legitimidade aos elementos de prova obtidos de um site ou e-mail extraído da internet. Já a prova técnica simplificada seria aplicável nos casos de menor complexidade, nos quais não seja necessária uma perícia.  

IV-  Uniformização da jurisprudência e respeito aos precedentes (926 a 928 CPC/2015)

À luz da celeridade processual, segurança jurídica, isonomia e eficiência, os órgãos decisórios colegiados, a exemplo do Tribunal de Contas, CADE, CARF, CNJ, CNMP, corregedorias e agências reguladoras, possuem o dever processual de uniformizar suas decisões administrativas. Afinal, não faz o menor sentido, que diante de situações fáticas idênticas, e sem fundamento razoável, esses órgãos profiram decisões diametralmente opostas causando uma enorme insegurança jurídica aos administrados.[16]

Por isso, é necessário que cada órgão decisório uniformize suas decisões administrativas de modo a torna-las estáveis, íntegras e coerentes. É o que faz o CARF, por exemplo, quando consubstancia suas decisões reiteradas e uniformes em súmulas de observância obrigatória aos seus membros (art.72 do regimento interno do CARF).[17]

 Assim, é plenamente cabível a aplicação subsidiária do art. 926 CPC/2015 a esses processos administrativos, assegurando que as decisões administrativas sobre casos semelhantes sejam tratados de modo isonômico àqueles dantes proferidos. Em um Estado democrático de direito, as decisões administrativas não podem ser lotéricas.

Além do respeito a suas decisões administrativas anteriores, a Administração Pública também deve respeitar os precedentes judiciais (art. 927 e 928 CPC/2015).  Afinal, se somente o Judiciário possui competência para proferir decisões definitivas (unidade de jurisdição), de nada adianta a Administração Pública proferir decisões contrárias aos precedentes judiciais, pois além de violar a isonomia e a legítima confiança do administrado no ordenamento jurídico, estimula uma enxurrada de ações judiciais sobre temas que já foram pacificados. A coerência entre as instâncias administrativa e judicial é um imperativo lógico do ordenamento jurídico nacional.[18]

Nesse sentido, a portaria MF nº 152∕2016 promoveu recente alteração no regimento interno do CARF (art.62, §2º) para exigir que os seus relatores respeitassem o que já foi pacificado na jurisprudência do STF e STJ em sede do Recursos extraordinários e Recursos especiais repetitivos (art.1036 a 1041 CPC/2015).[19]

Ademais, segundo Egon Bockmann Moreira, muito mais do que uma uniformização de jurisprudência, existe agora um dever cogente de respeito à jurisprudência (administrativa e jurisdicional). Isto é, os órgãos decisórios colegiados têm o dever processual de conhecer e obedecer aos julgados pretéritos (sejam oriundos da Administração, sejam do Poder Judiciário). E os agentes administrativos singulares o dever de aplicar ex officio tais decisões já uniformizadas. [20]

Por tudo isso, entendemos ser plenamente cabível a aplicação subsidiária dos art. 926 a 928 do CPC/2015 aos processos administrativos.

3.2. ARTIGOS APLICÁVEIS EM TERMOS:

I-  Contraditório e vedação a decisão surpresa (art. 9º e 10 CPC/2015)

Não há a menor dúvida de que o processo administrativo deve respeito ao contraditório a ampla defesa (art. 5º, LV, CRFB.88 e art.2º Lei 9784.99). De fato, sem contraditório sequer existe um processo, mas mero procedimento.[21] Ocorre que o CPC/2015 trouxe como hipóteses excepcionais de contraditório diferido apenas as tutelas provisórias de urgência e de evidência (art.9º, parágrafo único, I, II e III).

O processo administrativo, todavia, admite o contraditório postergado nas hipóteses de atos administrativos auto executórios em prol da melhor concretização do interesse público (reboque de um veículo em cima da calçada, apreensão de comida estragada em restaurante, demolição de prédio em ruínas próximo a desabar, etc.)

Assim, é plenamente cabível a aplicação supletiva do art.9º e 10 do CPC/2015 aos processos administrativos, todavia, ressalvamos a possibilidade de contraditório diferido nas situações de atos administrativos auto executórios.

II-  Prazo de contraditório no incidente de desconsideração da personalidade jurídica (135 CPC/2015)

O STJ[22] e a doutrina sustentam que a desconsideração da personalidade jurídica (direta ou inversa) no direito administrativo deve ocorrer através de um processo administrativo autônomo que assegure o contraditório e a ampla defesa. Isso ocorre, sobretudo, nos casos de fraudes em licitação para burlar aplicações de penalidades impostas à determinada pessoa física ou jurídica.[23]

Todavia, como regra, as legislações de processo administrativo não possuem dispositivos específicos sobre o procedimento que assegure o contraditório e a ampla defesa na desconsideração da personalidade jurídica. A exceção fica, por exemplo, com o CADE, que possui rito próprio para essa desconsideração (arts.34, 69-83 da Lei nº 12.529∕2011).

