4. DISCIPLINA NORMATIVA SOBRE O USO DAS ALGEMAS
Nesse tópico, será analisada a disciplina normativa sobre o uso das algemas no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, serão fornecidos breves comentários sobre Lei de Execução Penal, Código de Processo Penal, Código de Processo Penal Militar, Estatuto da Criança e do Adolescente, Leis de Segurança da Água e do Ar, Normas do Estado de São Paulo, Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil e, por fim, a Súmula Vinculante nº 11, do Supremo Tribunal Federal. Todos esses dispositivos são referenciais para toda e qualquer atividade policial.
4.1 Da Lei de Execução Penal
A Lei de Execução Penal (LEP), instituído pela Lei nº 7.210, de julho de 1984 (p.40), em seu artigo 199 dispõe da seguinte redação: “o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”. Assim, como dito pelo referido artigo, a regulamentação para o uso das algemas depende de uma manifestação do chefe do Poder Executivo, por meio de decreto, elencando as hipóteses em que o uso das algemas deve ser utilizado.
No Brasil, embora seja dada à matéria pouca atenção, ao longo de 32 (trinta e dois) anos nunca teve uma legislação própria sobre o uso das algemas que disciplinasse vastamente a matéria, especialmente pelas forças policiais, embora contendo mandamento cogente sobre a devida regulamentação do uso das algemas por ato privativo do presidente da república (NUNES, 2013).
Desde 1984, após edição da Lei de Execuções Penais, apenas em 1986 começou a se pensar em um projeto de lei a fim de regulamentar o dito artigo 199 da LEP. Assim, foi elaborado o primeiro Projeto de Lei no Senado sobre a matéria, de nº 241/86, de autoria do ex-senador Jamil Haddad, entretanto foi arquivado no fim da sua legislatura. Como Deputado Federal propôs novamente, através do PL nº 1.918/91, porém ficou durante oito anos em tramitação, sendo arquivado em 1999 (HERBELLA, 2014).
Dado o passo inicial pela regulamentação do artigo 199 da LEP, foram ao longo dos anos propostos outros Projetos de Lei, sendo 14 projetos apensados com o tema algemas tramitando em conjunto e aguardam votação na Câmara dos Deputados e Senado Federal, são eles: PL nº 2.753/2000, PL nº 3.287/2000, PL nº 4.537/2005, PL nº 5.494/2005, PL nº 5.858/2005, PL 3.506/2008, PL 3.746/2008, PL nº 3.785/2008, PL 3.888/2008, PL nº 3.889/2008, PL nº 3.938/2008, PDC nº 853/2008 e PL nº 1.164/2015. Por fim, no Senado Federal tramita o PLS nº 75/2012.
Dos projetos de lei elencados acima, cabe uma atenção especial ao PL nº 5.858/2005 que regula o emprego de algemas pelas forças de segurança pública, de autoria do ex-deputado federal do Estado de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho. Este projeto, apesar de ter sido proposto no ano de 2005, apresenta uma louvável técnica jurídica, bem como demonstra uma aproximação da realidade policial nos dias atuais. O referido projeto não tem o condão de regulamentar o artigo 199 da LEP, mas sim revogá-lo para que seja elaborada uma lei própria a fim de regular o uso das algemas (HERBELLA, 2014).
Segundo o PL nº 5.858/2005 (p.1-2) em seus artigos 1º ao 5º dispõe da seguinte redação:
Art. 1º O emprego de algemas pelas forças policiais, civis e militares, far-se-á nos termos da presente lei.
Parágrafo único. Para os efeitos desta lei é considerado assemelhado a algemas qualquer meio material utilizado para a contenção de pessoas que seja aplicado nas extremidades dos membros superiores ou inferiores do corpo humano.
Art. 2º A utilização de algemas é permitida, respeitadas as seguintes normas gerais:
I – na condução de preso que possa oferecer algum tipo de risco aos seus condutores ou em relação a quem haja elementos suficientes para que se presuma que se possa evadir;
II – na contenção de grupo de pessoas em que o efetivo policial seja quantitativamente menor;
III – na condução de pessoa acometida de transtorno emocional ou que tenha feito uso de substâncias químicas que possam alterar seu comportamento e cujas reações possam oferecer risco aos seus condutores, a si própria ou aos circundantes;
§ 1º A autoridade imediatamente responsável pela ação policial deverá decidir sobre a utilização das algemas, obrigando-se a preservar o preso da execração pública, bem como de quaisquer agressões físicas ou morais.
§ 2º Em nenhuma hipótese o preso será exposto à imprensa com suas mãos algemadas antes do término da lavratura do auto de flagrante delito. Art. 3 o Comete crime de abuso de autoridade quem conduzir ou autorizar a condução de pessoas com o emprego de algemas em desacordo com o previsto nesta Lei.
