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A prisão provisória e a liberdade processual na Justiça Comum e na Justiça Militar

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06/06/2004 às 00:00
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3. Da Liberdade Processual do Indiciado ou Acusado

Analisada as diversas espécies de prisão provisória, e como a prisão é tratada como uma exceção, o ordenamento jurídico pátrio prevê formas do acusado, preso provisoriamente, poder ser solto respondendo o processo em liberdade. As formas são, a saber: a liberdade provisória, o relaxamento de prisão e o habeas corpus, dentre outras.

3.1. Da Liberdade Provisória

"Liberdade provisória é o estado de liberdade de quem se encontrava preso provisoriamente, ficando vinculado ao processo penal até sua decisão. Sua concessão importa a substituição da prisão provisória pelo estado de liberdade, ante a existência de previsão legal" [9]. Nos termos do artigo 5º, inciso LXVI da Magna Carta ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.

O direito a liberdade, matéria constitucional, é inerente a pessoa humana, e, portanto, a liberdade provisória é cabível tanto na justiça criminal comum, quanto na justiça castrense, cada qual com suas especificidades, mas que se coadunam no sentido de dar efetividade ao preceito contido na Lei Fundamental garantindo o direito de ir e vir do indivíduo, seja civil ou militar.

Na justiça criminal comum o agente livra-se solto nas infrações apenadas com multa ou com pena privativa de liberdade não superior a 02 (dois) anos, ou seja, não é recolhido preso, sendo levado a autoridade policial para lavratura do termo circunstanciado.

Pode ainda, o acusado responder ao processo em liberdade porque prestou fiança [10], porém, não pode ter ocorrido clamor público, nem ter sido cometido o crime com violência contra pessoa ou grave ameaça, e, por fim não pode ter os requisitos para a decretação de prisão preventiva.

Nos crimes apenados com detenção [11], lesão corporal leve, por exemplo, a própria autoridade policial arbitra o valor da fiança. Contudo, a Lei nº 9.099/95 que criou os Juizados Especiais estabeleceu que nas infrações de menor potencial ofensivo não se lavrará auto de prisão em flagrante, mas termo circunstanciado. Assim, não se exigirá fiança sempre que o autor da infração for encaminhado ao Juizado Especial.

Nos crimes apenados com reclusão [12], por exemplo, furto, a autoridade policial lavra o auto de prisão em flagrante, e remete-o ao juiz, para este arbitrar o valor da fiança. Se o réu não puder prestar a fiança por motivo de pobreza, poderá mesmo assim conceder a liberdade provisória.

É possível ainda, nos termos do artigo 5º, inciso LXVI da Lex Fundamentallis, a liberdade provisória sem fiança, desde que não haja os requisitos para a decretação da prisão preventiva do acusado, quais sejam: a garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e garantia da aplicação da lei penal. Deve o acusado se comprometer a comparecer a todos os atos do processo, sob pena de revogação.

Alguns crimes pela natureza e pela forma que são cometidos são insuscetíveis de liberdade provisória. São os crimes hediondos, o de tráfico de entorpecentes e crime de terrorismo. Entretanto, caso a prisão esteja revestida de ilegalidade, por exemplo, terrorista autuado e preso em flagrante sem que se enquadrasse em uma das hipóteses de flagrante delito, deverá o juiz, imediatamente, relaxar a prisão, ou ser impetrado o habeas corpus.

Na justiça castrense o policial militar responderá ao processo em liberdade quando o juiz-auditor verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato nas condições de legitima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito, concedendo ao indiciado a liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo (artigo 253 do CPPM).

O artigo 270 do mesmo diploma legal estabelece que o indiciado ou o acusado livrar-se-á solto no caso de infração a que não for cominada pena privativa de liberdade. Deverá ainda o juiz-auditor conceder a liberdade provisória quando o agente preso em flagrante tiver cometido infração culposa, exceto se se tratar de crime contra a segurança externa do país.

E terá, ainda, direito à liberdade provisória, o preso em flagrante que cometer infração penal militar punida com pena de detenção não superior a 02 (dois) anos, salvo se se tratar de crimes de violência contra superior, ofensa aviltante a inferior, resistência, deserção, desacato a militar, entre outros previstos expressamente na lei.

Em qualquer um dos casos, indispensável para a concessão da liberdade provisória que não estejam presentes os requisitos da prisão preventiva.

3.2. Do Relaxamento de Prisão

A Magna Carta, no artigo 5º, inciso LXV estabelece que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária. A norma em comento é de eficácia plena e imediata, devendo o juiz ao verificar que a prisão é ilegal, de imediato mandar soltar o acusado, sendo dispensável parecer do membro do Ministério Público.

O preceito constitucional é clarividente, e não deixa margens para dúvidas, sabendo-se que qualquer interpretação que se faça deva ser sempre em favor da liberdade do acusado, em detrimento ao cárcere deste, pois a prisão provisória é uma exceção no nosso ordenamento jurídico.

A prisão pode se revestir de ilegalidade, dentre outras situações, quando no flagrante delito faltar formalidade essencial à lavratura do auto (ausência de nomeação de curador para menor de 18 anos, não entregar a autoridade nota de culpa ao preso, etc.), ou quando não for hipótese de prisão em flagrante, ou seja, o preso não foi surpreendido quando do cometimento da infração penal, nem preso em nenhuma outra hipótese de flagrante descrito no artigo 302 do CPP e no artigo 244 do CPPM.

Na justiça castrense, conforme preconiza o artigo 247, § 2º do CPPM, a prisão, também, será relaxada quando a autoridade militar ou judiciária verificar a manifesta inexistência de infração penal militar ou a não participação da pessoa conduzida. Na justiça criminal comum não é diferente. Entretanto, importante ressaltar é que não é só o juiz que deve relaxar a prisão ilegal, a autoridade, presidente do flagrante, deverá relaxar a prisão quando esta for manifestamente ilegal.

