O exercício do direito de greve no serviço público

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Direito de greve dos servidores públicos passa pela necessidade do poder Legislativo editar lei que regulamente o seu exercício.

RESUMO:Direito de greve dos servidores públicos. Direito assegurado aos funcionários públicos na Constituição Federal/1988. Norma de eficácia limitada. Necessidade do poder Legislativo editar lei que regulamente o exercício do direito em questão. Mora injustificada do Congresso em efetivar tal disposição constitucional. Problemática suscitada para o Supremo Tribunal Federal por meio de mandado de injunção. Reconhecimento da omissão legislativa. A decisão do STF conciliou a Lei 7.783/89 com as particularidades da greve no serviço público.

Palavras-chave: Direito Administrativo. Servidores Públicos. Direito de Greve. Mandado de Injunção. Supremo Tribunal Federal. 

THE EXERCISE OF RIGHT TO STRIKE ON PUBLIC SERVICE

ABSTRACT:Right to strike of public servers. Right insures to public employees in Federal Constitution/1988. Effectiveness standard limited. Legislative Power’s necessity of edit law to regulate the exercise of right do strike. Issue raised for the Supreme Court through Writ of Injunction. Recognition of legislative omission. The Supreme Court’s decision reconciled the Law 7.783/89 with the particularities of the public service.

Keywords: Administrative Law. Public Servers. Right to Strike. Writ of Injunction. Supreme Court.


1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo principal fazer uma abordagem sobre o direito de greve dos funcionários públicos, traçando um caminho doutrinário e prático, elencando as variadas situações pelas quais se desentranharam a busca pela concretude da garantia constitucional, demonstrando, por sua vez, o surgimento de um triângulo político resolutivo pautado suas arestas nas participações social, jurídica e legislativa.

 Percorrendo o caminho teórico, faz-se necessário demonstrar que a Constituição Federal de 1988 tem papel fundamental na busca para concretização de tal direito até então sequer ventilado no âmbito legal, assegurando, no delinear do seu artigo 37, o direito à liberdade do funcionário público de não trabalhar, além de deixar a cargo do legislativo a elaboração de lei que assim regulamentasse devidamente referida liberdade. Ainda, mesmo com a presença de tal prerrogativa ao Poder Legislativo, evidencia-se a discussão quanto à eficácia da norma garantista, que eleva o tipo de participação do legislativo quanto à formação da norma legal, permeando entre a regulamentação de fato no sentido criador do direito, ou quanto à simples responsabilidade de elencar os termos e fixar limites para o exercício do direito.

Demonstra-se ainda, no âmbito prático, posteriormente a promulgação da Constituição de 1988, as variadas manobras políticas com intuito de impulsionar a criação dos mecanismos legalizadores por parte do poder legislativo. Dessa forma, apresenta-se a impetração de três Mandados de Injunção - caracterizados por serem remédios constitucionais previstos no artigo 5º, LXXI, da CF/88 que tem como escopo requerer a intermediação do Poder Judiciário para que este dê ciência ao Legislativo sobre a ausência de normas regulamentadoras que torne viáveis o exercício dos direitos e garantias – e seus respectivos desdobramentos até a fase final, expondo os devidos argumentos utilizados pelos ministros da Suprema Corte, que por sua vez figuram como responsáveis pela elucidação da divergência quanto ao direito em questão, pois contribuem para formulação da interpretação que será seguida até que se ponha fim à morosidade do Legislativo.


2 DIREITO DE GREVE DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS

O direito de greve pode ser definido como a garantia constitucional legitimadora da paralisação temporária dos serviços prestados pelos trabalhadores, com o fito principal de estabelecer melhores condições de trabalho e de remuneração. Como bem sintetizou o ilustre professor Uadi Lammêgo Bulos, o direito de greve “é o direito de não trabalhar” em circunstâncias específicas (UADI, 2012, p.829).

Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, não havia qualquer previsão legal no sentido de conceder garantia ou direito de greve aos funcionários públicos submetidos ao regime estatutário. No entanto, a partir da vigência da atual Carta Magna, tal direito social passou a se estender também a esta classe de trabalhadores, conquanto essa extensão possua algumas limitações específicas.

