RESUMO:Este trabalho trata sobre a possibilidade de aplicação dos punitive damages, ou danos punitivos, como é denominado no Brasil, no direito brasileiro, e, em especial, nas relações de consumo. Será traçado uma linha histórica de evolução dos danos punitivos, desde as suas primeiras concepções de aplicação, que remontam de 2000 a.C., até os modelos atuais encontrados no Direito Americano e Inglês. Busca-se analisar princípios constitucionais e infraconstitucionais para verificar se o direito brasileiro comporta a aplicação do instituto analisado neste trabalho. A doutrina e a jurisprudência também vão ajudar a determinar sua aplicabilidade, os prós e os contras, a maneira que o Poder Judiciário esta se posicionando e, ao final, concluir se a inclusão dos danos punitivos no Brasil atingirá a eficácia que é pretendida demonstrar neste trabalho.
Palavras–chave: Indenização. Punitive Damages. Danos Punitivos. Código de Defesa do Consumidor. CDC.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa determinar a possibilidade de aplicabilidade dos punitive damages, ou danos punitivos, no direito brasileiro.
A constância de decisões, que aplicam um plus nas condenações de danos morais, buscando assim “um caráter punitivo e pedagógico”, fizeram com que este trabalho surgisse para, singelamente, determinar se tais arbitramentos se aproximam dos danos punitivos.
É notório que, quando se fala em danos punitivos no meio acadêmico, logo surge a ideia de condenação por grandes valores, pois a busca desse instituto é coibir a prática reiterada de uma determinada atitude lesiva e servir de exemplo para outros indivíduos.
No Brasil, a aplicação deste instituto é ainda tímida e inexpressiva, e quando é posto em prática, os valores são ínfimos, não atingindo a eficácia ou impacto desejado.
Corporações e sociedades empresárias que detêm grande parcela do mercado de determinados produtos e serviços, são responsáveis, em boa parte, pelo contencioso judicial de massas, abarrotando o Poder Judiciário com causas que buscam o ressarcimento por danos materiais e morais, em decorrência do descaso e abuso por parte destas entidades, na observância da lei material.
Encontrar uma fórmula de condenação, que coíba determinadas práticas reiteradas, que fragilizam a posição do consumidor e que seja embasada no instituto dos danos punitivos, é o propósito deste trabalho.
Primeiramente, serão analisados os pressupostos constitucionais que tratam da possibilidade de ressarcimento por meio de indenização, em decorrência do ato lesivo de um outro indivíduo e a incorporação dos danos punitivos por estes pressupostos.
Em um segundo momento, a análise dessa incorporação será feita com base nos pressupostos infraconstitucionais, em especial no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.
Referidas análises serão feitas com base na doutrina e jurisprudência, buscando demonstrar vários posicionamentos quanto à matéria abordada.
Será confrontado, ao final do trabalho, o instituto dos danos punitivos, e sua possibilidade de eficácia em relação ao princípio do enriquecimento sem causa.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DANOS PUNITIVOS
Acerca da doutrina dos danos punitivos, é usual apontar-se sua fonte ao direito norte-americano, especialmente a partir do caso Ford Corporation v. Grimshaw, caso este relacionado à construção do Ford Pinto, carro este que possuía um problema de fábrica. Nessa hipótese, o fabricante optou em arcar com as indenizações ao efetuar o recall[1] de todos os veículos vendidos.
