O surgimento da pena de prisão e uma análise sobre a frequente legitimação do caráter retributivo da pena

03/10/2016 às 14:40
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O presente trabalho busca analisar a expectativa criada em torno da pena de prisão que implantou na punição um caráter utilitarista, a fim de visualizar como, após anos de pena de prisão, ainda se legitima um caráter retributivo à pena.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como finalidade analisar a história das penas até a implantação da pena de prisão, que introduziu o caráter utilitarista à pena e por que existe uma frequente busca pelo caráter retributivo. Por isso, o trabalho estruturou-se pelo método de abordagem dialético, visto que a partir da análise histórica se visualiza uma tese que em confronto com a realidade, demonstra uma antítese e a conclusão se forma em uma fusão de ambas, dando origem a uma síntese. Além disso, foi utilizado o método de procedimento histórico, pois se realiza uma análise das informações extraídas com a finalidade de relacionar os fenômenos do passado que possam ter influência no cenário atual.

Sabe-se que por muito tempo a principal forma de punição se fazia direcionada ao sofrimento do corpo. A ineficiência das penas corporais proporcionou, gradativamente, uma evolução na forma de punir. Resultado disso foram a aplicação da pena de prisão como punição e, com ela, o surgimento de um caráter utilitarista à pena. O surgimento da prisão como forma de punição, em tese, se deu com o objetivo de efetivar o caráter utilitarista da pena. No entanto, a realidade demonstra uma frequente legitimação da pena como forma de retribuição social. O que se pode notar é que o caráter utilitarista da pena de prisão não possui credibilidade social o que resulta em um excessivo clamor pelo caráter retribucionista da pena.

1 SÍNTESE HISTÓRICA DAS PENAS

Quando o assunto versa sobre as penas, sua forma de aplicação ou seu lugar de cumprimento se faz necessária uma análise histórica. Deve se esclarecer quais eram seus objetivos e quais foram suas formas de aplicação. Imperioso analisar estas fases, pois assim fica mais fácil compreender as mudanças no caráter da pena e de que modo se mostrou necessário modificar o sistema punitivo que imperou por séculos e, então visualizar as influências do passado nos dias atuais.

Abandonar em primeiro lugar a ilusão de que a penalidade é antes de tudo (se não exclusivamente) uma maneira de reprimir os delitos e que nesse papel, de acordo com as formas sociais, os sistemas políticos ou as crenças, ela pode ser severa ou indulgente, voltar-se para a expiação ou procurar obter uma reparação, aplicar-se em perseguir o indivíduo ou em atribuir responsabilidades coletivas. (FOUCAULT, Michel, 2011, p. 27)

Nos períodos entre a Antiguidade e a Idade Moderna, a sociedade praticamente não conheceu a privação da liberdade como sanção penal. Explica Amaral (2013, sp), que durante a antiguidade a prisão era o local em que o supliciado aguardava seu destino, o cumprimento da sentença, que eram castigos corporais ou a morte, característico de penas aflitivas, em que imperava o caráter retributivo da pena.
Na Idade Média os moldes eram semelhantes.

Até basicamente o período iluminista, as penas possuíam um caráter aflitivo, ou seja, o corpo do homem pagava pelo mal que havia praticado. Seus olhos eram arrancados, seus membros mutilados, seus corpos esticados até destroncarem-se, sua vida esvaia-se numa cruz, enfim, o mal da infração penal era pago com o sofrimento físico e mental do criminoso. (GRECO, 2015, p. 86)
Tais formas abusivas de punir que se deram na Antiguidade até a Idade Moderna, são oriundas de um Estado de Direito que sustentava, em sua concepção formal, qualquer forma de Estado, podendo ele ser autoritário ou não. Desta forma, a única garantia existente era a fixação de leis que regiam a sociedade e as atividades do Estado, porém bastava a vontade do Estado e as leis poderiam ser mudadas. (GRECO, 2015, p 3).

Ainda sobre a Idade Média (GRECO, 2015, p. 100) afirma que,


foi o período no qual se utilizaram os mais terríveis tormentos e em que não se cogitava de cuidar do ser humano de forma digna, uma vez que a própria comunidade onde o acusado encontrava-se inserido demandava por um espetáculo de horrores.

