RESUMO:
O ordenamento jurídico compõe-se de uma verdadeira coleção de regras dos mais variados matizes. Mas quando se encara um subconjunto dessas normas, destinado a regular um grupo orgânico de fatos conexos, descobrem-se certos pressupostos que inspiraram o legislador a seguir um rumo geral. Encontram-se, dessa maneira, certas ideias, ainda que não explícitas nos textos, mas inquestionavelmente presentes no conjunto harmônico das disposições. Esse norte visado pelo legislador representa os princípios informativos, cuja inteligência é de inquestionável importância para a compreensão do sistema e, principalmente, para interpretação do sentido particular de cada norma, que haverá de ser buscado sempre de forma a harmonizá-lo com vetores correspondentes à inspiração maior e final do instituto jurídico-normativo.
Palavras-chave: Patrimonialidade, Princípios, Bens.
1. Introdução
Com fulcro do artigo 5º, XXXV da Constituição do Brasil, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Este dispositivo consagra a inafastabilidade do controle jurisdicional(Nelson Nery Jr. chama este princípio de princípio da universalidade da jurisdição, na obra processo civil na Constituição de 1988.) de lesão ou ameaça a direitos.
Os conceitos de Jurisdição, ação e processo encontra-se condensados nesta cláusula constitucional, uma vez que prevê a garantia do direito de ação, por meio do processo perante um órgão investido de competência constitucional para prestar a tutela dos direitos. Adota-se, para fins de estudo deste singelo comentário, a vertente instrumentalista do processo, majoritária no seio doutrinário e jurisprudencial. Não se desconhece que existe uma corrente que tece inúmeras críticas ao modelo instrumentalista, corrente doutrinária esta desenvolvida academicamente na PUC-MG, UFMG e FUMEC, que concebe o processo no Estado Democrático de Direito (Teoria Neo-Institucionalista do Processo), contrária ao modelo de relação processual de Bülow.
Inúmeras classificações são apresentadas pela doutrina processual para melhor sistematizar o ensino do direito processual civil. Uma delas, que nos parece bastante pertinente para a compreensão da função executiva Correntemente chamado de processo de execução. No processo civil, é a acerca das crises jurídicas e a atividade jurisdicional. Expressão utilizada por Marcelo Abelha Manual de execução civil, p. 13.
2. PRINCÍPIO DA PATRIMONIALIDADE/REALIDADE
2.1 Princípio da responsabilidade patrimonial ou de que “toda execução é real”
De acordo com o princípio da responsabilidade (“toda execução é real”), somente o patrimônio do devedor (CPC, art. 591), ou de terceiros responsável, pode ser objeto da atividade executiva do Estado (Com essa máxima excluem-se da responsabilidade bens que compõem o patrimônio do devedor (ou terceiros responsável), e que são pela execução intocáveis – até porque não podem ser objeto de alienação voluntária ou forçada. Nem sempre foi assim, contudo.
Houve época, como no primitivo Direito Romano,em que se permitia que a execução incidisse sobre a própria pessoa do executado, que poderia, por exemplo, virar escravo do credor como forma de pagamento da sua dívida. Episódio que bem demostra o espírito desta época é o célebre julgamento de Pórcia na obra “O Mercador de Veneza” de SHAKESPEARE.
A humanização do direito trouxe consigo este princípio, que determina que só o patrimônio e, não, a pessoa submete-se à execução. Toda execução é real. A humanização do Direito ainda fez com que, mesmo no patrimônio do devedor, alguns bens não se submetessem à execução, compondo o chamado benefiicium competentiae.
A proliferação das técnicas de execução indireta, examinada acima, parece relativizar um pouco esse princípio, na medida em que pressionam psicologicamente a pessoa do devedor para que cumpra a obrigação com seu comportamento. Lopes da Costa falo do princípio e suas exceções, e ressalta: “as multas compulsórias (astreintes), embora satisfeitas com o patrimônio do condenado, têm também certo caráter pessoal, pois se destinam, por uma coação psicológica, a atuar sobre a vontade do réu, para coagi-lo a tomar determinada atitude”. COSTA, Alfredo de Araújo Lopes da. Direito Processual Civil Brasileiro, Rio de Janeiro, 1959, v. 4, p. 53.
Ainda, que a pessoa do terceiro pode ser objeto de execução, como por exemplo, a entrega de filho aos pais em busca e apreensão (CPC, art. 89) ou num divórcio (LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao Mas, ainda assim, na execução indireta, o cumprimento da prestação não de dá sobre o seu corpo, como ocorria em fases mais da humanidade - prender do devedor não salda a dívida, por exemplo. Assim, THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forence, 2007, v. 2, p.198; SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil. 6 ed. Rio de Janeiro: Forence, 2008, v. 1, t 2, p. 57.
