A prevalência do vínculo afetivo na filiação do Brasil

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O artigo vem destacar a prevalência do vinculo afetivo sobre o vínculo sanguíneo nas decisões do STF atuais, bem como mostrar o histórico evolutivo de tais decisões e o efeito que têm dado tais decisões nas familias brasileiras.

Resumo: O objetivo do presente trabalho é demonstrar a relevância da paternidade socioafetiva sobre a paternidade meramente biológica ou registral. Diante da evolução da instituição familiar e da sociedade, a família passa por novas formações, preservando o vínculo criado através do afeto entre os sujeitos dessa relação. Não devendo-se confundir o mero registro civil como fator determinante da paternidade, nem tampouco a descendência sanguínea como solução para fixação desta.

Palavras-chave: paternidade socioafetiva; direito registral; filiação.

1 - INTRODUÇÃO

O objetivo principal deste projeto é estudar a evolução e aplicação das decisões do STF no âmbito das fontes de filiação familiar, tendo como ênfase principal a sua eficácia no cotidiano da sociedade e das famílias que se envolvem com as sentenças proferidas. Ao tratarmos sobre filiação devemos ter conhecimento da existência das espécies jurídicas existentes no ordenamento brasileiro, sendo elas: jurídica, biológica e socioafetiva, cada qual com seus conceitos e efeitos.

A jurisprudência, e a própria legislação que veio após o Código Civil de 1916 facilitaram as negatórias de paternidade presumida e assim possibilitaram uma maior eficiência nas investigações de paternidade, diante das evidencias de erros e falsidades ideológicas. Porém, predomina-se hoje a identidade socioafetiva, sendo ela o componente maior da identidade real das pessoas. Tal identidade se baseia na própria convivência entre as pessoas, desde que não contrarie de forma violenta ou criminosa a identidade jurídica ou biológica.

O maior exemplo que podemos observar o predomínio da filiação socioafetiva está presente no ato de adoção, uma forma de filiação não biológica, porém, jurídica. As decisões dos tribunais com um grande apoio da doutrina é cada vez mais valorizar a filiação socioafetiva a ponto de predominar no conflito com a biológica. O julgador não pode deixar de observar a realidade do direito ao ponto que suas decisões proferirão efeitos sobre um caso real.

Importante salientar que assim como as famílias vem mudando, os núcleos das próprias famílias também vieram sofrer alterações em suas estruturas e composição, onde os núcleos familiares passaram a valorizar um fator importante para sua formação: o amor, o afeto. Contudo, para que seja firmada tal formação alguns pontos são destacados, dentre os quais:  I) a posse do estado de filho; II) a valorização do afeto como valor formador do núcleo familiar; III) o estado de filiação.

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA E REFERÊNCIAS JURÍDICAS

As primeiras civilizações viviam em clãs, homens e mulheres se relacionavam entre si, dentro dos grupos, não havia formação de família. Com o passar dos tempos, o homem passou a exercer o domínio da terra, fixando-se nelas em busca de trabalho para garantir sua subsistência, onde fez com que surgissem as famílias monogâmicas - o homem é marido de uma só mulher - assumindo o papel de grupo social, acolhendo-se todos os entes nascidos naqueles grupos. O modelo de família brasileiro origina-se da família romana.Com o Direito Romano, houve a sistematização de normas severas que tornaram a família uma instituição patriarcal.

O pai ocupava a posição de chefe da família, detinha o poder sobre os demais integrantes de seu grupo familiar. Na sociedade romana, machista e elitista, os poderes patriarcais eram transferidos ao filho, primogênito, homem e na falta deste, a outro integrante do grupo, desde que varão. No Direito Romano, existiam duas formas de parentesco civil: a agnação, traduzida no conjunto de pessoas lideradas pelo mesmo pai, independente da relação sanguínea, sejam eles biológicos ou não. Possui um caráter artificial. E a cognação, que era o parentesco vinculado pelo sangue. No antigo direito romano, era reconhecido juridicamente apenas a cognação, passando a terem direitos sucessórios, alimentares e, ainda, a possibilidade de solução dos conflitos advindos do abuso do pátrio poder, por um juiz.