As sanções eram determinadas de acordo com o arbítrio dos governantes. Porém, com o avançado do século XVI, os juízes não só aplicavam a pena pela culpabilidade do agente, mas por sua periculosidade, sendo assim, usou-se sucessivamente a pena de morte. (Bitencourt, 1993, p. 7)

A Idade Média foi caracterizada por um direito ordálico, ou seja, associavam a comprovação da maldade do indivíduo por Deus tê-lo abandonado. Faziam crer, os executados, que se não fossem salvos no momento do suplício era porque Deus os havia renegado. E, para tanto, essa era prova suficiente de sua maldade, visto que se fosse um bom homem, nada lhe causariam aqueles suplícios. (BITENCOURT,1993, p. 11).

Além disso, nesta época, as punições estavam diretamente ligadas a forma econômica implantada, quando se tratava de economia servil era de grande valia os trabalhos forçados. (FOUCAULT, 2011, p. 28).

Nesse mesmo contexto, juntamente com as mudanças nos sistemas econômicos, se tratando do período de transição entre os séculos XIV e XV, surgimento do capitalismo, houve um aumento exacerbado de crimes cometidos pela classe pertencente ao proletariado empobrecido. Desta forma, fez-se necessário uma rigorosa mudança nos métodos, que fariam da administração penal mais efetiva. (RUSCHE; KIRCHHEIMMER, 2004, p. 31).

Com essa transição e o surgimento do capitalismo:


A fiança evoluiu de uma compensação à parte prejudicada para um meio de enriquecimento de juízes e oficiais de justiça. Na prática, era reservada aos ricos, enquanto o castigo corporal tornou-se a punição para os pobres. Quando o crime crescia entre as massas, as diferenciações na punição tornavam-se mais marcantes. (RUSCHE; KIRCHHEIMMER, 2004, p. 34)
Essa diferenciação na hora de punir “não se trata, pois, de 'explicar' causalmente a criminalidade, mas de instrumentalizar e justificar, legitimando-a, a seleção da criminalidade e a estigmatização dos criminosos operada pelo sistema penal”. (ANDRADE, 2003, P. 59)

Tal realidade, presente no cenário mundial não tinha diferença em nosso panorama nacional.


O Brasil imperial, todo sistema penal respondia à ordem escravagista, cujo poder estava circunscrito a propriedade e por consequência, manipulado por seus proprietários. Com pouca separação entre a pena pública e o castigo doméstico, a punição centrava-se no corpo, impondo dor, mutilação ou morte ao acusado. (WOLF, 2005, P. 118)

Somente diante da era industrial, no século XIX – no Brasil, entre a transição do século XIX e o XX –, é que se abriu mão dos castigos extremamente corporais e do trabalho forçado, pois a economia necessitava de mão de obra livre. Essa mudança se fez com o mesmo intuito da do século XVI, quando o baixo volume populacional, fruto das guerras que atingiram as sociedades, contribuiu para que diminuísse a aplicação da pena de morte. Nesse viés, no século XIX, a falta de mão de obra atrapalharia esse período transitório do capitalismo, logo, se fez necessário essa mudança, que resultou no surgimento da detenção como forma de punição. (FOUCAULT, 2011, p. 28).

Com o advento das casas de correção resolveu-se o problema da falta de mão de obra e do seu alto valor. Assim, se legitimava o trabalho forçado como uma forma de ressocializar o indivíduo para que ele, posteriormente, voltasse ao mercado de trabalho espontaneamente, pois


Seu objetivo principal era transformar a força de trabalho dos indesejáveis, tornando-a socialmente útil. Através do trabalho forçado dentro da instituição, os prisioneiros adquiriram hábitos industriosos e, ao mesmo tempo, receberiam um treinamento profissional. Uma vez em liberdade, esperava-se, que eles procurariam o mercado de trabalho voluntariamente. (RUSCHE, KIRCCHEIMER, 2004, p. 68-69).

Logo, é clara a influência do sistema econômico na atribuição da pena a ser aplicada, trazendo a ela, além de uma função social uma econômica.


