6. CONCLUSÃO
Com este trabalho, pretendeu-se sistematizar alguns parâmetros necessários para um estudo jurisprudencial criterioso. A utilização desta técnica de pesquisa especificamente jurídica não encontra um norte nos livros de metodologia e técnica de pesquisa amplamente distribuídos no mercado editorial brasileiro após a exigência de apresentação de monografia para conclusão do curso de graduação em direito.
Esta omissão doutrinária, se não é a causa do uso arbitrário da jurisprudência, seja na seara acadêmica, seja na prática forense – e certamente não é –, por certo, desperdiça oportunidade ímpar de aprendizado que muito pode contribuir para a evolução da doutrina, para a atuação do Judiciário e para uma prática forense mais ética.
Se a jurisprudência não é vinculante no Brasil, se o magistrado tem liberdade na formação do seu convencimento, inúmeras vezes, o julgador se submete a um entendimento com o qual não concorda – em nome da celeridade da prestação jurisdicional e da segurança jurídica incrementada pela previsibilidade das decisões – por conhecer entendimento majoritário de instâncias superiores ou mesmo do próprio órgão que integra. Consequentemente, a prática de se buscar uma decisão judicial que não reflita o entendimento contemporâneo de um tribunal – apresentando-a como a síntese do entendimento deste no momento do julgamento do órgão a quo – com o escopo de persuadir o magistrado é flagrantemente contrária ao eticamente aceitável: é tão grave e digna de combate quanto fundamentar um pedido em lei sabidamente inaplicável. Através deste mecanismo, induz-se o magistrado a sacrificar sua convicção em nome de uma suposta segurança jurídica, de uma celeridade na prestação jurisdicional que vai de encontro à evolução do direito. Esquiva-se, deste modo, de um debate leal acerca da interpretação correta da hipótese a ser examinada.
Demais disso, ao lado da má-fé na utilização de informações jurisprudenciais por parte de alguns, constata-se tamanho desconhecimento da técnica que, em verdade, acabamos todos sendo condescendentes com seu mau uso: simplesmente ignoramos o fato. Por todo o exposto, impõe-se a busca de critérios objetivos para a utilização dos dados referentes à jurisprudência nos estudos jurídicos não apenas acadêmicos como, e sobretudo, os estudos práticos do dia a dia forense.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ROSAS, Roberto. Direito sumular: Comentários às súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. 11ª edição. São Paulo: Malheiros, 2002. 431 p.
Notas
1 DWORKIN. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 113, grifo do autor.
2 "Quando se empreende um estudo de Direito Comparado, sua tarefa vai muito além daquele instante refletido na norma posta, já que deve analisar ‘o quadro geral em que a norma se encontra’, inclusive, a Doutrina e a Jurisprudência" DANTAS. Direito constitucional comparado: introdução, teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 26-27.
3 "O Direito Comparado, porém – continua CAIO MÁRIO – vê a realidade dos sistemas jurídicos em seu conjunto e deve ter presente além da legislação, a jurisprudência, o conhecimento do meio social, a prática contratual, a tendência da técnica jurídica" PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito comparado e seu estudo. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, ano VII, out. 1955, apud DANTAS, op. cit., p. 29.
4A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
5Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos Editor. 1998.
6 A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, n.º 4, julho, 2001, pp. 29-30. Disponível em http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 25 de maio de 2003. Benefícios fiscais inválidos e a legítima expectativa dos contribuintes. Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n.º 13, abril-maio, 2002, p. 4. Disponível na internet: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 25 de maio de 2003
7Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 1999.
8 LAKATOS; MARCONI. Fundamentos de metodologia científica. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 1991, p. 174, grifo do autor.
9 O mesmo conceito também é utilizado em LAKATOS; MARCONI. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisas, elaboração, análise e interpretação de dados. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 1999, p. 64.
10 LAKATOS; MARCONI, 1991, p. 83.
11 LAKATOS; MARCONI, op.cit., p. 83.
12 DINIZ. Compêndio de introdução à ciência do direito. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 265-266.
13 "A palavra jurisprudência tem, pelo menos, dois sentidos fundamentais. Num deles ela é sinônimo de ciência do direito ou dogmática jurídica. Nesse sentido, é freqüente o seu uso nos autores de língua inglesa. Não é, evidentemente, nesse sentido, que aqui utilizamos o termo.
Num segundo e mais freqüente sentido, a palavra jurisprudência refere a reiterada repetição de uma dada solução judicial de casos análogos. É óbvio que apenas nesse último sentido pode-se entender jurisprudência como fonte de direito.
... a jurisprudência, como fonte que é, constitui norma geral, aplicável à universalidade dos casos idênticos". MACHADO NETO. Compêndio de introdução à ciência do direito. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 212.
14 "Esse vocábulo, que também pode designar a ciência do direito, neste capítulo está sendo empregado como o conjunto de sentenças dos tribunais, uniformes de um ou vários tribunais sobre o mesmo caso em dada matéria; o mesmo que usus fori" Diniz, op. cit., p. 266.
15 ROSAS. Direito sumular: Comentários às súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. 11ª edição. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 8.
16 Rosas, op. cit., p. 8.
17 No entendimento de Roberto Rosas, seja precedente, jurisprudência ou súmula, "Há conteúdo compulsório em tudo isso e, portanto, a obediência a essas decisões, por todos os níveis.
