Da importância da inserção de novas garantias legais decorrentes de vícios e defeitos em produtos duráveis como mecanismo de desestímulo ao descarte programado

15/11/2016 às 15:18
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Defeitos e vícios ocultos em produtos duráveis - Hipossuficiência técnica do consumidor - Garantias sobre a disponibilidade de reposição de peças - Extensão das garantias dos produtos substituídos - Alteração do Código de Defesa do Consumidor.

Imaginemos, nós consumidores, que tanto nos esforcemos para adquirir um bem de consumo, em cujos preços, muitas vezes, “saltam aos olhos”; todavia, bem este de grande valia para nossa atividade profissional, nossa segurança, conforto ou mesmo, para facilitar nosso dia a dia.

Na grande maioria, produtos vindos aos milhares, mas produzidos fora de nossa cidade, estado e até país, algo tão comum no mercado atual, que ficamos habituados a verificar em sua embalagem, a famosa nomenclatura de origem: made in, de modo que passamos a questionar a partir desta informação um subterfúgio elo de achar que um produto vindo do país A será melhor que o produto do país B.

De sorte, sabemos o quanto o comércio de bens, produtos e também serviços é diferenciado, certamente pelo maior rigor de algumas políticas de qualidade, de modo a minimizar ao máximo, os riscos de perecimento dos produtos, a sua segurança e dos usuários, convalidando maior qualidade e durabilidade e até mesmo, reduzindo as matérias primas utilizadas na fabricação que na grande parte, está se tornando mais escassos, devido ao próprio bem natural, ou seus custos, além do sofisma da modernidade de estar sendo inovando e recriando novas “embalagens”.

Quem não se lembra dos produtos como Tvs, máquinas de lavar roupa, forno de microondas, geladeiras, ou mesmo uma simples batedeira, câmeras digitais, veículos e outras gamas de infinidades de produtos e marcas tidas referência e exclusivas a bem pouco tempo atrás; época em que estávamos acostumados a adquirir produtos sob o sinônimo confiável de garantia de qualidade e durabilidade. Não estamos anunciando períodos tão distantes, mas talvez um passado próximo dos quais certamente nos fazem falta. Quem não se recorda do chamariz publicitário na copa de 1990 da marca Sharp de televisores: “Garantia até a copa de 2014”, dos produtos de som dos anos 80 da marca Gradiente, que mesmo passado três décadas, em muitos lares, certamente, estejam funcionando com a mesma qualidade.

Na época acima refratada, estaria no nascedouro, a legislação federal doCódigo de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que assim, passaria a lidar especificamente sobre tais assuntos, mantendo-se validade até a presente data, substituindo e aferindo novos prazos sobre as garantias e as extensões de responsabilidades para com os fabricantes, produtores, fornecedores e construtores, nacionais e estrangeiros.

É fato que hoje vivenciamos o chamado: “descarte programado dos produtos duráveis”, ou seja, os aparelhos não possuirão tamanha durabilidade, ainda que adquiridos a preços altos, é quase certo, que em menos de 4, 5 ou 6 anos, caso tenham sorte, seu aparelho apresentará algum dito de defeito que o impeça seu uso normal.

Sabemos que pelo avanço do mercado globalizado, hoje, as indústrias fabricantes de aparelhos e inúmeros gêneros descentraliza sua produção, servindo-se em grande maioria, de polos unicamente de montagens, razão pela qual, os controles de qualidades na formação de peças e componentes estão cada vez mais factíveis a determinados vícios e defeitos, comprometendo toda a funcionalidade dos aparelhos.

Em nível de mercado, torna-se mais acentuado o volume de compra e venda de aparelhos, atendendo a uma demandada capaz vez maior pelo consumismo exagerado e frenético na busca por aparelhos cada vez mais inovadores. Atualmente, citamos os aparelhos de telefones celulares, e pelo que percebemos, o que menos fazemos é fazer e receber chamadas; mas sim, utilizá-lo como ferramenta para novos tipos de comunicações e interações.

Inobstante, voltemos à ideia sobre a durabilidade dos produtos, que pelo que se percebe, ao adquirir um aparelho dos atuais gêneros, incialmente, não se vale mais pela marca ou referência do produto, origem do fabricante, pela identificação da loja ou seu fornecedor, mas sim, por uma provável sorte para que tenhamos a convicção que não teremos problema mais a frente. Esta é a triste sensação!