A relação é a seguinte: quanto menos mão-de-obra a sociedade possuir, melhor será a vida dos presos e internos (melhores condições de saúde e higiene, alimentação, penas corporalmente menos destrutivas...). Quanto maior for a reserva de mão-de-obra, mais severas serão as penas e a condição de vida de presos e internos. Esse é o valor econômico da vida humana – lei da oferta e da procura. (SÁ; SHECAIRA, 2008, p. 6)

Porém, mesmo perante a humanização da pena marcada pelo surgimento da prisão e tão logo pela utilização da punição com caráter utilitarista e não retributivo. No início do século XIX, houve uma intensa aplicação deste meio de punição, sendo assim, essa poderia ser sua maior crítica, visto que, com o surgimento da prisão foram esquecidas todas as outras formas de punição imaginadas pelos reformadores do século XVIII.


No século XX, bem como o início do século XXI, foi marcado por tentativas de fazer com o que o condenado, após o cumprimento de sua pena, pudesse voltar ao convívio em sociedade. A busca pela ressocialização fez com que fossem implementadas, em muitos países, politicas prisionais destinadas à capacitação do egresso, permitindo-lhe, ao sair do sistema, buscar alguma ocupação lícita. [...] em grande parte dos países, tal projeto não logrou êxito, uma vez que a falta de condições mínimas para o cumprimento da pena de privação de liberdade fez com que, basicamente, o plano ressocializador fosse deixado de lado. (GRECO, p. 105).

Ou seja, ao deixar cair no esquecimento ou não buscar outras formas de punir, solidificou-se a prisão como mola mestra das punições desde os primórdios. E hoje a sociedade se encontra refém de uma “cultura do encarceramento”. Porém, diante da negligência estatal, não se confia na efetividade da pena de prisão, tão logo, constantemente se volta a legitimar o sofrimento do corpo como complemento da pena privativa de liberdade, e dessa forma trazendo à pena o caráter retributivo em face do utilitarista que visa a ressocialização.

2 O CARÁTER UTILITARISTA DA PENA DE PRISÃO E A FREQUENTE NECESSIDADE DE LEGITIMAR O SISTEMA RETRIBUTIVO DA PENA

Quando o assunto é direito penal e punição, é evidente que se trata da transgressão de alguma norma extremamente importante para a vida em sociedade. Uma norma estabelecida a partir do contrato social, que determinava quais condutas não eram aceitáveis para se viver harmonicamente em sociedade. Tão logo, falar de história é inevitável e para tanto é importante ressaltar o caráter da pena e qual o seu objetivo no decorrer do tempo.

Na Antiguidade e até o fim da Idade Média a legitimação da pena era de um sofrimento retributivo do corpo. Porém, antes da Lei de Talião a justiça era privada e
completamente desmoderada, havendo suplícios absurdos e desmedidos ao cometimento de certos crimes.
Com o surgimento da Lei de Talião e seu lema “olho por olho, dente por dente” a pena manteve seu caráter retributivo de sofrimento do corpo, contudo foi instituída uma certa proporcionalidade a ela. “A vingança privada não guardava proporção com o mal recebido, gerando, por isso, conflitos gregários intermináveis. Daí o surgimento do talião, para delimitar o castigo, adequando a vindita ao mal recebido”. (Fernandes; Fernandes, 2002, p. 650).

Nessa época, se entendia que, quando um sujeito cometia um crime ele afrontava toda a sociedade, não apenas a vítima da sua conduta. Para tanto ele se tornava inimigo de todos, devendo ser punido com a finalidade de retribuir à sociedade o sofrimento que sua ação causou. (FOUCAULT, 2011, p. 38)

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Nessa época, a tortura era usada tanto como punição como forma de conseguir a confissão do acusado. Tão logo, diante da influência religiosa nesta época, quando um sujeito aguentava os suplícios sem confessar, era considerado inocente, como se Deus o tivesse protegido.