Art. 4º Acrescente-se ao texto do art. 3º, da Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, a seguinte alínea
l): “Art. 3º .............
“l) à liberdade de ação, pela contenção com o emprego de algemas, em desacordo com o previsto em Lei.”
Art. 5º Fica revogado o art. 199 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984.
O que se pode perceber do referido projeto é que contem as hipóteses pelas quais os servidores da área de segurança pública podem realizar a contenção por meio das algemas, como também demonstrou que esse ato é discricionário da autoridade imediatamente responsável obrigando-se, por conseguinte, a preservar a imagem do preso e que se evite qualquer tipo de agressão física ou moral contra ele. Por fim, a autoridade que agir em desacordo com os dispositivos legais responderá pelo crime de abuso de autoridade.
Desse modo, a elaboração de uma lei específica que discipline o uso das algemas pelos servidores e segurança pública é de suma importância, uma vez que não sendo regulado traz certa insegurança jurídica tanto para a sociedade, sobretudo para aqueles que atuam diariamente com esse instrumento de contenção.
No próximo tópico, serão analisados os pontos principais do Código de Processo Penal a respeito do uso das algemas.
4.2 Do Código de Processo Penal
Apesar de não existir norma regulamentando a matéria do uso das algemas de forma específica dentro do ordenamento jurídico. O Código de Processo Penal (CPP), instituído pelo Decreto-Lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941 (p.48), especificamente em seu artigo 284 diz que “não será permitido o uso de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso”. Assim, como regra, no sistema jurídico não é permitida o uso da força, salvo em caso de resistência ou de tentativa de fuga.
Afirma Távora e Alencar (2015, p.825) que:
O uso da força deve ser evitado, salvo quando indispensável no caso de resistência ou tentativa de fuga do preso (art. 284, CPP). O uso desnecessário da força, ou os excessos, podem caracterizar abuso de autoridade, lesões corporais, homicídio etc. Já quanto ao preso, pode incorrer em resistência (art. 329, CP), desobediência (art. 330, CP) ou até mesmo evasão mediante violência contra a pessoa (art. 352, CP).
Destarte, os casos em que o servidor de segurança pública encontra respaldado quanto ao uso das algemas restringem-se a esses dois seguimentos, qual sejam: resistência e tentativa de fuga do preso. Visto que o legislador ordinário demonstrou que essas duas hipóteses são de extrema relevância e vislumbra tanto proteger o preso, como também os agentes em apreço.
Nessa esteira, cabe o ensinamento de Tourinho Filho (2009, p.440) que diferencia resistência passiva da ativa e a tentativa de fuga do preso:
A resistência distingue-se em passiva e ativa. Na primeira hipótese há, como diz Hungria, tão-somente uma oposição ghândica, uma oposição branca, simples manifestação oral de um propósito de recalcitrância, [...]. Traduzindo, apenas, um gesto instintivo de autodefesa, sem intenção positiva de ofender, não constitui a vis característica da resistência. A resistência ativa é aquela na qual existe um manifesto animus oppugnandi.
Em qualquer das hipóteses, admite-se o emprego da força, dentro dos limites indispensáveis para vencer a oposição.
E prossegue
Outra hipótese em que poderá ser usada a força se verifica quando ocorre a fuga do preso. Não se trata, como poderá parecer, apenas da hipótese de alguém que estava legalmente preso. Assim, se a polícia vai prender alguém e este corre, para evitar a prisão, pode o executor, inclusive, usar da força necessária para evitar a fuga [...].
No que tange a resistência por parte do preso, Nucci (2012, p. 620 - 621) afirma também que se divide em resistência ativa e passiva, assim:
No primeiro caso, o preso investe contra o executor da ordem de prisão, autorizando que este não somente use a força necessária para vencer a resistência, como também se defenda. Há, nessa situação, autêntica legítima defesa, [...]. Por outro lado, a resistência pode ser passiva, com o preso debatendo-se, para não colocar algemas, não ingressar na viatura ou não ir ao distrito policial. Nessa hipótese, a violência caracteriza, por parte do executor, o estrito cumprimento do dever legal. Qualquer abuso no emprego da legítima defesa ou do estrito cumprimento do dever legal caracteriza o excesso, pelo qual é responsável o executor da prisão. Note-se, por derradeiro, que o delito previsto no art. 329 do código penal (resistência) somente se perfaz na modalidade de resistência ativa.
Nesse interim, pode-se dizer que a resistência é gênero e que suas espécies pode ser ativa e passiva. A primeira, quando o agente infrator da lei tem o intuito de ofender, agredir, impedir de forma positiva. Nesse caso, configuraria o crime de Resistência, previsto no artigo 329 do CP. A segunda, quando não se tem a intenção (animus) de ofender de forma positiva a integridade física do executor, mas sim causar embaraços durante a sua condução, sendo, por conseguinte, configurado apenas o crime de desobediência, previsto no artigo 330 do CP, salvo outras hipóteses legais.
