Pena de multa para réus do Mensalão

16/10/2016 às 11:43
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Análise sobre a dosimetria da pena e a condenação à pena de multa para réus do Mensalão.

O MENSALÃO

A ação penal 470 – popularmente conhecida como processo do Mensalão – envolveu 37 réus. A denúncia foi aceita pela Corte Suprema em Agosto de 2008 e, após realizado os julgamentos pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, foram condenados 25 deles a, pelo menos, um dos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, evasão de divisas, peculato, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e gestão fraudulenta.

Sucintamente, o esquema criminoso constitui-se de três núcleos. O político era chefiado por José Dirceu e formado também por José Genuíno, Delúbio Soares e Silvio Pereira – integrantes da cúpula do Partido dos Trabalhadores no começo do governo Lula. O núcleo publicitário sob a dirigência de Marcos Valério e envolvendo Cristiano Paz, Simone Vasconcelos, Rogério Tolentino, Geiza Dias e Ramon Hollerbach – sendo que o empresário possuía agências de publicidade com contratos com o governo federal, das quais se valeu para transferir o dinheiro dos cofres públicos aos políticos corrompidos indicados pelos integrantes do PT. E, por fim, houve o núcleo financeiro, encabeçado pela então dona do Banco Rural, Kátia Rabello, participando também Ayanna Tenório, José Salgado e Vinícius Saramane que possibilitaram a realização dos numerosos e vultosos saques pelos políticos sem que se identificassem, além de terem enviado uma fração para o exterior.

Nas palavras do ministro Aires Brito, houve: “arrecadação criminosa de recursos públicos e privados para aliciar partidos políticos e corromper parlamentares”. O fato é que a compra de votos em troca de apoio ao governo Lula mobilizou inúmeros deputados. Neste contexto, os delitos contra o sistema financeiro e contra a Administração Pública foram financiados por supostos empréstimos concedidos pelo Banco Rural, na tentativa de camuflar as ilegalidades. Ademais, nas ocorrências de lavagem de dinheiro, tornou-se clara a articulação criminosa entre os envolvidos no esquema.

APLICAÇÃO DA PENA

O Supremo Tribunal Federal aplicou o sistema trifásico (art. 68, caput, do Código Penal) para determinar a quantidade de pena dos réus, ou seja, para fazer a dosimetria, no que se inclui a fixação das penas privativas de liberdade e das multas.

Estas, por sua vez, são determinadas por dois parâmetros: o primeiro determina a quantidade de dias-multa, podendo variar de dez a trezentos e sessenta e o segundo determina o valor de cada dia-multa, podendo variar de um trigésimo a cinco salários mínimos. No primeiro parâmetro, podem-se adotar dois critérios: o da condição socioeconômica do réu ou o do sistema trifásico como nas penas privativas de liberdade. No segundo parâmetro, referente ao valor de cada dia-multa, não há divergência, adotando-se sempre o critério da condição socioeconômica do condenado. Por isso, cada dia multa traduz-se em um múltiplo do salário mínimo vigente à época do crime.

É comum que as penas de multa partam do mínimo legal, sendo aumentadas proporcionalmente à elevação que incidiu sobre a pena privativa de liberdade, respeitando as diferenças entre o mínimo e máximo desta. É importante ressaltar que o juiz pode determinar o valor de cada dia-multa superior ao máximo legal de cinco salários-mínimos, mediante comprovação da insuficiência deste valor para cumprir a função de penalidade, na hipótese de elevada condição socioeconômica do réu – fato que ocorre na fixação da pena de multa em todos os crimes dos três réus que serão expostos.

SISTEMA TRIFÁSICO PARA FIXAÇÃO DO NÚMERO DE DIAS-MULTA

            Na primeira fase, para fixação da pena-base, observam-se as circunstâncias judiciais do réu, previstas no artigo 59 do Código Penal, no que se inclui: culpabilidade, motivo de cometimento do delito, circunstâncias e consequências do crime, antecedentes criminais, conduta social, personalidade, vitimologia. A contagem começa do mínimo e cada circunstância judicial avaliada em prejuízo do réu, aumenta a pena em quantidades pré-fixada ou em frações, sem um parâmetro legal para o aumento – há apenas jurisprudência estabelecendo aumento de 1/6 para cada circunstância desfavorável.

