O princípio da legalidade e suas vertentes no Direito Penal Brasileiro

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O presente artigo tem por escopo estudar o Princípio da Legalidade no direito penal brasileiro, sob a ótica dos seus desdobramentos alcançando o real significado do princípio da legalidade segundo a doutrina moderna do Direito Penal brasileiro.

Resumo: No direito brasileiro temos uma carga principiológica muito grande, os princípios são fontes no nosso direito e criam obrigações tais quais qualquer lei. Vários são os princípios que estão espalhados pela nossa Constituição Federal e nas legislações extravagantes, um deles é o princípio da Legalidade, princípio que é de fundamental importância em todos os ramos do direito e em cada um deles assume um papel de forma diferente. No direito penal, o princípio da legalidade está estampado no Código Penal, além da positivação na Constituição Federal, acontece que a visão desse princípio não pode ser meramente legalista, conforme uma interpretação literal, deve-se analisa-lo de forma mais ampla, dando a atenção necessária para efetivar o alcance de cada desdobramento desse tão importe princípio.

Palavras-Chave: Princípios no Direito Penal. Princípio da Legalidade. Desdobramentos da Legalidade. Alcance do Princípio da Legalidade.

Sumário: Introdução. 1. Noções sobre princípios do direito penal. 2. Princípio da Legalidade. 2.1 Diferença entre Legalidade Formal e Material. 3. Desdobramentos do princípio da legalidade. 3.1 Não há crime ou pena sem lei: anterior, escrita, estrita, certa e necessária. Conclusão.


INTRODUÇÃO

O presente artigo científico tem o objetivo de realizar um estudo sistemático e aprofundado sobre o Princípio da Legalidade e suas vertentes ou desdobramentos dentro do direito penal brasileiro, mais precisamente delimitando-se no tema: “O princípio da legalidade e suas vertentes no direito penal brasileiro”.

Apesar de não existir hierarquias entre princípios, podemos arriscar dizer que o princípio da legalidade é um dos mais importantes para todo o ordenamento jurídico brasileiro e para o direito penal não poderia ser diferente.

Nesse passo, o estudo desse princípio deve ser alvo de uma análise calma, sem apressamentos, para se compreender todo o seu real alcance. Contudo, mais precisamente no direito penal, é comum se dar apenas uma interpretação literal do que se está tipificado no artigo 1° do Código Penal e do artigo 5°, II, da Constituição Federal, o que seguramente não deve ser feito.

Desse modo, a pesquisa em questão será dividida da seguinte maneira, no primeiro capítulo serão abordadas as noções introdutórias sobre princípios no direito penal brasileiro, precisamente sobre conceitos.

No segundo capítulo do texto será abordado o Princípio da Legalidade, que é o enfoque principal deste trabalho, abordando seu conceito, suas características entre outros tópicos. Neste capítulo será apresentado também uma diferença muito importante que merece análise em subtópico apartado do tópico anterior, qual seja a diferença entre a Legalidade Formal e a Legalidade Material.

No terceiro capítulo serão explanados os desdobramentos do Princípio da Legalidade no Direito Penal brasileiro, demonstrando o verdadeiro sentido e alcance deste princípio.

O quarto e último capitulo trará as considerações finais sobre o tema, abordando tudo que foi visto e exposto no trabalho cientifico.

Desta feita, o estudo será produzido através da pesquisa exploratória bibliográfica que se caracteriza por aprofundar o conhecimento da realidade, explicando a razão e o porquê das coisas. Isso através de fonte de papel impressa, fontes informatizadas, de conteúdos já elaborados, além de consultas a revistas e artigos científicos que ofereçam conteúdo interessante e de relevância ao tema.

Finalmente, através de análise sistemática, busca-se por meio deste demonstrar que o alcance do princípio da legalidade é muito maior que a simples interpretação literal dos dispositivos do código Penal e da Constituição Federal, ao mesmo passo que demonstrar que uma interpretação literal deste princípio é uma visão falha e apressada.

Far-se-á isso com um estudo completo e sistematizado em relação ao referido princípio.


1 NOÇÕES SOBRE PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL

Os princípios são fontes do direito brasileiro, ou seja, eles buscam indicar de onde a norma emana, e com o direito penal não é diferente, Cunha (CUNHA, 2015, p. 51) afirma que “ao tratar das fontes do Direito Penal, o que se busca é indicar de onde a norma penal emana, qual sua origem, de onde ela provém e como se revela”.