Tal função dissuasória já era encontrada em disposições de códigos elaborados antes de Cristo, conforme aduz o doutrinador Mauro Peirone:
Os danos punitivos não são uma novidade dos países de Common Law, mas estão entre as regras mais antigas da História do Direito: encontram-se de fato os traços já no Código de Hamurabi de 2000 a.C. Outros exemplos são encontrados durante o império babilônico, nos anos de 2800 a 1000 a.C., assim como nas leis Hititas, em 1400 a.C., no Código de Manu concebido pelos Hindus no ano 200 a.C. Mesmo nas culturas egípcias e gregas existiam casos de danos punitivos, assim como no Antigo Testamento, referentes a contornos da lei mosaica. Chega-se, assim, ao Direito Romano, pai da tradição jurídica da Europa Continental e dos países da Civil Law. O exemplo ilustre nessa cultura se refere ao delito de furto, punido com uma condenação no valor de quatro vezes o do objeto furtado. É interessante notar, antes de tudo, que o ressarcimento deveria ser in natura, depois, em um segundo momento, a pena passou a ser pecuniária. Por outro lado, ainda que o ressarcimento fosse concedido por inteiro ao prejudicado, as ações vinham definidas por Justiniano como mistas porque para o simples as ações eram civis e para o triplo eram penais. [2]
Este caráter punitivo tinha relação direta com a carne do lesante, impondo ao mesmo uma pena de lesão ao seu corpo. Claro que tal lesão tinha que corresponder ao dano efetivamente experimentado pelo lesado. Neste caso, o poder público agia e determinava a extensão do estrago que o prejudicado poderia impelir ao réu, conforme ensina Maria Helena Diniz:
Para coibir abusos, o poder público intervinha apenas para declarar quando e como a vítima poderia ter o direito de retaliação, produzindo na pessoa do lesante dano idêntico ao que experimentou[3]
As punições de caráter pecuniário no Direito Romano eram ligadas diretamente ao delictum, o que foi gradativamente sendo cindido, chegando aos moldes atuais, quando a responsabilidade civil é um instituto aplicável separadamente do direito penal,[4] conforme leciona Caroline Vaz:
Contudo, relembra-se que, gradativamente, foi acontecendo a chamada despenalização da responsabilidade civil, visando a uniformizar, cada vez mais, as regras desse instituto e a separar a responsabilidade civil, do Direito Penal.[5]
A responsabilidade civil atualmente é um tema que suscita ainda muita discussão. Tal nomenclatura apenas define de forma genérica um assunto que já possui diversas ramificações, como os danos morais, materiais, estéticos, a perda de uma chance e em especial, no caso deste trabalho, os danos punitivos.
Os danos punitivos, no direito contemporâneo, formam uma categoria da responsabilidade civil, objeto de intenso debate, sendo que sua aplicação no Brasil é muito inexpressiva, visto a existência de um princípio basilar em nosso ordenamento, o enriquecimento sem causa, além da cultura de banalização dos danos morais, somando-se também o aspecto da impunidade de certas condutas, o que faz com que esse instituto acabe perdendo sua finalidade real.
2.1 DIREITO AMERICANO
Quando se fala em punitive damages, a estrutura remonta ao direito norte americano e de seus casos emblemáticos, como o do Ford Pinto, já mencionado anteriormente.
Os Estados Unidos começou a regulamentar o tema da responsabilidade civil a partir da metade do século XX, devido a fatores de industrialização e grande crescimento populacional que conseqüentemente geraram grandes desacertos sociais.
Naquela época, o direito inglês ainda estava muito presente na cultura americana, mas o povo norte americano sentia a necessidade de uma codificação própria, conforme cita Caroline Vaz:
Nesse período, o Direito da Inglaterra era cada vez menos invocado pelos norte-americanos, que clamavam por regramentos próprios, compatíveis com a sua realidade de recente independência.[6]
Conforme Adalmo Oliveira dos Santos Júnior, “por volta de 1960 quase todos os estados norte-americanos já aceitavam os punitive damages, utilizados principalmente contra grandes fabricantes e indústrias. Configurava-se desse modo a responsabilidade pelo produto”.[7]
Para regulamentar a responsabilidade civil, o direito americano se dividiu em dois tópicos, contract[8] e torts, correspondendo respectivamente no direito brasileiro à responsabilidade civil contratual e extracontratual.
