3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Devido à supressão legal quanto à possibilidade de ser investigada a paternidade em casos que seja feito à inseminação artificial heteróloga, tem-se um anseio de averiguar qual a importância diante dos princípios constitucionais e principalmente o princípio da dignidade da pessoa humana.
Alexandre de Moraes (2004, p. 52) define este princípio como:
Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
Já, segundo João Carlos Gonçalves Loureiro (1999, p. 281) “a dignidade da pessoa humana significa um valor intrínseco que cada ser humano detém, bem como uma obrigação geral de respeito da pessoa”.
A própria Constituição Federal da República do Brasil de 1988, trata sobre o principio da dignidade da pessoa humana já em seu artigo 1º, mostrando logo sua prioridade e como este princípio é fundamental dentro do direito brasileiro e nas relações sociais. Mas não somente este princípio é tratado na CF88, entre outros estão os elencados no Artigo 226, §7º que dispõe sobre a paternidade responsável e o artigo 227 desta que faz referencia aos direitos da criança e do adolescente e do jovem, pois todos estes fazem referencia ao principio da dignidade da pessoa humana.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
(...)
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
O significado de dignidade da pessoa humana, não é novo para a doutrina, pois este vem dos primórdios sendo discutido entre pesquisadores filósofos, entre outros.
A Organização Das Nações Unidas (ONU), em 1948 ovaciona A Declaração dos Direito do Homem e do Cidadão, onde diz no artigo primeiro que “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
Traduzindo o que seria o termo dignidade para a bíblia Sagrada, Sartet (2001,s/p), diz que esta ligada em suas raízes e crenças um dos valores intrínseco ao ser humano, o qual não poderia ser modificado passando a ser uma espécie de objeto ou tipo de instrumento, de maneira que deverá ser a chave-mestra do caráter de um homem, onde este é a “imagem e semelhança de Deus”, essa ideia explica, portanto o entendimento trazido pela Bíblia, ao explicar a origem da dignidade e sua inviolabilidade.
Já em um sentido filosófico e político na antiguidade, a dignidade humana estava atrelada à posição social que ocupava o indivíduo, inclusive considerado o seu grau de reconhecimento por parte da comunidade onde estava integrado. (KUMAGAI; MARTA, 2010)
O princípio da dignidade da pessoa humana, por seu enorme valor, impõe aos médicos e pesquisadores que respeitem sempre o ser humano diante das técnicas de reprodução assistida, vez que tal procedimento mexe com a vida mais íntima de todo e qualquer ser envolvido nesta situação. Diante disto afirma-se que não se pode tratar a pessoa como meio para lucrar financeiramente, uma vez que o procedimento da reprodução assistida vai além da experiência laboratorial, sendo este um meio de se alcançar o sonho daqueles que não podem ter filhos da forma convencional, já que sendo o embrião um projeto de vida ou uma futura pessoa, ele tem sua dignidade e de qualquer modo merece respeito. (ENEIAS e SILVA, p.04-05)
A dignidade humana é valor próprio e extrapatrimonial da pessoa, especialmente no contexto do convívio na comunidade, como sujeito moral, sendo assim não há dúvida que todos os interesses têm como centro a pessoa humana, a qual é foco principal de qualquer política pública ou pensamento, sendo necessário harmonizar a dignidade da pessoa humana ao progresso científico e tecnológico, porquanto este deve tender sempre a aprimorar e melhorar as condições e a qualidade de vida das pessoas humanas, e não o inverso. (GAMA, 2003, p. 131 apud ENEIAS E SILVA, p.04-05)
Por ser o princípio da dignidade da pessoa humana essencial para o biodireito, este precisa ser harmonizado com os demais princípios garantidores da proteção da pessoa humana, para que, não apenas na atual geração, mas também nas futuras, possam aprimorar o desenvolvimento da pessoa humana, independentemente de sua origem ser pela reprodução assistida. A dignidade da pessoa humana não deve ser respeitada apenas quando a ordem jurídica assim determinar, sendo assim, mesmo que não exista previsão expressa sempre deverá ser assegurada a dignidade da pessoa humana, por ser ela de valor essencial e fundamental para a ordem social. (ENEIAS e SILVA, p.04-05)
3.1. O DIREITO À ORIGEM E O DIREITOS DA PERSONALIDADE
Todas as pessoas têm direito e o desejo de saber suas origens, sua família biológica, seus genitores dos quais ele foi gerado, toda via, quando o ser gerado mediante o processo da inseminação artificial heteróloga, da qual a genitora pode gerar sua prole independente do marido, na qual se utiliza material genético de um doador de banco de sêmen, sem relação nenhuma de afetividade, e introduz na futura mãe. Porém esta criança gerada por este procedimento vir a conhecer a sua origem genética por parte do doador.
Muito embora não esteja explicito constitucionalmente que o direito a conhecer as origens de sua identidade genética, é um direito fundamental, pois que esta direito esta inserida dentro do direito de personalidade, definidos como o direito irrenunciável e intransmissível de que todo indivíduo tem de controlar o uso de seu corpo, nome, imagem, aparência ou quaisquer outros aspectos constitutivos de sua identidade, pode ser entendidos então como direito atinentes à promoção da pessoa na defesa de sua essencialidade e dignidade. Estes vêm expressos no Código Civil de 2002 no Capitulo II, Artigos 11 a 21.
Segundo Silvio Rodrigues (1999, p. 126) “os direitos da personalidade são inatos, de forma que não se pode conceber um indivíduo que não tenha direito à vida, à liberdade física e intelectual, ao seu nome, ao seu corpo, à imagem e àquilo que ele crê ser sua honra”.
