Inseminação heteróloga: responsabilidade civil do doador

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16/11/2016 às 21:27
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4. O DIREITO AO ANONIMATO DO DOADOR DO MATERIAL GENÉTICO

No que diz respeito ao anonimato dos dados dos doadores de sêmen, as clinicas de reprodução assistida buscam omitir todas as informações, em prol da segurança do próprio doador e das pessoas, famílias que buscam a inseminação artificial heteróloga.

Isso tudo para impedir ou inviabilizar a investigação de paternidade, o reconhecimento do doador como pai e a reivindicação de alimentos e de herança dentre outras responsabilidade do genitor, como afeto e convívio.

Para Eneias; Silva, (p. 20), os fundamentos para a proteção do anonimato dos doadores estão em considerar que a existência de um projeto parental para o embrião formado com os gametas de um doador, insere a criança em uma família. A proteção ao interesse superior da criança estaria assegurada na medida em que ela fará parte de uma família tanto de modelo biparental ou monoparental, o que, para tanto, não necessitaria conhecer o seu doador.

Verifica-se que há poucos doadores de sêmen, isso significa que com uma possível quebra da identidade civil do doador a quantidade de doadores diminuiria ainda mais, levando a uma possível crise nas clínicas de reprodução humana.

Como nos ensina Guilherme Calmon (2003, p. 902):

No direito francês foi adotada uma postura restritiva no que se refere ao fornecimento de dados para se reconhecer a identidade do doador do sêmen. Não se permite fornecer nenhuma informação que possa levar a identificação do doador, o mesmo serve para o caso do doador querer conhecer o filho, o que também não é permitido pelo ordenamento francês. Tal legislação apenas admiti que se faça o levantamento da identificação para fins terapêuticos, mas as informações ficarão restritas aos médicos do doador e do receptor. O fornecimento da identificação, no Direito Francês, caracteriza crime punido pelo Código Penal, com pena de prisão de dois anos e multa.

Ainda Guilherme Calmon (2003, p. 902), ao contrario do direito francês, o direito sueco prevê direito à obtenção de informação sobre o doador do sêmen, ou seja, assim que o filho tiver maturidade suficiente poderá requerer informações sobre seu doador, sem, contudo, que tal conhecimento gere qualquer vínculo parental.

Nas palavras de Guilherme Calmon (2003, p. 902), “a lei sueca reconhece, desse modo, o direito da pessoa à sua historicidade biológica”.

A doutrina ainda é bem divida quanto ao tema do anonimato do doador de sêmen, existindo posicionamento para ambos os lados, toda via, cada um defende e fundamento sua posição. Portanto têm os que são contrários a que seja revelado à identidade, toda via não são contra a divulgação de seu histórico e suas origens, portanto somente é contrario estes doutrinadores identificação pessoal, sua qualificação (nome completo, endereço, documento entre outros), bem como a forma de encontra-los.

Toda via, estas normas devem ser regulamentadas por Lei especifica, disciplinando quais informações o receptor ou o fruto gerado desta inseminação poderia ter acesso.

Por outro lado, os que são totalmente a favor do sigilo total, sem a possibilidade de revelar nenhum tipo de informações sobre o doador. Para proteger o próprio doador e passar credibilidade para quem doa, também é necessário para proteger a integridade do fruto e de sua família.

 Assim, os princípios do sigilo do procedimento e do anonimato do doador têm como finalidades essenciais a proteção e a acesso dos melhores interesses da criança ou do adolescente, impedindo qualquer tratamento detestável no sentido da discriminação e estigma à pessoa fruta de procriação assistida heteróloga. (GUILHERME CALMON, 2003, p. 903)

Ainda existem aqueles que defendem o anonimato do doador, porém defende ainda o anonimato do fruto gerado da inseminação artificial e sua família, também como fundamentos defendem que a proteção, pois poderá ocorrer que o filho gerado em inseminação artificial venha a conviver em família muito rica, o que poderia gerar algum tipo de interesse do doador de sêmen na aproximação e convivência com aquele fruto gerado.

Toda via, ate os doutrinadores mais intransigentes em seu posicionamento de manter o anonimato, voltam a traz em seu posicionamento quando se tratam de casos específicos, como doenças hereditárias ou genéticas que poderiam ser prevenidas ou bem melhor tratadas, quando se tem conhecimento de suas origens genéticas. Por conseguinte, não se pode permitir que se garantisse o direito ao anonimato para o doador, se neste caso, vai esta interferindo no direito a vida de outra pessoa, podendo causar lesão à vida da pessoa gerada por este material genético. Mesmo que o direito a intimidade e a privacidade do doador sejam bem fundamentados, este não poderá ser superior aos direito fundamentais como o principio da dignidade humana já devidamente explano, como o direito a vida também direito fundamental protegido pela Carta Magna de 1988.