No nosso trabalho, concentraremos a abordagem sobre a Tort Law, que é definido por Marshall S. Shapo, como:
um evento que decorre da ação ou omissão de outra parte, que causa dano ao corpo humano ou à personalidade, à propriedade, ou aos interesses econômicos, em circunstâncias nas quais o Direito considera justo obter uma compensação da pessoa que agiu ou deixou de agir.[9]
Segundo Caroline Vaz, a definição de Tort Law no Direito Norte Americano é:
Já a Tort Law (responsabilidade civil decorrente de atos ilícitos) objetiva, resumidamente, proteger os interesses pessoais e/ ou sociais, restabelecendo a(s) pessoa(s), vítima(s) de determinado prejuízo, ao status quo ante (compensatory damages), além de punir o responsável (pessoa física ou jurídica) pela prática do dano causado a essa vítima e dissuadir este e a sociedade em geral de praticar semelhante conduta (punitive damages e exemplary damages).[10]
Verifica-se nesta definição que, atualmente no Direito norte americano, a Tort Law, ou responsabilidade extracontratual[11] na nomenclatura brasileira, tem incrustado como um dos objetivos o punitive damages, punindo o lesante pelo ato praticado e atuando como exemplo para os demais.
2.2 NO DIREITO INGLÊS
O punitive damage foi mencionado a primeira vez no direito inglês no ano de 1.763, no caso Huckle v. Money, e, no mesmo ano, no caso Wilkes v. Wood, sendo que, a particularidade entre os dois, era o abuso praticado pelos funcionários do Rei George III, contra direitos dos cidadãos.
Caroline Vaz comenta os dois casos citados e porque foram importantes para o reconhecimento da matéria de danos punitivos:
Tais casos foram marcantes porque consagraram o princípio da reparação dos danos causados por funcionários do Rei, sendo o caso Huckle ainda mencionado quando estão em jogo situações de abuso de autoridade, ressaltando-se que ficaram célebres por isso e por terem sido as primeiras decisões a reconhecerem a existência de novas funções na responsabilidade civil extracontratual.[12]
Atualmente no Direito inglês, os punitive damages são aplicados apenas em três casos específicos, diferentemente dos outros países que adotam o sistema Common Law, conforme lembra Paolo Gallo:
quando ocorrer um desrespeito a um direito fundamental do cidadão pela Administração Pública, quando houver uma clara intenção do agente de obter um lucro injustificado para o qual não receberá qualquer sanção ou, ainda, quando as prestações punitivas estiverem expressamente previstas em disposições legais.[13]
2.3 NO DIREITO BRASILEIRO
O Brasil não apresenta bom desempenho quanto à adoção da doutrina dos punitive damages, não existindo previsão legal para aplicação de tal prestação pecuniária.
A expressão “caráter punitivo e pedagógico” vem sendo muito utilizada por nossos tribunais, vinculando tal enunciado a idéia de punição em forma de pecúnia.
Tal locução nada mais é do que apenas dar uma nova conotação aos danos morais, se distanciando da idéia dos punitive damages, conforme bem salienta Caroline Vaz:
Além disso, é perceptível que tais funções, quando referidas pelos julgados, estão atreladas ao âmbito dos danos morais, o que distancia, de certa forma, a disciplina do assunto no Brasil, em relação aos demais países da Common Law.[14]
Para advogados, magistrados, doutrinadores, professores e estudantes de direito que coadunam com a idéia de implantar os punitive damages na cultura jurídica do Brasil, ainda há muito que se galgar para se construir uma base sólida de doutrina e jurisprudência.
3. ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS E NORMAS CONSTITUCIONAIS FRENTE AOS DANOS PUNITIVOS E SUA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO
Neste ponto, o trabalho visa analisar princípios constitucionais presentes na Constituição Federal brasileira de 1.988, que tratam do direito a indenização bem como dos princípios usados para fundamentação do mesmo, buscando assim, determinar se existe a possibilidade de aplicação dos danos punitivos, com base em preceitos constitucionais.
Cristiano Heineck Schmitt salienta que, “A aplicação dos direitos fundamentais, combinada aos ditames de direito privado, conduzirá à almejada proteção do consumidor, isto é, à manutenção do equilíbrio entre consumidores e fornecedores”.[15]
3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART. 1º, III, CF/88)
A dignidade da pessoa humana foi alicerçada como um direito fundamental na Constituição de 1988, após alguns anos de desrespeito a tal direito na época da Ditadura Brasileira.