O direito à identidade pessoal do ser humano, segundo Ana Claudia Brandão (2011, p. 132) “compreende tudo aquilo que identifica cada pessoa como indivíduo singular, seja a sua história genética (dados biologicamente genéticos), seja sua história pessoal (dados sociais, identidade civil de ascendentes e descendentes)”.
Ainda segundo Ana Claudia Brandão (2011, p. 133), o reconhecimento da origem genética,
Consistem em saber sua origem, sua ancestralidade, suas raízes, de entender seus traços (aptidões, doenças, raça, etnia) socioculturais, conhecer a bagagem genético-cultural básica. Conhecer sua ascendência é um anseio natural do homem, que busca saber, por suas origens, suas justificativas e seus possíveis destinos. Não há como negar o direito a conhecer a verdade biológica, pela importância enquanto direito de personalidade.
Então esta identificação se faz necessária, pois se trata de um direito que cada ser humano tem de ter conhecimento sobre sua origem genética e ou biológicas, para a construção e o desenvolvimento sociocultural do indivíduo. Ainda que esse direito não esteja de forma expressa, ele traduz o direito de personalidade, visto que não se pode negar ao individuo que foi gerado pela pratica da inseminação heteróloga, o anseio de descobrir e ter conhecimento sobre sua biogenética.
Ainda controverso, existe uma divisão na doutrina quanto ao direito de personalidade, mais especificamente tratando do direito ao conhecimento da origem genética, pois uma parte da doutrina é taxativa quando diz que somente devem ser protegidos os direitos expressos no texto legal, se não esta tipificada qual direito é tutelado pela lei ele não deverá ser protegido pela constituição Federal. Toda via existe também outra parte que defende que o direito de personalidade é abstrato e amplo, não tendo o ordenamento jurídico como mencionar todos, mas devida sua grande importância ele deve sim ser protegido e preservado, ainda que não venha expresso na Carta Magna.
Acredita-se que a personalidade, a aparência física ou mesmo o intimo de cada pessoa, bem como algumas doenças possam ser geneticamente transmitida, fazendo parte, portanto, da genética do individuo. Então conhecer suas origens genéticas, faz-se necessária, tendo em vista, que conhecer o histórico de saúde de seus parentes próximos, poderia prevenir ou remediar problemas de saúde genéticos, bem como solucionar aqueles que fossem necessárias uma maior compatibilidade genética e sanguínea entre os indivíduos, ainda tem a possibilidade de evitar relacionamentos (união ou casamento) entre ascendentes e descendentes ou vice versa ou entre irmão.
Segundo ensinamentos de Ana Claudia Brandão (2011, p. 134):
Na maioria das vezes, pretende-se ter acesso à origem genética por questões psicológicas, pela necessidade de se conhecer. Em certos casos concretos, o fato de não se saber de onde veio do ponto de vista biológico, pode comprometer a integração psíquica da pessoa.
Poder identificar seu exórdio genético é imprescindível para o ser humano, em todos os sentindo e principalmente, no que diz respeito, ao psicológico e sociológico, médico, bem como o jurídico. Este reconhecimento do direito as origens genético respeita o principio da dignidade da pessoa humana.
Apesar de grande parte dos doutrinadores brasileiros concordarem e reconhecerem a importância e o direito de o individuo gerado por inseminação artificial heteróloga saber a sua origem genética, ainda há certa confusão quanto aos efeitos que este reconhecimento irá gerar para a filiação.
3.1.1. Código Civil
O Código Civil de 1916 foi promulgado em uma época, em que se tinha o homem como o “chefe da família”, enquanto a mulher ficava, portanto a cargo das mulheres cuidarem da educação das filhas e o cuidado com a casa.
No Código Civil de 1916, no artigo 338, considerava somente parte da filiação legítima àqueles concebidos na constância do casamento, em 180 dias após a convivência conjugal ou 300 dias após o fim dela, que se desfez por morte, desquite ou anulação, onde claramente é possível notar que nem se cogitava na possibilidade do reconhecimento dos filhos havidos pela reprodução assistida (GASPAROTTO e RIBEIRO, 2008).
Toda via era notável a descriminação existente entre os filhos oriundo do matrimonio diante dos filhos, de relações extraconjugais. Como fica clara esta diferença, no capítulo IV, do Código Civil de 1916, nos artigos 355 a 367, que abordavam sobre o reconhecimento dos filhos ilegítimos, trazendo, portanto, uma distinção entre os filhos advindos do casamento (legítimos) e os extraconjugais (ilegítimos).
Já o Código Civil de 2002, inovou, pois no artigo 1597, V, estabelece a presunção da filiação àqueles “havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”, veio com o intuito de modernizar o Direito de Família, todavia ainda tímido.
Contudo, esclarece Cândido, (2007):
O novo Código Civil realiza aquilo que chamamos de “a passagem do modelo clássico para o modelo contemporâneo de filiação”. O que o novo Código Civil resgata, sem vacilações, é que a filiação pode decorrer de fontes plúrimas e não mais, exclusivamente biológica, como preconizava a proposta codificada de 1916. Agora, a filiação pode decorrer dos meros laços sanguíneos (parentesco natural), da mera adoção, ou eleição (parentesco civil), como da pura afeição (parentesco resultante das procriações artificiais).