Na segunda fase, consideram-se as circunstâncias genéricas agravantes e atenuantes. As circunstâncias genéricas do art. 61 não elevam a pena se, ao incidir, superarem o  limite abstratamente previsto ou se forem elementares ou qualificadoras do crime. As agravantes genéricas são aplicadas para crimes dolosos, apenas – com exceção da reincidência. Esta, por sua vez, é uma agravante genérica subjetiva, pois não se comunica aos demais autores do delito. É preciso considerar que o período depurador é de cinco anos (art. 64, I, CP). As atenuantes genéricas, por sua vez, também não podem reduzir a pena aquém do mínimo legal e englobam todas as previsões do artigo 65 do CP. As demais considerações que ainda podem reduzir a pena do condenado, não previstas legalmente, são chamadas agravantes inominadas (art. 66, CP).

Por último, na terceira fase, são observadas as causas de aumento e diminuição, tanto da parte geral quanto da parte especial do Código Penal.

DOSIMETRIA DOS RÉUS MARCOS VALÉRIO, JOSÉ DIRCEU E VALDEMAR COSTA NETO

 Diante do exposto, alguns aspectos foram coincidentes no que tange à dosimetria dos três réus.

Na primeira fase, de um modo geral, a personalidade dos agentes, a conduta social e os antecedentes criminais não permitiram a elevação das reprimendas. Porém, em condenações como a de José Dirceu por corrupção ativa, as de Marcos Valério por evasão de divisas e peculato, e a de Valdemar Costa Neto por corrupção passiva, restou provada grande culpabilidade dos réus.

Aproveitando-se do cargo em que ocupavam ou da influência política que detinham para participar e estruturar o esquema criminoso, organizaram diversas reuniões para planejar e até consumar as práticas delitivas no gabinete oficial do ex-ministro chefe da Casa Civil, na residência oficial deste e na do Presidente da Câmara dos Deputados ou nas sedes das empresas do publicitário Marcos Valério. Como circunstância dos crimes, merece considerar em desfavor dos envolvidos a vultosa quantia de dinheiro movimentada e transferida para a consumação dos crimes, tanto nos esquemas de corrupção, quanto na lavagem de dinheiro e nos desvios de recursos públicos. Além disso, muitos documentos foram forjados para similar a licitude dos negócios jurídicos celebrados pelos réus, por trás dos quais estavam os esquemas criminosos.

Frise-se que muitos dos crimes tinham como principais motivações o enriquecimento ilícito ou o apoio político aos projetos do governo federal, o que demonstra que as circunstâncias dos delitos e os seus motivos são também extremamente desfavoráveis. Como consequência, houve lesão não só à Administração Pública e ao Sistema Financeiro, como também à democracia, servindo-se da própria estrutura pública para dissimular a prática delitiva. Por isso, o STF, nos casos dos réus em análise, fixou a pena-base acima do mínimo legal.

Na segunda fase da dosimetria destes réus, reiteradas vezes, incidiu-se apenas a agravante do artigo 62, inciso I do CP, por terem sido responsáveis pela organização do esquema criminoso, conduzindo a conduta de outros réus.

Na terceira fase, destaca-se a causa de aumento prevista no artigo 71 do Código Penal que trata dos crimes continuados. O STF considerou que o crime de corrupção ativa de José Dirceu ocorreu por nove vezes (mediante inúmeros pagamentos no decorrer de dois anos), do mesmo modo que a corrupção ativa de parlamentares por Marcos Valério. Analogamente, foram consideradas quarenta e oito operações de lavagem de dinheiro pelo réu Marcos Valério, assim como cinquenta e oito operações para a evasão de divisas.  Quanto a Valdemar Costa Neto, a agravante incidiu também na lavagem de dinheiro, cometido quarenta e uma vezes.

CONSIDERAÇÕES

Primeiramente, a referência feita ao valor do salário-mínimo consiste naquele à época do cometimento do delito, sendo certo que ainda incidirão juros e correção monetária pelo decurso do tempo, o que gerará um aumento significativo dos valores da época.

Em seguida frise-se que, neste estudo, foi levada em consideração a absolvição pelo STF do crime de formação de quadrilha para oito dos réus condenados na ação penal 470, dentre os quais José Dirceu e Marcos Valério, em 27 de fevereiro de 2014. A apreciação dos embargos resultou na absolvição por seis ministros a favor, nomeadamente Teori Zawaski, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Barroso e Ricardo Lewandowski.

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A principal alteração no contexto em que se está analisando consiste no regime inicial de cumprimento de pena do réu José Dirceu, pois antes da reversão da condenação começaria em regime fechado. Reduzida para pouco menos de oito anos a sua condenação à pena privativa de liberdade, o regime passa a ser o semiaberto. Para Marcos Valério, não houve alteração do regime inicial porque passou de quarenta anos, um mês e seis dias para trinta e sete anos, cinco meses e seis dias – o que não lhe confere a prerrogativa de começar em regime mais brando.