Esta dignidade protegida constitucionalmente, vem envolver direitos como a honra, a integridade física e moral, o direito à saúde, ao bem-estar, ao estudo, à moradia e outros direitos, que agredidos, ferem a dignidade da pessoa humana.
Sendo assim, pode se extrair desse princípio, condutas básicas, que devem ser implementadas pelos indivíduos, sendo uma delas definida por Kant:
Age de tal maneira que sempre trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, como um fim e nunca como um meio.[16]
Tratar o indivíduo como um meio para atingir um fim específico, na concepção de Maria Celina Bodin de Moraes, “será “desumano”, isto é, contrário à dignidade humana, tudo aquilo que puder reduzir a pessoa (o sujeito de direitos) à condição de objeto”.[17]
As grandes corporações vêem seus clientes, sujeitos de direito, como um meio para obtenção de um fim, o lucro, sento até aceitável tal concepção dentro de uma relação de consumo justa, mas os métodos indiscriminados empregados para obtenção desse fim, atualmente, ferem o princípio da dignidade da pessoa humana, em especial, na questão da honra e da moral.
Hilbert Maximiliano Akihito Obara traça a seguinte linha de raciocínio, in verbis:
Os valores fundamentais do homem não são ditados primacialmente pelo capitalismo. Tudo que nos é mais precioso dificilmente pode ser mensurado através de cifrões . Nesse diapasão, quando falamos de relação de consumo, o fornecedor consciente sabe que não trata apenas com números e patrimônio. Antes disso, estão as relações estabelecidas com pessoas, que prezam a honra, a boa fama, a imagem construída de si próprios e transmitida a terceiros.[18]
Cobranças vexatórias, inscrições indevidas em órgãos de restrição de crédito, cláusulas abusivas, atendimentos que visam procrastinar a busca de soluções por parte do consumidor, todas estas atitudes e muitas outras, é o que tornam evidente a transformação do indivíduo em um objeto para obtenção do lucro.
Esse risco em adotar uma medida, que vise a obtenção de um lucro indiscriminado, aguardando uma eventual condenação de alguns poucos consumidores, fica claro na explicação dada por Fabiano Koff Coulon:
o agente causador do dano poderia ter realizado um investimento na adoção de medidas de segurança, mas não o fez, pois sabe que, caso venha a causar um dano e ser condenado (aqui também entra o cálculo das probabilidades), o valor da eventual condenação vai provavelmente ficar abaixo do custo de tais medidas. Desta forma, o agente economicamente racional provavelmente optará por não investir nas cautelas.[19]
E ainda complementa:
ao imputar aos agentes causadores de dano uma quantia acima do que seria destinado a meramente reparar ou “compensar” os danos sofridos pelas vítimas dos eventos danosos, anunciando expressamente que tal prática vai ao encontro do objetivo de desestimular a prática de determinadas condutas consideradas danosos no meio social, os tribunais brasileiros estariam (ainda que intuitivamente) adotando uma lógica perfeitamente compatível com os pressupostos acima elencados, pois estariam confiando que a imposição de um custo adicional faria o agente desistir de praticar uma determinada conduta, considerada socialmente indesejável.”[20]
Resta claro que o Poder Judiciário, na forma que vem aplicando suas condenações a título de dano moral, não esta conseguindo fazer valer e ser respeitado o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
É necessário a aplicação de sanções mais severas, neste caso, indenizações mais vultuosas, pois como se depreende da atual situação fática, onde existe um aumento constante de ações, que buscam indenizações por danos morais na área do consumidor, em nada está se coibindo a prática abusiva dos prestadores de serviços e produtos, pois independentemente dos valores já despendidos pelos mesmos a título de compensação por atos lesivos, as atitudes continuam, demonstrando que, existe algum tipo de contrabalança bem lucrativa.