A prisão civil, como técnica de coerção pessoal, atualmente só é admitida para execução de prestação pecuniária de alimentos, conforme orientação do STF, que ao julgar o RE n. 466.343-1 entendeu que nem mesmo para os casos de depositário infiel é possível a utilização da prisão civil por dívida (É o quanto estabelecido o n. 25 da súmula vinculante do STF: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”e no n. 419 da súmula do STJ: “Descabe a prisão civil do depositário judicial infiel”. Entendeu o STF que os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, que restringem a prisão civil por dívida à obrigação de alimentos, impedem que se admita a prisão civil para os depositários infiel, mesmo com expressa autorização constitucional.
A responsabilidade executiva parece assumir, atualmente, caráter híbrido, comportando coerção pessoal e sujeição patrimonial: I) a coerção pessoal incide sobre a vontade do devedor, admitindo o uso de medidas coercitivas, de execução indireta, para forçá-lo a cumprir a obrigação com seu próprio comportamento (ex.: 461, paragrafo 5 e 475-J, ambos do CPC; II) descumprida a obrigação, e não sendo possível/adequado o uso de técnicas de coerção pessoal, tem-se a sujeição patrimonial, que recaíra sobre os bens do devedor ou de terceiros responsável – que responderão pela própria prestação in natura (ex.: dar coisa ou entregar quantia) ou por perdas e danos. Mas é de considerar-se, aCódigo de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense 1985, v. 6, p. 435-436).
Há, portanto, uma excessiva valorização do princípio da responsabilidade patrimonial previsto no artigo 591 do CPC. Isso, talvez, por influência de Liebman, que entende que “execução forçada” só se implementa com atividade sub-rogatória e, não, com atividade coercitiva (LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de Execução. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 5-6), que, afinal, destina-se, às obrigações de dar coisa e pagar quantia certa. Não se estende às demais obrigações (fazer/não fazer), em que a rigoridade é tutela específica, com a obtenção do cumprimento da obrigação pessoalmente pelo devedor, só se convertendo, em último caso, no seu equivalente dinheiro.
Logo, o dito princípio não alcança a totalidade do fenômeno executivo (ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11 ed., cit., p. 200-202), em razão da aplicação do princípio da efetividade. Em algumas obrigações, não se deve, desde logo, converter a obrigação em perdas e danos. Ao credor deve-se garantir tudo aquilo que ele tem direito, de sorte que, tendo direito à execução específica, deve-se promovê-la para que se alcance exatamente aquilo a que tem o credor direito, em prol da própria efetividade da tutela executiva.
A efetividade, como se percebe, limita, na tutela de algumas obrigações o princípio da responsabilidade patrimonial, estimulando o uso de medidas de coerção indireta.
A partir da Lex poetelia papiria, a responsabilidade pessoal passou a ser patrimonial, permanecendo a anterior apenas em caso de dívidas decorrentes da obrigação de pagar alimentos e do inadimplemento do depositário. Na execução, o direito não mais é discutível e o devedor responderá por suas dívidas, fazendo uso de seus bens presentes e futuros, adquiridos até o início e no decorrer da execução, respectivamente.
3. Considerações finais
Por todo o exposto, percebe-se, na atualidade, que a reflexão sobre qualquer tema do direito reclama por parte de quem a esta tarefa se dedica uma postura avessa à atitude dogmática ou meramente exegética, visto a natureza principiológica da Constituição Federal de 1988 que, por derradeiro, determina uma leitura constitucionalizada de toda a legislação infraconstitucional.
Assim, enquanto premissas fundamentais de todo o processo de execução, sem se olvidar os demais princípios gerais do direito processual também aqui aplicáveis, deve-se o operador do direito estrita obediência aos comandos normativos dos princípios da realidade da execução; da utilidade ao credor; da satisfação do direito do credor; da economicidade; do trâmite às expensas do devedor; do respeito à dignidade da pessoa humana; da especificidade e da livre disponibilidade, sob pena de nulidade do ato ilegal e de todos os seus subsequentes.
Por fim, diante desse quadro, o reconhecimento da importância da principiologia em todo o direito se mostra como uma das mais relevantes aquisições da doutrina e da filosofia do direito, na medida em que se passa a exigir a conformação do procedimento de modo coerente e sistemático, superando as suas eventuais limitações.
4. referências bibliográficas
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume II. ed. 49,Rio de Janeiro Editora Forense, 2014. P. 138, 687-a.
DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, Execução. Volume 5. Ed. 6, Editora JusPodivm, 2014, p. 49.
BARACHO, Luiz Fernando. “Os Princípios do Processo de Execução”.
GUTIER SAPIA,Murillo. Citação de referências e documentos eletrônicos.
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