Com a evolução, a estruturação da família passou por inúmeras alterações. A forma de tratar os filhos foi inovada. Educar, cuidar, amar, zelar pelo bem estar da criança, tudo passou a ter relevância para essa nova concepção familiar. A influência da religião trazida com o Cristianismo foi também fator determinante nessa transição, integrando a família: o marido, a mulher e o filho, laços formados pelo casamento religioso, através do sacramento.

As mudanças nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) vem mostrando grande relevância na atualidade no que diz respeito as relações socioafetivas, assim como em que pese essas decisões vêm afetar o meio familiar e qual sua importância em relação aos demais métodos de filiação existentes no ordenamento brasileiro tem gerado uma repercussão positiva .

 Ao estudarmos e analisarmos o Código Civil de 1916 veremos as formas de filiação que o ordenamento traz para os filhos, sendo os mesmos considerados legítimos (havidos sob o casamento civil dentro dos prazos estabelecidos),legitimados (resultado do casamento dos pais, concebidos ou nascidos),ilegítimos ( concebidos fora do casamento),naturais ( havidos de pais solteiros ou equiparados),adulterinos (resultante de adultério de um dos pais ou de ambos) e adotivos (a partir da filiação civil, socioafetiva).

Diante de tamanha variedade de relações de filiação, os conflitos e problemas acabavam por gerar vários resultados complexos. Coube a evolução cientifica abrir novas fontes de filiação, de um lado podemos encontrar a própria fonte de filiação da vida humana sendo ela a fecundação artificial, inclusive a criação de embriões humanos in vitro nos laboratórios, por outro lado temos a descoberta do DNA ou do código genético dos filhos, o que possibilita a identidade cientifica de seus pais. Enorme foi a evolução dos estudos com o passar dos tempos o que nos possibilitou evoluir da filiação jurídica para a filiação biológica ou presumida.

O Supremo Tribunal Federal sempre reconheceu a decadência do direito que trata o Artigo 338 do Código Civil de 1916, onde o mesmo alega que:

Art. 338. Presumem-se concebidos na constância do casamento:

I - os filhos nascidos 180 (cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal (art. 339);

II - os nascidos dentro nos 300 (trezentos) dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite, ou anulação.

                Onde atribui ao marido (pai), privativamente, o direito de contestar a legitimidade dentro dos prazos estabelecidos. Porém, é importante ressaltar que ocorre a falta de relevância dada a tese do ato jurídico consumado desde que já havia a vigência do Código Civil de 1916. Contudo, devem ser destacados em matéria de negatória de paternidade os novos recursos do DNA quando os mesmos são disponíveis, lembrando que tal prova, não tem um valor absoluto nas circunstancias  levando em consideração os novos rumos da filiação socioafetiva na vida moderna, é de se destacar uma ‘’ nova virada’’ da doutrina e da jurisprudência.

O Brasil, em seu Código Civil de 1916 traz o modelo da “grande família”, a qual era vista como instituição, onde não havia preocupação com a realização pessoal de seus membros, uma vez que, a proteção dos direitos patrimoniais preponderava sobre os direitos pessoais. Nesse modelo adotado, é possível citar Calderón (2013, p. 230-231), onde alega:

[...] a prevalência do homem era quase absoluta, exercendo todas as funções públicas da família, restando para a mulher apenas a administração do lar, sempre de forma relativa e secundária. Na regulação da filiação, a tutela visava preservar mais a família enquanto instituição do que os indivíduos como pessoa, de modo que foi adotado um estatuto plural da filiação (com odiosa distinção entre categorias de filhos: legítimos e ilegítimos) e a subsequente ausência de amparo ao filho adulterino.

