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O Estatuto da Cidade:

fundamentos e principais instrumentos

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19/06/2004 às 00:00
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Conclusões

As disposições presentes no Estatuto da Cidade afirmam a possibilidade real de efetivação dos princípios da democracia participativa, da gestão democrática e da função social da propriedade urbana.

Em relação ao princípio da função social da propriedade, o estatuto busca assegurar o direito a propriedade imobiliária urbana, desde que cumprida a sua função social, como reserva legal prevista constitucionalmente. Propõe, assim, uma mudança de interpretação, reconhecendo a função da propriedade em razão das necessidades da sociedade como um todo.

Os sistemas de gestão democráticos passam, com o Estatuto a serem diretrizes da administração pública, o que inclui o planejamento participativo, como preceito a ser observado pelos municípios.

Mais importante, explicita o principio da participação popular como diretriz da política urbana, especialmente em relação a gestão orçamentária participativacomo obrigação para a aprovação dos orçamentos públicos.

Os avanços legislativos do Estatuto da Cidade são instrumentos notáveis no sentido de democratizar e dar eficiência social para a administração das cidades. Cumpre as comunidades, e ao ministério público em especial, fiscalizar e dar efetividade a lei de desenvolvimento urbano.


Anexo

Quadro da evolução histórica dos institutos jurídicos, desde o primeiro anteprojeto da Lei de Desenvolvimento Urbano, até a promulgação do Estatuto da Cidade.

Institutos presentes

Anteprojeto LDU/77

Anteprojeto LDU/82

Anteprojeto LDU/83

Substitutivo Bonifácio Andrada/86

Substitutivo Raul Ferraz/86

Estatuto da Cidade/01**

Desapropriação

X

X

X

X

X

X

Servidão administrativa

X

X

X

X

X

X

Limitações administrativas

X

X

X

X

 

X

Ocupação temporária

X

X

       

Requisição

X

X

   

X

 

Tombamento

X

X

X

X

X

X

Direito de preferência ou de preempção

X

X

X

X

X

X

Urbanização compulsória ou edificação compulsória ou parcelamento compulsório*

X

X

X

 

X

 

Constituição de reservas de terras

X

         

Áreas de interesse especial ou ZEIS

X

       

X

Direito de superfície

 

X

X

X

X

X

Direito Real de Concessão de Uso

 

X

X

X

X

X

Legitimação de posse

 

X

       

Usucapião especial

 

X

   

X

X

Reurbanização consorciada ou operações consorciadas

       

X

X

Transferência do direito de construir

       

X

X

Unidades de conservação

         

X

Regularização fundiária

         

X

Outorga onerosa do direito de construir

         

X

* é acrescentado no Anteprojeto que vai ao Congresso Federal em 1986, o parcelamento compulsório, juntamente com a edificação e utilização compulsórias.

** Estão previstos no Estatuto da Cidade entre os instrumentos outros institutos como a assistência jurídica gratuita, referendo popular e plebiscito, bem como estudos de impacto ambiental e de vizinhança.


Bibliografia

ESTATUTO DA CIDADE: guia para a implementação pelos municípios e cidadãos: Brasília – DF, Câmara dos Deputados – Coordenação de Publicações. 2001

FREITAS, Juarez. Revista Interesse Público Nº 11 - DOUTRINA – Porto Alegre. Notadez, 2001.

HESSE, Konrad. Derecho Constitucional y Derecho Privado. Madrid: Editorial Civitas, 1995.

MEDAUAR. Odete. Direito Administrativo Moderno. 2ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, 1998.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, São Paulo. Malheiros, 1996.

MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

_________________, Curso de Direito Administrativo. 11ª edição. Rio de Janeiro. Ed. Forense, 1996.

MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade (síntese dos aspectos mais importantes). Revista Interesse Público 11, Porto Alegre, Notadez, 2001.

Oliveira, Gustavo Henrique Justino. As audiências públicas e o processo administrativo brasileiro. Revista de Direito Administrativo Brasileiro - RDA, 209: jul/set, 1997.