Para corroborar com a afirmação acima, e demonstrar a atual situação do Poder Judiciário frente o aumento das demandas judiciais relacionadas ao desrespeito do consumidor, apresenta-se trecho de notícia do Diário de São Paulo, publicada em 18 de abril de 2010:
O desembargador Luiz Antonio Rizzatto, da 23 Câmara de Direito do Consumidor do Tribunal de Justiça, confirma o aumento. Segundo ele, as ações por danos morais já representam 20% do total dos 200 processos em média que cada desembargador analisa por ano. “Isso mostra que está havendo uma indústria da violação da pessoa, que o consumidor tem sido violado em seus direitos”, observa o desembargador.[21]
A busca pela defesa dos direitos estampados na CF/88, em especial a dignidade da pessoa humana, que deve ser alcançada a todos indiscriminadamente, deve balizar a interpretação das normas e das relações existentes entre particulares. Tal afirmativa pode se depreender do voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, no Hábeas Corpus n° 85.237:
A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo."[22] [grifei].
Diante do exposto, e para assegurar a efetivação de direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana, essencial se faz a análise da possibilidade de aplicabilidade dos danos punitivos nas relações de consumo, pois a forma em que são aplicadas as condenações pecuniárias, atualmente, em nada garante a realização deste direito.
Busca-se determinar a aplicabilidade dos danos punitivos nas relações de consumo, em face da superioridade dos fornecedores, seja ela econômica, seja ela técnica, em relação ao consumidor, que fica vulnerável frente a tais peculiaridades, sendo esta situação, bem verificada por Rômulo Russo Júnior:
O consumidor, assim, é um elemento subjetivo peculiar às situações-relações jurídicas de consumo e afigura-se qualificado pela qualidade de ser potencial e progressivamente lesado por aqueles que dominam a técnica de produzir e distribuir. A amplificada disparidade entre os pólos da relação jurídica e a presumida fraqueza daquele, pois, é uma das artérias da legalidade inserta na Lei Federal 8.078/1990, a qual reinaugura a hermenêutica jurídica por imposição natural da mecânica de sobrevivência deste em face da enorme superioridade e poder de controle geral daquele (quer sobre o mercado, quer sobre em torno da informação necessária). Nessa esteira social e econômica, sabendo que o homem-consumidor parece ter perdido sua “consciência livre”, ante um capitalismo consumerista que o torna vassalo e destinatário direto da publicidade, o Código do Consumidor aproxima-se da realidade e positiva que somente através do reconhecimento de que o consumidor é vulnerável e que a precaução deve ser tônica da responsabilidade pré-contratual dos fabricantes, fornecedores e comerciantes.[23]
Cristiano Heineck Schmitt diz que “a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo é um dos indicativos da necessidade de sua proteção, exercida principalmente por meio de intervenção estatal nas relações de consumo”.[24]
Neste ínterim, frisa-se que, a dignidade da pessoa humana é um dos pressupostos relevantes a serem analisados na hora da quantificação da indenização, pois ele é o alicerce ou viga fundamental a ser sempre mantida intocável, para obtermos uma sociedade justa, devendo ser punida com firmeza quando da ocorrência de sua violação.
3.2 DIREITO A INDENIZAÇÃO (ART. 5º, V, E X CF/88)
Com o advento da Carta Magna de 1988, o direito a receber indenização por dano moral restou claro e determinado, não existindo mais margem a sua discussão, a não ser sobre sua quantificação.
Quanto a quantificação dos danos morais, vale citar decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, que tratava sobre a admissibilidade do artigo 52 da Lei 5.250/1967 (Lei de Imprensa), que limitava o arbitramento da indenização a ser imposta, in verbis:
"Indenização. Responsabilidade civil. Lei de Imprensa. Dano moral. Publicação de notícia inverídica, ofensiva à honra e à boa fama da vítima. Ato ilícito absoluto. Responsabilidade civil da empresa jornalística. Limitação da verba devida, nos termos do art. 52[25] da Lei 5.250/1967. Inadmissibilidade. Norma não recebida pelo ordenamento jurídico vigente. Interpretação do art. 5º, IV, V, IX, X, XIII e XIV, e art. 220, caput e § 1º, da CF de 1988. Recurso extraordinário improvido. Toda limitação, prévia e abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Constituição da República. Por isso, já não vige o disposto no art. 52 da Lei de Imprensa, o qual não foi recebido pelo ordenamento jurídico vigente."[26]
Para Maria Helena Diniz, o dano moral é dividido em duas classificações: o direto, que “consiste na lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade”[27], e o indireto, que “é aquele que provoca prejuízo a qualquer interesse não patrimonial, devido a uma lesão a um bem patrimonial da vítima”[28].
