Bad design nas redes sociais e as normas de consumo e de proteção de dados

13/11/2016 às 20:29
Leia nesta página:

Algumas considerações sobre a interferência do bad design nas relações de consumo via rede social.

LinkedIn pagará US$ 13 milhões para encerrar um processo coletivo nos Estados Unidos. A rede social, que tem mais de 347 milhões de usuários – 20 milhões deles no Brasil – precisou dessa saída pelo incômodo causado com e-mails disparados. A discórdia é o recurso “adicionar conexões”, que incentiva usuários a convidarem seus contatos para o LinkedIn usando uma mensagem automática. Todo mundo já usou isso. Quando autorizamos o LinkedIn a mandar o e-mail, está tudo certo; o problema é que, se essa mensagem é ignorada, a rede manda outras, sem avisar.

O que ficou resolvido: quem tem conta no LinkedIn e enviou convites para pessoas de fora – ou seja, usou o recurso – entre setembro de 2011 e outubro de 2014 pode pleitear valores no acordo (é só clicar aqui) até 14 de dezembro de 2015. Provável que não seja muita coisa (divida 13 milhões de dólares por 347 milhões de pessoas e entenda o motivo). Além disso, o LinkedIn se compromete a adotar práticas mais claras sobre o envio de lembretes e sua política de privacidade.

Esse caso traz novas implicações ao uso do “bad design” – em português, “mau desenho”. Isso consiste numa interface concebida para levar os usuários a fazer coisas que eles não fariam se tivessem todas as informações. Resumindo, o bad design é praticamente a psicologia reversa programada. 

É como se a Matrix conversasse com a sua mãe e soubesse chantagear os seus cliques agora.

Exemplo: você está navegando pela internet, vê um produto ou serviço bacana e resolve se inscrever para testar. O preenchimento do cadastro não tem nada demais… Até que a página pede o número do seu cartão de crédito. Por que isso é necessário se é só um teste – e gratuito? Normalmente, você desiste aí. Mas a página insiste quando você aproxima o mouse do X ali no canto. Porque o cartão é só uma formalidade, e depois você pode cancelar sem esforço. Você se dá por vencido, termina, faz os testes e não quer mais o serviço. Mas precisa cancelar, antes que doa na fatura do cartão. Aí, começa o calvário: aquele cancelamento sem esforço se transforma num pesadelo, que muitas vezes passa do prazo e dá aquele prejuízo.

Já passou por isso? Pois é, este é o bad design. Não é incomum vê-lo em ação, e não é a primeira vez que se vê isso nos recursos do LinkedIn – o exemplo do cartão de crédito? Alguém já conseguiu experimentar o Premium grátis sem inserir informações financeiras?

Essa é uma prática corporativa bastante disseminada nos serviços de internet; mas ninguém avisa que está usando, e induz a pessoa a erro com ela. Para o Direito brasileiro, isso é um problema. E nesse caso específico do LinkedIn, é um problema em dobro. Grande parte do uso da internet é consumo puro; estamos todos usando produtos e serviços quando abrimos o Google Chrome para navegar pelas redes sociais. E com isso, atraímos a proteção do Código de Defesa do Consumidor às nossas aventuras virtuais.

E de acordo com o CDC, o consumidor precisa informações claras e precisas sobre o produto ou serviço usado; você não pode ser induzido ao erro porque esqueceram de te fornecer um dado sobre o que você está usando. Se isso acontece, estamos diante de uma prática abusiva, o que fere um direito básico do consumidor. O LinkedIn não está sendo exatamente honesto com seus usuários (e consumidores) brasileiros sobre suas operações, e está vulnerável a profissionais furiosos com a transformação de seus convites em spam.

As coisas não ficam melhores quando se pensa no Marco Civil da Internet, que tem um volume gigante de ferramentas de proteção da privacidade do usuário. Dentre esses instrumentos, é bom destacar o princípio da finalidade, que determina que a coleta e o tratamento de dados pessoais só são justificáveis para as atividades declaradas; fora disso, há uma violação legal que traz ao usuário o prejuízo da exposição – e não importa se ela é positiva ou negativa, importa a perda do controle das suas informações.

Isto quer dizer que se o LinkedIn coleta sua lista de e-mails para enviar UM convite, ele não pode mandar dois, ou três. Se ele te diz que cancelar a assinatura Premium é fácil, o botão de cancelamento precisa ser facilmente acessível – nada de falar “para cancelamentos entre em contato por telefone no horário comercial”. Ele também deveria ter te explicado por A + B como o Bradesco conseguiu te enviar aquele mensagem. Porque o Bradesco não está na sua rede e suas configurações de privacidade não permitem contato de fora… Certo? Então como eles entraram ali? Quem deu licença? O LinkedIn precisa explicar. Mas ele não explica, e lá vai você pagar workshop pra tentar entender como funciona. E no fim das contas, você já recebeu/enviou centenas de mensagens indesejadas nessa dança das cadeiras com os seus dados pessoais sem perceber. É quase a mesma coisa que ter nudes vazados.

Complexo, não? Todos nós usamos essa rede e já importamos listas de e-mail para convidar colegas algumas (muitas) vezes. Alguns de nós provavelmente já tentamos experimentar o Premium – talvez até conseguido, e tido problemas para cancelar depois. Mas aposto que poucos pensaram nos bastidores jurídicos das nossas ações no LinkedIn. Lá fora, alguns usuários pensaram, e bastante – ficou sério a ponto da rede fazer um acordo substancial para não ter consequências mais pesadas. O LinkedIn tem 347 milhões de usuários, grande parte foi afetada pela prática e muitos destes não estão nos EUA. Vinte milhões destes seres prejudicados pelo mau uso de dados e pelas práticas abusivas estão aqui no Brasil. Você, lendo isso, pode ser um deles. E o que pretende fazer a respeito?

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Sobre a autora
Raphaella Reis

Advogada atuante nas relações de Trabalho. Especialização em Compliance Regulatório pela Penn State University. Integrante de Geledés Instituto da Mulher Negra. Integrante da Rede Feminista de Juristas – deFEMde. Integrante do Instituto da Advocacia Negra Brasileira - IANB.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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