Com as mudanças dos tempos, e atualização a globalização as mudanças nos hábitos culturais, na moralidade e na ética das pessoas em sociedade, principalmente na busca pela independência financeira, é perceptível a vontade de algumas mulheres que, sem a intenção de constituir casamento ou mesmo união estável, querem constituir família. Portanto a busca pelos bancos de sêmen para ver seus desejos realizados, usando das técnicas de reprodução assistida, e assim, através da inseminação artificial heteróloga, conseguir alcançar seus objetivos que é um filho.
Contudo, dispõe Venosa (2006, p. 245), que “o rigor da lei é importante nesse sentido para que a sociedade não venha enfrentar problemas de difícil solução ética e jurídica no futuro”, pois as consequências da inseminação artificial heteróloga envolvem crianças, que posteriormente irão questionar sua origem, com o desejo de descobrir de onde vieram suas características físicas e pessoais.
E se a lei deixar brechas, a dificuldade só tem a aumentar para a solução deste problema, pois se trata de vida humana, onde a dignidade deve ser preservada, em primeiro lugar.
Silvio de Salvo Venosa (2004, p 287), “o código de 2002 não autoriza e nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata a existência da problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade”.
O código civil de 2002, bem como as Leis 9.263/96 e com a 11.105/05, o legislador instituiu formalmente a possibilidade e a validade de procedimentos da reprodução humana assistida assim como a reprodução assistida homóloga e heteróloga, permitindo, que esta se concretize até após a morte do cônjuge varão, bem como, tratou de questões polêmicas, como, os embriões excedentários. Estes também relacionados pela Lei 11.105/05.
O Código Civil de 2002, em seu Artigo 1.597 e inciso traz:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Muito discreto o Código Civil, deixa muitas lacunas no que se refere ao tema abordado, silenciando ao se tratar sobre inúmeros questionamentos que envolvem diretamente o tema, deixando esses questionamentos para serem especificamente abordados em Lei especifica, toda via, ainda não diploma legal sobre a inseminação artificial heteróloga.
Para Scalquette (2010, p. 74) no inciso IV do artigo supracitado estima-se como presunção de serem filhos os embriões excedentários decorrentes de inseminação artificial homóloga, isto é, somente aqueles que restaram da fecundação feita com material genético dos próprios genitores: “Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: [...] IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; [...]” (BRASIL, 2002).
Já no inciso V, considera como presunção os filhos havidos de fecundação heteróloga, isto é, aqueles decorrentes do uso do espermatozoide de um terceiro doador inserido para gestar no ventre da mãe.
3.2. DIREITO À FILIAÇÃO
Como dito acima o código civil dispõe pouco sobre o direito a filiação, mas o entendimento doutrinário, é que esse direito é constitucionalmente garantido.
O artigo 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA - Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990, dispõe sobre o direito de a criança e ou o adolescente ter direito, a saber, suas origens biológicas no caso da adoção, toda via fazer um paralelo ao caso de inseminação artificial seria possível, toda via que o instituto da adoção destitui o poder familiar dos genitores, e constitui como família os membros que estão adotando o menor.
Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)
Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)
Anderson (2011) afirma que o direito ao conhecimento da origem biológica de um indivíduo é um direito da personalidade. Tal espécie de direito, que abrange, por exemplo, a honra, a imagem e a privacidade, correspondem aos valores inerentes à condição humana, não sendo uma categoria estática, imutável, podendo abarcar novos bens, de acordo com o princípio da dignidade humana.
O direito à identidade genética é o direito de qualquer pessoa de, independentemente de possuir um “pai”, quer seja ele alguém com que mantém laços de afeto ou não, conhecer o seu verdadeiro genitor, ainda que ele seja diverso daquele que lhe concede o estado de filiação. Dito de outro modo é direito da pessoa ter acesso à sua origem genética. O direito à identidade genética é direito fundamental de todos e é intuitu personae. Tal caráter personalíssimo faz com que o seu exercício caiba exclusivamente, a cada um, de modo que a esse direito não podem ser impostos óbices, quer seja pelo legislador ou por pessoas interessadas em esconder a origem genética de outrem (SILVA;SPODE, 2011).
A procriação segundo Queiroz (2011, p. 943) revela-se como fato essencial à espécie humana, ligado à ideia de família. Como visto anteriormente, é na família que os filhos nascem e é com o nascimento dos filhos que as famílias se perpetuam. Assim são estabelecidas as relações jurídicas mais fundamentais para o ser humano. Procriar, segundo Queiroz (2011, p. 943) é gerar filhos, significa perpetuar a espécie. O direito à procriação encontra fundamento jurídico no princípio do planejamento familiar previsto no artigo 226, § 7º da Constituição Federal de 1988 e artigo 1.565, § 2º do Código Civil de 2002, que dispõe acerca da liberdade da entidade familiar em construir sua família de forma responsável e consciente, cabendo tão somente ao estado estabelecer políticas concernentes à responsabilidade que acarreta para o ato de reproduzir.
Diniz (2009, p. 546) adverte para a criação de lei que regulamente as técnicas de reprodução humana, uma vez que a procura por estes métodos cada vez mais os está vulgarizando. Contudo, a autora faz uma ressalva: “Dever-se-á, em nosso entender, coibir a inseminação artificial heteróloga, a fertilização in vitro e a gestação por conta de terceiro, ante os possíveis riscos de origem física e psíquica para a descendência e a incerteza sobre a identidade”.
Todavia, no entender de Dias (2010, p. 361), a reprodução humana artificial constitui em “[...] técnicas de reprodução assistida que permitem a geração da vida, independentemente do ato sexual, por método artificial, científico ou técnico. A fecundação resultante da reprodução medicamente assistida é utilizada em substituição à concepção natural, quando houver dificuldade ou impossibilidade de um ou de ambos de gerar. São técnicas de interferência no processo natural, daí o nome de reprodução assistida”.