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Baseado em sumulas e decisões atuais de jurisprudências, importante destacar o poder que tais decisões tem trago ao cotidiano de quem se submete ao julgamento dessas sentenças, com isso é possível explicitar o que se alega no exemplo seguinte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS CUMULADA COM RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIO-AFETIVA. PLANO DE SAÚDE. PRETENSÃO DE MANUTENÇÃO DOS FILHOS DA EX-COMPANHEIRA. DESCABIMENTO.

Considerando que o divórcio implica na perda da qualidade de dependente, conforme previsão contida no Estatuto da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, merece ser mantido a decisão vergastada.

NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO. [...]

Vistos.

Trata-se de agravo de instrumentos de PAULA C. T. e GUSTAVO C. T. inconformados com a decisão da fl. 57 que nos autos da Ação de Alimentos movida em face de LUCIO F. P., indeferiu o pedido de manutenção no plano de saúde que este disponibilizava em favor daqueles.

Sustentam que o agravado adotou os agravantes como se seus filhos fossem, através da paternidade socioafetiva, tanto que sempre foi o provedor do núcleo familiar. Alegam que vinham sendo amparados pelo plano de saúde, o qual foi cancelado. Referem que o direito ao plano se consolidou pela passagem do tempo. Pedem, por isso, o provimento do recurso (fls. 02/04).

Juntam os documentos das fls. 05 a 58.

É o relatório.

Possível destacar ainda que todo o esforço para lograr êxito fez com que fosse possível as mudanças no Código Civil, como resultado, consagrou o fim da longa caminhada em busca da paridade da filiação, garantindo aos filhos, os mesmos direitos e apresentou um novo conceito de família com o passar dos anos, instaurando a igualdade entre o homem e a mulher, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros, reconhecendo a relevância do mundo fático há tanto tempo desamparado pelo mundo jurídico.

Duas propostas podem ser consideradas revolucionárias, se levado em consideração os valores que são pregados pelo Código Civil de 1916: a primeira vem com o artigo 226 que consagrou a proteção à família e incluiu no contexto constitucional o conceito de entidade família e a outra disposta no artigo 227, que redimensionou a ideia de filiação, vejamos:

Art. 226 A família, base da sociedade tem especial proteção do Estado.

§ 1° O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2° O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3° Para efeito da proteção do Estado é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4° Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5° Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6° O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

§ 7° Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte das instituições oficiais ou privadas.

§ 8° O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir violência no âmbito de suas relações.

  Portanto, a filiação passou a ser analisada pela jurisprudência e pela doutrina em relação as formas: jurídica, sociológica e a biológica. Com base na igualdade dos filhos e na dignidade da pessoa humana e nos princípios constitucionais que passaram a ser aplicados no Direito de Família, é possível estabelecer a paternidade socioafetiva como uma forma de filiação desde caracterizado a posse de estado de filho, ou seja, que comprovado a dedicação, o amor, a assistência, o carinho para com uma criança de forma duradoura e contínua perante a sociedade, sem ter um vínculo biológico.

A jurisprudência entende que não existe adoção de fato, e o filho de criação, não tem direito à herança do pai, não possuindo condição de herdeiro, se o vínculo jurídico não foi reconhecido pelo falecido pai. Logo, é possível concluir que de acordo com as evoluções e necessidades da sociedade, em particular no direito de família, a legislação pátria é limitada no que tange a paternidade, devendo esta ser mais abrangente, reconhecendo a paternidade socioafetiva como melhor interesse da criança.

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Sobre os autores
Wanessa Marques da Costa

ENSINO SUPERIOR INCOMPLETO

Mario Roberto Ferreira Lima

LICENCIATURA EM MATEMÁTICA ENSINO SUPERIOR INCOMPLETO - DIREITO

Thays Honara Magalhães Sousa

ENSINO SUPERIOR INCOMPLETO

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