Ninguém duvida dos transtornos que vem sendo trazidos às cidades com o ações que visam trazer paralisação a serviços coletivos essenciais, trazendo angústias e até pânico às populações envolvidas.
Dir-se-á que se aplica, no âmbito penal, o artigo 201 do Código Penal, um crime contra a organização do trabalho, sempre que houver paralisação de trabalho de interesse coletivo. O núcleo verbal é participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo. Protege o tipo penal o interesse coletivo e não a liberdade de trabalho.
Serviço de interesse coletivo é todo aquele que afeta as necessidades da população em geral. É o caso: serviços de iluminação, água, de gás, de limpeza urbana, comunicações, de transportes terrestres, aéreo, marítimo, fluvial, por exemplo.
Para Nelson Hungria(Comentários ao Código Penal, volume VIII, pág. 38) basta a vontade de participar do abandono ou da suspensão do trabalho, tendo consciência de que se trata de obra pública ou de serviço de interesse público.
Considero que tal artigo sofreu séria limitação após a edição da Constituição Federal de 1988 e da Lei 7.783/89(sobre o direito de greve). Isso porque enquanto o artigo 9º da Constituição preceitua ser direito do trabalhador promover e participar de greves, sem limitações, a lei já mencionada disciplina os serviços e atividades de natureza essencial, onde deve haver cautela na paralisação no interesse de atender as necessidades inadiáveis da sociedade.
Em verdade, o artigo 201 do Código Penal, como já diziam Guilherme de Souza Nucci, Roberto Delmanto, tornou-se inaplicável. A greve pacífica, mesmo em serviços ou atividades essenciais, como é o caso dos transportes públicos, é, hoje, penalmente atípica. Veja -se ainda a douta opinião de um dos maiores penalistas brasileiros, Heleno Cláudio Fragoso(Lições de direito penal, Parte Especial, 1995, atualizada por Fernando Fragoso, volume I, pág. 396). Punir-se-ia apenas a greve violenta.
Realmente não tem sentido a lei de greve admitir a paralisação dos serviços ou atividades essenciais, somente exigindo comunicação prévia aos empregadores e usuários e o artigo 201 do Código Penal continuasse a punir tal conduta.
A greve em atividades essenciais necessita de regulamentação por lei complementar(artigo 37, VII, da CF). A isso se soma que somente lei formal e material, oriunda do Congresso Nacional(reserva de Parlamento) pode ser veículo para traduzir tipo penal em face do princípio da tipicidade.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no passado, por unanimidade, declarar a omissão legislativa quanto ao dever constitucional em editar lei que regulamente o exercício do direito de greve no setor público e, por maioria, aplicar ao setor, no que couber, a lei de greve vigente no setor privado (Lei nº 7.783/89). Da decisão divergiram parcialmente os ministros Ricardo Lewandowski , Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que estabeleciam condições para a utilização da lei de greve, considerando a especificidade do setor público, já que a norma foi feita visando o setor privado, e limitavam a decisão às categorias representadas pelos sindicatos requerentes.
A decisão foi tomada no julgamento dos Mandados de Injunção (MIs) 670, 708 e 712, ajuizados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep). Os sindicatos buscavam assegurar o direito de greve para seus filiados e reclamavam da omissão legislativa do Congresso Nacional em regulamentar a matéria, conforme determina o artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal.
No julgamento do MI 712, proposto pelo Sinjep, votaram com o relator, ministro Eros Grau, - que conheceu do mandado e propôs a aplicação da Lei 7.783 para solucionar, temporariamente, a omissão legislativa –, os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence (aposentado), Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Cezar Peluso e Ellen Gracie. Ficaram parcialmente vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que fizeram as mesmas ressalvas no julgamento dos três mandados de injunção.
Ficou a questão com relação aos dias parados e o corte do ponto.
O Supremo Tribunal federal decidiu no dia 27 de outubro do corrente ano, por 6 votos a 4, que o poder público deve cortar os salários de servidores em greve. A sentença tem repercussão geral e obriga todos os tribunais do país a adotarem o entendimento da corte sobre esse tema.
A maioria dos ministros acompanhou o entendimento do relator, Dias Toffoli. Para ele, não deve haver descontos somente nos casos em que a paralisação for motivada por quebra do acordo de trabalho por parte do empregador, com atraso de pagamento dos salários, por exemplo.
Decidiu-se que a administração pública deve fazer o corte do ponto dos grevistas, mas admitiu-se a possibilidade de compensação dos dias parados mediante acordo. Também foi decidido que o desconto não poderá ser feito caso o movimento grevista tenha sido motivado por conduta ilícita do próprio Poder Público.
Ao final do julgamento foi aprovada a seguinte tese de repercussão geral: "A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público". Há pelo menos 126 processos sobrestados (suspensos) à espera dessa decisão.
"Quantas vezes as universidades não conseguem ter um ano letivo completo sequer por causa de greves?[...] O acórdão recorrido quer subsidiar a greve", argumentou o relator.
Votaram com Toffoli Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Teori Zavascki, Luiz Fux e a presidente do tribunal, Cármen Lúcia. Discordaram Edson Fachin, Rosa Weber, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski. O decano, Celso de Mello, estava ausente.
A tese formulada pelo Supremo diz que a remuneração deve ser suspensa imediatamente após a decretação da greve. Acrescenta que uma eventual compensação só é cabível quando o empregador aceitar essa condição para chegar a um acordo com os trabalhadores. "O poder público não apenas pode, mas tem o dever de cortar o ponto. Esse entendimento não viola o direito de greve[...] o atual regime é insuficiente para incentivar a rápida composição do litígio pelas partes", opinou Luís Roberto Barroso.
O Supremo analisou um recurso contra uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que proibiu a Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica) de descontar em folha os vencimentos de servidores que cruzaram os braços por cerca de dois meses, em 2006.
O julgamento começou em 2015, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Barroso.
Gilmar Mendes fez um discurso enfático. Em tom irônico, ele citou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e questionou se as paralisações em que funcionário público não sofre sanções equivaleriam a férias. "A greve, no mundo todo, envolve a suspensão do contrato imediato. Quem dizia isso é o insuspeito presidente Lula. Greve subsidiada, como explicar isso?[...] É férias? Como sustentar isso? A rigor, funcionário público no mundo todo não faz greve. O Brasil é realmente um país psicodélico", disse.
A maior parte dos ministros disse que o corte dos vencimentos não implica em retirar do cidadão o direito a protestar com os braços cruzados.
O ministro Fachin defendeu, porém, que o desconto dos salários só pode acontecer por ordem judicial e se a manifestação for considerada ilegal. Na avaliação dele, apoiar tese contrário significa esvaziar o direito de greve do servidor.
Em resumo, a decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal estabeleceu que o desconto pode ser feito desde o primeiro dia de greve. A maioria dos ministros entendeu que o Estado não precisaria pagar por serviços não prestados pelos grevistas.
A decisão vale para greves no setor público nas três esferas: funcionalismo federal, estadual e municipal. Todos os juízes que tiverem, a partir de agora, processos relacionados a paralisações no setor público deverão seguir o entendimento definido pelos ministro do Supremo Tribunal Federal.