Sendo assim, inserido no Direito do Consumidor, podemos distinguir duas formas de ressarcimento do dano causado. Uma delas reside no prejuízo que advêm de uma prestação de serviços mal executada, ou de um produto comercializado com defeito, onde ambos atingem a esfera da expectativa ou satisfação no uso do bem corpóreo. A outra atinge diretamente a honra ou moral do indivíduo, que por uma ação ou omissão do agente é agredida a esfera íntima do consumidor, como, por exemplo, negativar indevidamente o nome do cliente.
Essas ações ou omissões do agente causador do dano, ou, neste caso, das sociedades empresárias ou corporações, que prestam serviços ou fornecem produtos, vem se reiterando ao passar do tempo. Sendo assim, a tutela do Poder Judiciário deve ser mais severa, buscando agregar a indenização ou compensação arbitrada, uma punição pecuniária.
Como já havia afirmado, a reparabilidade pelo dano moral foi pacificada com a sua previsibilidade nos incisos V e X do Art. 5º da Constituição Federal de 1988, conforme confirmam Gagliano e Pamplona Filho:
A reparabilidade do dano moral, conforme vimos, é tema que vem suscitando diversas controvérsias na doutrina nacional e estrangeira, somente tendo se pacificado, na ordem constitucional brasileira, com o advento da Constituição Federal de 1988, que prevê expressamente a indenização por dano moral em seu art. 5º, V e X, trilha seguida, inclusive, como não poderia deixar de ser, pelo novo Código Civil brasileiro.[29]
Após a chegada da Carta Magna de 1988, continuadamente ocorreram diversas mudanças, até a entrada em vigor do Novo Código Civil, em 11 de janeiro de 2003, que trouxe consigo diversos comandos normativos que tratam sobre a responsabilidade civil e seu dever de indenizar.
O Novo Código Civil apresenta duas formas de responsabilidade: a subjetiva, onde a indenização está vinculada a aferição de culpa ou dolo do agente, e a objetiva, que independe da aferição de culpa.
Existe um dispositivo no Código Civil, o parágrafo único do art. 944, que trata sobre a possibilidade de redução do valor da indenização se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano. No entanto, analisando-se mais profundamente tal dispositivo, e, sendo este trabalho voltado à aplicação dos danos punitivos nas relações de consumo, a aplicabilidade deste fica comprometida.
Primeiramente, porque os danos punitivos têm um caráter de punição para coibir a prática reiterada de uma conduta e, que esta situação sirva de exemplo para os outros caso. Sendo assim, não é necessário avaliar se existe desproporção entre a causa e o dano. Segundo, em se tratando de direito do consumidor, a responsabilidade objetiva é a regra, não existindo a necessidade de aferição de culpa no caso de fornecedores de bens e serviços, pois se trata de dano in re ipsa[30].
Conforme Maria Helena Diniz, “a possibilidade de redução do montante da indenização em face do grau de culpa do agente, estabelecida no parágrafo único do art. 944, deve ser interpretada restritivamente, por representar uma exceção ao princípio da reparação integral do dano, não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva”.[31]
Os artigos 186 e 187, ambos do Novel Código Civil, prevêem a aplicação da responsabilidade subjetiva e objetiva, respectivamente, os quais, transcrevo, in verbis:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.[32]
Como podemos abstrair do artigo 187, ninguém pode, a fim de obter lucro, exceder os limites impostos pelo seu fim econômico, tendo como balizador a boa-fé e os bons costumes.[33]
Acerca da previsão constitucional de indenização, seu regramento pelo Código Civil e por Leis esparsas, todo este arcabouço normativo deve ser manejado de forma a alcançar uma devida compensação à vitima, mas, quando esta compensação deixa de ser um desestímulo para o agente causador do dano, estes institutos devem sofrer uma leitura mais severa, buscando coibir práticas reiteradas.