É de bom alvitre frisar que cada vez mais os novos produtos venham a apresentar algum certo tipo de vício oculto em curto espaço de uso ou mesmo de não uso, não sendo possível o consumidor constatar que o mesmo encontrava-se com defeito de fabricação no ato da sua entrega, fragilizando ao consumidor, uma situação de impotência.

Apesar das garantias sobre tais ocorrências, dos quais condicionam ao consumidor a opção dentro dos prazos de garantias legais e contratuais, como assim orienta o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), em seus vários artigos que destacam as acepções sobre a responsabilidade civil objetiva (mais especificamente tratando-se da teoria do risco); ou seja, sem culpa. Não só como instrumento de facilitação da defesa do consumidor (hipossuficiente por definição legal), mas também em atenção aos princípios balizadores dos arts. 6º e 14 do CDC (vulnerabilidade do consumidor, por exemplo), que se busca uma atuação para salvaguardar os direitos protetivos dos consumidores que a tanto se esforçam para adquirir um produto ou um bem, durável o não, mas se surpreende com seu “descarte” em tão pouco tempo.

O código de defesa do consumidor ao falar sobre vício oculto diz que “O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. § 3º Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito”. Portanto, por se tratar de vício oculto de bem durável, o consumidor possui 90 dias para reclamar (art. 26, II do CDC), a partir do conhecimento do vício (art. 26, §3ª do CDC).

Agora, imaginemos que o consumidor ao constar o defeito no seu aparelho, contata o fabricante, a loja ou mesmo a assistência técnica, de modo que se corrige o defeito (art. 18, § 1ª, I do CDC), oportunizando aquele consumidor a substituição por um aparelho novo, ao invés de promover o seu reparo e, passados alguns meses, depois de escoado o prazo de garantia do primeiro aparelho ora substituído, o produto a disponibilizado ao consumidor também apresenta defeitos que o torne impossível sua real funcionalidade, às vezes até o mesmo defeito, ficando a dúvida: este produto terá garantias?

O questionamento é simples, pois o que se alvitra é aprimorar os reflexos nas garantias sobre os produtos substituídos, ou seja, a extensão da garantia, ponto que a atual legislação não aprimora o lacunoso ponto.

É notório a abusividade da não concessão de garantia como nova ao produto substituído em igualdade de condições, pois a garantia do produto é dada pela durabilidade deste.

Em alguns estados, na tentativa de dirimir tal impasse, como é o caso do estado do Rio de Janeiro com adoção da Lei nº 6538/13que enaltece exatamente a respeito da concessão de nova garantia para produto fruto de troca, em seu art. , define:

Art. 1º Na substituição de produtos duráveis ou não duráveis por outro da mesma espécie, em razão de vício insanável que o tornou impróprio para o uso ou que lhe diminuiu o valor, será concedido ao consumidor novo termo de garantia equivalente ao mesmo prazo do anterior, sendo vedada a exoneração contratual do fornecedor.

Nos mesmo caminho, os tribunais pátrios vêm entendendo que os fornecedores respondem por vícios ocultos mesmo após o término da garantia, decorrentes de defeitos de fabricação:

EMENTA: Quarta Turma - DIREITO DO CONSUMIDOR. VÍCIO OCULTO. DEFEITO MANIFESTADO APÓS O TÉRMINO DA GARANTIA CONTRATUAL. OBSERVÂNCIA DA VIDA ÚTIL DO PRODUTO. O fornecedor responde por vício oculto de produto durável decorrente da própria fabricação e não do desgaste natural gerado pela fruição ordinária, desde que haja reclamação dentro do prazo decadencial de noventa dias após evidenciado o defeito, ainda que o vício se manifeste somente após o término do prazo de garantia contratual, devendo ser observado como limite temporal para o surgimento do defeito o critério de vida útil do bem. O fornecedor não é, ad aeternum, responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita, pura e simplesmente, ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Cumpre ressaltar que, mesmo na hipótese de existência de prazo legal de garantia, causaria estranheza afirmar que o fornecedor estaria sempre isento de responsabilidade em relação aos vícios que se tornaram evidentes depois desse interregno. Basta dizer, por exemplo, que, embora o construtor responda pela solidez e segurança da obra pelo prazo legal de cinco anos nos termos do art. 618 do CC, não seria admissível que o empreendimento pudesse desabar no sexto ano e por nada respondesse o construtor. Com mais razão, o mesmo raciocínio pode ser utilizado para a hipótese de garantia contratual. Deve ser considerada, para a aferição da responsabilidade do fornecedor, a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia. Os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, são um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto, existente desde sempre, mas que somente vem a se manifestar depois de expirada a garantia. Nessa categoria de vício intrínseco, certamente se inserem os defeitos de fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de uso, todavia não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma característica oculta que esteve latente até então. Cuidando-se de vício aparente, é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia contratual. Porém, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, o prazo para reclamar a reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, mesmo depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem, que se pretende "durável". A doutrina consumerista – sem desconsiderar a existência de entendimento contrário – tem entendido que o CDC, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. Assim, independentemente do prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam elas de consumo, sejam elas regidas pelo direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo. Precedente citado: REsp 1.123.004-DF, DJe 9/12/2011. REsp 984.106-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/10/2012.

