APRESENTAÇÃO
É difícil compreender que durante um tempo da História os indivíduos não tinham o direito de expressar suas idéias, tanto de forma tácita como de forma expressa, que as pessoas poderiam ser queimadas em praça pública ou torturadas por não pensarem de acordo com os princípios de um tribunal cujos interesses eram principalmente econômicos.
O cerne desse documento é o procedimento inquisitorial no direito medieval, entretanto para uma abordagem coerente se fez necessário buscar como se procederam as formas históricas envolvendo tal fato, pois o contexto histórico é um recorte fundamental na configuração de teorias.
Os procedimentos inquisitoriais são elementos efetivos e complementares do direito medieval e por esta razão fundem-se com os aspectos históricos, econômicos, sociais e políticos.
Entender como se procedeu a inquisição e toda sua complexidade seria um desafio que se percebeu já é tema de teses de doutorado, dissertações de mestrado e monografias, entretanto, esse documento possui apenas um caráter descritivo-analítico sem a intenção de um aprofundamento de maior grandeza, o que não tira sua valiosidade enquanto referencial teórico.
Num primeiro momento, se abordará o direito medieval do ponto de vista da História, apenas para a busca de uma compreensão de como os fatos ocorreram e de como a Idade Média foi um importante momento da história da humanidade.
Em segundo momento prevalecerá o aspecto social a fim de que se possa entender como era composta a sociedade da época, pois este aspecto é importante na medida em que explica as funções de cada grupo social.
Mais adiante um enfoque econômico na pretensão de argüir sobre as questões que realmente auxiliaram na manutenção do feudalismo enquanto principal atividade econômica de base social.
Num último momento, o aspecto político para se finalizar o pensamento no entorno da consolidação do Tribunal da Santa Inquisição.
Em todos os aspectos descritos se faz necessário entender que o direito esteve presente em todos eles, ora como protagonista das ações sociais, ora como coadjuvante delas, no entanto sempre permeando e auxiliando a construir historicamente as bases do direito pós-moderno.
Portanto, para o entendimento necessário do funcionamento dos direitos inquisitoriais é necessário que nos situemos de forma sistêmica. Isto quer dizer que é importante contextualizar um dado de relevância como este fazendo-se uso dos aspectos históricos, econômicos, sociais e políticos, conforme será observado e comprovado.
1 DIREITO MEDIEVAL
1.1 O mundo medieval[1]
De acordo com a periodização normalmente aceita pelos historiadores, a Idade Média compreende o período de 476, quando o último imperador romano do Ocidente foi destituído pelos povos germânicos, estendendo-se até 1453, momento em que a cidade de Constantinopla foi dominada pelos turcos otomanos, marco final do antigo Império Romano do Oriente.
De acordo com Figueira (2007, p. 67) “a expressão Idade Média surgiu no século XIV, durante o movimento cultural denominado Renascimento”. Os renascentistas acreditavam viver um momento único da História , marcado por grande efervescência cultural.
Segundo Azevedo & Seriacope (2007, p.82)
A expressão Idade Média foi criada por pensadores humanistas do final do século XV com um significado pejorativo. Para esses pensadores, o período posterior às invasões germânicas havia sido de atraso, obscurantismo e ignorância.
A citação nos leva à idéia de que tudo o que houve na Idade Média é ruim, ou pelo menos de que prevalecem os fatos negativos, quando na verdade houve pontos positivos, como o desenvolvimento das maiores universidades e da ciência como um todo.
1.2 O contexto histórico
A expressão Idade Média é também conhecida por outros nomes, tais como Idade das Trevas ou Idade da Escuridão (MORAES, 2008, p. 73), enfim, o que se sabe e o que a escola básica nos ensina pontualmente ora pela Literatura, ora pela própria História, é que seu percurso temporal se inicia no século V d.C. e se finaliza no século XVI, marcando essa época como um momento da história da humanidade em que a Igreja Católica exerceu seu maior poder governamental e assumiu o papel de gestora das atividades humanas, isto é, de reguladora e regulamentadora dela, aplicando leis e sanções humanas e desumanas, sendo alvo (as desumanas) de um pedido de perdão por parte do Papa João Paulo II, pelo extermínio de milhares de judeus durante a Idade Média.