Outro dispositivo que merece atenção é a resistência oferecida por parte de terceiros em que o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão se utilizar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, conforme o previsto no artigo 292 do Código de Processo Penal (p.50).
Art. 292 se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.
Nesse caso, o servidor de segurança pública pode aplicar a força adequada para defender-se ou para vencer a resistência perpetrada por terceiros, tendo por base o princípio da proporcionalidade, uma vez que a lei não delimitou a sua abrangência, entretanto caso venha a extrapolar esses mecanismos estará sujeito ao postulado da lei de abuso de autoridade, bem como outras infrações em cúmulo material.
Por fim, no ano de 2008, foi realizada uma atualização legislativa por meio da Lei nº 11.689, de 09 de junho de 2008, em que a palavra “algemas” foi introduzida ao Código de Processo Penal (p.83 - 84), especificamente nos artigo 474, §3º e 478, I, a saber:
Artigo 474, in verbis:
[...]
§ 3º não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à integridade física dos presentes;
[...]
Artigo 478 - Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:
I - à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado.
Assim, ficou sedimentado que o uso das algemas no Tribunal do Júri não é permitida, como regra, durante a permanência do réu no plenário, porém, excepcionalmente, poderá ser utilizado esse instrumento quando absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à integridade física dos presentes, bem como, sob pena de nulidade, as partes durante os debates não poderão fazer referências à determinação do uso das algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o réu.
Nesse ponto, a Jurisprudência do STF e do STJ é no sentido de que a utilização das algemas no plenário do júri é permitida, em caso excepcional, desde que devidamente justificada de maneira clara e objetiva pelo Presidente do Tribunal respectivo.
Assim, conforme o Agravo Regimental julgado pelo STF, proveniente da Reclamação nº 8.628 do Estado de São Paulo ocorrido no ano de 2013 e, o Habeas Corpus nº 9.7049 do Estado do Espírito Santo julgado pelo STJ que ocorreu no ano de 2014, ambos fomentam que a utilização das algemas no plenário do Tribunal do Júri deve ser de caráter excepcional e justificada:
RECLAMAÇÃO - PRETENDIDA ANULAÇÃO DO JULGAMENTO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DO JÚRI EM DECORRÊNCIA DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL DO USO DE ALGEMAS PELO RÉU DURANTE A SESSÃO PLENÁRIA - ALEGADO DESRESPEITO AO ENUNCIADO CONSTANTE DA SÚMULA VINCULANTE Nº 11/STF - INOCORRÊNCIA QUANDO O ATO RECLAMADO JUSTIFICAR, ADEQUADAMENTE, A NECESSIDADE DA UTILIZAÇÃO DE ALGEMAS - INVIABILIDADE DO ACESSO À VIA RECLAMATÓRIA - PRECEDENTES - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - Inexiste desrespeito ao enunciado da Súmula Vinculante nº 11/STF (que permite, excepcionalmente, o uso de algemas) quando a autoridade judiciária reclamada indicar, de maneira clara e objetiva, as razões justificadoras da necessidade da utilização de algemas.
STF - AG.REG. NA RECLAMAÇÃO Rcl 8.628 SP, Data de publicação: 23/08/2013
PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. EMPREGO DE ALGEMAS. SESSÃO DE JULGAMENTO. FUNDAMENTAÇÃO DO RISCO. NULIDADE NÃO RECONHECIDA. 1. Fundada a decisão em condições fáticas de segurança do fórum, na sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri, tem-se condição de legalidade - risco concreto demonstrado - e a revisão da efetiva existência de risco se torna descabida incursão em matéria controvertida de fatos, descabida na via do habeas corpus. 2. A possibilidade de terem os jurados sido influenciados pela condição de acusado algemado é mera probabilidade, sem fundamento probatório certo. Prejuízo direto à defesa, tampouco decorre desta condição. 3. Habeas Corpus não conhecido.
STJ - HABEAS CORPUS HC 9.7049 ES 2007/0301429-2, Data de publicação: 20/06/2014
Pode-se perceber que a regra no ordenamento jurídico é a não utilização do uso das algemas, porém de forma excepcional seu uso será permitido, desde que, seja fundamentado de maneira expressa pelo juiz presidente do tribunal do júri, observando, nesses casos, os regramentos mínimos necessários para se garantir à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas, bem como a integridade física dos presentes.
Vencido os dispositivos que tratam das algemas no Código de Processo Penal passa-se a analisar, logo em seguida, o Código de Processo Penal Militar, como sendo um dos que, também, norteiam o uso das algemas no Brasil.
4.3 Do Código de Processo Penal Militar
O Código de Processo Penal Militar (CPPM) regulado pelo Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 dispõe em seu artigo 234, e §1º, sobre o uso das algemas, seguindo a mesma linha de raciocínio do Código de Processo Penal, porém dando contornos diferenciados para determinadas pessoas.