Nesse sentido, entendemos que, diante da lacuna legal, seria plenamente cabível a aplicação subsidiária do art. 135 CPC/2015, estipulando o prazo de 15 dias para que o sócio ou a pessoa jurídica sejam citados para manifestar-se e requerer as provas cabíveis, exercendo seu direito constitucional do contraditório e ampla defesa em um devido processo legal (art.5º, LIV e LV, CRFB/88). A ressalva fica com o processo administrativo do CADE que dispõe o prazo de 30 dias para manifestação do representado.

III- Negócios jurídicos processuais (art. 190 CPC/2015)

Se a Administração Pública pode transacionar no processo civil, pode se submeter à arbitragem, pode realizar contratos e termos aditivos, por que não poderia realizar negociações no processo administrativo?

Egon Bockmann Moreira afirma ser possível essas negociações endoprocessuais, desde que sejam tomadas as devidas cautelas. Isso porque a Administração Pública será, ao mesmo tempo parte e julgador, possui deveres de ordem pública e hipersuficiência material-processual.

Logo, a Administração pública não pode negociar questões indisponíveis, como por exemplo, a sua competência legal. Também não pode impor ao particular as negociações, afinal, quem negocia, dispõe e abdica consensualmente; jamais subordina e impõe de modo unilateral.  Egon Bockmann Moreira traz os seguintes exemplos possíveis de negociações processuais: a) processo de licitação: a Administração e os interessados podem transacionar a respeito do efeito suspensivo (ou não) dos recursos administrativos; b) processo administrativo disciplinar: tratativas a propósito do prazo para a defesa e do termo para ser proferida a decisão final; c) pedido de reequilíbrio econômico financeiro de contrato administrativo com uma agência reguladora: as partes podem negociar a respeito das fases, prazos e eventual prova a ser desenvolvida – bem como do perito escolhido por elas de comum acordo e d) processos de controle dos Tribunais de Contas: prefixando-se a agenda processual para celeridade do processo. [24]

Desse modo, nada disso atenta nem contra a lógica nem contra o regime jurídico do processo administrativo. Ao contrário, tais soluções amigáveis prestigiam uma Administração Pública dialógica e concretizadora dos princípios da legalidade, da eficiência e da duração razoável do processo.

  Assim, é cabível a aplicação subsidiária da negociação processual (190 CPC/2015) aos processos administrativos, desde que seja sobre matéria disponível e em prol da maior eficiência e interesse público no caso concreto. 

IV- Distribuição dinâmica do ônus da prova (art. 373, §§1º - 2º CPC/2015)

O art.373, §§1º-2º do CPC/2015 possibilita a distribuição dinâmica do ônus da prova nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.

Essa carga dinâmica encontra uma enorme barreira no direito administrativo clássico: a presunção relativa de veracidade e legitimidade dos atos administrativos. Isso significa que, em regra, cabe ao administrado provar que os atos alegados pela Administração Pública não são verdadeiros e∕ou conformes o direito. 

Ocorre que, em muitos casos, essa prova é diabólica, é dizer, impossível de ser demonstrada pelo administrado, que fica subordinado àquilo que foi determinado pelo agente público. Afinal, como o administrado irá provar, por exemplo, que não estava sem o cinto segurança (prova negativa) quando foi multado pelo guarda de trânsito? Será que essa presunção de legitimidade do agente público, por vezes, não significaria uma presunção de má-fé do cidadão? Por isso, embora a doutrina majoritária continue associando a presunção de legitimidade e veracidade como atributo de todos os atos administrativos, não podemos seguir essa linha.

Segundo Durval Carneiro Neto, a presunção de legitimidade, concebida em um contexto não democrático do século XIX, precisa de uma filtragem constitucional que o adapte ao Estado Democrático de Direito e aos direitos fundamentais assegurados pela Constituição. Isso significa que, essa presunção é uma característica peculiar dos atos auto executórios (justificada em casos de urgência ou autorização legal), mas que, em hipótese alguma, pode gerar a completa vulnerabilidade e impotência dos administrados. Logo, se o ato não comporta auto executoriedade ou se seus efeitos forem impugnados judicialmente, será necessária dilação probatória, com adequada regra de distribuição do ônus da prova, que pode recair tanto sobre o administrado, quanto sobre a Administração, a depender do caso.[25]

Ademais, por conta da verdade real, cabe à Administração Pública utilizar todos os meios que dispõe para registrar os fatos relacionados à sua atuação e não simplesmente escudar suas conclusões sob o manto da presunção de legitimidade.

Com base nesses argumentos democráticos, defendemos a possibilidade de aplicação supletiva da distribuição do ônus da prova (art.373, §§1º-2º do CPC/2015) aos processos administrativos, com a ressalva dos atos administrativos auto executórios.

V- Fundamentação das decisões judiciais (489, §1º CPC/2015)

Nos processos administrativos, é dever do gestor expor de forma clara, explícita e congruente os motivos que fundamentam suas decisões administrativas (art. 2º, caput, art. 38, §1º e art. 50 Lei 9784.99). Não poderia ser diferente em um Estado democrático de direito.