Nesse momento histórico o direito assume um papel restritivo e caracterizador de tais atividades humanas, regulando e regulamentando tais ações de acordo com interesses próprios da Igreja Católica.
O direito foi se consolidando nesse contexto como uma espécie ferramenta inerente à propriedade privada, ou seja, sobre o direito de propriedade do senhor feudal, ao contrário do que ocorreu anteriormente, na Antiguidade, cuja terra era de todos e cuja coletividade era sistêmica e uma eficiente forma de sobrevivência humana. Na Idade Média perdura a idéia de que as terras possuem donos e só se abrirá mão de tal bem se for por questões puramente próprias, tais como receber o perdão do presbítero ou conseguir a própria salvação.
Em função de tanto sacrifício que marca toda uma representação simbólica, sabe-se que a maior fortuna configurada pelo patrimônio pertencente a Igreja Católica foi gerada na Idade Média e certamente toda a sua grande influência no mundo pós-moderno é fruto do trabalho construído por esta nesse período da História.
O processo de poder estatal da Igreja deu-se em função da inserção do cristianismo como premissa única de um movimento teocêntrico gerado pela Igreja Católica, isto é, “você deve seguir tais leis porque Deus quis assim”.
Neste sentido, um importante fato histórico de grande relevância foi a criação do Tribunal da Santa Inquisição, característico do fenômeno social denominado Inquisição, cuja principal função era regular a vida dos indivíduos consolidando, por meio de interesses políticos, como todos deveriam agir.
Sabe-se, por meio da literatura, de um fenômeno denominado “compra do perdão”, que pode ser explicado por toda a troca recíproca, ou seja, a Igreja Católica recebia bens tangíveis e perdoava os eventuais pecadores, inclusive de penas consideradas de superior gravidade, tais como a queimada em praça pública.
Portanto, o que se materializa na Idade Média enquanto fato histórico proveniente do direito, é a presença dos elementos reguladores e regulamentadores personificados pelo feudalismo, pela inquisição e pelo catolicismo soberano, sendo o direito protagonista das ações entre estes elementos.
2 DIREITO MEDIEVAL
2.1 O contexto social
Em termos de organização, tem-se uma sociedade puramente feudal caracterizada pelo senhor feudal e pelo servo. Neste sentido, mais uma vez é possível identificar a forte presença da Igreja Católica como centro aglutinador dessa sociedade, pois
Pode-se dizer que a Igreja Católica foi a alma da sociedade feudal, onde o clero era constituído como a única classe letrada e, os servos e senhores, na maioria ignorantes e completamente analfabetos. Os sacerdotes, arcebispos, padres e párocos constituíam o clero secular, porque seus membros viviam na sociedade ou no mundo (do latim seculum). Os bispos governavam uma diocese constituída de várias paróquias e administravam em nome da Igreja. Já o clero regular era dividido em diversos grupos de comunidades e, cada comunidade de convento que obedecia à mesma regra, denominava-se , como ainda hoje denomina-se "ordem". A importância do clero regular na cultura medieval foi enorme. Bastaria dizer-se que as obras mestras da literatura latina chegaram até os nossos dias através dos manuscritos copiados pelos monges. O respeito que impunham criava ao redor dos mosteiros uma zona de segurança, onde a massa campesina encontrava asilo e proteção. A Igreja enaltecia a dignidade do trabalho, dando o exemplo com a operosidade de seus monges na agricultura: "Ora et labora" - reza e trabalha.[2]
A pertinência da citação consiste no fato de que pode-se visualizar de forma objetiva como se configurava o processo de organização social cujo protagonismo era proveniente da Igreja Católica, ou seja, pode-se pensar que no topo da pirâmide social estão os religiosos católicos, numa segunda escala estão os senhores feudais e em último lugar os servos.