Assim, a Lei 1.002/69 (p.53) em seu artigo 234, caput, sedimenta o seguinte posicionamento:
Artigo 234 O emprego da força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários par vencê-la ou para defesa do executor e auxiliares seus, inclusive a prisão do ofensor. De tudo se lavrará auto, subscrito pelo executor e pelas testemunhas.
O caput do artigo 234, do CPPM, pode ser visto como um desdobramento lógico do Código de Processo Penal, tendo em vista os elementos que são empregados como, por exemplo, desobediência, resistência, tentativa de fuga e resistência por parte de terceiros. Sendo, nesses casos, permitida a utilização das algemas quando estritamente necessária.
O seu parágrafo primeiro elenca outras hipóteses em que o emprego das algemas deve ser utilizado, bem como adverte sobre a impossibilidade de sua utilização nas pessoas por ela elencadas.
Conforme o §1º, do artigo 234, do CPPM (1969, p.53):
§ 1º O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o art. 242.
Nesse caso, observa-se que caso haja perigo de fuga ou agressão por parte do preso, legitima-se ao servidor de segurança pública a utilização das algemas com a finalidade de realizar a contenção, entretanto, na parte final do dispositivo adverte que de modo algum será permitida a utilização das algemas nas pessoas elencadas no artigo 242, do código de Processo Penal Militar (1969, p.54 -55). Por isso, o mandamento legal dispõe da seguinte redação:
Art. 242 Serão recolhidos a quartel ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão, antes de condenação irrecorrível:
a) os ministros de Estado;
b) os governadores ou interventores de Estados, ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de Polícia;
c) os membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das Assembleias Legislativas dos Estados;
d) os cidadãos inscritos no Livro de Mérito das ordens militares ou civis reconhecidas em
e) os magistrados;
f) os oficiais das Forças Armadas, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares, inclusive os da reserva, remunerada ou não, e os reformados;
g) os oficiais da Marinha Mercante Nacional;
h) os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional;
i) os ministros do Tribunal de Contas;
j) os ministros de confissão religiosa.
Sobre esse dispositivo cabe à crítica de Távora e Alencar (2015, p.826) que:
Ao vedar o uso de algemas em determinadas autoridades e portadores de diploma em curso superior, afigura-se anti-isonômica, por não se compatibilizar com o sistema constitucional. Todavia, a primeira parte do texto normativo indica os limites para o uso das algemas e se ajusta aos ditames da constituição do Brasil.
Nesse sentido, o artigo 242, do CPPM mostra-se destoado do postulado jurídico da igualdade previsto na constituição Federal de 1988, de forma a trazer um tratamento diferenciado a aqueles que se encontrarem nas mesmas condições jurídicas, ou seja, existe um privilégio que a lei não contempla, ferindo, consequentemente, o princípio da igualdade contemplado pela Carta Política de 1988.
Ao revés, não sem razão, entende Tourinho Filho (2012, p.660) que:
Em rigor a prisão especial deveria ser estendida a todas as pessoas que fossem presas provisoriamente. Ante a impossibilidade, por falta de recursos e estrutura, limitou-se o legislador a distinguir certas pessoas em vista da sua escolaridade e das funções que exercem no meio social. Não se trata de privilégio, como se propaga na imprensa, mas de uma homenagem em razão das funções que certas pessoas desempenham no cenário político-jurídico da nossa terra, inclusive o grau de escolaridade.
Assim, hodiernamente, essa celeuma a respeito da prisão especial encontra-se sedimentada no sentido de que as pessoas elencadas no artigo 242, do CPPM não se trata de um privilégio, mas sim utiliza-se de certo critério escolar, bem como uma homenagem aos que exercem certa função estatal no meio político-jurídico, desempenhando, portanto, uma posição diferenciada no meio social.
Após a análise do Código de Processo Penal Militar, será disposto no próximo tópico o Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo, também, de suma importância para o estudo das algemas.
4.4 Do Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) encontra-se regulamentado pela Lei nº 8.069, de 13, de julho de 1990, no qual não proíbe expressamente a utilização das algemas em menores em conflito com a lei, porém há de se observar o preceito contido no artigo 178 (p.57), deste diploma que norteia algumas peculiaridades, a saber:
Artigo 178 O adolescente, a quem lhe atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias à sua dignidade, ou que lhe impliquem risco à sua integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade.
O referido dispositivo norteia no sentido de que o adolescente, em que fora atribuída a autoria de ato infracional, não poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial. Nesse sentido, deve-se observar que a palavra “adolescente” foi utilizada de maneira genérica, abarcando também o termo criança. Outro ponto é que não se trata de um dispositivo absoluto, pois, o termo “poderá” demonstra essa flexibilidade. Assim, caso as condições sejam favoráveis e as circunstâncias do caso concreto autorizem o mandamento contido no artigo 178 deve ser obedecido, sob pena de responsabilidade.