3.2.1. Origem Do Direito De Filiação No Direito Brasileiro
Antigamente a filiação era aqueles filhos constituídos dentro do matrimonio, os filhos que não fossem gerados do matrimonio entre homem e mulher, era considerado bastante, e não era considerado filho legitimo.
Na CF de 1822, a filiação era em casos especiais, como no incesto um fator incriminador, e naquela época nas Santa Casa de Misericórdias, existia um local conhecido como roda dos expostos, era um buraco na parede onde existia uma espécie de mecanismo utilizado para abandonar (expor na linguagem da época) recém-nascidos que ficavam exposto quando girado para rua para caso de alguém querer adotar, não tinha fiscalização e não tinha como ver que era a pessoa ou família que adotou a criança, toda via quem adotava, não saberia quem era a família biológica daquele.
Toda via no que se refere à filiação existia uma imensa distinção entre os filhos “legítimos e os filhos ilegítimos” ou adotados, que ficava assentado no registro do de nascimento a origens de sua filiação. Disposto no art. 377 do Código Civil de 1916, trazia que o adotante tendo filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, o adotante não teria direitos à sucessão hereditária. Ainda no mesmo Código art. 359, dispôs que filhos ilegítimos não poderiam morar sobre mesmo teto da família sem que o outro consentisse.
Por volta do ano 1949, foi vigorada a Lei 883, que trazia disposições sobre o a permissão para o reconhecimento dos filhos ilegítimos através da ação de reconhecimento de filiação, dando o direito ao pagamento de alimentos para o filho, caso a decisão fosse favorável, mas deveria esta findada a sociedade conjugal. Foi um grande avanço, pois foi reconhecido o direito de igualdade entre os filhos, independente de sua origem de filiação, pois mesmo ilegítimo poderia pedir alimentos ao pai em segredo de justiça. Toda via o maior ganho foi à retirada do registro de nascimento a origem da filiação.
No ano de 1962, no dia 27 do mês de agosto foi lançada a Lei 4.121, considerada o Estatuto da Mulher Casada. Esta revogou parcialmente o CC/1916, em alguns dispositivos principalmente ao exercer o comando do poder familiar, mesmo se em outro casamento, podendo na ausência do marido exercer totalmente este poder, toda via, na presença dele (marido) ainda prevaleceria à vontade do homem. Em caso de discordância a mulher poderia recorrer ao judiciário para resolver o conflito.
Mais tarde com a Lei 6.515 no ano de 1977, conhecida como Lei do Divórcio, a qual regulava sobre as dissoluções do casamento e seus efeitos, além de outras providencias. Aqui houve mudanças significativas, a mulher pode optar em colocar ou não o nome do marido com o casamento e a o regime de bens parcial de bens que foi estabelecido como regime legal, por fim findava o vinculo familiar com o divórcio. Permitiu o reconhecimento dos filhos mesmo na vigência do casamento. Esta lei uma grande passo na conquista do direto a filiação e ainda conferiu direitos no patrimônio dos pais.
Toda via, ainda havia permanecido o direito da guardo dos filhos, para o cônjuge que não tivesse dado causa para a separação.
Em 1979, foi publicada a lei 6.697 conhecida como Código dos Menores, e esta trazia dispositivos como, a adoção plena, o direito sucessório aos adotados (metade dos bens que coubesse aos filhos legítimos) e a adoção simples.
Os filhos eram denominados por suas origens, portanto não tinha tratamentos iguais totalmente antes da constituição federal de 1988 biológicos, legítimos, ilegítimos, naturais, espúrios, adulterinos, incestuosos e adotivos.
Portanto foi somente em meados do século XX que se deu sucessivas mudanças no conceito do casamento, com a mudanças de pensamento e os padrões da constituição da família,mas foi com a CF88 que se deus o amparo legal na regularização da intuição familiar.
Diante da evolução da formação e conceito de família, os modos de formação destas são mais subjetivos, como cita na constituição, não são famílias somente as constituídas pelo critério biológico, mas também as formadas pelo afeto existente entre seus membros. “O critério da verdade socioafetiva é explorado pela doutrina cada vez mais. Afeto, amor, respeito, ternura, entre outros vocábulos, são usados para caracterizar o legítimo laço entre pais e filhos.” (NAMBA, 2009, p. 125).
Por esse motivo que, as famílias mesmo não tendo grau de parentesco genético, a paternidade e/ou maternidade, conseguirá o reconhecimento da filiação mediante o parâmetro do socioafetiva.
Sendo assim, quando a fecundação não é possível por meio da relação sexual, ou seja, quando pelo meio natural de procriação não se consegue fecundar, esta poderá ser feita mediante técnicas de fecundação artificial. “O vocábulo fecundação indica a fase da reprodução assistida consistente na fertilização do óvulo pelo espermatozoide” (GONÇALVES, 2012, p. 324).
Fecundação, como já mencionado acima, consiste na fertilização do gameta feminino pelo gameta masculino, seja de forma natural ou artificial, a concepção, por sua vez, se dá em um momento posterior ao da fecundação, sendo a mistura das matérias genéticos dos genitores uma representação da ocorrência da concepção (MALUF, 2010, p. 157).
O termo filiação exprime a relação entre o filho e seus pais, aqueles que o geraram ou o adotaram. (VENOSA 2008).
A expressão “Filiação procede do latim filiatio, que significa procedência, laço de parentesco dos filhos com os pais, dependência, enlace” (LÔBO 2008).