É por isso que entre tantos fatos sociais, vê-se que as relações de direito são permeadas pelos princípios religiosos e vão, de camada em camada se consolidando e implementando leis que regem tais grupos sociais.
É importante destacar que para a configuração do direito enquanto elemento de organização social a posse da terra torna-se uma fundamental ferramenta de consolidação desse direito, pois era a posse de terra que definia a divisão da sociedade.
A partir dessa definição pôde-se considerar a existência das duas classes anteriormente citadas: os senhores feudais, proprietários, que poderiam ser leigos ou eclesiásticos; e os não proprietários, isto é, os servos (a maioria da população).
Por não haver mobilidade entre esses dois grupos sociais, pois a condição era dada por hereditariedade (filho de nobre era nobre, filho de servo era servo), cada segmento tinha uma situação jurídica e social própria e inalterável, tornando a sociedade fortemente estratificada; e mais
A relação entre essas classes baseava-se na exploração do trabalho do servo. Era assim que o senhor feudal se mantinha como elite. O servo era trabalhador rural, que, sem a propriedade da terra e desamparado de qualquer defesa militar ou jurídica, buscava a proteção do nobre. Em troca das terras concedidas pelos senhores, de proteção militar e jurídica os servos deviam uma série de obrigações como a corvéia[3], a talha[4] e as banalidades[5]. Mas não havia apenas servos trabalhando; havia ainda trabalhadores livres (vilões, ou seja, moradores da vila). (MORAES, 2008, p. 85).
A fim de complementar a pertinente afirmação de Moraes, vale lembrar que a mobilidade social praticamente inexistia e que do ponto de vista do direito rígidas tradições e vínculos jurídicos determinavam a posição social das pessoas já desde o nascimento.
Portanto, conclui-se que a mão-de-obra predominante na Idade Média foi a servil, o que configura que tal camada foi de fundamental importância para se pensar o direito como forma de inclusão aos menos favorecidos, ou excluídos socialmente, ou seja, os servos, pois para ter acesso aos bens juridicamente estabelecidos, mantinham uma relação de troca com seus senhores; já que para os mais favorecidos ele sempre foi um elemento básico.
3 DIREITO MEDIEVAL
3.1 O contexto político - econômico
Em primeiro lugar é necessário esclarecer que o feudalismo é a principal atividade econômica na Idade Média.
O direito desenvolveu seu papel no cotidiano humano de forma a intermediar as relações econômicas estruturais. Como se afirmou anteriormente, o sistema principal responsável pela consolidação da economia durante a Idade Média era o feudalismo[6].
A Igreja Católica desempenhou um papel fundamental na formação do feudalismo, pois como portadora principal do direito ela estruturou a visão de mundo do indivíduo medieval, unificou a cristandade sob seu poder, interferindo nas guerras e nas sucessões monárquicas.
Isto quer dizer que toda as cidades e vilarejos se formavam ao redor de uma igreja ou mosteiro, o que significa que ao acobertar ou dar suporte aos fugitivos de guerra, por exemplo, ao acolher os menos favorecidos, enfim, ao utilizar o seu poder de persuasão divina, a Igreja foi consolidando seu poder econômico.
Neste sentido, Moraes ratifica esse fato ao afirmar que “o papa controlava vários territórios que compunham o patrimônio de São Pedro; além disso, várias ordens clericais dispunham de feudos” (MORAES, 2008, p. 77).
Então, é possível perceber que nas relações humanas permeadas pelos aspectos econômicos, a Igreja Católica também se fez presente.
2.2 O feudalismo e o direito consuetudinário
No feudalismo havia o sistema de colonato, um sistema jurídico no qual o colono era obrigado a se fixar na terra, sob a tutela do proprietário; esse processo dá origem à servidão.