Assim, seguem as considerações de Brene e Lépore (2015, p.219) sobre a responsabilização do menor em conflito com a lei pela prática de ato infracional em que afirma:
É preciso identificar se a data do fato (artigo 104, ECA) o menor de 18 anos era criança ou adolescente. O artigo 2º, do ECA aduz que considera-se criança toda pessoa com até 12 anos incompletos e adolescentes quem tem entre 12 anos completos e 18 anos incompletos.
Nesse sentido deve ser observada no momento da apreensão do menor infrator, qual a situação jurídica, sendo criança ou adolescente, pois, exigirão tratamentos conforme as peculiaridades do caso, a fim de evitar risco a sua integridade física ou mental, bem como condições atentatórias a sua dignidade humana.
No que toca a utilização das algemas em menores em conflito com a lei, bem como a observância aos preceitos contido na Súmula Vinculante nº 11 do STF, Greco (2011, p.39) não sem razão, afirma:
De acordo com Estatuto da Criança e do Adolescente, esses adolescentes podem praticar atos infracionais que permitem a sua internação. Muitos deles, inclusive, são mais perigosos do que aqueles que já atingiram a maioridade penal, possuindo estatura e força de pessoas adultas. Nesses casos, presentes os requisitos da Súmula Vinculante nº 11 seria possível algemar um adolescente infrator? A resposta só pode ser positiva. Não podemos agir da ingenuidade nessas situações, argumentando simplesmente com a menoridade daquele que praticou uma conduta considerada gravíssima, com risco, inclusive, para a própria integridade física ou a vida dos policiais que participaram da diligência que culminou na prisão.
Portanto, pode-se dizer que a utilização das algemas em menores infratores requer uma cautela maior, pois, a depender do caso concreto a utilização estará sim legitimada, uma vez que os requisitos autorizativos constantes na Súmula Vinculante nº 11, como resistência, fundado receio de fuga, perigo a integridade física própria ou alheia, desde que justificada a excepcionalidade por escrito.
Analisado o que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, passa-se no próximo tópico o disposto nas Leis de Segurança da Água e do Ar.
4.5 Das Leis de Segurança da Água e do Ar
A segurança do tráfego aquaviário em águas sob a jurisdição nacional encontra-se regulamentada pela Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997 (p.1), no qual dispõe em seu artigo 10, inciso III, sobre a utilização das algemas pelo comandante no exercício das suas funções e com o fito de salvaguardar as pessoas, a embarcação e a carga transportada, veja o dispositivo:
Art. 10. O Comandante, no exercício de suas funções e para garantia da segurança das pessoas, da embarcação e da carga transportada, pode:
[...]
III - ordenar a detenção de pessoa em camarote ou alojamento, se necessário com algemas, quando imprescindível para a manutenção da integridade física de terceiros, da embarcação ou da carga;
Assim, pode-se perceber o caráter excepcional disposto no referido artigo, tendo em vista que o uso das algemas requer uma circunstância necessária e justa para que o seu ato seja validado, ou seja, não é um simples ato que ensejaria a utilização das algemas pelo comandante da embarcação, mas sim é condição sine qua non que seja imprescindível a proteção à integridade das pessoas, da embarcação, ou mesmo da carga que esteja sendo transportada.
Outro regramento que se refere ao uso das algemas é o Código brasileiro da Aeronáutica regulamentado pela Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, que em seu artigo 168 (p.37) também ressalta a utilização das algemas em situações que tivesse pondo em risco a proteção da aeronave, pessoas e bens transportados.
Art. 168 Durante o período de tempo previsto no artigo 167, o Comandante exerce autoridade sobre as pessoas e coisas que se encontrem a bordo da aeronave e poderá:
[...]
II - tomar as medidas necessárias à proteção da aeronave e das pessoas ou bens transportados;
Segundo o artigo 167, caput, da Lei nº 7.565/86 (p.37) ressalta que o “comandante exerce autoridade inerente à função desde o momento que se apresenta para o voo até o momento em que entrega a aeronave, concluída a viagem”. Assim sendo, pode-se perceber que o legislador procurou manter um lapso temporal de início e término do exercício da autoridade como comandante da aeronave, ou seja, para qualquer tipo de responsabilidade (administrativa, civil ou penal) o dispositivo informa que o momento inicial é aquele em que o comandante se apresenta para o voo e, o término, quando há entrega da aeronave ao final da viagem.
Portanto, por meio dessas leis que conferem o poder de polícia aos comandantes tanto na água como no ar, indicam que o algemamento de alguém que venha a por em risco a segurança desses meios de transporte é legal do ponto de vista jurídico.
Outro dispositivo importante e pioneiro no Brasil são as Normas do Estado de São Paulo sobre o uso das algemas, sendo explanado no próximo tópico.
