A administração pública, tendo em vista a proteção do direito público e a sua prevalência sobre o interesse privado. Deve ser pautado pelos princípios elencados no artigo 37 da Carta Magna, sendo eles o da legalidade, impessoalidade, moralidade, pessoalidade e eficiência. Diante de tamanha responsabilidade é que não se concebe ainda no ordenamento tido como em estagio de evolução, constante episódio de mau gerenciamento da res publica, dentre eles fraudes praticados através de contratos licitatórios.
Não é nada difícil Comissões de servidores altamente despreparados formadas para atuar nas licitações. É inadmissível, mas a verdade é que a grande maioria desses servidores não detém de todo um conhecimento técnico para movimentar esse importante processo que diz respeito ao contrato que o Poder Público celebra com o particular, em que muitas vezes trata-se de volumes significativos de recursos financeiros.
Podemos observar que existe grande desinteresse da Administração Pública de melhorias nas condições técnicas desses servidores, comportamento que deixa claro a falta de prestígio em priorizar tal necessidade. Entre as preocupações da Administração está o suporte adequado para as Comissões para que desenvolvam um serviço competente sem alterações materiais e funcionais.
Dessa deficiência surge como um dos problemas, o cerceamento de direitos dos licitantes, que estão sempre impedidos de fazerem registros em ata os seus protestos, com isso tendo que se deslocar ao Judiciário em busca de seus direitos que são transparentemente reconhecidos pela legislação, em caráter doutrinário e jurisprudencial.
A lei 8.666/93, adotada de forma geral no Brasil, em todos os níveis da Federação, elenca do artigo 89 ao 98 as condutas consideradas crimes de licitação, prevendo pena de detenção e multa pra as pessoas investidas na condição de funcionário publico que venha nelas incidirem. Por mais exigente que esteja à lei os gestores insistem na pratica corriqueira desses atos ilícitos com intuito de auferir vantagens econômicas para si ou para pessoas que estabeleçam algum vinculo.
Lamentavelmente, o licitante se depara com uma Comissão deliberadamente articulada para fraudar a real finalidade da licitação. São servidores a mercê de autoridades hierarquicamente superiores, em conluio com algumas licitantes com o sujo objetivo de divisão de lucros. Desempenhando essas atividades ilícitas sem temer qualquer punição da lei.
É motivo de constantes debates entre estudiosos no assunto de como fazer com que essa prática seja abolida da administração publica. Explicações são varias desde uma maior conscientização aos gestores públicos até uma maior rigidez na aplicação das penas.
O que se almeja com esse trabalho é fazer uma análise dos crimes previstos na lei 8.666/93. Mostrando seus aspectos penais, processuais penais e administrativos. A busca de possíveis meios para fazer diminuir episódios de atos corruptos que também é objetivo desse trabalho.
Ao falarmos dos crimes de licitação convém levar em consideração todo um contexto que entrelaça essas praticas ilícitas da administração pública que surgem como forma de locupletar muitas vezes, o gestor público.
A administração pública demonstra-se sua importância no ordenamento jurídico pátrio na Carta Magna, que estabelece como deverá ser seu desenvolvimento e suas atividades. A administração pública faz uma divisão em direta e indireta, sempre pautando a essas pessoas de direito público a obrigatoriedade de seguirem os princípios norteadores.
A amplitude do termo administração pública acima de tudo, almeja envolver os três poderes existentes na federação. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Ainda tendo a visão de elasticidade do termo administração pública é tratada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2003, p. 69) nestes termos:
Em sentido objetivo, material ou funcional, a administração pública pode ser definida como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve, sob regime jurídico de direito público, para a consecução dos interesses coletivos. Em sentido subjetivo, formal ou orgânico, pode-se definir Administração Pública, como sendo o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado.
Em relação à organização da administração pública. Diógenes Gasparini (2000, p. 44) leciona:
A organização do estado é uma matéria de cunho constitucional, cabendo ao direito constitucional discipliná-la, enquanto a criação, estruturação, alteração e atribuições das competências dos órgãos da administração pública são temas de natureza administrativa cuja normatização é da alçada do direito administrativo.
A partir desse ponto o processo licitatório veio em uma crescente, com o objetivo de conferir maior eficiência nas contratações públicas, sendo assim, por fim, sistematizado através do decreto lei nº 200 de 1967 que estabeleceram a forma administrativa federal, e estendida, com a edição da lei 5.456 de 20 de agosto de 1968, à administração dos estados e municípios.
Foi com o advento da Constituição Federal de 1988 que a licitação ganhou status de norma constitucional, fazendo com que a mesma tenha observância obrigatória por todos os entes da federação e seus respectivos poderes. O diploma constitucional vem elencando no artigo 37, inciso XXI o princípio da obrigatoriedade de licitar, apenas sendo dispensada ou exigida nos termos da Lei 8.666/93. Ainda em se tratando da Constituição Federal, a mesma faz menção a sua competência privativa para legislar sobre tal assunto art. 22, inciso XXVII, CF/88.
Normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e funcionais da União, Estado e Município, obedecendo ao disposto no art. 37, XXI e para empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III. (BRASIL, online)
Em se tratando de normas gerais. “Normas gerais são normas de amplitude nacional, a demandar a aplicabilidade federativamente uniforme, ou homogênea, sem, contudo, fechar a possibilidade de regramento sucessivo pelos Estados, Distrito Federal e os Municípios” (BRITTO, 1997, p. 17).
Ainda levando em consideração o pensamento do ilustre ministro da Suprema Corte as normas gerais não possuem características com as demais normas, apenas operam como uma espécie de limite negativo para a criação de normas específicas, acreditando ser mais apropriado chamá-la de normas específicas, para evitar uma espécie de confusão com normas suplementares, argumentando que é um pouco contraditório de outro modelo de normas gerias, mais precisamente as normas que a União emite no exercício de sua competência concorrente.