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Desta feita, compete aquele que detém a obrigação de reparo e assistência garantir a entrega do produto na sua mais perfeita ordem, não apenas ao tempo de sua aquisição, mas também, durante o período da garantia e de sua exteriorização por fatos supervenientes que reflitam ao prejuízo inicial.

Destaca ainda, o doutrinador Sergio Cavalieri Filho:

O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em conta as circunstâncias relevantes, tais como o modo do seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele esperam e a época em que foi fornecido (art. 14 § 1º). Como se vê, a responsabilidade do fornecedor de serviços tem também por fundamento o dever de segurança, (...). Os defeitos do serviço podem ser de concepção, de prestação ou de comercialização (informações insuficientes ou inadequadas sobre seus riscos).[1]

Não restam dúvidas que a relação jurídica estabelecida entre o consumidor e fabricantes e fornecedores no tocante à boa qualidade da venda, uso e manutenção, configura-se por relação de consumo, já que estão presentes todos os elementos objetivos e subjetivos caracterizadores naquela relação jurídica.

De sorte que não nos podemos “cerrar aos olhos” as praticas de mercado atualmente utilizado, sem esquecer a hipossuficiência técnica do consumidor, razão pelo qual, torna-se justa e necessária exteriorizar um apontamento legislativo no âmbito federal, através de atualização doCódigo de Defesa do Consumidor, de modo a alterar as garantias sobre a disponibilidade de peças de reposição, componentes e gêneros enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto, de modo que oParágrafo único do art. 32 do CDC apenas define: “a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei”, ou seja, sem a definição expressa de tempo para esta manutenção do fornecimento; bem como, expender de modo coerente e definido, a extensão das garantias no mesmo prazo aos produtos substituídos, razão que assenta não será considerado uma penalidade aos fabricantes ou fornecedores, mas sim, assegurar uma segurança jurídica sobre uma garantia para que seus produtos que estão expostos no comércio se definam com qualidade prévia e segurança à escolha dos consumidores.

Nesta conclusão, torna-se imprescindível a análise destes pontos, com o fito de solucionar “o grande abismo desta lacuna jurídica”, prevalecendo de modo tênue o uso do bom senso e da boa-fé a que se alume a todos os envolvidos na relação consumerista, como mecanismo saudável e pontuado a gerir tais entraves que vivenciamos aos dias de atuais, evitando deste modo, maiores entraves, descontentamento com a qualidade daquele produto e marca.

© Gomes & Daher Sociedade de Advogados.

[1] Cavalieri Filho, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo. Atlas. 2008. Pg. 250.

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Sobre o autor
ÁTILA GOMES FERREIRA

Advogado; Mestre em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará – UECE; Presidente da Comissão de Estudo de Franquias da OAB/CE (2021); Diretor Adjunto para a Jovem Advocacia na Escola Superior de Advocacia - ESA/CE (2019-2021); Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/CE (2019-2021); Diretor Consultivo da Associação Jovem Advocacia do Estado do Ceará; Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho; Especialista em Direito Material e Processual Tributário; Ex-Vice-Presidente da Comissão de Sociedade de Advogados da OAB/CE (2016-2018); Ex-Secretário Geral da Comissão de Política Urbana e Direito Urbanístico da OAB/CE (2013-2015); Atuante nas áreas ligadas a assuntos Cíveis, Trabalhista, Tributário, Franquias e de Empresa;

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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