4.6 Das Normas do Estado de São Paulo
Ante a ausência de regulamentação legal sobre o uso das algemas em âmbito nacional, o Estado de São Paulo foi o precursor por meio de um Projeto de Lei nº 443/2007, de autoria do Deputado Baleia Rossi – PMDB, que foi, posteriormente, convertida na Lei Nº 12.906, de 14 de abril de 2008 que estabelece normas suplementares de direito penitenciário e regula a vigilância eletrônica.
Não se trata de uma norma de natureza penal, tendo em vista a vedação contida no Artigo 22, I, da Constituição Federal de 1988 (p.18), mas sim de natureza penitenciário. Nesse caso, o Estado membro pode legislar sobre a utilização das algemas em âmbito local. Caso sobrevenha lei Federal dispondo sobre a matéria, ficará suspensa a eficácia dos dispositivos que forem contrários ao mandamento legislativo federal.
Pertinente é o posicionamento de Herbella (2014, p.92) sobre o regramento utilizado pelo Estado de São Paulo:
Louvável é, a nosso ver, o uso de equipamentos eletrônicos para o monitoramento dos presos. Para que ele seja adequadamente usado e se harmonize com o nosso ordenamento jurídico, contudo, deve-se substituir o bracelete por tornozeleira, que também é prevista na lei específica. Definitivamente, uma tornozeleira pode, com mais facilidade, ser utilizada de forma discreta e sem expor o submetido a constrangimento perante toda sociedade, causando-lhe desnecessária e desmedida execração.
O principal objetivo da lei estadual foi, justamente, regulamentar o uso de algemas e tornozeleiras eletrônicas com o fito de melhor fiscalizar os presos que se encontram no regime aberto e semiaberto, fazendo com que se evite que o detento não retorne quando em livramento condicional, indulto ou saída temporária, bem como redução dos custos para o Estado.
Interessante ressaltar que a utilização correta deste regramento colabora com a redução da violência, evita que o detento durante esse período de liberdade provisória possa vir a fugir, bem como age em consonância com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico, uma vez que o Estado age como um colaborador na ressocialização dos apenados.
Terminada essa explanação sobre As Normas do Estado de São Paulo, o próximo típico será sobre as Regras Mínimas para Tratamento de Presos no Brasil.
4.7 Das Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil
Sobre as Regras Mínimas para Tratamento do Preso no Brasil, que foi aprovado por unanimidade, pelo o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), em sessão de 17 de outubro de 1994, bem como foi considerada a recomendação do Comitê Permanente de Prevenção ao Crime e Justiça Penal das Nações Unidas, realizada em 26 de abril a 6 de maio de 1994, do qual o Brasil é Membro e o disposto na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) , o qual resultou na edição, pelo CNPCP, a Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994 (p.4-5) que em seus artigos 25 e 29 ressaltou sobre a utilização das algemas em âmbito federal nas seguintes hipóteses:
Art. 25. Não serão utilizados como instrumento de punição: correntes, algemas e camisas-de- força.
[...]
Art. 29. Os meios de coerção, tais como algemas, e camisas-de-força, só poderão ser utilizados nos seguintes casos:
I – como medida de precaução contra fuga, durante o deslocamento do preso, devendo ser retirados quando do comparecimento em audiência perante autoridade judiciária ou administrativa;
II – por motivo de saúde, segundo recomendação médica;
III – em circunstâncias excepcionais, quando for indispensável utiliza-los em razão de perigo eminente para a vida do preso, de servidor, ou de terceiros.
Insta salientar que os referidos artigos demonstram uma preocupação que se amolda aos preceitos de justiça e razoabilidade, tendo em vista o standard da dignidade da pessoa humana, pois utilizar as algemas como forma de punição afronta sobremaneira o Estado Democrático de Direito.
Assim, as algemas servem para uma contenção momentânea para que se evite um mal maior como, por exemplo, fuga, deslocamentos para fora do estabelecimento prisional e outras situações excepcionais, pois o rol é meramente exemplificativo.
Por fim, serão dispostos no item abaixo os ensinamentos da Súmula Vinculante nº 11, que veio como forma de solucionar os problemas que cercam o uso das algemas no Brasil.
4.8 Da Súmula Vinculante nº 11, do Supremo Tribunal Federal
Como forma de buscar o melhor entendimento sobre a Súmula Vinculante nº 11, do Supremo Tribunal Federal sobre o uso das algemas é importante que, primeiramente, se faça uma explanação da origem deste instituto na órbita jurídica brasileira.
A Súmula Vinculante como bem afirma Bulos (2014, p.1334) pode ser conceituada como o “instrumento que permite ao Supremo Tribunal Federal padronizar a exegese de uma norma jurídica controvertida, evitando insegurança e disparidade de entendimento em questões idênticas”, ou seja, a súmula é o mecanismo pelo qual se busca evitar controvérsias a respeito de determinada matéria a fim de promover a segurança jurídica do ordenamento jurídico.