Diante disso é considerável ressalvar que diante dessas transformações sociais também implicou na modificação de valores existentes na sociedade moderna, estes incidiram pontualmente na convivência familiar, assim como, nas estruturas de famílias que a sociedade hoje admite.
Há décadas, não tão remotas, perdurou a distinção entre a prole legítima e a prole considerada não legitima os quais eram marginalizados pela sociedade, estes não eram nem reconhecidos como filhos, eram deixados à sorte ou nas casas de misericórdias para serem dada destinação para os mesmos, muitos eram postos na roda dos expostos ou enjeitados, para serem adotados, esse mecanismo não permitia se saber que recolhia aquela criança deixada lá. Os filhos havidos fora do casamento, não tinha o reconhecimento de filho estes eram excluídos do seio familiar e sofriam grande preconceito. Toda via os filhos havidos no seio familiar, era quem monopolizavam todos os direitos e a proteção da família, da justiça e do Estado.
Advindo então a Constituição Federal de 1988, desmitificou essa relação passando a considerar todos os filhos iguais e com os mesmos direitos diante da legislação.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).
(...) § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (...).
“Em suma, a constituição não oferece nenhum fundamento para a primazia da filiação biológica, pois amplo é seu alcance. A primazia não está na Constituição, mas na interpretação equivocada que tem feito fortuna, como se o paradigma da filiação não tivesse sido transformado. Até mesmo no direito anterior, a filiação biológica era nitidamente recortada entre filhos legítimos e ilegítimos, a demonstrar que a origem genética nunca foi, rigorosamente, a essência das relações familiares” (LÔBO, 2003).
Seguindo o texto constitucional o Código Civil Brasileiro, nos artigos abaixo deixa claro que o laço mais importante é o afetivo e não o genético.
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos;
(...)
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Da Silva (2004) diz: “A inseminação artificial heteróloga, prevista no art. 1.597, V, do Código Civil, dá-se quando é utilizado sêmen de outro homem, normalmente dador anônimo, e não o do marido, para a fecundação do óvulo da mulher”. É importante ressaltar que o escopo da presente pesquisa é analisar se há possibilidade de identificar o doador para garantir o conhecimento da origem genética e o conhecimento de um pai ou de uma mãe, ou seja, se seria possível à identificação do doador, implicando assim sua responsabilidade diante do fruto garantindo-lhe ou não o direito ao reconhecimento da paternidade e/ou maternidade (DA SILVA 2014).
Nos casos de inseminação heteróloga, não existe o reconhecimento de paternidade por parte do doador, este não toma nem conhecimento de quem foi à receptadora, ou de quantos frutos podem ter sido gerado por um doador. Estas problemáticas no mundo jurídico são bastante relevantes, pois além de envolver o ramo do direito de família poderá implicar no direito de sucessão.
Ainda ha casos que são citados na lei onde ha inseminação de mulher casada, porém sem o consentimento do marido, este poderá não reconhecer a paternidade do fruto gerado pela inseminação, porém são matérias que podem ser relativizadas quando postas na vida real em casos reais. Há casos onde se busca o reconhecimento da paternidade pós morten, para que se reconhecimento se de judicialmente, deve haver o consentimento do marido anterior à morte, porém, sem o consentimento anterior a morte, não cabe nem discussão. Esse problema é tratado de forma bem tímida no ordenamento brasileiro, deixando lacunas para discussões jurídicas e deixando para a jurisprudência firmar uma posição.
Relevante a este estudo também no que diz respeito a manter o anonimato do doador, o qual é de extrema importância para vida pessoal deste, já que não se imagina o acedia que este sofreria com relação à busca pela identidade por pessoas frutos das inseminações e como a vida deste poderia ser turbada. Por outro lado, não se pode deixa de levar em consideração as origens da pessoa, sua dignidade, sua identidade, mesmo que sua vida não se resuma a sua genética, não se pode dizer que não tenha tamanha importância.
É importante que se proteja com o anonimato o doador de sêmen, que deverá abrir mão de qualquer reivindicação de paternidade e também não poderá ser demandado a esse respeito (VENOSA 2015, p 264).
Venosa (2015, p.264) cita:
Nenhuma relação de filiação poderá se estabelecer entre os doadores de gametas e o filho concebido como resultado da procriação. “Nenhum procedimento por iniciativa do filho, poderá ser dirigido contra um doador ou por este contra um filho”. Eduardo A. Zannoni (1998 v.2:527) recorda que o Projeto preliminar da União Europeia.
De acordo com um projeto de lei do Senado nº 90 desde 1999, trata sobre reprodução assistida, os estabelecimentos que praticarem a reprodução assistida estarão obrigados a zelar pelo sigilo da doação, impedindo que doadores e usuários venham a conhecer reciprocamente suas identidades, zelando da mesma, forma pelo sigilo absoluto das informações sobre a criança nascida a partir do material doado. Abrindo a possibilidade em casos específicos em lei quando houver razões médicas que tornem necessário o conhecimento genético (VENOSA, 2005, p. 264-265).
Venosa (2015, p. 264) acredita que a lei deva ser dura e restringir a reprodução assistida unicamente para situações permitidas nela, casos de infertilidade e quando todos os tratamentos possíveis para a reprodução natural tenha sido frustrado.
Caio Mário da Silva Pereira (1996, p. 117) observa com propriedade, que se mulher solteira, separada ou divorciada e ainda viúva praticar livremente a inseminação artificial, não pode pretender identificar o doador anônimo do sêmen.
