As leis penais em branco e o convite à banalização do Direito Penal.

O fenômeno da administrativização do Direito Penal

01/10/2016 às 21:28
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O presente artigo visa apresentar a utilização excessiva da leis penais em branco e a administrativização do Direito Penal na atualidade.

A mutabilidade das relações jurídicas e a morosidade do processo legislativo brasileiro demonstram a viabilidade legislativa das leis penais em branco heterogêneas. Todavia, a utilização das técnicas de reenvio deve ter como parâmetro o bem jurídico a ser tutelado pelo Direito Penal, ainda, a remissão deve ser excepcional e estritamente necessária, em proteção à função garantidora do tipo penal.

As várias mudanças das relações jurídicas aliada à criatividade delitiva dos agentes,  fazem com que o legislador adote providências intervenientes em matéria penal, em concordância com as aspirações sociais, pela  intervenção da grande mídia ou pelo agir pautado em interesses políticos partidários, com clara concepção Lassaliana.

Independentemente do fim a ser perseguido pelo legislador, as leis penais em branco heterogêneas podem ensejar uma rápida intervenção legislativa, por simples alteração do conteúdo das resoluções, portarias ou demais atos administrativos, contudo, desde que satisfeitas as exigências de certeza do tipo penal, consoante ao núcleo essencial da conduta proibida ou ordenada.

O modelo minimalista do Direito Penal contemporâneo deve ser perseguido, juntamente com observância de garantias de política criminal, a limitar o poder punitivo do Estado, pela legalidade estrita, assim, a excepcionalidade da técnica de remissão as normas de complementação das leis penais em branco heterogêneas, deve ser orientada por parâmetros legislativos garantistas, conforme as exigências do Estado Democrático de Direito e de Princípios Constitucionais.

Todavia, esta técnica de reenvio legislativo apresenta largas utilizações na era contemporânea, fruto de uma banalidade administrativa do Direito Penal. Segundo Eugênio Raul Zaffaroni e Nilo Batista, quando assim se teorizou as leis penais em branco eram escassas e insignificantes: hoje, sua presença é considerável e tende a superar as demais leis penais, como fruto de uma banalização e administrativização da lei penal.

Portanto, o uso indiscriminado de normas penais em branco apresenta clara tentativa de manutenção dos poderes da Administração Pública, em especial, no que tange ao Poder de Polícia, constante no art.78 do Código Tributário Nacional, aplicável como norma complementadora ao Direito Administrativo.

O Direito Penal que seria o último ramo do direito a ser invocado contra um fato lesivo individualmente delimitado,  converte-se em um direito de gestão de riscos gerais, vindo, portanto, a ser “administrativizado”. Assim, o uso banal e irrestrito das leis penais em branco, faz com que os destinatários da norma penal, encontrem-se  em uma situação de Direito Penal do risco, que não condiz com a nova concepção garantista de política criminal proposta por Luigi Ferrajoli.

Nesta linha, a Lei 9.605/98, que define os crimes ambientais, demonstra o uso excessivo de normas penais em branco pelo legislador ordinário, nos mais variados tipos penais incriminadores. Com aparente tentativa de “administrativizar” o Direito Penal. Assim, reclamava-se à época da edição da mencionada lei ambiental a ineficácia de normas meramente administrativas, todavia, o legislador ambiental excedeu no uso de tipo penal em branco, com aparente inconstitucionalidade de alguns dispositivos penais.

Assim, na remissão à norma de complementação na mencionada lei ambiental, o legislador utilizou abusivamente de termos no preceito primário do tipo penal, tais como, licenças, permissões, autorização ambiental, leis e regulamentos administrativos, denotando se tratar de lei penal em branco heterogênea, todavia, com viés administrativo-penal, que afronta claramente o Princípio da Intervenção Mínima.

Guilherme de Souza Nucci esclarece que a lei penal não deve ser vista como primeira opção (prima ratio) do legislador para compor os conflitos existentes em sociedade e que, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade, sempre estarão presentes. Portanto, o direito penal não deve atuar primariamente ou juntamente com o direito administrativo, devido ao seu caráter subsidiário, deve ser invocado emultima ratio, quando somente os demais ramos do direito se tornarem insuficientes, em consonância com o Princípio da Fragmentariedade.

Em suma, o fenômeno da “administrativização” do Direito Penal, trata-se, em síntese, do chamamento deste, para auxiliar nas resoluções de contingências sociais, que deveriam ser resolvidos preliminarmente pelos demais ramos do direito.

Assim, o Direito Penal deve ser invocado em ultima ratio, importando-se com a proteção dos bens jurídicos mais importantes e necessários à vida em sociedade. E, por conseguinte, deve a lei penal interferir o mínimo possível na vida dos cidadãos e não deve esta transmudar-se em direito de gestão de riscos gerais, como mero instrumento de manutenção dos poderes da Administração Pública, ou seja, com a finalidade de inibir condutas administrativas de caráter fiscalizatório ou como meio de arrecadação de tributos para os cofres públicos.

Referências

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Ed. Revistas dos Tribunais, 2002. 302-402 p.

LASSALE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2001. 

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Militar Comentado. São Paulo: Ed. Revistas dos Tribunais, 2013. 19 p.

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ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro, Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2003, 205 p. 

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Sobre o autor
Paulo Henrique Ribeiro Gomes

Possui pós-graduação em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-graduação em Filosofia e Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (Seção Minas Gerais). Membro do Instituto de Ciências Penais (ICP).

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