Todavia, não raramente temos decisões administrativas padronizadas que não são verdadeiramente fundamentadas. Decisões que justificam tudo “em nome do interesse público”; que não apreciam os argumentos dos administrados; que se limitam a copiar e colar súmulas e artigos de lei sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; que utilizam motivos genéricos ou que deixam de observar os precedentes judiciais sem expor as razões para tal.

Nesse contexto, o art. 489, §1º do CPC/2015 apresenta um verdadeiro “manual de instrução ao contrário”, é dizer, elenca um rol exemplificativo de situações em que a decisão judicial não será considerada fundamentada. Trata-se, na verdade, de uma norma de Teoria geral do processo capaz de ser aplicada em todas as espécies processuais, garantindo a devida fundamentação das decisões administrativas e judiciais.[26]

Com relação aos processos administrativos podemos realizar apenas a seguinte ressalva: a motivação aliunde ou per relationem (art. 50, §1º Lei 9.784∕99), em que o gestor decide com base em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. Essa decisão, até então, é amplamente admitida na doutrina e jurisprudência, e é considerada fundamentada para fins do regime jurídico administrativo.

Por isso, é cabível a aplicação supletiva do rol exemplificativo do art. 489, §1º do CPC/2015 aos processos administrativos, com a ressalva de que é considerada fundamentada uma decisão administrativa baseada em motivação aliunde (art. 50, §1º, Lei 9.784∕99).

VI-  Embargos de declaração por erro material (art.1022, III CPC/2015)

O novo CPC/2015 elenca uma nova hipótese de cabimento dos embargos de declaração, a saber: a correção de erro material (art.1022, III CPC/2015).

Por outro lado, o artigo 34 da Lei orgânica do TCU (Lei 8443∕1992) e o art. 65 do regimento interno do CARF, por exemplo, preveem a possibilidade dos embargos de declaração apenas nas hipóteses clássicas (obscuridade, omissão ou contradição).

Por isso, entendemos pelo cabimento da aplicação supletiva do art.1022, III CPC/2015 limitada aos processos administrativos que preveem expressamente a possibilidade dos embargos de declaração (como é o caso do CARF e do TCU).

Os demais processos administrativos que não possuam essa previsão, devem seguir sua sistemática recursal própria, por ausência de omissão e∕ou incompatibilidade.

3.2. ARTIGOS NÃO APLICÁVEIS:

In fine, por incompatibilidade ou ausência de omissão legal, não são aplicáveis ao processo administrativo:

I- Modificação de competência por eleição de foro (art. 63 CPC/2015)

Tal aplicação é incompatível com o regime jurídico do direito administrativo. A Administração Pública não pode convencionar no sentido de abdicar de competências legais referentes seu dever-poder processual. A competência dos atos administrativos é dada por lei, sendo irrenunciável por conta da indisponibilidade do interesse público.

II- Contagem de prazo dias úteis (Art.219 CPC/2015)

Em regra, não será cabível a aplicação da contagem do prazo em dias úteis no processo administrativo, pois o tema encontra-se disposto de maneira contrária em diversas legislações de processo administrativo. Na Lei nº 9.784∕99 (e na maioria das leis estaduais e municipais), os prazos são contínuos não se interrompendo nos finais de semana e feriados (vide: art. 66, §2º e art. 67 da Lei 9.784∕99). Ademais, não há necessidade dessa aplicação, já que por conta dos princípios da verdade material e do formalismo moderado muitos prazos são impróprios e a Administração pode de ofício suprir os atos processuais extemporâneos.

Excepcionalmente, todavia, o legislador optou por alguns prazos em dias úteis em processos administrativos específicos, como é caso do processo administrativo do CADE (§§1º-2º do Arts. 65; art. 67, caput e §2º; arts 72-74; art. 76, parágrafo único; art. 77; art. 79, parágrafo único e §8º do art. 88 da Lei nº 12.529/2011) e do CARF (§§2º-4º do Art.61 da Portaria MF nº 343/2015). Nesses casos pontuais, será cabível a aplicação supletiva da contagem do prazo em dias úteis (art. 219 CPC/2015).

III-  Juízo de retratação no recurso ordinário (485, §7º CPC/2015)

A Lei nº 9.784∕99 já regulamenta a questão no §1º do artigo.56. Não havendo omissão a ser suprida. Ademais, existe no direito administrativo a previsão do pedido de reconsideração como uma das formas de impugnação das decisões administrativas.

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Sobre o autor
Clóvis Mendes Leite Reimão dos Reis

Mestrando em Direito pela Universidade de Lisboa (UL). Pós-graduado em Direito Público e em Direito Processual Civil. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIMÃO, Clóvis Mendes Leite Reis. Os impactos do novo CPC nos processos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4845, 6 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52510. Acesso em: 22 dez. 2024.

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