Os princípios podem ser expressos no nosso ordenamento jurídico ou ainda implícitos, que é quando derivam de desdobramentos de um princípio que se encontra taxativamente positivado no nosso ordenamento pátrio. A esse respeito nos ensina Cunha em sua obra Manual de Direito Penal, in verbis:

os princípios podem ser explícitos, quando positivados no ordenamento, ou implícitos, quando derivam daqueles expressamente previstos e que decorrem de interpretação sistemática de determinados dispositivos. Como exemplo dos primeiros, temos o da individualização da pena, insculpido no artigo 5°, inciso XLVI, da Constituição Federal, do qual deriva, implicitamente, o da proporcionalidade, segundo o qual se deve estabelecer um equilíbrio entre a gravidade da infração praticada e a severidade da pena, seja em abstrato, seja em concreto. ” (CUNHA, 2015, p. 67)

Importante se faz ainda tecer alguns comentários sobre a diferença entre Leis e princípios. Existem duas diferenças primordiais que o professor Cunha (CUNHA, 2015, p.67) de forma cristalina traz em seus ensinamentos, a primeira “diz respeito à solução de conflito existente entre ambos. Havendo embate entre leis, somente uma delas prevalecerá, afastando-se as demais. Não será essa a solução, todavia, para o enfrentamento entre princípios”.

No embate entre princípios, invoca-se a proporcionalidade para a solução do caso concreto, ou seja, utiliza-se uma técnica de ponderação de valores para aplica-los em conjunto na medida de sua compatibilidade e necessidade, dessa informação podemos deduzir, portanto, que não existe revogação de princípios no ordenamento jurídico brasileiro.

Cunha em sua ora Manual de direito Penal ainda nos ensina a segunda grande diferença entre leis e princípios, senão vejamos:

outra diferença está no plano da concretude. Malgrado ambos sejam dotados de aplicação abstrata, os princípios possuem maior abstração quando comparados à lei. Com efeito, a lei é elaborada para reger abstratamente determinado fato, enquanto os princípios se aplicam a um grupo indefinido de hipóteses. (CUNHA, 2015, p.68)

São vários os princípios que norteiam o direito penal brasileiro, como já dito alguns expressos e outros implícitos, Nucci em sua obra Direito Penal parte Geral cita os seguintes princípios, in verbis:

dignidade da pessoa humana: cuida-se de um princípio regente, que envolve o direito como um todo, produzindo reflexos no direito penal (art.1°, III, CF). É base e meta do Estado Democrático de Direito, focalizando dois prismas: objetivo, para garantir o mínimo de subsistência do ser humano; subjetivo, para assegurar o bem-estar individual, calcado na autoestima e na respeitabilidade da diante da sociedade[...]

Devido processo legal[...]

Legalidade[...]

Anterioridade[...]

Retroatividade[...]

Personalidade ou responsabilidade pessoal[...]

Individualização da pena[...]

Humanidade[...]

Intervenção Mínima[...]

Culpabilidade[...]

Taxatividade[...]

Proporcionalidade[...]

Vedação da dupla punição pelo mesmo fato[...] (NUCCI, 2012, p.23-26)

O estudo dos princípios torna-se mais dinâmico se abordado através da visão trazida por Cunha, que resolveu dividir esse estudo em quatro grandes grupos de princípios, quais sejam: a) Princípios relacionados com a missão fundamental do Direito Penal; b) Princípios relacionados com o fato do agente; c) Princípios relacionados com o agente do fato; d) Princípios relacionados com a pena.

Se encaixariam no primeiro grande grupo de princípios os princípios da exclusiva proteção de bens jurídicos e o da intervenção mínima, no segundo grupo se enquadram os princípios da exteriorização ou materialização do fato, o princípio da legalidade (que será o enfoque principal deste trabalho) e o princípio da ofensividade ou lesividade, no terceiro grupo temos os princípios da responsabilidade pessoal, da responsabilidade subjetiva, da culpabilidade, da igualdade, da presunção de inocência ou não culpa e por fim no último grupo temos os princípios da dignidade da pessoa humana, da individualização da pena, da proporcionalidade, da pessoalidade e da vedação do “bis in idem”.

Em síntese, esses são os principais princípios que norteiam o direito penal brasileiro.


2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Conforme já mencionado, embora não exista hierarquia entre princípios, muitos doutrinadores são firmes em ensinar que este seria o principal princípio do direito penal brasileiro.

