Há algum tempo, as empresas de fomento mercantil têm recebido notificações dos Conselhos Regionais de Administração dos respectivos estados em que têm sede.
Defendem os Conselhos que as empresas de fomento mercantil têm sua atividade ligada essencialmente às atividades privativas do Administrador, devendo, portanto, estarem inscritas no Conselho e recolherem anualmente a respectiva contribuição.
Para melhor entender o que ocorre, explicar-se-á brevemente o tema, iniciando-se com as atividades sujeitas à fiscalização pelos CRA’s e seu limite, passando pela decisão do Conselho Federal em ‘sujeitar’ as factorings ao seu crivo, chegando à conclusão específica da impossibilidade de fiscalização e regulamentação da atividade de fomento mercantil pelos Conselhos de Administração.
As atividades sujeitas à fiscalização e regulamentação
A Lei 4.769/65, que disciplina a profissão de Administrador no Brasil, versa claramente, logo em seu artigo primeiro, que "o desempenho das atividades de Administração, em qualquer de seus campos, constitui o objeto da profissão liberal de Administrador, de nível superior."
Baseado nesse dispositivo legal, o artigo 3.º da mesma lei enumera as atividades profissionais do Administrador, seja como profissional liberal ou empregado, deixando-se claro que o exercício de tais atividades é privativa dos Bacharéis em Administração de Empresas. No mesmo sentido, aliás, são os dispositivos do Decreto 61.934/67.
O grande problema verificado na leitura conjunta dessas legislações é que acaba por deixar excessivamente amplo o campo de atuação privativa do Bacharel em Administração de Empresas, colocando-o como elemento essencial em qualquer Organização.
Idalberto Chiavenato, renomado Administrador e habilidoso escritor, sustenta, logo no início de sua Introdução à Teoria Geral da Administração, que "a tarefa de administrar se aplica a qualquer tipo ou tamanho de organização, seja ela uma grande indústria, uma cadeia de supermercados, uma escola, clube, hospital ou uma empresa de consultoria."
Pode-se ir além do que doutrina Chiavenato: toda e qualquer atividade, seja ela econômica ou não, demanda alguma espécie de administração. Nesse sentido, pense-se na realização de uma festa de aniversário ou casamento. Alguém deve ser responsável pela contratação de fotógrafos, decoradores, a compra de doces e salgados, etc.
Trata-se um evento, sem dúvida, de uma organização que demanda uma boa Administração para que seja bem sucedido. Mas, convenhamos: nem por ser uma organização e por demandar administração alguém se arriscaria a sustentar que é atividade privativa de Administrador.
Da mesma forma, em exemplo mais próximo às atividades econômicas, pense-se em um escritório de advocacia que conte com 2 ou 3 sócios, secretária e um estagiário. Trata-se de uma pequena organização e que demanda o pagamento de salários, repartição de despesas, divisão de lucros e atribuições. Indubitavelmente uma organização e, nem por isso, cogita-se a necessidade de um Bacharel em Administração para exercer a administração do pequeno escritório.
Pois bem, qual o elemento para se limitar a aplicação da Lei 4.769/65 e exigir a obrigatoriedade da presença do Bacharel em Administração em alguma organização pública ou privada?
O registro de empresas nas entidades fiscalizadoras do exercício de profissões
Muito se debate sobre o que se utilizar para definir a necessidade de registro de empresas nas entidades fiscalizadoras do exercício de profissões.
A verdade é que essa questão acaba por estar ligada intimamente à anterior: se há necessidade de uma empresa estar registrada junto à entidade fiscalizadora, logo, haverá também a necessidade de profissional devidamente registrado, posto que se estará tratando de atribuição exclusiva.
Ciente da dificuldade encontrada na simples análise dos textos legais que instituem as profissões e entidades fiscalizadoras, promulgou-se a Lei 6.839, de 30 de outubro de 1980, a qual arremata:
"Art. 1.º O registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros."