A previsão do direito à greve em favor dos funcionários públicos ocorreu de maneira tímida, pois ficou primeiramente estabelecido, em seu texto originário (art. 37, VII, CF), que o funcionalismo público somente poderia exercer tal garantia se esta fosse realizada dentro de parâmetros legais a serem definidos por lei complementar. Em um segundo momento, após a edição da Emenda Constitucional n. 19/1998, o referido dispositivo passou a dispor que os termos e limites para o exercício da greve no âmbito da Administração Pública deverá ser regulamentado por lei ordinária específica, e não mais por lei complementar. Observe-se a atual redação:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...) VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (...).

É bem verdade que existe maior simplicidade procedimental para que se aprove uma lei específica do que uma lei complementar, tendo em vista a necessidade de votação favorável por maioria absoluta dos membros da Casa Legislativa para a promulgação desta (art. 69, CF). Nada obstante, o Poder Legislativo federal ainda não editou lei específica sobre o tema, ensejando diversas dúvidas acerca do verdadeiro competente para tal exercício normativo, além do que resulta em um acúmulo de imprecisões sobre o tema, inclusive dando azo a abusos de direitos praticados tanto pela Administração Pública quanto por seus estatutários.

A primeira controvérsia que se mostra flagrante consiste na discussão sobre que ente federativo possui a competência para editar e promulgar a lei específica que delimita o exercício da greve pelos funcionários públicos. Primeiro, registra-se o entendimento segundo o qual tal competência é destinada aos diferentes Estados, devendo cada qual possuir a sua regulamentação específica a ser aplicada aos seus respectivos funcionários públicos. Em oposição, sustenta o professor José dos Santos Carvalho Filho (CARVALHO FILHO, 2012, p. 751) que a lei específica sugerida no dispositivo constitucional “deve ser federal, aplicável a todas as pessoas políticas”, pois a norma (art. 37, VII, CF) está inserida no capítulo da “Administração Pública”, cujas regras formam o estatuto funcional genérico e que, em razão disso, “têm incidência em todas as esferas federativas”.

Outra matéria que se revela bastante polêmica consiste na natureza do supramencionado dispositivo constitucional. Merece destaque a corrente jurisprudencial e doutrinária defensora da tese de que o referido dispositivo possui eficácia contida e imediata, mesmo que possa o legislador comum, no momento da edição da lei específica, reduzir o âmbito de incidência da norma constitucional. Conforme este raciocínio, o direito subjetivo de greve para os funcionários públicos nasceu a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, independentemente da previsão que exige a promulgação de lei específica, cujo intuito seria tão somente fixar os termos e os limites para o exercício do direito, e não criá-lo. Neste sentido, reporta-se à decisão judicial proferida pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. DIREITO DE GREVE. DESNECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO PARA SEU EXERCÍCIO IMEDIATO (CONSTITUIÇÃO, ART. 37, VII). INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO (EXIGÊNCIA DE DILAÇÃO PROBATÓRIA). RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO. I – A Constituição Federal, rompendo com a sistemática anterior, dá ao servidor público o direito de greve (CF, art; 37, inciso VII). Trata-se de “norma de eficácia contida”. Isso quer dizer que lei complementar estabelecerá limites para o exercício do direito de greve, embora não possa dificultá-lo excessivamente. Mas, enquanto não vierem tais limitações, o servidor público poderá exercer seu direito. Não fica jungido ao advento da lei complementar regulamentadora. II – In casu, porém, os fatos são complexos. Não se tem, pela estreita via do mandado de segurança, como apurar se as faltas ao serviço decorreram tão-somente da greve. III – Recurso Improvido (STJ - RMS: 2962-1 SC 93.011196-5, Relator: Ministro ADHEMAR MACIEL, Data de Julgamento: 08/06/1993, T6 – SEXTA TURMA).

Corroborando este entendimento, sustenta o eminente professor José Afonso da Silva (SILVA, 2005, p. 699):

Ora, o direito de greve, em tal caso, existe por força de norma constitucional, não por força de lei. Não é a lei que vai criar o direito. A Constituição já o criou. Nesses casos de norma de eficácia contida, a lei referida na norma, quando promulgada, é apenas restritiva do direito reconhecido, não geradora desse direito. Isso significa que enquanto a lei não vem, o direito há que prevalecer em sua amplitude constitucional. Reforça essa tese o fato de a Constituição ter garantido aos servidores públicos amplo direito à livre associação sindical (art. 37, VI) que implica, só por si, o direito à greve. Então, se a lei não vem, o direito existe, e, se existe, pode ser exercido (grifou-se).