A tortura judiciária, no século XVIII, funciona nessa estranha economia em que o ritual que produz a verdade caminha a par com o ritual que impõe a punição. O corpo interrogado no suplício constitui o ponto de aplicação do castigo e o lugar de extorsão da verdade. (FOUCAULT, 2011, p. 43)

Com o tempo, a prática dos suplícios foi se esvaindo, foi percebido que as cerimônias penais estavam aproximando a população da ferocidade que o Estado tanto queria afastá-las. Além disso, atribuíam ao carrasco e ao Juiz os papéis de assassinos, essa inversão, em um último momento, explica a escolha da população pelo condenado. Ora, o indivíduo não poderia matar outrem, todavia se o fizesse o Estado tinha legitimidade, autonomia e consentimento da sociedade para torturá-lo até a morte. (FOUCAULT, 2011, p. 14).

Frente ao surgimento do Século das Luzes pode se notar a presença da razão em teorias que visavam demonstrar um novo caráter à pena, um caráter utilitarista. “O fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um delito já cometido. [...] é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo. ” (BECCARIA, 1998, p. 62).

O que se deve aproveitar dos suplícios é sua clara e notória ineficácia, visto que a punição se tornou a parte mais velada do processo penal. O importante é vinculá-la a fatalidade e não à intensidade visível, como afirma Foucault (2011, p.14) “a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o terrível teatro”.

Em defesa ao caráter utilitarista da pena, Fernandes e Fernandes (2002, p. 657 aludem, “a sanção não pode ter apenas caráter retributivo (o mal da pena pelo mal do delito), devendo ter um fim utilitário: a reeducação e recuperação do apenado”.

Não só de suplícios viveu a história da pena, pois a morte, por muito tempo, foi uma punição legitimada. Devido a expiação que sofriam os condenados diante dos suplícios, a morte, sem sofrimentos preliminares e da forma mais rápida possível, foi considerada uma evolução frente as torturas.


[...] passou-se a reconhecer direitos inatos ao ser humano, que não podiam ser alienados ou deixados de lado, a exemplo de sua dignidade, do direito de ser tratado igualmente perante as leis etc. Até mesmo no que dizia respeito à pena de morte, algumas formas de aplicação foram sendo aperfeiçoadas, com a finalidade de trazer o menor sofrimento possível para o condenado, como ocorreu com a criação da guilhotina. (GRECO, 2015, p. 87).

Para Beccaria (1998, p. 95) a pena de morte é como uma guerra da nação contra um indivíduo que ela julga útil destruir, para tanto, ele afirma que não é a intensidade da pena que define quão eficaz serão seus efeitos e sim a extensão dela. Ainda assim, frente a constatação de que a pena de morte fracassou nos diversos momentos em que foi empregada na história e que nunca impediu os indivíduos de ofender o contrato estabelecido em sociedade, há quem defenda sua aplicação.

Aos defensores da pena de morte, Amaral (2013, sp) afirma que no período entre os séculos XV e XVIII, “período de transição”, no qual ocorreu forte aumento do comércio, da população e houve grande desenvolvimento das manufaturas, já se percebeu que a pena capital era ineficaz na contenção da criminalidade que vinha aumentando. Além disso,


Os efeitos intimidativos da pena de morte podem ser considerados nulos, posto que, nos países em que havia execuções públicas, contrariamente à repulsa e ao terror, a aplicação da pena capital transformava-se em evento espetacular, no qual as pessoas disputavam com avidez os melhores lugares. (TASSE, 2003, p. 82).

Desta forma, faz crer que a pena capital nem de longe é a solução para o problema social da criminalidade. Então, em meados do século XIX, como fruto do século das luzes, que trouxe a razão como nova base para a conduta social, as penas aflitivas se mostraram extremamente desproporcionais à evolução que o movimento trazia. Surgiu, então, com Cesare Beccaria, o caráter utilitarista da pena.

E, diante disso, deu-se o surgimento da prisão-castigo e, esquecendo-se das demais formas de punição possivelmente aplicadas, tornaram-na a principal e mais utilizada forma de pena.


[...] a pena não mais se centralizava no suplício como técnica de sofrimento; tomou como objeto a perda de um bem ou de um direito. Porém, castigos como trabalhos forçados ou prisão – privação pura e simples da liberdade – nunca funcionaram sem certos complementos punitivos referentes ao corpo: redução alimentar, privação sexual, expiação física, masmorra. (FOUCAULT, 2011, p. 20).