No que diz respeito aos aspectos criminais, grande parte da doutrina ao iniciar o assunto sobre crimes em licitação, entende como necessário a definição de funcionário público de acordo com a lei Licitações e Contratos Públicos, estampado em seu artigo 84.
Art. 84. Considera-se servidor público, para os fins desta Lei, aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público.
§ 1º Equipara-se a servidor público, para os fins desta Lei, quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, assim consideradas, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Público.
§ 2º A pena imposta será acrescida da terça parte, quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissão ou de função de confiança em órgão da Administração direta, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, fundação pública, ou outra entidade controlada direta ou indiretamente pelo Poder Público. (BRASIL, online)
A lei de Licitações e Contratos Públicos admite a modalidade tentada de acordo com o art. 83. da presente lei:
Art. 83. Os crimes definidos nesta Lei, ainda que simplesmente tentados, sujeitam os seus autores, quando servidores públicos, além das sanções penais, à perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo. (BRASIL, online)
Em relação às penas de multa, essas também possuem diferenças se comparadas com as encontradas no Código Penal. As penas de multas possuem características próprias e são cumuladas com pena privativa de liberdade em todos os crimes de licitação contidos nessa lei. A pena de multa pecuniária segundo o artigo 99 da lei de licitações terá como quantum o valor correspondente da vantagem obtida efetivamente pelo agente. Sendo que tal valor em sentença não poderá ser inferior a 2% e nem superior a 5% do valor do contrato licitado ou celebrado. Valor este que será revertido em prol da Fazenda Pública.
Os artigos 89 e seguintes da lei 8.666/93 expõem os crimes em espécie que visa punir o individuo que dispensar ou exigir licitação fora das hipóteses elencadas nos artigos 24 e 25 desta lei. Com isso o legislador infraconstitucional almeja preservar o princípio do procedimento formal. “Visa impedir que as hipóteses de dispensa da exigibilidade sejam alargadas” (GASPARINI,1995, p. 96).
Diante das considerações pertinentes ao crime do artigo 89 da lei de licitações, iniciaremos uma abordagem sobre o crime do artigo 90 desse dispositivo infraconstitucional.
Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121. desta lei.
Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais. (BRASIL, online)
Chegando ao artigo 93 da Lei em questão em que percebemos que sua conduta se caracteriza em um crime consumado.
Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. (BRASIL, online)
O sujeito passivo na conduta pode surgir de qualquer indivíduo, inclusive um servidor público. Peço máxima vênia para apresentar um julgado sobre fraude nessa espécie de ilícito do artigo 93.
Penal. Art. 93. lei 8.666/93. Fraude em procedimento licitatório. Uso de documento falso. Art. 304 Código Penal. Princípio da Especialidade. Emendatio libelli, aplicação "ex officio".
1. Os delitos tipificados nos Arts. 297, 301 e 304 do Código Penal (falsificação de documento público, certidão ou atestado falso e uso de documento falso), na espécie de crime de fraude em licitação, são alcançados e absorvidos pelo artigo 93 da Lei 8.666.93, sob a égide do princípio da especialidade (lei especial prevalece sobre a geral).
2. É cabível a emendatio libelli em segundo grau, independentemente de pedido específico.
3. Recursos do Ministério Público Federal e da defesa não providos.
Acórdão nº 1998.01.00.050440-0 e tribunal regional federal da 1ª região de 26 de março de 2007, apelação criminal, Magistrado responsável: Desembargador Federal Tourinho Neto. (BRASIL, online)
Foram abordados alguns dos crimes em espécie de licitações públicas e explanações pertinentes de cada um dos ilícitos anteriormente, mas é notório a importância dos artigos 94 ao 98 e o seu artigo 99 a que é correlato da lei 8.666/93.
É preciso por um fim nessa prática, é preciso uma imposição das licitantes que se sentir atingidas pelo crime das Comissões ou de qualquer autoridade envolvidas nesses atos que prejudicam a sociedade, propiciando a contratação de empresas altamente desqualificadas para desempenhar os serviços, os que se sujeitam a manipulação multiplicando os valores inicialmente acordados, dentre outras condutas ilícitas.
É importante provocar o Ministério Público para quem teme sofrer algum tipo de represália que possa partir dos criminosos membros das Comissões e autoridades envolvidas, procurarem medidas cabíveis para impedir tais comportamentos que destroem o progresso social.
Essa é maneira de resolvermos essa situação nas repartições públicas, dando total atenção às condutas que ferem a ética, os princípios, a probidade administrativa e a moralidade.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
BRASIL, lei 8.666 de 21 de junho de 1993, disponível em: site https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm, acessado em 7 de junho de 2016.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
BRITTO, Carlos Ayres. O Perfil Constitucional da Licitação. Curitiba: ZNT, 1997.
GRECO FILHO, Vicente. Dos Crimes das Leis de Licitação. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a Lei de Licitações e Contratos administrativos. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2002.
MEIRELLES, Helly Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. Atualizada por Eurico de Andrade Azevedo e Vera Monteiro. 14. ed. São Paulo: Malheiros. 1990.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Código Penal Interpretado, 7. ed. Atualizada até janeiro de 2011: São Paulo. Atlas, 2011.
NUCCI, Guilherme De Souza. Código Penal Comentado. 4. ed. São Paulo: RT, 2003.
CARLIN, Volnei Ivo. Direito Administrativo. doutrina, jurisprudência e direito comparado. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC editora. 2005.
MUKAI, Toshio. Licitações e Contratos Públicos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitações Pública. São Paulo: Dialética,2003