As grandes propriedades rurais (vilas) também colaboraram para a configuração dessa estrutura. Segundo Figueira (2005, p.72) “com a decadência das atividades urbanas e as penetrações bárbaras, as vilas se tornaram o centro da vida econômica e refúgio dos camponeses que tentavam se proteger dos bárbaros”.
Esse aspecto nos leva a concluir que as decisões políticas (principalmente as que consolidam os direitos e deveres sociais) passaram a ser tomadas pelos poderes[7] locais, ou seja, pelos senhores feudais, portadores da lei dentro de um sistema cuja maior característica é a predominância daquele que tem maior poder aquisitivo.
Essas decisões passaram a ser a base do feudalismo e entre elas estão o comitatus[8] (costume germânico) direito consuetudinário[9] e a economia rural[10].
Portanto, o direito se consolidava como elemento de organização social, pois, todavia e principalmente de forma a contemplar os aspectos econômicos, pois percebeu-se que sem estes não haveria desenvolvimento social.
4 DIREITO MEDIEVAL
4.1 O contexto político
Pode-se afirmar que a principal figura detentora do direito humano era o papa, cujo poder era dominante, soberano e definitivo, ou seja, era o papa o governador geral direto ou indireto sobre a vida das pessoas, ele era o grande tutor, dotado de poderes nunca imagináveis em sociedade moderna.
Os reis eram submissos e governavam por ordem divina. Por isso, seus governos eram superficiais, pois de fato os presbíteros eram a grande força social.
Sabe-se que
No Século XIII, o papado achava-se no auge de seu domínio secular; era independente de todos os reinos; governava com uma influência jamais vista ou possuída por cetro humano algum; era o soberano dos corpos e das almas; para todos os propósitos humanos, possuía um poder incomensurável para o bem e para o mal[11].
Certamente o papa era o grande político mundial e ainda continua exercendo forte influência no mundo contemporâneo, entretanto o mais marcante fato que entrou para a história da humanidade durante este período foi certamente criação dos tribunais da Santa Inquisição.
4.2 A Inquisição: os tribunais
Sabe-se que a inquisição durou mais de cinco séculos, sua força política foi brutal a ponto de causar danos humanitários distantes de qualquer avaliação real.
Segundo, Besen
Os bispos eram os responsáveis naturais pela defesa da fé e denúncia dos hereges. Como nem sempre eram muito zelosos, são criados tribunais de caça e julgamento de hereges: nascia a Inquisição (BESEN, 2008, p. 01).
Sobre sua instituição jurídica, pode-se afirmar que
Em 1231, no Concílio de Toulouse, sob a liderança de Gregório IX, Papa de 1227 a 1241, foi oficialmente criada a Inquisição ou Tribunal do Santo Ofício, um tribunal eclesiástico que julgava os hereges e as pessoas suspeitas de se desviarem da ortodoxia católica. Em 1252, o Papa Inocêncio IV (1243-1254) publicou o documento "Ad Exstirpanda", autorizando a tortura e declarando que "os hereges devem ser esmagados como serpentes venenosas". [12]
Os tribunais eclesiásticos eram de extrema importância durante a Idade Média, sobretudo porque não julgavam apenas os membros do clero, mas faziam manifestações políticas a respeito de todos os temas relacionados de forma direta ou indireta com a igreja, como a elaboração de contratos celebrados sob juramento, os testamentos, as questões referentes à órfãos e viúvas, casos de bruxarias, os sacrilégios, entre outros.