No mesmo sentido Moraes (2014. p.815-816) informa que:
As súmulas vinculantes surgem a partir da necessidade de reforço à ideia de uma única interpretação jurídica para o mesmo texto constitucional ou legal, de maneira a assegurar-se a segurança jurídica e o princípio da igualdade, pois os órgãos do Poder Judiciário não devem aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias, devendo, pois, utilizar-se de todos os mecanismos constitucionais no sentido de conceder às normas jurídicas uma interpretação única e igualitária.
Assim, a súmula tem a finalidade de reforçar uma ideia seja do ponto jurídico constitucional ou infralegal, como forma de garantir uma interpretação única e igualitária dentro do território nacional, proporcionando, por conseguinte, ao aplicador da lei a segurança jurídica necessária sobre determinada matéria polêmica e reiterada no âmbito dos tribunais.
A disciplina sobre a Súmula Vinculante encontra-se previsto no artigo 103-A, da Constituição Federal de 1988 (p.67), sendo introduzida pela Emenda Constitucional nº45, de 30 de dezembro de 2004, cujo dispositivo aduz o seguinte:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
A edição da Súmula Vinculante é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal (STF), podendo ser realizada de ofício ou por provocação, exigindo-se a decisão de dois terços dos seus membros, depois de reiteradas decisões polêmicas controvertidas sobre matéria constitucional. Isto é, determinações sobre a interpretação das leis de forma geral e irrestrita, devendo ser obedecida pelos órgãos do judiciário e da administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como sua revisão ou cancelamento devem ser feito pelo próprio Supremo.
O §1º demonstra o objetivo da Súmula Vinculante que é a busca da validade, interpretação e a eficácia das normas, sobre o qual recai controvérsia atual seja entre os órgãos do judiciário seja entre esses e a administração pública que ensejem grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. Segundo Gomes (2012, p.17) o objetivo da súmula foi a “diminuição no número de processos, visto que, como a determinação do Supremo deve ser seguida pelos demais órgãos do Poder Judiciário”. Ou seja, não haveria, em tese, divergência porque a matéria já estaria pacificada.
O §2º indica quais as pessoas estariam legitimadas a provocar o STF para que a súmula seja aprovada, revisada ou cancelada, isto é, a legitimidade repousa naqueles que podem propor ação direta de inconstitucionalidade, conforme artigo 103, da Constituição Federal de 1988.
Por fim, o §3º ressalta que o ato administrativo ou decisão judicial que contrariar o entendimento da Súmula Vinculante ou que indevidamente seja aplicada, caberá reclamação ao STF que, sendo julgada procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial, determinando que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. Isso demonstra que a aplicação da súmula vinculante deve ser aplicada de forma cogente pela administração pública direta e indireta, bem como a todos os órgãos do judiciário.
Feitas essas considerações preliminares acerca da súmula vinculante, importante se faz nesse momento a análise da Súmula Vinculante nº 11, do STF que em seu teor aduz:
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Assim, o uso das algemas passou de regra à exceção, restringindo-se as hipóteses de casos de resistência, fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, exigindo-se em qualquer caso a sua justificação por escrito, sob pena de nulidade da prisão ou do ato processual, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado, bem como a responsabilização administrativa, civil ou penal pela quais incorrerem o servidor de segurança pública ou autoridade policial.
Segundo Herbella (2014, p.93) a inspiração para que fosse editada a Súmula Vinculante nº 11, pelo STF se deram no “julgamento do HC nº 91952 – SP, que discutia o fato do réu ter permanecido algemado durante sessão do tribunal do júri, reconhecendo a necessidade de editar uma súmula vinculante a tal respeito”. Nesse julgado, ocorrido no dia 7 de agosto de 2008, o STF anulou o julgamento de um pedreiro que permaneceu algemado durante toda a sessão do tribunal do júri, pois nesse caso entendeu-se que não havia necessidade e, por conseguinte, influenciou os jurados na decisão final.
No intuito de pacificar a celeuma no que tange ao uso das algemas, o STF acabou criando uma nova polêmica que, segundo Capez (2013, p.323):
Vale, primeiramente, deixar consignado que a mencionada Súmula longe está de resolver os problemas relacionados aos critérios para o uso de algemas, na medida em que a sua primeira parte constitui mero reflexo dos dispositivos já existentes em nossa legislação, deixando apenas claro que o emprego desse instrumento não é um consectário natural obrigatório que integra o procedimento de toda e qualquer prisão, configurando, na verdade, um artefato acessório a ser utilizado quando justificado.
Do preceptivo pode-se abstrair que a Súmula apenas realizou um recorte de outras hipóteses já mencionadas em outros dispositivos legislativos, deixando apenas expresso que o ato de algemar uma pessoa não é procedimento obrigatório e necessário em todos os casos, mas sim de forma excepcional, tanto é que a súmula ressalta a necessidade de sua justificação.