Segundo Maria Helena Diniz (2009, p. 546), “o anonimato do doador do material fertilizante traz em si a perda da identidade genética do donatário, a possibilidade de incesto e de degeneração da espécie humana”.

Em tal sentido, a CF/88, em seu art. 199, § 4º, prega que:

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

[...]

§ 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

Ainda assim, a Resolução nº 1.358/92 do CFM (Conselho Federal de Medicina) prevê normas éticas aplicáveis à classe médica no que se refere à reprodução assistida, determinando a proibição comercial ou se auferir lucro com a doação de gametas. Por fim, é garantido o anonimato dos doadores e receptores, também regulado na respectiva resolução acima citada. Tal medida tem por fim assegurar a inserção total da criança na família dos receptores, evitando, assim, eventuais traumas psicológicos, constrangimento aos pais pelo doador, no futuro, e também evitando possíveis chantagens deste para com aqueles.

Na resolução CFM nº 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina traz em seu inciso IV o seguinte:

IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES

3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.

O Conselho Federal de Medicina (2010) elaborou uma resolução que prevê o anonimato do doador de material genético e, desde então, tal norma vem sendo aplicada, de forma absoluta, suprimindo o direito à identidade genética.

RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/2010 capítulo IV, estabelece:

Artigo 2º- Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.

Artigo 3º- Dando continuidade ao tema, encontramos a obrigação de manter o sigilo [...] sobre a identidade dos doadores de gametas e pré- embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.

A mesma preocupação levou ao conteúdo do artigo 7º da Declaração Universal sobre Genoma Humano e Direitos Humanos onde se lê que:

Artigo 7º- Quaisquer dados genéticos associados a uma pessoa identificavam e armazenados ou processados para fins de pesquisa ou para qualquer outra finalidade devem ser mantidos em sigilo, nas condições previstas em lei.

Entretanto, embora previsto na resolução do Conselho Federal de Medicina e na Declaração sobre Genoma Humano e Direitos Humanos, o legislador brasileiro nunca abordou a questão do direito ao anonimato do doador. O problema envolvendo o anonimato do doador de material genético surge quando se entende que caracteriza uma ramificação do direito à intimidade.

Entretanto, Dirley da Cunha Júnior (2011, p.701) coloca que "a intimidade é a vida secreta ou exclusiva que alguém reserva para si, sem nenhuma repercussão social, nem mesmo junto à sua família, aos seus amigos e ao seu trabalho". Em seguida, esse mesmo doutrinador prossegue afirmando que a intimidade é "o direito de proteção dos segredos mais recônditos do indivíduo, como a sua vida amorosa, a sua opção sexual, o seu diário íntimo, o segredo sob juramento, as suas próprias convicções". Nessa linha de pensamento, o anonimato do doador de gametas não estaria incluso na intimidade pelo fato de envolver o interesse de outro indivíduo, diretamente vinculado ao seu material genético; não é um fato da vida secreta do doador, mas um direito daquele que nasce da reprodução artificial. O receio de ter que assumir a paternidade de uma criança proveniente de um material genético doado, e todas as obrigações dela decorrentes, foi o principal motivo que levou o Conselho Federal de Medicina a editar a resolução que prevê o anonimato do doador como obrigação. Não é questão de garantir a intimidade, o problema é o medo de um processo de reconhecimento de paternidade, incompatível com a doação de gametas para a inseminação artificial heteróloga.

Eduardo de Oliveira Leite (1995. p. 145) justifica o anonimato do doador da seguinte maneira:

[...] a doação de gametas não gera ao seu autor nenhuma consequência parental relativamente à criança daí advinda. A doação é abandono a outrem, sem arrependimento sem possibilidade de retorno. É medida de generosidade, medida filantrópica. Essa consideração é o fundamento da exclusão de qualquer vínculo de filiação entre doador e a criança oriunda da procriação. É, igualmente, a justificação do princípio do anonimato.

Ainda Eduardo de Oliveira Leite (1995, p. 339) “o anonimato é a garantia da autonomia e do desenvolvimento normal da família assim fundada e também a proteção leal do desinteresse daquele que contribui na sua formação”. O autor, ainda, defende o direito ao anonimato do doador afirmando que “o anonimato respeita o princípio dominante no direito de família, ou seja, não dissocia as estruturas naturais de parentesco, isto é, não permite que a criança tenha um pai biológico e um pai socioafetiva”. (EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE 1995, p. 341)

4.1. DO CONFLITO DE DIREITOS E DA LEGISLAÇÃO

Já amplamente discutido no Brasil não existe legislação especifica para regulamentar o tem, que trata sobre a óptica jurídica, toda via existem projetos em discursão somente aguardando a aprovação do legislador.