A questão, porém, não é de deslinde tão simples com relação ao filho assim concebido, pois ha profunda consequência ética, morais e psicológicas a ser considerada essa situação de geração independente do filho pela mulher solteira não pode ser incentivada como concluiu Eduardo A. Zannoni (1998, p. 521)
Contudo, dispõe Venosa (2006, p. 245), que “o rigor da lei é importante nesse sentido para que a sociedade não venha enfrentar problemas de difícil solução ética e jurídica no futuro”, pois as consequências da inseminação artificial heteróloga envolvem crianças, que posteriormente questionarão sua origem, com o desejo de descobrir de onde vieram suas características físicas e pessoais.
A futura legislação sobre biogenética e paternidade devera ocupar-se, portanto, de muitos novos aspectos, nem sequer imaginados em passado próximo. Os aspectos preocupantes são como se percebe, predominantemente éticos.
3.2.2. Critério: Biológico; Socioafetivo; Legal
O critério biológico trata-se do pai que ao ter relação sexual com uma mulher, fecundou o ovulo feminino e naturalmente gerou-se um bebe no ventre da mulher, dando a luz a um filho com o gênesis tanto da genitora como do genitor. Diferente das vias legais, que para o direito o pai é o marido da mãe. A paternidade biológica esta diretamente vinculada ao DNA, aos laços sanguíneos, podendo ser auferida através de exames laboratoriais e comprovada cientificamente pelo exame de DNA, que ira revelar quem é biologicamente o pai do fruto gerado.
Atualmente é uma técnica muita utilização na busca pelo reconhecimento da filiação biológica, pois que existe um nível elevado de precisão, e com a quebra do paradigma do casamento, esta cada vez natural as mulheres engravidarem sem o enlace matrimonial, as quais através desta técnica buscam pela verdade real ou verdade genética. A busca da verdade real foi adotada como um princípio investigatório da informação, ou seja, a realização do exame de DNA, decorrente da evolução da Biogenética. As duvidas que anteriormente assolem pela incerteza, foi substituída pela certeza da prova material, científica.
Toda via com o advento da Carta Magna De 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente bem como o CCB, buscam o reconhecimento da filiação, como caráter personalíssimo e imprescritível e ainda indisponível. De forma que os filhos oriundos do casamento ou não, deveram ser reconhecidos, tomando conhecimento de suas origens, ancestrais e sua arvore genealógica, suas características em todos sentido, bem como no direito sucessório, gerando o direito de alimentar.
Já no Critério Socioafetiva, como o nascimento de novas técnicas de reprodução artificial heteróloga, e com o anonimato do pai biológico, aquele que doou o sêmen, proporciona a famílias (marido e mulher) que com autorização do marido possa se utilizar destas técnicas, portanto o marido ser pai e este terá uma relação de paternidade socioafetiva em relação à criança que vai nascer.
A expressão pater ist est, quem nuptiae demonstrat, ou seja, o pai da criança é o marido da mãe, foi banida pelo Código Civil de 2002, pois atualmente a relação sexual não é mais a única forma de se constituir família, e com o advento da inseminação artificial heteróloga, hoje é considerada também a paternidade como socioafetiva. (RIBAS, 2008).
E atualmente, assim como diz Fernandes, (2008), “presume-se pai o marido da mãe que age e se apresenta como pai, independentemente de ter sido ou não o procriador genético”. E assim, relata Rodrigues, (2006, p. 316), que “a inseminação artificial é totalmente antagônica a esta ideia, pois nela o marido tem certeza absoluta que não é o pai biológico, e assim mesmo promove a ferfilhação, no sentido de consentir no ingresso deste nascituro na sua família”.
Também conceitua Lôbo (2004, p. 194), que “o estado de filiação, que decorre da estabilidade dos laços afetivos construídos no cotidiano de pai e filho, constitui fundamento essencial da atribuição de paternidade ou maternidade”. Entende ainda, que a paternidade socioafetiva é o “liame específico, que une duas pessoas em razão do parentesco ou de outra fonte constitutiva da relação de família”. (LÔBO, 2006).
Assim traz Negrão e Gouvêa, (2006, p. 345), o Enunciado 104 do Conselho de Justiça Federal:
No âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou, eventualmente, pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) de vontade no curso do casamento.
Já que, No Brasil, na Constituição Federal de 1988, a constituição é omissa, por analogia, pode-se instituir, que àqueles que nasceram pelas técnicas da inseminação artificial possuem os mesmos direitos que àqueles que foram adotados, tendo como embasamento o artigo 227, §5º e §6º do texto constitucional, que trata a adoção como escolha afetiva. O parentesco genético é “apagado” da vida da criança assim como todos os vínculos com sua família biológica, para que ela possa interagir com os pais sócio afetivos e assim fazer parte como um todo da nova família, sem prejuízos psíquicos. E assim, também deve ser com a criança nascida pelas técnicas da inseminação artificial heteróloga.
A paternidade é um conceito de diversas colocações, pois pode se dar de várias formas, como na adoção, no reconhecimento voluntário e nas inseminações artificiais heteróloga, e em determinadas circunstâncias a paternidade socioafetiva deverá prevalecer. (RODRIGUES, 2006, p. 312).
O pai biológico (doador de sêmen) deixará de ser pai e o pai (adotante) aquele que, não contribui biologicamente para a formação da vida de outrem, mas quem vai fazer às vezes de pai na criação deste individuo, a qual a paternidade socioafetiva prevalece frente à paternidade biológica, excluindo como primórdio o vínculo sanguíneo.