Segundo Távora e Alencar (2015, p.827) para que sejam utilizadas as algemas:
A necessidade de justificação passa a ser da essência do ato, cabendo ao próprio magistrado, quando já identificada a periculosidade do indivíduo, fazer constar no mandado de prisão a necessidade do uso das algemas. Nada impede que delegue à autoridade policial executora da medida tal análise. Na ausência de manifestação judicial, ou nas hipóteses de flagrante ou de mero deslocamento de presos nos atos de rotina, como ida ao fórum, condução ao IML para a realização do exame de corpo de delito, dentre outros, caberá ao condutor justificar o emprego das algemas.
Essa justificação passando a ser essência do ato como bem preceitua a Súmula Vinculante, para que se possa analisar posteriormente a necessidade ou não da utilização das algemas, conforme o caso concreto. Não pode interpretar a Súmula como obstáculo a efetivação do ato, pois o sentido norteador comunga no sentido de que a utilização desse instrumento de contenção seja utilizada quando estritamente ligado às hipóteses por ela disciplinado, como forma de minimizar os excessos.
Adverte Capez (2013, p.323) que:
Muito embora a edição da Súmula vise garantir a excepcionalidade da utilização de algemas, na prática, dificilmente, lograr-se-á a segurança jurídica almejada, pois as situações nelas descritas conferem uma certa margem de discricionariedade à autoridade policial, a fim de que esta avalie nas condições concretas a necessidade de seu emprego.
Diante das hipóteses elencadas pela Súmula pode-se perceber certo grau de subjetividade, pois numa avaliação pormenorizada dos elementos fáticos que ocorrem no caso concreto, o servidor da área de segurança pública estaria autorizado a utilizar as algemas. Importante também, que não seria possível uma lei ou mesmo uma Súmula Vinculante prever todos os casos que ensejariam a utilização das algemas. Por isso, faz-se necessária esse grau de discricionariedade como, válvula de escape, para que a norma se amolde ao fato concreto.
Com precisão Herbella (2014, p.98) afirma que deve haver um meio termo no que tange a proteção dos direitos e garantias individuais do cidadão e o interesse social, pois:
Alguns só defendem os direitos e garantias individuais, olvidando-se de que também merece guarida o interesse social. Mas outros, dizendo atuar em nome desse ultimo, relegam aqueles a segundo plano, o que é inconcebível num Estado Democrático de direito. A referida Súmula primou, sem dúvida, pela proteção aos interesses individuais de quem está sendo submetido à privação estatal da liberdade. Mas atende também ao interesse de todos os outros membros da sociedade (policiais, juízes, promotores, advogados, funcionários e demais frequentadores de delegacias, fórum e tribunais), que têm o direito de ir e vir sem o latente risco de que, numa tentativa de fuga ou resgate, um preso ofenda a sua integridade física? Será que, na verdade, não se está confundindo a divulgação da imagem da pessoa algemada com o próprio ato de algemas em si?
Assim, há entendimentos que os direitos e garantias fundamentais do preso ou detido devem ser respeitados sobre qualquer pressuposto, enquanto outros advogam sob o manto do interesse social. Nesse ponto, a professora Herbella se filia a um meio termo, no qual se deve atender tanto aos direitos e garantias fundamentais do preso, como daqueles que executam os dispositivos legais em prol do Estado como, por exemplo, os policiais que diuturnamente realizam prisões, conduções, custódia em hospitais entre outros. O que a Súmula esqueceu foi de proteger também os direitos dos servidores da área de segurança pública e outras autoridades que podem vir a ter a sua integridade física violada, pois muitas vezes confunde-se a divulgação da imagem da pessoa algemada com o próprio ato.
A súmula traz algumas consequências provenientes do descumprimento das formalidades do ato, quanto pela ausência de justificação como pela fundamentação inconsistente que ensejam a responsabilidade administrativa, civil e criminal, a depender do caso, pode caracterizar também o abuso de autoridade, como pela necessidade de indenizar diante dos danos materiais ou morais, principalmente pela exposição do preso em público diante da imprensa ou outra forma degradante similar. (TÁVORA; ALENCAR, 2015).
Portanto, os servidores da área de segurança pública, bem como os magistrados devem fundamentar a utilização das algemas. Que, segundo Capez (2013, p.324) “não há outra formula a não ser o bom senso e a razoabilidade”. Nesse sentido, pode-se afirmar que a súmula não visou resolver todos os problemas que decorrem do uso das algemas, mas sim que o uso desse instrumento não seja uma regra utilizada por todos, mas somente nos casos em que haja a real necessidade como forma de se evitar excessos que possam vir a denegrir a imagem do preso, ferindo direitos protegidos na Constituição.