SILVA. José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª edição, Malheiros, São Paulo, 1995.

TÁCITO, Caio. Bases Constitucionais do Direito Administrativo. Revista de Direito Administrativo Brasileiro - RDA n.º 166, out./dez. 1986.

TÁCITO, Caio. Perspectivas do Direito Administrativo no Próximo Milênio. Revista de Direito Administrativo Brasileiro - RDA n.º 212, abr./jun. 1998.


Notas

1 A Constituição Federal, relativamente à Política Urbana (Capítulo II), prevê que a política de desenvolvimento urbano deve ser executada pelo Poder Público Municipal e tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182). O Plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana e a propriedade urbana cumpre sua função social quanto atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

2 O artigo 53 altera o artigo 1° da Lei 7.347/85, a lei da ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos. O artigo inclui na lei de ação civil pública a possibilidade de acionar na Justiça os responsáveis por danos à ordem urbanística, podendo incidir sobre o Prefeito a sanção de improbidade administrativa e obrigar, em liminar ou no mérito, (art. 3° da Lei) a Câmara Municipal a aprová-la. A ação poderá ser promovida por associação civil legalmente constituída há pelo menos um ano que tenha a previsão de promover a ação civil pública em seu estatuto, bem como pelo Ministério Público.

3 A definição do conceito da função social da propriedade comporta a discussão jurídica em relação a questão do direito de propriedade. Conforme HESSE (1995: 339), o direito a propriedade é entendido como a garantia da propriedade, que desempenha um papel relevante no quadro das garantias jurídico-fundamentais essenciais para a ordem econômica e social. Direito subjetivo, a forma como a garantia da propriedade está posta na Constituição Federal em que a intervenção e a configuração planificadora colocam para o Estado, e especialmente para os municípios, tarefas novas e significativas aumentando a dependência do particular nas repercussões da atividade estatal. Também conforme o autor (1995: 340-341) a propriedade da coisa privada perdeu importância como fator de ordem social, de modo que a propriedade privada existente é ajustada a um sistema amplo de medidas de planificação, guia e coordenação, em medida crescente, também, de proteção ao meio ambiente e ao desenvolvimento social. O objeto da garantia constitucional é o aproveitamento privado de um direito de valor patrimonial. Assim, protegida está a propriedade contra privação e prejuízo, a não ser nos casos previstos para desapropriação. Este efeito protetor desdobra a garantia da propriedade em reserva legal, segundo a qual o conteúdo e limites da propriedade são determinados pelas leis.

4 Na classificação dos círculos de atuação cidadã sobre as funções administrativas de Eduardo Garcia Enterria e Tomás Ramon-Fernandez, os conselhos fazem parte do ciclo de atuação orgânica, no qual ocorre a inserção dos cidadãos, enquanto tais, em órgãos formalizados de entidades administrativas.

5 Uma questão importante a se ressaltar é sobre os efeitos da audiência pública no processo legislativo, como um procedimento obrigatório ou facultativo para a edição de leis e demais atos normativos. Tomando por base o princípio da gestão democrática, agora explicitado no Estatuto da Cidade, as audiências públicas se tornam obrigatórias sobre qualquer matéria no campo das políticas públicas e dos direitos fundamentais da pessoa humana, e sua não realização se constitui em vício do processo legislativo, sendo condição de validade. Em Porto Alegre, a lei orgânica considera obrigatória a sua realização à partir de provocação da sociedade civil. (artigo 103), e as entidades com âmbito municipal ou com mais de 3.000 associados, poderão requerer a realização de audiência para esclarecimento sobre projetos, obras e outras matérias relativas a administração e ao legislativo municipal, ficando o poder executivo ou legislativo obrigado a realizar a audiência no prazo de 30 dias, a contar do requerimento. Outro aspecto importante é se efeitos da audiência são vinculantes para a administração pública. OLIVEIRA (1997), ao tratar da vinculação ou não dos resultados da audiência pública, ressalta que uma vez constatado que os institutos participativos tem lugar, notadamente, no âmbito da atividade administrativa discricionária, eventual posicionamento da população em sede de audiência pública é um elemento limitador do poder da administração. Ainda que não vinculantes, as exposições dos interessados devem ser minuciosamente considerados pelo órgão de decisão, devendo inclusive constituir-se na "motivação expressa de sua decisão". Para o autor, para que o resultado da audiência seja vinculante, cabe a lei que disciplina o processo administrativo determinar a vinculação do órgão administrativo responsável. No município de São Paulo, nos termos do artigo 159 sua da Lei Orgânica, a realização de audiência pública é vinculante para a aprovação dos projetos ambientais ou na infra-estrutura urbana.