Por fim o critério legal, onde a filiação e conceituada como sendo a relação de parentesco em linha reta de primeiro grau que se estabelece entre pais e filhos, seja essa relação decorrente de vínculo sanguíneo ou de outra origem legal, como no caso da adoção ou reprodução assistida como utilização de material genético de outra pessoa estranha ao casal.
Silvio Venosa (2006, p. 234) também aponta que, atualmente, há flexibilização da presunção da paternidade em certas situações, mostrando na própria lei civil a relativização da presunção, por exemplo, no caso de comprovada esterilidade do cônjuge varão à época da união. Ainda, afirma que a presunção encontra definitiva relativização pelo dispositivo do artigo 1.601 do Código Civil em vigência, que permite a contestação da paternidade dos filhos do casal feita a qualquer tempo pelo pai. Todas essas alterações, afirma Venosa, ocorre dado ao fato de hoje a verdade jurídica acompanhar a verdade biológica, já que esta é comprovável com margem quase inexistente para erros. Nesse ponto, a crítica à presunção da filiação ainda corrente:
Reitere-se que a posição moderna da tecnologia faz cair por terra o sistema de presunções da paternidade na maioria dos casos. O sistema de presunções de paternidade colocado no Código de 1916, e mantido em parte no vigente Código, há muito se mostra anacrônico, não só porque a sociedade evoluiu nesse fenômeno, como também porque a ciência permite atualmente apontar o pai (ou a mãe) com o mais elevado grau de certeza. (VENOSA, 2006, p. 236)
3.2.3. Direito A Investigação Da Paternidade
Foi em meados da década de 40 que o direito de filiação veio ser concretizado, pois ate então não existia essa possibilidade e com isso o advento da investigação de paternidade. A ação de investigação de paternidade sofreu diversas alterações para garantir cada vez mais o direito de filiação, com a evolução da legislação. Iniciando da premissa de que o direito dos filhos nascidos fora do casamento, extraconjugal, também tem direito de terem a filiação reconhecida pelo seu genitor, independente da origem do filho, por se tratar de um tema diretamente ligado à família, aos relacionamentos, a ação de investigação de paternidade tem a medida necessária na busca pelo reconhecimento enquanto não for regularizado o estado de filho.
Para Toaldo;Rieder (2012,) acredita que em casos de estar estabelecido o estado de filiação, mas na procriação houve a necessidade de intervenção médica, mais precisamente, a inseminação artificial heteróloga de doação de sêmen, numa garantia ao direito da personalidade combinado com o princípio fundamental mencionado, poderá ser possibilitado o direito à investigação da origem genética.
Ainda na concepção de Toaldo;Rieder (2012) No caso do casal utilizar a técnica de procriação artificial medicamente assistida. Para fundamentarem seus pontos de vista invocarão direitos fundamentais garantidos às partes, fazendo-se então uma análise sobre qual direito deve prevalecer em detrimento do outro. De um lado teremos o direito à inviolabilidade do corpo para tentar justificar a recusa do investigado pai em submeter-se à perícia. De outro teremos o direito à identidade genética, aliado ao princípio da dignidade da pessoa humana em conhecer a realidade biológica de sua origem, ainda que o objetivo maior não seja o estabelecimento do estado de filiação.
Maria Helena Diniz (2009, p. 494.) define a ação de investigação de paternidade da seguinte forma:
A investigação de paternidade processa-se mediante ação ordinária promovida pelo filho ou seu representante legal, se incapaz, contra o genitor ou seus herdeiros ou legatários, podendo ser cumulada com a de petição de herança, com a de alimentos, que passarão a ser devidos a partir da citação e com a de retificação ou anulação de registro civil.
O antigo Código Civil fazia previsão de quando poderia ocorrer a investigação de paternidade (art. 263, CC de 1916), porém o novo Código Civil não faz tais exigências. Sendo que, sempre que houver a dúvida quanto à filiação, o interessado deve ingressar em juízo para investigar sua paternidade biológica, vez que possui o direito de saber sua identidade genética. A ação de investigação de paternidade se faz diferente da ação de investigação da origem genética, apesar de se usar o termo paternidade quando se refere a investigação da origem genética.
Na investigação de paternidade dos filhos provenientes de doação heteróloga, ou seja, a inseminação artificial, de modo que, mesmo que o estado de filiação já esteja estabelecido há a possibilidade da busca pela identidade genética.
Sobre o assunto, ensina Rose Melo Venceslau (2002. p. 399) que:
O estado que pode vir a ser alterado em razão de dados biológicos é o do filho. Não há status de paternidade. Em virtude disso, entende-se ser o problema da filiação direito do filho. É o filho que pode alterar seu estado de filiação por meio da ação de investigação de paternidade, a qual não encontra obstáculo nem mesmo no vínculo paterno-filial já existente, que em consequência da ação positiva o desconstitui. É o filho que tem o direito de impugnar a paternidade estabelecida voluntariamente pelo ato de reconhecimento.
Toda via, com o surgimento dos exames de DNA, inovou no direito de filiação, tornando possível a confirmação de paternidade de quase 99,99%, sendo possível essa identificação nos casos de negativa de paternidade. Isto porque, as ações de investigação de paternidade, que antes eram baseadas apenas em presunções e exames que excluíam, mas não afirmavam a paternidade, passaram a contar com prova técnica capaz de demonstrar com um grau bastante elevado de certeza se alguém era o genitor ou não da pessoa. O DNA é a melhor possibilidade para garantir e de levar justiça às ações de investigação de paternidade, que puderam finalmente contar com a “verdade real” quanto à perfilhação, já que se identificavam os pais com os genitores.