Importante destacar que
A maneira de julgar dos tribunais eclesiásticos era sumamente mais justa que os processos bárbaros utilizados pela justiça feudal, como os "ordálios" e "juízos de Deus". Nos tribunais ordálios exigia-se que o acusado provasse sua inocência colocando a mão no fogo ou água fervente. Os "juízos de Deus" submetiam o acusador e o acusado à luta, e tinha ganho de causa o vencedor. O julgamento da Igreja Católica pautava-se por um conjunto de normas que constituíam o direito canônico, o qual proporcionava aos acusados defesa muito mais amplas e penas menos severas, razão por que a maioria das pessoas procurava estar sob jurisdição eclesiástica. [13]
Outro importante fenômeno jurídico social era a ex-comunhão, recurso utilizado para coibir dissidências que pudessem eventualmente atingir os princípios básicos da sã doutrina.
Ao indivíduo excomungado pelo presbítero cabia a sanção de ser excluído da comunidade dos fiéis e não podia receber os sacramentos e os católicos, bem como não podiam ter nenhuma relação ou contato com ele.
Aos senhores feudais insistentes na persistência da rebeldia, a sanção imposta pela igreja era a de interdição, cuja implicância estava no fato de que se consolidava a proibição de realizar de qualquer cerimônia religiosa no feudo.
4.3 O inquisidor
Inicialmente o objeto da Inquisição era apenas a heresia, abundante na época: cátaros, albigenses, valdenses, passaginos, josefinos, esperonistas, arnaldistas, luciferianos, begardos, etc. Também era suspeito de heresia quem conversava com um herege. Com o tempo, alarga-se o campo inquisitorial, incluindo quem praticasse sortilégio, bruxaria, necromancia, feitiçaria, adivinhação, usura, incesto, sodomia, blasfêmia. O Tribunal de Igreja tornou-se a imagem de uma sociedade totalitária que não admitia o diferente.
Besen explica que
O Manual ensinava ao Inquisidor 50 maneiras de que o demônio se servia para impedir o ato sexual, provocar impotência ou aborto.
As mulheres foram as grandes sofredoras. Entre 1627 e 1630, quase todas as parteiras de Colônia (Alemanha) foram eliminadas. As “bruxas” (geralmente mulheres de má aparência) eram culpadas de todos os males da sociedade européia. Isso foi longe: ainda em 1721, em Freising, na Alemanha, a sala das torturas era incensada, celebrava-se a missa pelo bom sucesso do trabalho e se abençoavam os instrumentos de tortura. Isso vale para católicos e protestantes, pois todas as Igrejas da Reforma (protestantes, anglicanos e calvinistas) admitiram o uso da Inquisição (BESEN, 2008, p. 03).
A citação é pertinente quando se pensa que o principal elemento da de culpabilidade para uma condenação por heresia era a confissão. Neste sentido, uma eficiente ferramenta de se conseguir confissões entre os fiéis por parte da inquisição era a tortura imposta a adultos e crianças sem distinção de gênero.
4.4 O processo inquisitorial[14]
Após a composição do Tribunal, o Inquisidor proferia um sermão exortando todos à conversão e à colaboração. Seguia-se o Edito de Graça: os que se apresentassem num prazo de 15 a 30 dias recebiam a penitência com a absolvição.
Expirado o prazo, era publicado o Edito de Fé: todos eram intimados à denúncia e os denunciados eram caçados e presos e sujeitos ao processo. A habilidade do Inquisidor fazia o réu entrar em contradição, pedir perdão, reconhecer o erro. Não se descobrindo culpas, o réu era absolvido. Havendo indícios de culpa passava pelo cárcere ou pela tortura.
A lei eclesiástica admitia a tortura, mas não por mais de meia hora e que não se quebrasse nenhum osso. Os meios de tortura eram os mesmos dos tribunais civis da época, todos horrorosos.
O réu arrependido, chegando-se à conclusão do processo, recebia penitência e era sujeito a humilhações. Se caísse novamente na heresia, a pena de morte estava garantida. Se o réu confessasse o erro, mas sem arrependimento, era colocado por meses em cárcere severo. Se mesmo assim persistisse no erro, morte pela fogueira.