Guilhem; Prado (2001, p.116) apontam alguns projetos de lei, dentre eles, o Projeto de Lei n° 3.638/93 (PL1) de autoria do deputado Luiz Moreira, foi o primeiro dos três elaborados que versavam sobre o assunto. Essa proposta tentava reproduzir as normas adotadas pelo CFM em sua Resolução n° 1.358/92 que normatiza o assunto.

O Projeto de Lei n° 2.855/97 (PL2), de autoria do deputado Confúcio Moura, também referenciava a referida Resolução do CFM, mas apresentava avanços em relação ao anterior como definição das técnicas a serem utilizadas e a proibição de utilização das terapias reprodutivas com finalidade de clonagem, seleção de sexo ou qualquer outra característica biológica e eugenia. Além disso, introduzia mecanismos para a proteção da família, enfim, considerava algumas questões morais e sociais da infertilidade humana sempre abordando o tratamento como processo intervencionista, fugindo da possibilidade de uma solução social que é a adoção, considerada relevante para o Ministério Público. (GUILHEM; PRADO 2001, p.116)

A terceira proposta foi elaborada através do Projeto de Lei n° 90/99 (PL3), de autoria do senador Lúcio Alcântara, que se encontra em fase avançada de tramitação, conseguindo desencadear debate social relativo sobre o assunto, no qual diferentes atores expressam suas ideias. As discussões versam sobre a situação social da criança e as implicações sobre a filiação, suscitando a possibilidade de revelação do doador, caso a criança queira saber, após completar dezoito anos. Abordam ainda a proibição do "'útero ou barriga de aluguel" e a proposta de equilibrar a relação comercial e assimétrica entre os indivíduos dispostos a fazer de tudo para ter filhos e os profissionais que são os detentores do poder do conhecimento. (GUILHEM; PRADO 2001, p.116)

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As discussões promoveram a elaboração de dois projetos substitutivos. O primeiro substitutivo foi do senador Roberto Requião que substitui o termo consentimento informado, utilizado nos três anteriores, por consentimento livre e esclarecido e dispõem sobre a tentativa de resguardar a saúde das mulheres e crianças envolvidas no processo, o limite de três embriões, a prática da redução embrionária como última oportunidade de salvar a vida da gestante. (GUILHEM; PRADO 2001, p.117)

 O segundo substitutivo apresentado pelo senador Tião Viana, engloba questões do projeto inicial e do primeiro substitutivo, mas introduz novos tópicos considerados polêmicos, como a transferência de até dois embriões, transferidos a fresco, veda a gestação de substituição. (GUILHEM; PRADO 2001, p.117)

Enfim, na ausência da solução legislativa, a normatização existente é a Resolução do Conselho Federal de Medicina n° 1.358/92 que estabelece critérios éticos e técnicos a serem seguidos por todos os médicos que atuam no país e utilizam o procedimento.

E, também deve haver gratuidade na doação, além do anonimato sobre doadores e receptores de gametas e pré-embriões, que em situações especiais ditadas por necessidade médica, às informações clínicas do doador podem ser fornecidas, resguardando-se, sua identidade.

Porém, é essencial a firmação de um termo de consentimento informado quando o casal decide submeter-se aos planos reprodutivos discutidos com o médico, pois o casal bem informado e esclarecido estará menos susceptível a imprevistos futuros. O doador deve, por sua vez, dar garantias escritas quanto à espontaneidade do seu ato e à alienação dos direitos sobre os gametas para a instituição responsável pela reprodução medicamente assistida. É um contrato de doação voluntária e de atribuição gratuita, feito com espírito de liberalidade, isto é, com a consciência de estar sendo generoso e não cumprindo um dever. (PEDROSA NETO, FRANCO JÚNIOR 1998, apud. WANSSA, 2010, p. 5341)

Com relação à paternidade, nos países onde há leis sobre o assunto, o casal receptor é considerado responsável legal pela criança, não tendo, os doadores nenhum direito sobre os filhos e tampouco os casais poderiam exigir responsabilidades paternas de doadores, CASTELLOTTI et.al. (1998, apud, WANSSA, 2010, p.5341)

Ainda o diz Castellottiet.al. (1998, apud, Wanssa, 2010, p.5341) Do mesmo modo, no Brasil, com as normas éticas adotadas pelo CFM, as mesmas que determinam o anonimato do doador para o casal e vice-versa, o casal receptor é o detentor das responsabilidades paternas. Ainda, o inciso V do artigo 1.597 do novo Código Civil Brasileiro, presume como concebido na constância do casamento os filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

O direito à identidade genética confere ao indivíduo a possibilidade de saber de onde ele veio quem são seus pais biológicos. Entretanto, isso não implica obrigações para o doador do material genético e não o coloca como pai da criança, pois não gera direito à filiação.

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Sobre a autora
Ana Sanchez Neves Soares

Supervisora de Unidade Judiciaria TJCE

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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