EXPOSIÇÃO DAS PENAS APLICADAS AOS RÉUS CONDENADOS MARCOS VALÉRIO, JOSÉ DIRCEU E VALDEMAR COSTA NOTA COM DESTAQUE ÀS SUAS PENAS DE MULTA


RÉUS


Placar de condenação

Pena Privativa de Liberdade

Multa
nº de dias-multa

Valor de cada dia-multa


Total da multa aplicada

Marcos Valério

37 anos, 5 meses e 6 dias

1.063

R$ 3.060.000,00

Corrupção ativa 1[1]

9 x 2

4 anos, 1 mês

180

10 s.m. cada

Corrupção ativa 2[2]

Unanimidade
11 x 0

3 anos,  1 mês e 10 dias

93

15 s.m. cada

Corrupção ativa 3[3]

Unanimidade
10 x 0

7 anos, 11 meses

225

10 s.m. cada

Peculato BB[4]

Unanimidade
11 x 0

5 anos, 7 meses, 6 dias

230

10 s.m. cada

Peculato – Câmara[5]

9 x 2

4 anos, 8 meses

210

10 s.m. cada

Evasão de divisas[6]

Unanimidade
10 x 0

5 anos e 10 meses

168

10 s.m. cada

Lavagem de dinheiro[7]

Unanimidade
10 x 0

6 anos, 2 meses e 20 dias

93

15 s.m. cada

Valdemar Costa Neto

7 anos e 10 meses

450

R$ 1.080.000,00

Corrupção Passiva*

Unanimidade
10 x 0

2 anos e 6 meses

190

10 s.m. cada

Lavagem de dinheiro

9 x 1

5 anos e 4 meses

260

10 s.m. cada

José Dirceu

7 anos, 11 meses

260

10 s.m. cada

R$ 676.000,00

Corrupção ativa

8 x 2

7 anos, 11 meses

260

10 s.m. cada

R$ 676.000,00

Fontes de pesquisa: Acórdão do STF da ação penal 470;

http://www.terra.com.br/noticias/infograficos/mensalao-penas/;

http://g1.globo.com/politica/mensalao/infografico/platb/reus;

http://veja.abril.com.br/o-julgamento-do-mensalao/a-sentenca/;

http://www1.folha.uol.com.br/especial/2012/ojulgamentodomensalao/.


[1] Câmara dos deputados – pagamento de vantagem indevida ao presidente da Câmara dos deputados, o que se relacionou intimamente com a contratação da empresa de publicidade da qual era sócio.

[2] BB – fundo Visanet. **

[3] Parlamentares – Distribuição de dinheiro em troca de apoio aos projetos do Governo Lula na Câmara dos Deputados. Corrompidos pela função/cargo que ocupavam para realização de atos de ofício. A empresa do réu tinha sido contratada por órgãos e entidades públicas federais, de onde desviavam recursos, sacados das contas das agências de publicidade e abasteciam o esquema. *Relação com a imputação da corrupção passiva do réu Valdemar Costa Neto.

[4] BB – Apropriação de valores pertencentes ao Banco do Brasil, chamados de BÔNUS DE VOLUME, devolvidos por empresas contratadas pela instituição financeira como um desconto à entidade pública contratante. + Desvio de recursos do Banco do Brasil como quotista do Fundo de Incentivo VISANET para os réus do núcleo publicitário sem qualquer contrato e mediante antecipações ilegais por serviços não prestados pela agência de publicidade.  **

[5] Câmara – desvio de recursos públicos proveniente da inclusão de despesas que não existiram e não se referiam ao objeto do contrato da agência de publicidade com a Casa do Legislativo, sendo, portanto, desproporcionais aos serviços efetivamente prestados.

[6] 53 depósitos, sem autorização legal, realizados em conta no exterior entre 21.02.2003 e 02.01.2004, através de doleiros ou do Banco Rural.

[7] Fraude na contabilidade de pessoas jurídicas ligadas às empresas do réu, simulação de empréstimos bancários com o Banco Rural e o Banco BMG, além dos meios fraudulentos para ocultar o caráter simulado desses empréstimos e repasses de altas quantias através do Banco Rural de modo dissimuladamente, sendo que a origem dos recursos eram os crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro. Provadas 46 operações de lavagem.

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