As sentenças eram publicadas de forma solene: uma grande procissão, acompanhada pela multidão, levava os acusados à igreja onde eram lidas as sentenças. No pátio, erguia-se a fogueira onde eram queimados os hereges impenitentes. Normalmente a multidão gostava de assistir a esse espetáculo macabro, quer por ver o falso triunfo da verdade, que porque a cultura era mesmo cruel.
Todos passavam por um processo de inquisição que era sumário; sendo que aos réus não era concedido o direito de apelação da sentença e os advogados nomeados eram fiéis papistas, ou seja, defendiam menos os direitos dos acusados do que os interesses de Roma, por exemplo.
Figueira afirma que
Qualquer pessoa, até anônimos e crianças, podiam acusar alguém de heresia. A denúncia era a prova. O julgamento era secreto e particular. Se o réu confessasse podia se beneficiar com a absolvição dada por um padre, para livrar-se do inferno. As testemunhas poderiam ser submetidas a tortura, se entre elas houvesse indícios de contradições.Tão logo recebiam a denúncia, os inquisidores providenciavam a prisão do acusado. A partir daí ele ficava preso e incomunicável por um tempo indeterminado. Qualquer tentativa da família ou de amigos de demonstrar interesse pelo livramento do herege, poderia ser arriscada, pois amigos de herege também eram hereges (FIGUEIRA, 2005, p. 75).
Faz-se pensar que se houvesse ilicitude da parte denunciante o prejuízo moral era infinito, ainda mais se a denúncia partisse de uma família nobre seria considerada socialmente como uma verdade absoluta, fazendo-nos crer que o direito era para os mais favorecidos; o que prevalece até hoje.
A reclusão carcerária, temporária ou perpétua, os trabalhos forçados nas galés e a excomunhão[15] e entrega às autoridades seculares para serem levados à fogueira eram as principais sansões, além do confisco dos bens e flagelação das vítimas eram de praxe em todos os casos.
Como penas severas contra os hereges o Tribunal da Santa Inquisição estabeleceu o banimento, o confisco de bens, a pena de demolição de casas, a declaração de infâmia e por fim a perda de direitos civis.
O que se percebe é que com o assentamento das leis da inquisição, o bispo torna-se uma espécie de juiz papal, assumindo os encargos da inquisição sobre determinados casos na sua jurisdição eclesiástica e, em inúmeros casos, sendo que este poder de ação eclesial é de caráter eminentemente político.
O rei nomeava bispos e padres com interesse bilateral, ou seja, contemplando uma troca de favores que tinha uma inclinação natural para personalidades voltadas a planos terrenos, e não divinos, como deveriam ser.
A conseqüência histórica destes atos originou o desvirtuamento da igreja, pois pessoas condenadas à fogueira, na maioria das vezes, foram condenadas por membros do clero a fim de atender aos interesses dos soberanos, vezes sem par, à revelia do Papa.
Portanto, houve uma troca de valores, pois a igreja deveria ser uma instituição da manutenção da fé humana, do perdão, da manutenção dos bons hábitos e costumes, no entanto tornou-se de forma pontual uma instituição política e jurídica, embaralhando questões políticas com religiosas e essa confusão ainda ecoa nos dias atuais.
CONCLUSÃO
A Igreja, teoricamente, não aboliu a Inquisição, mas, no século XVIII, quando os Estados europeus a aboliram, a Igreja não teve mais meios de executar suas sentenças. A última execução de herege que se conhece foi na Espanha, em 1826, de acordo com Besen.
Pode-se compreender o mundo em que surgiu e progrediu a Inquisição, mas nunca justificá-la. Ela é um atentado a tudo o que de mais cruel e injusto já ocorreu no planeta em termos de ação humana, um atentado à dignidade humana, um atentado às convicções religiosas das pessoas, como se os hereges estivessem na heresia por divertimento.
Os Tribunais do santo Ofício causaram danos irreparáveis à humanidade tornando-se a imagem de uma sociedade totalitária que não admitia o diferente.