ENEIAS E SILVA (p. 10), ao investigar a origem genética, nada mais é do que buscar pelo seu genitor, biológico. O objetivo de conhecer a origem genética é assegurar o direito de personalidade, enquanto conhecer a paternidade é um estado de filiação. Na investigação de paternidade, julgado procedente o pedido, já estará o pai obrigado a direitos e obrigações decorrente deste estado de filiação, até com a consequente alteração do registro civil. Já na investigação da origem genética, não se tem tais efeitos, pois aqui apenas se declara a origem biológica a alguém, não tendo o fim de gerar obrigações pessoais, como a alteração do registro civil, e obrigações patrimoniais, como o direito a alimentos e herança. Na ação de investigação da origem genética apenas declara a ascendência com estes efeitos, estando tal fato totalmente alheio a uma relação de família.
No entendimento de Maria Berenice Dias (2009, p. 363), a ação de investigação da origem genética, nada mais é do que uma ação de investigação de paternidade, com conteúdo meramente declaratório, sem efeitos jurídicos.
Conforme posicionamento de Ana Claudia Brandão (2011, p. 139):
Uma vez estabelecida à filiação socioafetiva com os pais não biológicos, não mais caberia investigar a paternidade ou a maternidade, para a produção dos efeitos típicos da relação de filiação, tais como: nome, alimentos, direitos sucessórios etc. em relação ao doador do sêmen, mas, apenas, na esfera do direito da personalidade.
O reconhecimento do filho, não deve ser confundido com o reconhecimento da origem genética, já que ser o genitor biológico, não garante a paternidade afetiva já que a certeza de ser o pai biológico não é o bastante para fundamentar a filiação, pois com as mudanças na legislação que adveio da atualidade trouxe outros valores que passaram a determinar as relações de familiares e inclusive a paternidade. Portanto, a função de pai não se confunde com a de ascendente biológico. Toda via de suma importância que o filho saiba suas origens biológicas, pois que, todos tem o direito de conhecer suas origens por mais que, não lhe garanta o direito afiliação.
A ação que declara a origem genética, não tem o poder de produzir vínculo parental entre o indivíduo que já tem uma família socioafetiva e a pessoa que está sendo investigada. Mesmo porque, não podemos esquecer, que nos casos de inseminação artificial heteróloga, quando há doação do sêmen, a mãe é biológica. Hoje não se reconhece a filiação apenas em face do vínculo biológico, sendo que, pelas atuais modificações no cenário do direito, a filiação socioafetiva prepondera sobre o biologismo ENEIAS; SILVA (p 14).
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e posteriormente a promulgação do Código Civil de 2001, ficou definido que os descendentes tem direito de investigar e conhecer sua paternidade sem qualquer tipo de impedimento, alicerçado pelos princípios constitucionais como da igualdade entre os filhos e o principio da dignidade, pois não poderá tratar os filhos desiguais independente de sua origem, mesmo que venha de relações extramatrimoniais.
3.3. RESOLUÇÕES NORMATIVAS DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
A resolução normativa do Conselho Federal de Medicina veio com o intuído de regular a inseminação artificial, já que as leis brasileiras foram omissas quanto a esta matéria, não havendo ate os dias atuais legislação para regular o tema.
No Brasil, a Resolução 1352/92, do Conselho Federal de Medicina (CFM), foi pioneira na regulamentação da reprodução humana assistida, muito embora apenas tenha surgido após quase uma década da utilização de métodos de reprodução assistida no país (MEIRA 2008, p.135-137).
A Resolução 1352 do Conselho Federal de Medicina foi revogada, em seu inteiro teor, e substituída pela Resolução 1957, de 2010, atualmente, em vigor. Assim, a Resolução 1957/2010 é a única norma existente no Brasil, ainda que deontológica, que trata especificamente da reprodução assistida.
A atual normativa do CFM manteve de sua antecessora a obrigatoriedade do consentimento esclarecido dos pacientes e doadores, relativos à reprodução assistida, a gratuidade da doação de gametas, e a garantia, ao doador, do sigilo sobre sua identidade, podendo seus dados de saúde ser divulgados apenas a outros médicos, e em casos especiais, guardando-se sempre o sigilo sobre a identidade civil do doador. Ainda no tocante a inseminação artificial heteróloga, a Resolução 1957, do CFM, esta determina a necessidade de manutenção, por parte do estabelecimento onde se realiza a reprodução assistida, de um banco de dados com as características fenotípicas gerais, dados clínicos gerais e uma amostra do material celular do doador, o qual, preferencialmente, deverá ter a maior compatibilidade de fenótipo e imunidade possível. (DE SOUZA et. al. 2012 p.422)
De Souza et. al. (2012 p.422) diz no que concerne às características fenotípicas objetivas a serem registradas pelos estabelecimentos destinados à inseminação artificial heteróloga compreendem-se: porte físico; cor dos olhos, da pele e dos cabelos; estatura, idade entre outras. Excetuam-se as características adquiridas tais como tatuagens e cicatrizes. Com isto, os dados genéticos catalogados preservam, em parte, o princípio da impessoalidade do doador, uma vez que ele deve ser percebido apenas como o fornecedor do material genético. Como a Resolução 1957/2010 do CFM não especifica quais características fenotípicas devem ser anotadas, questiona-se sobre a relevância e as implicações bioéticas das qualidades fenotípicas subjetivas, tais como coeficiente de inteligência e capacidade de memória, espírito de conciliação, agressividade, habilidades atléticas e talentos artísticos, área de atuação e realização profissional, entre outras. DE SOUZA et. al. (2012, p.422 apud BRETON, 2009)