Ou seja, nunca se acreditou na pena privativa de liberdade, no seu poder de redimir o indivíduo. Então, mais fácil legitimá-la e complementar com alguns castigos mais diretamente aplicados ao corpo, do que estudar medidas alternativas de readaptação do delinquente.

Mesmo deslegitimados, os suplícios têm influência nos dias atuais, em algumas situações uma influência positiva, tendo em vista que uma pequena parcela da população tem consciência de que a pena deve vir com o objetivo de ressocialização e não com caráter retributivo, para satisfação do desejo de vingança da sociedade.

Porém, não raramente se vê opiniões públicas favoráveis a forma degradante com que o sistema prisional recebe seus detentos, como se dessa forma estaria se praticando uma defesa social. Há, alguns, que defendem a necessidade de a pena ser atribuída com um caráter retributivo, visto que encontra nessa retribuição uma forma de satisfazer o mal do crime causado a toda sociedade, com o mal da pena.

“A defesa social é, portanto, uma ideologia extremamente sedutora, enquanto é capaz de enriquecer o sistema repressivo (vigente) com os atributos da necessidade, da legitimidade e da cientificidade”. (ANDRADE, 2003, p. 60).

As teorias absolutas vêem a pena como consequência do crime: é o mal justo como contraprestação do mal injusto, ou seja, a punição do delito. Negando os fins utilitários da pena e estribando-se numa exigência de justiça, as teorias absolutas justificam a pena por sua natureza retributiva.(FERNANDES; FERNANDES 2002, p. 656)

Aduz Boschi (2004, p. 110) que, “aceitar a retribuição do mal com o mal implica 'legitimação' da vingança pelo Estado, dispensando-se o ofendido de manchar ele próprio suas mãos com o sangue da vítima”.

O que se vislumbra nos dias de hoje é que “ainda que se reconheçam fins preventivos – gerais ou especiais – para a doutrina tradicional, a pena é concedida como um mal que deve ser imposto ao autor de um delito para que expie sua culpa”. (BITENCOURT, 1993, p. 102).

Frente a tantas defesas de um sistema de punição retributivo, vive-se a legitimação da punição da alma.

A mente, não o corpo, o ator, não o ato, foram objetos judiciais. O delinquente avaliado é examinado e normalizado – sua “alma” é exibida no Tribunal. Isto não é só para explicar sua ação ou para estabelecer circunstâncias atenuantes, nem para humanizar a cara da justiça, mas para reorganizar de novo a economia do castigo. (COHEM, apud Wolff, 2002, p. 145).

É fato que a pena possui uma função social, porém parte da sociedade a legitima como retributiva, que visa a prevenção do delito, seja ela especial, para que o apenado não cometa mais crimes, seja geral, para que a sociedade aprenda com o crime e a punição do apenado e não aja da mesma forma.

Não é incomum na prática judiciária brasileira, a utilização da noção prevencionista geral de forma absoluta, absurdamente, sem observar a culpabilidade, agravando o Juiz a pena do condenado, argumentando para tanto que razões de prevenção geral justificam o maior rigor da reprimenda. (TASSE, 2003, p. 72).

Frente a tese legal de punição com caráter utilitarista, a prisão teria como função ressocializar o apenado, trazê-lo de volta a sociedade preparado e reequilibrado com condições de viver em harmônico convívio social. Porém, não é isso que ocorre, o descaso estatal e o despreparo do sistema vêm deteriorando ainda mais a personalidade dos apenados.

Diante desse quadro, vive-se em altos índices de criminalidade, na falta de confiança na manutenção da segurança de modo geral que leva a sociedade, em sua grande maioria, descrer na função da pena privativa de liberdade, legitimando mais uma vez, a volta das penas aflitivas e até mesmo a pena de morte.

Agora, não mais como forma de castigo legal e público, o suplício é envolvido numa rede de ilegalidades consentidas e defendidas pela sociedade. [...] Funcionando como reforço do controle e do poder de polícia, o suplício e a tortura são, contraditoriamente, exercidos pelas instituições encarregadas de defender a sociedade e de levar a cabo seus preceitos de justiça. (WOLFF, 2002, p. 119).