Pôde-se notar que o Estado não era laico durante a Idade Média, que havia um conluio social para beneficiar interesses escusos de ambas as partes, sendo que as bases econômicas estavam permeando a todo o momento as ações político-religiosas destas instituições.
Exemplos como os da mãe da conhecida historicamente Xica da Silva, que foi esquartejada na cidade de ouro Preto, sob a acusação de bruxaria, a mando do inquisidor, são aspectos da recém história nacional que servem para nos ater sob quão influente e destroçador foi o poder dos tribunais inquisidores.
Portanto, aprofundar o tema é uma condição si ne qua non, pois os registros nos garantem uma forma de construção e reconstrução de saberes.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Gislane Campos; SERIACOPE, Reinaldo. História. São Paulo: Ática, 2007.
BESEN, José A. O tribunal da Santa Inquisição – igreja e estado. São Paulo: Disponível em http://www.pimenet.org.br/missaojovem/mjhistdaigrejainquisi.htm, 2008.
FIGUEIRA, Divalte Garci. Direito Medieval e História. São Paulo: Ática, 2007.
MORAES, José Geraldo Vinci de. História do Direito. São Paulo: Saraiva, 2008.
FONTES VIRTUAIS
http://www.interconect.com.br/clientes/pontes/diversos/inquisicao.htm
http://www.paginaoriente.com/catecismo/inquisicao.htm
[1] Texto baseado em conceitos históricos e legislativos (FIGUEIRA, 2007, p. 67).
[2] http://www.paginaoriente.com/catecismo/inquisicao.htm.Acesso em 20 de novembro de 2008.
[3] Trabalho gratuito nas terras do senhor em alguns dias por semana.
[4] Obrigação de dar uma percentagem da produção.
[5] Taxas pagas pelo uso de moinho, forno, celeiros e outras instalações do feudo.
[6] Cujas características são: economia agrária e de subsistência, mesmo levando em consideração a existência de moedas, que circulavam em pequena quantidade, poder político fragmentado, descentralizado, nas mãos dos senhores feudais, sociedade de ordens, isto é, fortemente hierarquizada, hegemonia ideológica e cultural da Igreja Católica (MORAES, 2008, p. 77).
[7] O poder de propriedade, de jornada de trabalho, etc.
[8] Definia as relações de lealdade entre os guerreiros e os chefes de tribos. Em troca dos serviços militares, os guerreiros recebiam terras de seus chefes e tinham autonomia para administrá-las.
[9] Trata-se de um sistema de leis tradicionais herdadas de antepassados e transmitidas oralmente.
[10] Caracterizava-se pela agricultura e o pastoreio, fatos que acentuaram o processo de ruralização da economia européia.
[11] http://www.interconect.com.br/clientes/pontes/diversos/inquisicao.htm. Acesso em 20 de novembro de 2008.
[12] IDEM.
[13] IBIDEM.
[14] Feito com bases nos estudos de Besen, 2008.
[15] Em 1231, através o Papa Gregório IX lança a bula Excommunicamus, que estabelecia a Santa Inquisição, tendo adquirido funcionamento próprio através de um decreto, de 1233, sistematizando leis e jurisprudências acerca dos crimes relativos à feitiçaria, blasfêmia, usura e heresias. Os processos eram constituídos a partir de denúncias e confissões, feitas muitas vezes para evitar de incorrer em um outro crime considerado pior: o de ser "fautor de hereges", isto é, acobertar ou fomentar as heresias. As penas aplicadas tinham uma gradação de penas que iam do jejum, multas, pequenas penitências e até a prisão. Nos casos considerados mais graves, os acusados eram entregues ao "braço secular", isto é, à autoridade civil, a qual geralmente aplicava a pena máxima da morte na fogueira, em um ato público, chamado, "auto de fé", isso em casos extremos em que o herege, voluntariamente negava-se a pedir perdão ou a retratar-se (FIGUEIRA, 2005, p. 88).