No processo penal militar, pela inteligência do artigo 390 do CPPM, o prazo para a conclusão da instrução criminal é de 50 (cinqüenta) dias, estando o acusado preso, contados do recebimento da denúncia pelo juiz-auditor. De ante do exposto, transpondo o prazo para a conclusão da instrução criminal com o réu preso, a prisão deverá ser relaxada imediatamente.

Da mesma forma, no processo penal comum, devido à construção jurisprudencial e doutrinária, a prisão passará a ser ilegal, caso o acusado permaneça preso por mais de 81 (oitenta e um) dias, pois o processo penal, pelos prazos estabelecidos em lei, tem que ser concluído no prazo retro mencionado.

3.3. Do "Habeas Corpus"

Na lição de Fernando da Costa Tourinho Filho [13], o habeas corpusremedium juris destinado a tutelar, de maneira eficaz e imediata, a liberdade de locomoção, o direito de ir e vir... Tutela o direito de não ser preso, a não ser em flagrante ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente... o direito de freqüentar todo e qualquer lugar, ressalvadas aquelas restrições que podem ser impostas quando da concessão do sursis ou suspensão condicional do processo; o direito de viajar, ausentando-se de sua residência...".

Apesar de estar disposto no CPP como um recurso, trata-se o habeas corpus de garantia individual, prevista no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, destinada a fazer cessar o constrangimento ou a simples ameaça à sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

Existem duas espécies de habeas corpus: o liberatório, quando o indivíduo (chamado tecnicamente de paciente) estiver preso ilegalmente ou por abuso de poder, ocasião que será expedido pela autoridade judiciária o alvará de soltura; e o habeas corpus preventivo, que se impetra quando alguém sofre a ameaça, por parte da polícia ou de outra autoridade, de ser preso ilegalmente ou por abuso de poder, sendo expedido o salvo conduto.

O remédio heróico, como também é conhecido o habeas corpus, pode ser impetrado por qualquer pessoa, inclusive pelo próprio paciente, sempre contra ato ilegal ou de abuso de poder praticado pela autoridade coatora, que cerceie a liberdade ambulatorial do indivíduo.

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Se a autoridade policial, delegado de polícia ou o presidente de IPM, é o coator, o pedido deve ser encaminhado para o juiz. Porém, se for o juiz o coator, o habeas corpus deverá ser impetrado no Tribunal de Justiça.

Uma vez impetrado o habeas corpus será encaminhado imediatamente ao juiz, que despachará, solicitando informações da autoridade responsável pela ilegalidade. Recebidas tais informações, o juiz decidirá o pedido, expedindo a ordem (se for o caso) para a soltura do indivíduo preso ilegalmente.

O artigo 142, § 2º da Lei Maior veda a impetração do habeas corpus nas punições disciplinares militares, ou seja, àquelas decorrentes de um procedimento administrativo em que o militar fica privado de sua liberdade. Todavia, a melhor exegese é que, sendo a prisão disciplinar militar ilegal ou com abuso de poder, é cabível utilizar-se do remédio heróico para cessar o constrangimento.

Pelo exposto, podemos concluir, de forma resumida e objetiva, que é cabível a liberdade provisória quando a prisão é legal, mas o acusado preenche determinados requisitos previstos em lei. Por sua vez, cabe o relaxamento de prisão quando a prisão for ilegal. O habeas corpus tem cabimento quando alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.


Notas

1 FREYESLEBEN, Márcio Luís Chila. A Prisão Provisória no CPPM. Ed. Del Rey, Belo Horizonte, 1997, pp. 121.

2 Lei nº 7.960 de 21 de dezembro de 1989.

3 CARVALHO, Jeferson Moreira de. Prisão e Liberdade Provisória. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, pp. 34.

4 GRINOVER, Ada Pellegrini (e outros). As Nulidades do Processo Penal. 3ª ed., Editora Malheros, São Paulo, 1993, pp.243.

5 FREYESLEBEN, Márcio Luís Chila. A Prisão Provisória no CPPM. Ed. Del Rey, Belo Horizonte, 1997, pp. 213.

6 TOSTES MALTA. Dicionário jurídico. 5. ed., Rio de Janeiro: Trabalhistas, 1987.

7 Prazo de oito dias contados da zero hora do dia seguinte ao que for verificada a ausência do militar sem justificação. (artigo 451, § 1º do CPPM).

8 Súmula 10 do STM: Não se concede liberdade provisória a preso por deserção, antes de decorrido o prazo previsto no artigo 453 do CPPM.

9 CARVALHO, Jeferson Moreira de. Prisão e Liberdade Provisória. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, pp. 78.

10 Fiança é uma garantia prestada pelo preso ou por terceira pessoa para que responda ao processo em liberdade, quando a lei admitir.

11 O detento é submetido a isolamento, durante o repouso noturno, com separação dos reclusos, ficando livre do isolamento diurno, no período inicial da pena. O regime inicial para o cumprimento da pena é o semi-aberto.

12 Pena rigorosa, para ser cumprida em penitenciária, e que a lei comina aos crimes de maior gravidade. O regime inicial para o cumprimento da pena é o fechado.

13 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 4ª ed., Ed. Saraiva, São Paulo: 2002, pp. 767.

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Sobre o autor
Fabiano Samartin Fernandes

advogado, coordenador jurídico da AGEPOL/CENAJUR e pós graduando em Ciêncais Criminais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Fabiano Samartin. A prisão provisória e a liberdade processual na Justiça Comum e na Justiça Militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 334, 6 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5266. Acesso em: 19 abr. 2024.

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