6 O veto ao § 5º do art. 40, que reputava nula a lei que instituísse o Plano Diretor em desacordo com o disposto no § 4° do artigo, nas suas razões, por alegada inconstitucionalidade, diz que não cabe à União estabelecer regras sobre processo legislativo municipal (invocado o art. 29, caput da CF). FREITAS (2001:20) discorda do argumento: "de fato, não cabe a lei federal dispor sobre a matéria, porém, no citado dispositivo constitucional, o Município precisa atender aos princípios estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição do respectivo Estado-membro. (...) emerge a conclusão insofismável de que a sua violação compremete, total ou parcialmente, a lei (plano diretor, lei orçamentária, lei de diretrizes orçamentárias, plano plurianual), que não atenda às exigências maiores de controle social." Para o autor se trata de um veto derrubado ou derrubável interpretativamente.

7 O art. 52, I que previa como improbidade administrativa a conduta do Prefeito consistente em impedir ou deixar de garantir a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil, conforme o disposto no art. 4o, § 3º, foi vetado pelo Presidente da República. Também conforme FREITAS (2001:18) o tema das sanções administrativas, civis e políticas para quem cerceia ou impede a participação quase foi disciplinada neste artigo do Estatuto da Cidade. Nas razões de veto, depois de considerar que o controle social "tem natureza muito mais política do que jurídica", preponderou a idéia de que o interesse público restaria contrariado porque tal dispositivo seria de difícil interpretação e aplicação, com prejuízo para a segurança jurídica. O veto, na opinião do autor, não procede inteiramente, havendo, sem dúvida, risco de interpretação contrária ao interesse público, contudo este é um risco inerente à aplicação da quase totalidade das leis, não apenas deste Estatuto ou da própria Lei de Improbidade Administrativa. Entretanto, as disposições contidas no Estatuto apontam na direção da efetivação do princípio da participação em relação ao orçamento público independente de sua previsão expressa. No mesmo sentido, também para o autor há casos que a regulamentação revela-se imprescindível, mas, no geral das vezes, a sua ausência não deve representar óbice ao imediato acatamento do princípio da participação popular, o qual deve ser visto, invariavelmente, dotado de eficácia.

8 O dispositivo trata de condição obrigatória para todo município e as Câmaras Municipais devem se adequar a esta disposição. Ou seja, quando se tratar de assunto pertinente a política urbana, deverão ser previstas rodadas de discussões, audiências e consultas públicas. Também, incorre em improbidade administrativa, na forma do artigo 52, VI, o prefeito que deixar de garantir estes requisitos.

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9 Outra norma fundamental para conferir eficácia ao texto constitucional é a prevista no § 4° do artigo 8° , que estabelece a obrigatoriedade do município proceder o adequado aproveitamento do imóvel no prazo de cinco anos, contado a partir de sua incorporação ao patrimônio público. O parágrafo 5° estabelece duas possibilidades para o aproveitamento do imóvel. A primeira se refere ao aproveitamento direto pelo poder público, devendo ser previstos recursos orçamentários para as obras. A segunda é de promover parcerias com agentes privados, permitida a alienação ou concessão a terceiros, por meio de licitação para o aproveitamento do imóvel. Neste caso, a responsabilidade é transferida ao particular, ou seja, está condicionada a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização conforme determinado em lei municipal e no Plano Diretor. De acordo com o artigo 52, II, o Prefeito, sem punição de outros agentes envolvidos, incorre em improbidade administrativa nos termos da lei 8.492/92 quando deixar de proceder o adequado aproveitamento do imóvel incorporado ao patrimônio público.