Em contraposição, cumpre registrar a entendimento que sustenta que a referida norma detém eficácia limitada, ou seja, que o direito de greve no âmbito do funcionalismo público nascerá somente momento de promulgação da lei específica naquele exigida, ao fundamento de que somente a regulamentação específica poderá prever os limites aos quais se limitarão os grevistas, condição esta que se apresenta imprescindível para a legitimação da prática de não trabalhar. Carvalho Filho aduz (CARVALHO FILHO, 2012, p. 751):

O direito de greve constitui, por sua própria natureza, uma exceção dentro do funcionalismo público, e isso porque, para os serviços públicos, administrativos ou não, incide o princípio da continuidade. Desse modo, esse direito não poderá ter a mesma amplitude do idêntico outorgado aos empregados da iniciativa provada. Parece-nos, pois, que é a lei ordinária específica que vai fixar o real conteúdo do direito, e, se ainda não tem conteúdo, o direito sequer existe, não podendo ser exercido, como naturalmente se extrai dessa hipótese.

Bem assim, observe-se o seguinte julgado, este proferido pela 5ª Turma do STJ:

CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO DE GREVE. DESCONTOS NOS VENCIMENTOS. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO. 1. A greve de servidor público continuará ilegal enquanto não for editada Lei Complementar determinada pela Constituição Federal, Art. 37, VII. 2. Cabe ao servidor público justificar perante a administração a ausência anotada nos dias de greve. 3. Abonar faltas de servidor público nos dias de greve significa reconhecer a legalidade da greve. 4. Recurso conhecido mas improvido. (STJ - RMS: 2687-5 SC, Relator: Ministro EDSON VIDIGAL, Data de Julgamento: 04/08/1993, T5 – QUINTA TURMA).

A principal controvérsia que circunda esta polêmica relaciona-se aos limites e efeitos jurídicos que deverão ser observados quando da deflagração de greve por funcionários públicos, de forma que não haja abuso de direito por quaisquer das partes envolvidas. O Supremo Tribunal Federal, nos paradigmáticos julgamentos dos Mandados de Injunção ns. 670-ES, 708-DF e 712-PA declarou que a lacuna legislativa deverá ser preenchida pela aplicação análoga da Lei 7.783/1989, norma que regulamenta a matéria no âmbito das relações empregatícias privadas, as quais envolvem trabalhadores cujo regime jurídico está disciplinado pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Evidentemente que tal solução judicial se apresenta eivada de questionamentos, já que determina aplicação de normas destinadas a disciplinar relações empregatícias privada em casos de greve por funcionários cuja fisionomia jurídica apresentar-se absolutamente diversa. Além disso, matéria de ordem pública requer melhor cuidado jurídico, dada a importância social dos serviços prestados pelo funcionalismo público (saúde, segurança, educação, etc.).

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3 O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 

Uma vez configurada a mora do poder Legislativo e diante da grave lesão a uma garantia constitucionalmente assegurada aos servidores públicos – o direito de greve, tal problemática foi levada à apreciação do Supremo Tribunal Federal através de três mandados de injunção.

É válido ressaltar que a mencionada ação constitucional, prevista no artigo 5º, LXXI, da Constituição Federal, visa suprir a necessidade de alguém que tenha algum direito, liberdade ou prerrogativa impossível de ser exercida por ausência de disposição legal. Segundo José Afonso da Silva (2005), o mandado de injunção tem como finalidade conferir aplicabilidade imediata às normas constitucionais que disso carecem. Destarte, o uso dessa ação se faz compatível com o caso em análise.

3.1 Os Mandados de Injunção 670, 708 e 712 

Em três momentos foram impetrados mandados de injunção que levaram a Corte Superior a proferir decisão acerca da lacuna legislativa que ampare o direito de greve dos servidores públicos. Mesmo sendo encaminhados ao Supremo com certo espaçamento temporal, diversos pedidos de vista levaram com que o julgamento das três ações findasse no mesmo momento.

O MI 670 foi ajuizado pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civil do Estado do Espírito Santo. O julgamento iniciou-se em maio de 2003, com o ministro Maurício Corrêa como relator, proferindo voto pela declaração de mora do poder Legislativo ao não editar lei que regulamente o direito de greve dos servidores públicos. Houve pedido de vista do processo pelo ministro Gilmar Mendes; a votação foi retomada em junho de 2006, ocasião em que este também votou pela procedência do MI. Em seguida, o ministro Ricardo Lewandowski também pediu vista do processo. Em abril de 2007, voltou-se a apreciar o MI 670, já em conjunto do MI 712. Nessa oportunidade, o ministro Lewandowski também se manifestou pelo reconhecimento de mora do Congresso Nacional. Acompanharam o voto do ministro Gilmar Mendes os ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Ayres Britto, Cármen Lúcia e Cezar Peluso.