Contudo não é isso que o Estado Democrático de Direito estabelece, a punição tem como objetivo proporcionar a ressocialização do indivíduo e não se deve esquecer que, mesmo diante de um violador da norma, trata-se de um ser humano, com direitos fundamentais pré-estabelecidos. “Certamente o Estado pode privá-lo de sua cidadania, porém isso não implica que esteja autorizado a privá-lo da condição de pessoa, ou seja, de sua qualidade de portador de todos os direitos que assistem a um ser humano pelo simples fato de sê-lo”. (ZAFFARONI, 2007, p. 19).

“O certo é que para todas as correntes retribucionistas, quer na expiação quer na compensação, o que justifica a pena sempre vai se relacionar com a busca pela concretização da justiça e não com qualquer fim utilitário”. (GUIMARÃES, 2007, p. 104).

Essa corrente explica o fato de uma parcela da sociedade defender a pena com caráter retributivo, pois não consegue visualizar a possível readaptação do indivíduo para conviver em sociedade.

CONCLUSÃO

Inicialmente, o objetivo foi estabelecer uma evolução histórica da pena, desde a utilização das penas aflitivas até a implantação da prisão como forma de punição. Essa análise histórica se faz necessária visto que se viveu séculos de penas cruéis, de retribuição do corpo e expiação da culpa.

A chegada do século das luzes trouxe o uso da razão para as sociedades e a pena foi sofrendo uma gradual mudança, tornando-se menos cruel e, consequentemente, mais humana. Paulatinamente foram se proibindo as penas corporais, as torturas e a pena de morte, tornando-se mais frequente a privação da liberdade, por meio da pena de prisão.

Esta mudança se deu pela conscientização de um movimento que defendia a implantação de um caráter utilitarista da pena, como forma de prevenção de delitos. Procurou mostrar-se, também, que mesmo diante desta grande evolução, ainda se vive uma cultura clássica que clama pela característica de retribuição das penas. A função ressocializadora mascara a falência da pena de prisão e a sociedade não vislumbra qualquer outra solução para a criminalidade.

A negligência estatal faliu, ainda mais o sistema punitivo, os altos índices de violência alimentam a cultura do encarceramento e, ainda, com o aumento da reincidência, a descrença acerca da pena de prisão só aumenta. Desta forma, a sociedade não consegue visualizar outra solução que não a pena com base em um caráter retributivo, mesmo sendo isso um grave retrocesso social.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Claudio do Prado. Evolução Histórica e perspectivas sobre o encarcerado no Brasil como sujeito de direitos. Disponível em: <www.gecap.direitorp.usp.br>. Acesso em: 25 mai 2015.

ANDRADE, Vera Regina P. de. Sistema penal máximo x Cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre; Livraria do advogado, 2003.

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. Livraria Martins Fontes Editora, São Paulo, 1998.

BITENCOURT, Cezar R. Falência da Pena de Prisão: Causas e Alternativas. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1993.

BOSCHI, José A. P. Das penas e seus critérios de aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter. Criminologia Integrada, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 39ª ed. Editora Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro, 2011.

GRECO, Rogério. Sistema Prisional: colapso atual e soluções alternativas. Editora Impetus, Niterói, RJ, 2015.

GUIMARÃES, Alberto G. Funções da pena privativa de liberdade no sistema penal capitalista. Rio de Janeiro: Revan, 2006

RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER Otto. Punição e Estrutura social. 2ª ed., Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004.

SÁ, Alvino A. de; SHECAIRA, Sérgio S. Criminologia e os problemas da atualidade. São Paulo: Atlas, 2008.

TASSE, Adel El. Teoria da pena. Curitiba: Editora Juruá, 2003.

WOLFF, Maria P. Antologia de vidas e história da prisão: Emergência e Injunção de Controle Social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005

ZAFFARONI, Eugenio Raul. O inimigo do Direito Penal. Col. Pensamento Criminológico. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2008.

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Sobre a autora
Gianna Lopes Pedroso

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Franciscano - UNIFRA, Santa Maria, RS.Advogada

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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