10 Cf. Carta de Embu, ítem 1.2 em O solo criado/Carta de Embu, elaborada em 12.12.1976.

11 A experiência estrangeira sobre solo criado tem na França, nos Estados Unidos e na Itália os exemplos mais importantes: Conforme descrito em SILVA (1997: 236) na França, a Lei 75-1.328/75, estabeleceu que "uma densidade igual a 1 constitui o limite legal de densidade. Para a cidade de Paris, o número é fixado em 1,5", o chamado "plafond légal de densité", ou seja, quando o proprietário quisesse construir além do coeficiente, teria que adquirir da municipalidade o direito. Entretanto, a experiência sofreu modificações e depois de alguns anos de aplicação, seu regime foi flexibilizado até sua transformação total por lei em 1986. O argumento para a flexibilização foi a de que o instituto acabou por estimular a especulação fundiária nas periferias. Por isso, num primeiro momento, foi transferida sua gestão para as comunas, dentro de um limite estabelecido, depois, foi descentralizado totalmente o teto, considerando de caráter facultativo, com liberdade para as comunas modificar-lhe ou extingi-lo. Nos Estados Unidos, a experiência decorre do Plano de Chicago, através da aplicação do instituto do "space adrift" especialmente como mecanismo de transferência para preservação do patrimônio histórico (development right transfer) por parte dos proprietários de imóveis de interesse histórico, que transferem o direito de construir para outras áreas. No caso italiano, a Lei 10, de 28 de janeiro de 1977, ultrapassa o próprio conceito de solo criado, chegando a separação do direito de construir do direito de propriedade, à partir do princípio da inedificabilidade do terreno, dependendo da comuna a autorização ou não da construção. Entretanto, a sentença n. 5/1980 da Corte constitucional italiana definiu, em resumo, que o direito de edificar continua a ser inerente a propriedade, ainda que sujeitos aos limites estabelecidos pelos instrumentos urbanísticos, concluindo, que a concessão para edificar não é atributiva de direito novos, mas pressupõe faculdade pré-existente, de modo que não exerce função substancialmente diversa das antigas licenças. Embora as experiências norte-americana e francesa, partissem do mesmo princípio da separação do direito de propriedade do direito de construir e também, do reconhecimento do valor específico do direito de construir, no caso norte-americano, o direito poderia ser transacionado entre particulares e, no caso francês, o direito de construir só poderia ser obtido através da compra e somente o Estado poderia vendê-la.

12 Dalmo de Abreu Dallari, já admitia em 1992 a possibilidade do usucapião coletivo, havendo a composse e em razão do artigo 182 da CF. Vide "Usucapião coletivo", Informação Legislativa 115 jul/set 1992, pp. 379-80.

13 Por meio do § 3° do artigo 10 da Medida Provisória, é possível duas hipóteses para o juiz proferir a sentença: Na primeira, o juiz atribui na sentença igual fração ideal de terreno a cada possuidor. Na segunda, é elaborado um plano de urbanização da área ocupada, onde podem ser definidas ruas, vielas, áreas comuns, etc. em que será celebrado um acordo em juízo, a ser apresentado ao juiz na forma de uma planta contendo um memorial descritivo com a divisão de lotes entre os possuidores. Desta forma, a sentença criará um condomínio especial, de natureza indivisível, e que será administrado através das deliberações tomadas pela maioria dos presentes em reuniões condominiais.

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Sobre o autor
João Telmo de Oliveira Filho

Advogado, Mestre em Planejamento Urbano e Regional (UFRGS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA FILHO, João Telmo. O Estatuto da Cidade:: fundamentos e principais instrumentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 347, 19 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5370. Acesso em: 20 abr. 2024.

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