O MI 712 foi submetido à avaliação do Supremo em abril de 2007. O relator, ministro Eros Grau, posicionou-se pela procedência do pedido e consequente aplicação da Lei de Greve do setor privado aos servidores do poder público. Seu voto foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes, Celso de Melo, Sepúlveda Pertence, Ayres Britto, Cármen Lúcia e Cezar Peluso. Em maio do mesmo ano, uma nova ação sobre o assunto foi julgada pelo STF – o MI 708. O ministro Gilmar Mendes, em compatibilidade com seu voto no julgamento do MI 670, proferiu voto pela aplicação, no que for compatível, da Lei 7.783/89 aos casos de greves dos servidores públicos. Os ministros Menezes Direito, Celso de Mello, Ayres Britto e Cármen Lúcia seguiram o voto do relator. Na ocasião, o ministro Lewandonski pediu vista do processo, proferindo voto em 19 de setembro de 2007 pela aplicação apenas dos princípios da Lei de Greve ao caso dos servidores públicos. O julgamento dos três mandados de injunção terminou em 25 de outubro de 2007.

3.2 A decisão do STF sobre o direito de greve dos servidores públicos

 A celeuma acerca da ausência de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos tramitou, por meio de três mandados de injunção, por quatros anos no Supremo Tribunal Federal, sendo julgado em 2007. É válido ressaltar algumas ponderações feitas pelos ministros ao longo da decisão da questão.

Primeiramente, foi unanimidade entre os julgadores reconhecer a mora do Legislativo em criar norma que discipline o direito de greve dos servidores estatais, como determina a Constituição Federal. Destarte, os servidores públicos se viam privados, haja vista que não podiam exercer um direito constitucionalmente garantido por dispositivo de aplicação condicionada à promulgação de uma lei. Nesse sentido, reforça-se ainda que a Emenda Constitucional 19/1998 mudou de lei complementar para lei específica aquela que regulará o direito de greve dos servidores, com o objetivo de tornar mais facilitar a efetivação desse direito. Tais questionamentos podem ser extraídos do voto do ministro Celso de Mello em seu voto no MI 712:

Decorridos quase 19 (dezenove) anos da promulgação da vigente Carta Política, ainda não se registrou - no que concerne à norma inscrita no art. 37, VII, da Constituição - a necessária intervenção concretizadora do Congresso Nacional, que se absteve de editar, até o presente momento, o ato legislativo essencial ao desenvolvimento da plena eficácia jurídica do preceito constitucional em questão, não obstante esta Suprema Corte, em 19/05/1994 (há quase 13 anos, portanto), ao julgar o MI 20/DF, de que fui Relator, houvesse reconhecido o estado de mora (inconstitucional) do Poder Legislativo da União, que ainda subsiste, porque não editada, até agora, a lei disciplinadora do exercício do direito de greve no serviço público. Registra-se, portanto, quase decorrido o período de uma geração, clara situação positivadora de omissão abusiva no adimplemento da prestação legislativa imposta, pela Constituição da República, ao Congresso Nacional. (BRASIL, 2007, p. 6-7).

O ministro Ricardo Lewandowski levantou relevante questionamento em seu voto no MI 670 sobre os limites do julgamento de um mandado injunção, pois o entendimento sobre os efeitos dessa ação constitucional tem forte implicação no caso em voga, suscitando a existência de três correntes sobre o mandado de injunção. Na primeira concepção, o mandado de injunção resultaria em uma decisão meramente declaratória, limitada a declarar a possível inconstitucionalidade diante da omissão infundada do órgão legislativo, notificando este para tomar as medidas cabíveis. Na segunda corrente, entende-se que é outorgado ao Judiciário o poder de agir no sentido de remover o obstáculo e viabilizar o exercício do direito que se encontra lesado, tendo a decisão do MI natureza condenatória. Já a terceira concepção dá à decisão que julga o mandado de injunção um caráter constitutivo, uma vez que entende que cabe ao Judiciário elaborar a legislação em faltante que impede a efetivação de certo direito. Posicionou-se o referido ministro:

Em outras palavras, não me parece possível, data venia, ao Poder Judiciário, a pretexto de viabilizar o exercício de direito fundamental por parte de determinada pessoa ou grupo de pessoas, no âmbito do mandado de injunção, expedir regulamentos para disciplinar, em tese, tal ou qual situação, ou adotar diploma normativo vigente aplicável a situação diversa. Por isso, entendo, com o devido respeito, que não se mostra factível o emprego da Lei 7.783/89 para autorizar-se o exercício do direito de greve por parte dos servidores do Poder Judiciário do Estado do Pará, inclusive fazendo tabula rasa de disposição legal nela contida que expressamente veda tal hipótese. (BRASIL, 2007, p. 12).

