As limitações ao exercício do direito de greve no ordenamento jurídico pátrio

04/10/2016 às 23:23
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Numa época onde o direito de greve é exercido por vários setores, todos os anos, quais as limitações ao exercício desse direito constitucional?

INTRODUÇÃO

         O conceito de greve consoante o professor Renato Saraiva “é a paralisação coletiva e temporária do trabalho a fim de obter, pela pressão exercida em função do movimento, as reinvindicações da categoria, ou mesmo a fixação de melhores condições de trabalho” (SARAIVA, 2014, p.198).

A greve encontra raízes históricas na civilização antiga, bem como na Idade Média. Naquelas épocas, escravos já se insurgiam contra os abusos impostos pelos seus donos e lutavam por alguns direitos. Entretanto, não havia que se falar em greve, porquanto tais trabalhadores não eram tratados como empregados, mas sim, meramente, como propriedades ou coisas de seus senhores, sofrendo, portanto, as mais terríveis consequências possíveis. Em face das condições desumanas que muitas pessoas trabalhavam, eis que nas Revoluções Francesa e Industrial começara a emergir o nascimento das greves.

            No Brasil, outrora proibido, como na Carta Magna de 1934 e em outras leis, o direito de greve, hoje, encontra-se respaldado na própria Constituição Federal de 1988, integrando o rol de direitos sociais coletivos dos trabalhadores.

O DIREITO DE GREVE NA CF DE 1988 E LEI 7.783/1989

            Conforme Vólia Bonfim Cassar, a natureza jurídica da greve é bastante controvertida entre os doutrinadores, no entanto, para ela:

É direito potestativo, porque exercido de acordo com a oportunidade e conveniência do grupo. Coletivo, pois, é no grupo que o exercício do direito de greve alcançará seu objetivo final. É um superdireito porque reconhecido constitucionalmente como direito fundamental. Portanto, greve é um direito potestativo fundamental coletivo (CASSAR, 2012, p. 1278).

Destarte, a referida autora mescla o posicionamento de outros notáveis doutrinadores do direito laboral.

            Hodiernamente, é assegurado o direito de greve, cabendo aos trabalhadores à prerrogativa de exercê-lo de acordo com os seus interesses. In verbis, o art. 9º da nossa CF preceitua que:

É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

Neste diapasão, depreende-se que o direito de greve não é absoluto, posto que as necessidades inadiáveis da comunidade devam ser atendidas, bem como tal direito não pode ser usufruído abusivamente, uma vez que, neste caso, os responsáveis serão submetidos às penas da lei (CF, art. 9º, § 2º).

Já devidamente regulamentado pela Lei nº 7.783/1989 (Lei de Greve), conforme prescreveu o constituinte no parágrafo 2º do artigo supramencionado, o direito de greve tem várias peculiaridades, na forma da lei, que merecem destaque, notadamente, no que diz respeito as suas limitações. Mas, primeiramente, faz-se importante mencionar a definição que a Lei de Greve traz em seu art. 2º: “Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”.

Isto posto, destacaremos alguns pontos importantes pertinentes ao exercício do direito de greve, quais sejam: a) para o legítimo exercício deste direito é imprescindível que haja insucesso ou frustação na negociação coletiva ou impossibilidade de recurso arbitral (art. 3º); b) o sindicato patronal e a empresa envolvida deverão ser avisados da greve com antecedência mínima de 48 horas (art. 3º, parágrafo único), no caso de serviços essenciais (serão listados abaixo) a comunicação deverá ser feita aos usuários e empregadores com até 72 horas de antecedência – a finalidade destas normas é para que a empresa possa se preparar para a suspensão de suas atividades; c) o sindicato da categoria profissional deverá convocar assembleia-geral para definir as reivindicações da categoria e a paralisação coletiva (art. 4º).

A Lei 7.783/1989, vislumbrando preventivamente uma possibilidade de greve em setores essenciais à manutenção e existência da sociedade, estabeleceu em seu art. 10º as atividades que são essenciais, quais sejam: tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; assistência médica e hospitalar; distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; funerários; transporte coletivo; captação e tratamento de esgoto e lixo; telecomunicações; guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; processamento de dados ligados a serviços essenciais; controle de tráfego aéreo; e compensação bancária. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 11).

A referida lei ainda assegura os direitos dos grevistas no que tange ao emprego de meios pacíficos para convencerem outros trabalhadores a aderirem à greve, ressalte-se, contudo, que ninguém poderá ser obrigado pelos grevistas a não comparecerem aos seus respectivos postos de trabalho. Por outro lado, determina que as empresas não adotem mecanismos que frustrem o movimento, como por exemplo, forçando o obreiro ao comparecimento no trabalho.

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Como dito inicialmente, a greve pode ser considerada abusiva quando não observa as normas contidas na lei em tela, bem como quando é mantida mesmo após celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho, salvo o disposto no parágrafo único do art. 14 e suas alíneas, a saber:

Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:

I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;

II - seja motivada pela superveniência de fatos novos ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho.

                Por fim, a lei estatui que a responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos durante a greve, será apurada conforme cada caso concreto, segundo os termos da legislação trabalhista, civil ou penal (art. 15º).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A greve nada mais é senão a manifestação do conflito existente entre os polos da relação laboral no sentido do direito coletivo do trabalho, isto é, empregados ou sindicatos laborais de um lado e empregador ou sindicatos patronais do outro. Uma vez considerada a teoria do conflito, a qual leciona que grupos diferentes sempre terão interesses diversos, em que pese seja possível viverem em um ambiente harmônico visando o bem comum e mantendo a possibilidade de convivência, ora ou outra irão surgir discrepâncias que fragmentem tal comunhão. É neste sentido que o direito de greve sai da teoria e entra na prática, quando o empregador é pressionado para ceder em alguns pontos aos interesses dos empregados.

            Por fim, relembremos a cronologia histórica notável da greve: no passado: proibida; depois: tolerada; hoje: um direito constitucional garantido e regulamentado por lei específica, mas responsavelmente limitado, de modo a garantir a segurança e a estabilidade de uma sociedade complexa e dinâmica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 29 ed. Brasília: Câmara dos deputados, Coordenação de Publicações, 2015.

BRASIL. Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2015.

CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: Método, 2014.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

SARAIVA, Renato. Como se preparar para o Exame de Ordem, 1º fase: Trabalho: Direito Material e Processual. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

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Sobre o autor
Rafael Durand Couto

Estudante do curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, colaborador da ANAJURE (Associação Nacional de Juristas Evangélicos), amante da Teologia e Secretário Geral do Instituto Paraibano de Direito do Trabalho - IPDT.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O motivo da elaboração desse texto foi trazer à baila limites para o exercício do direito de greve, sobretudo, pelo fato de todo ano várias greves são declaradas em diversos setores da sociedade. Tenho escrito, ultimamente, sobre Direito do Trabalho, Direito Penal, Direito Civil e Direito Constitucional. Um dos dos meus últimos artigos que destaco é: A desconsideração da pessoa jurídica no ordenamento jurídico brasileiro, publicado nessa revista.

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