Nas palavras de Nucci (NUCCI, 2012, p. 23) “é o mais relevante princípio penal, pois assegura que não há crime (ou contravenção penal) sem prévia definição legal; igualmente, inexiste pena sem prévia cominação legal. ”

O professor Nucci ainda elucida uma definição do princípio da legalidade, abaixo transcrita:

o princípio da legalidade advém da Magna Carta (ano de 1215), com a finalidade de coibir os abusos do soberano. Estabelece somente constituir delito a conduta consagrada pela lei da terra (by the law of the land), vale dizer, os costumes, tão importantes para o direito consuetudinário. Com o passar do tempo a expressão transmudou-se para o devido processo legal (due process of law), porém seu significado não se alterou. Aliás, ampliou-se para abranger, além da vedação de punição sem prévia lei, outros princípios fundamentais, como a presunção de inocência, ampla defesa, o contraditório, dentre outros preceitos, enfim, sem os quais a justiça não atingiria seu status de dignidade e imparcialidade. (NUCCI, 2012, p. 23)

O princípio em tela é um princípio que pertence ao grupo dos princípios relacionados com o fato do agente e está tipificado no artigo 1º do Código Penal e também no artigo 5º, II, da Constituição federal, ipsis litteris:

Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. (BRASIL, 1940, online)

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...]

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (BRASIL, 1988, online)

A origem de tal princípio é decorrente de alguns documentos históricos que fizeram menção a uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera de liberdades individuais, e por isso a Constituição Federal o consagrou nos direitos e garantias fundamentais.

Os principais documentos internacionais que podemos citar são: Convênio para a proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais de 1950; Convenção Americana de Direitos Humanos (pacto de San José da Costa Rica) de 1969 e o Estatuto de Roma que instituiu o Tribunal Penal Internacional em 1998.

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A legalidade, em sua essência, ela é composta de dois fatores, sendo o primeiro resultado da reserva legal e o segundo da anterioridade. Só pode-se falar em legalidade com o acumulo desses dois fatores, se um deles for desrespeitado teremos uma afronta a tal princípio. Esses conceitos serão aprofundados no capítulo 3 deste trabalho.

Nessa toada de pensamentos, oportuno se faz trazer à baila os ensinamentos do professor Cunha que definiu em sua obra que o princípio da legalidade possui três fundamentos, quais sejam:

(a)Político, numa clara exigência de vinculação dos Poderes Executivo e Judiciário a leis formuladas de forma abstrata, impedindo o poder punitivo arbitrário;

(b)Democrático, que representa o respeito ao princípio da divisão de poderes, conferindo aos representantes do povo (parlamento) a missão de elaborar as leis;

(c)Jurídico, pois a lei prévia e clara produz importante efeito intimidativo. (CUNHA, 2015, p. 81-82)

A evolução desse princípio é salutar para que se possa falar em um direito penal racional compatível como o Estado Democrático de Direito, a exemplo dessa evolução cita-se a ampliação de sentido da redação do artigo 1º do CP que utiliza a palavra “crime”, sendo que hoje, é pacífico o entendimento que onde se lê “crime”, deve-se interpretar “infração penal”, portanto, abrangendo também as contravenções penais e além disso, onde se lê “pena” deve interpretar “sanção penal”, incluindo as medidas de segurança em seu bojo.

2.1 Diferença entre Legalidade Formal e Legalidade Material

Uma importante diferenciação que se faz necessária ao real entendimento deste princípio consiste em dividi-lo em legalidade Material e Legalidade Formal.

A legalidade Formal é aquela que obedece ao devido processo legislativo, portanto é uma lei vigente, enquanto a legalidade Material é aquela em que seu conteúdo respeita os direitos e garantias do indivíduo, essa legalidade garante a validade da lei.

Assim, podemos perfeitamente nos deparar com uma situação na qual uma lei seja vigente, pois respeitou os trâmites legislativos, contudo, não seja válida por desrespeitar algum direito ou garantia individual do ser humano.

Cunha traz cristalinamente essa diferenciação, verbis:

a Legalidade Formal representa obediência aos trâmites procedimentais (devido processo legislativo) fazendo da lei aprovada, sancionada e publicada uma lei vigente. Entretanto, para que haja legalidade material,  a observância às formas e procedimentos impostos não é suficiente, sendo imprescindível que a lei respeite o conteúdo da Constituição Federal, bem como dos tratados Internacionais de direitos Humanos, observando direitos e garantias do cidadão. Apenas desse modo é possível falar em lei válida.

 Portanto não resta dúvidas sobre essa diferenciação, a título de exemplo com base nessa distinção, podemos citar que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 2°, §1º da Lei n° 8.072/90, que vedava a progressão de regime para os crimes hediondos. Esse artigo embora atendesse a legalidade formal ele era uma afronta à legalidade material, por violar a individualização da pena e a dignidade da pessoa humana.

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