Consolidando e demonstrando a atualidade do artigo 1.º da Lei 6.839/80, o Superior Tribunal de Justiça, em notícia divulgada no final de fevereiro, consolidou: a atividade básica da empresa é que determina o conselho a que deve se registrar.
Destarte, haveria de indagar, caso a caso, se a atividade econômica exercida pela empresa estaria ligada às atividades privativas da profissão regulada e sujeita à fiscalização de algum Conselho.
A decisão do Conselho Federal de Administração pelo registro das empresas de Fomento Mercantil
Em 1997, o Conselho Regional de Administração do Estado de Alagoas, formulou consulta ao plenário do Conselho Federal de Administração (proc. 2188/97), indagando sobre o registro ou não das empresas de factoring nos CRA’s.
O resultado da consulta foi, por maioria de votos, a obrigatoriedade do registro das empresas de factoring nos CRA’s. Segundo o Relator, Administrador Rui Ribeiro de Araújo, estaria caracterizada a prestação de serviços de Administração, notadamente nos campos mercadológico, financeiro e de pessoal, atividades, segundo relator, típicas do profissional Administrador.
Num segundo momento, já em 2002, o Conselho Federal de Administração publicou o Ato Deliberativo CFA n. 17/2002, sustentando que não haveriam de se diferenciar as empresas de factoring, fossem elas puras (convencional) ou mistas (que envolvem prestação de serviços), sustentando que a Lei 8.981/95 não prevê duas modalidades de factoring.
Foi em razão de tais decisões que os Conselhos Regionais de Administração, em todas as Unidades da Federação, passaram a autuar e multar as empresas de factoring que não se encontrassem inscritas no respectivo Conselho, muitas vezes sem sequer dar-lhes o Direito à defesa.
A discussão em Santa Catarina
Em Santa Catarina, pode-se acompanhar a Ação Judicial intentada pelo Sindicado das Sociedades de Fomento Mercantil da Região Norte e Centro Oeste do Estado de Santa Catarina (SINFAC-NCO), patrocinada pelo Dr. Antonio Carlos Donini.
Na ação, deixa-se claro a existência de duas situações: a primeira, que a atividade desempenhada pelas factoring não envolve administração. A segunda que, caso se forçasse em buscar alguma conexão entre as atividades, haveria de se diferenciar as modalidades de factoring, o que não de forma alguma é feito pelos Conselhos de Administração.
O processo tramita na Justiça Federal e foi distribuído à Terceira Vara Federal de Florianópolis, onde aguarda desde setembro do ano passado seu julgamento definitivo.
A impossibilidade de sujeição das empresas de Fomento Mercantil aos Conselhos (Federal e Regionais) de Administração
Por tudo o que se consignou até aqui, resta-nos concordar com os argumentos encampados na Ação Judicial promovida pelo SINFAC-NCO, em especial, no sentido de que a atividade desempenhada pelas factoring não envolve administração.
Mas há de se explicar, tomando-se por base as decisões do STJ e Lei 6.839/80: não se trata a Administração de atividade-fim (atividade básica) das empresas de factoring, independentemente de sua natureza, mas meramente de atividade-meio.
Entender possível a inscrição da empresa em Conselho meramente por atividade-meio, ou atividade correlata (ou conexa), seria admitir sua necessidade de registro também na Ordem dos Advogados do Brasil (já que necessita-se de algum conhecimento jurídico, em especial, títulos de crédito). Quem sabe em um CORECON (Conselhos Regional de Economia), já que a análise do crédito e risco envolve um apurado conhecimento da economia ou, ainda, o registro nos Conselhos Regionais de Contabilidade.
Todas essas atividades são exercidas não como atividades-fim, mas como instrumentos de auxílio nas operações de factoring. Nem por isso pensa-se no registro das empresas de Fomento Mercantil em qualquer deles.
Pelo exposto, por mais esforço que se faça, não se poderia em hipótese alguma considerar a atividade de fomento mercantil sujeita ao regramento e fiscalização pelos Conselhos de Administração, visto que a atividade por eles exercida (atividade básica) não está ligada a qualquer atividade privativa de Administrador.