Em que pesem as alegações feitas pelo ministro Lewandowski, o Plenário do STF posicionou-se não só pelo reconhecimento da injustificada mora legislativa que priva os servidores a fazerem livre gozo do seu direito, mas também pela aplicação de alguns dispositivos da Lei 7.783/89 – que regula os casos de greve no setor privado – às greves do setor público, sob a perspectiva que o Supremo deve emitir decisões que surtam efeito, ou seja, com o condão de suprir a omissão legislativa em análise (GRAU, 2007). Ponderou ainda o ministro Eros Grau, relator do MI 712, que a Lei 7.793/89 não atende amplamente a necessidade de regulamentação da greve para os servidores públicos, logo, devendo se atentar para tais particularidades quando da aplicação da referida lei aos casos em concreto. A própria ementa do MI 670 definiu o uso Lei de Greve para a fixação das “atividades essenciais” nos casos de greve no setor público (artigos 9º à 11º), ressaltando ainda que devem ser observadas as situações de omissão não sejam reguladas por legislação própria pertinente aos servidores públicos.

Por fim, é válido mencionar ainda os levantamentos feitos pelo ministro Joaquim Barbosa em seu voto no MI 670, momento em que reforçou a necessidade de que a greve do setor privado deve respeitar a prestação de serviços essências à população, isto é, deve-se primar pela continuidade de serviços de suma importância. Na oportunidade, o ministro exemplificou que, em um caso greve no poder Judiciário não se pode paralisar o serviço de modo que se torne inviável a impetração de habeas corpus; assim como em uma greve de hospitais públicos, deve se atentar pela manutenção das condições mínimas para garantir a vida dos que necessitam. Em suma, o ministro Joaquim Barbosa quis destacar que o exercício de um direito constitucionalmente garantido – qual seja, o direito à greve dos servidores públicos – não pode ser exercido em detrimento de direitos igualmente estabelecidos pela Constituição a terceiros.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Conforme demonstrado, o tema direito à greve dos funcionários públicos apresentou-se de extrema importância, devido tratar-se de um direito constitucional protegido pelo Estado em que tinha como óbice o próprio Estado no âmbito legislativo.

Por sua vez, mostrou-se pontual em esclarecer que a morosidade legislativa é considerada injustificada de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, pois consiste em abster os servidores públicos, cidadãos de direitos, de gozarem de um determinado direito constitucionalmente garantido, tendo estes conseguido alcançar precariamente tais funcionários após a provocação do judiciário com a impetração de mandado de injunção que levou a discussão ao Tribunal visando a posterior imposição de uma manifestação normativa do Poder Legislativo, além de imediata aplicação da norma constitucional mesmo que em deficiente por falta de norma que assim deveria estabelecer de forma mais especifica.

Neste viés, fez-se necessário esclarecer os votos de alguns ministros com intuito de discriminar cada ponto relevante levantado por eles e como se convergiam de maneira harmônica a fim de estabelecer uma resposta à lide. Destarte, apresentando alternativas, como a aplicação de alguns dispositivos da lei 7.783/89, e, ainda, elevando a importância de determinada garantia, mas, delimitando a sua abrangência, visto que, por se tratar de funcionalismo público, devem estar em ressonância com as demais garantias, ou seja, não deve o poder de greve do funcionário público vingar resultando em prejuízo  ao direito alheio.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS 2962-1 - SC, do Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF, 08 de junho de 1993. Disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 25 maio 2015.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS 267-5 - SC, do Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF, 04 de setembro de 1993. Disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 25 maio 2015.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção 712 – PA, do Supremo Tribunal Federal. Brasília, DF, 25 de outubro de 2007. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 25 maio 2015.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção 670 – ES, do Supremo Tribunal Federal. Brasília, DF, 25 de outubro de 2007. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 25 maio 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito. – 25. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo : Atlas, 2012.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo – 25ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.


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Sobre os autores
João Vitor de Paiva Muniz Ferreira

Aluno do 2º período, graduandos em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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