Dirão: mas há liberdade do juiz em decidir! Verdade. Mas o verbete de uma súmula, somente será decisivo, depois de muito debate – por isso foi sumulado. A liberdade judicial, apanágio do Estado Democrático, dirige-se às novas questões, a novas leis, aos temas em aberto. Aí, sim, o juiz, com sua livre decisão, prestará notável serviço à Justiça". Rosas, op. cit., p. 9. Com a devida vênia ao mestre, deve prevalecer o livre convencimento do magistrado no atual estágio do direito brasileiro. Este deve ter a possibilidade de, não ignorando o quanto julgado por instâncias superiores, opor-se a tais entendimentos com suas interpretações – exceto quando a decisão superior tiver força vinculante.
18 DINIZ. Compêndio de introdução à ciência do direito. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 266-269.
19 "Consideramos a atividade jurisprudencial como uma fonte do direito consuetudinário, pois a uniformização dá azo à oposição do costume judiciário (RT, 199:608). A jurisprudência constitui um costume judiciário que se forma pela prática dos tribunais". "Oscar Tenório (Lei de Introdução, cit., p. 128) e Geny (Método de interpretación, cit.) não concordam com a idéia de que a jurisprudência pode originar o costume" apud Diniz, op. cit., p. 267.
20 BULUS. Elementos de direito constitucional. Salvador: Nova Alvorada, 1996, p. 33.
21 "Por este modelo, dissemos, o pensamento jurídico constitui-se um sistema explicativo do comportamento humano enquanto regulado por normas". FERRAZ JÚNIOR. A ciência do direito. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 1980, p. 87.
22 HESSE. ELEMENTOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL DA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA. Tradução da 20ª edição alemã de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 46-51.
23 "A súmula, enunciado que resume uma tendência sobre determinada matéria, decidida contínua e reiteradamente pelo tribunal, constitui uma forma de expressão jurídica, por dar certeza a certa maneira de decidir, além disso, o Supremo Tribunal Federal admite que ‘a invariável seqüência dos julgamentos torna-se como que o suplemento da própria legislação’ (RT, 199: 608)", DINIZ. Compêndio de introdução à ciência do direito. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 270.
24 BOBBIO. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 222.
25 "O juiz Oliver Wendel Holmes também considera a tarefa da jurisprudência prever o que os órgãos da sociedade, especialmente os tribunais, farão. (...). Assim, a sua definição de Direito, que é verdadeiramente uma definição da ciência do Direito, é: ‘As profecias do que os tribunais farão, de fato, e nada de mais pretensioso, são o que quero designar como Direito’. (..). O juiz B. N. Cardozo defende a mesma visão. Ele diz: ‘ O que nos permite dizer que os princípios são Direito é a força ou a persuasividade da previsão de que eles serão ou devem ser aplicados’. ‘Concordaremos ao considerar como Direito aquele corpo de princípio e dogma que, com um razoável grau ou probabilidade, pode ser previsto como base de julgamento em controvérsias pendentes e futuras’...". KELSEN. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges; revisão técnica Péricles Prade. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 169.
26 "A definição de Holmes do Direito como ‘as profecias do que os tribunais farão, de fato, é certamente inadequada nos casos em que o tribunal atua como legislador e cria Direito substantivo para o caso em questão sem estar obrigado por nenhum Direito substantivo preexistente. (...) Contudo, o Direito que veio a existir por um ato de livre ‘criação’ também é Direito, apesar de ser evidentemente um Direito imprevisível. Esse Direito também é um objeto da ciência do Direito, e um muito importante, senão o mais importante, já que todas as regras gerais do Direito estatutário ou do consuetudinário, e uma parte considerável do Direito criado por juiz, são produto da ‘livre criação’ e, portanto, imprevisíveis". KELSEN, op. cit., p. 170.
27 RIGAUX. A lei dos juízes. Trad. Edmir Missio; revisão da tradução Maria Ermantina Galvão; revisão técnica Gildo Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 183.
28 RIGAUX, op. cit., p. 172.
29 RIGAUX. A lei dos juízes. Trad. Edmir Missio; revisão da tradução Maria Ermantina Galvão; revisão técnica Gildo Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 161, grifo do autor.
30 BOBBIO. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 211, grifo do autor.
31 DINIZ. Compêndio de introdução à ciência do direito. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 271.
32 FERRAZ JÚNIOR. A ciência do direito. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 1980, p. 89-90.
33 FERRAZ JÚNIOR. A ciência do direito. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 1980, p. 89-90, grifo do autor.
34 Entendimento manifestado por ocasião da aula inaugural do módulo de direito tributário no curso de pós-graduação em direito público da UNIFACS no segundo semestre de 2002.
35 DINIZ. Compêndio de introdução à ciência do direito. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 269.
36 FERRAZ JÚNIOR. A ciência do direito. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 1980, p. 90.
37 FERRAZ JÚNIOR, op. cit., p. 88-89, grifo do autor.
38 "... decisões não eliminam conflitos, (...) a decisão jurídica (a lei, a norma consuetudinária, a sentença do juiz etc.) impede a continuação de um conflito: ela não o termina através de uma solução, mas o soluciona pondo-lhe um fim. (...) (coisa julgada)". FERRAZ JÚNIOR. A ciência do direito. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 1980, p. 91.
39 RIGAUX. A lei dos juízes. Trad. Edmir Missio; revisão da tradução Maria Ermantina Galvão; revisão técnica Gildo Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 160.
40 RIGAUX, op. cit., p. 160.