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O divórcio indireto à luz do novo Código Civil

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04/03/2007 às 00:00
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5. Foro competente

Estatui o art. 100, inc. I, do CPC, que é competente o foro do domicílio da residência da mulher para a ação de conversão de separação em divórcio. Porém, ao nosso sentir, o foro privilegiado da mulher casada não se coaduna com o princípio da igualdade, ou isonomia, estampado na Constituição Federal.

Sabe-se que tal princípio é auto-aplicável "e deve ser considerado sob duplo aspecto: a) o da igualdade na lei; b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei é exigência dirigida ao legislador, que no processo de formação da norma, não poderá incluir fatores de discriminação que rompam com a ordem isonômica. A igualdade perante a lei pressupõe a lei já elaborada e dirige-se aos demais Poderes, que, ao aplicá-la, não poderá subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório" (STF, RDA 183/143).

Para a Carta Magna, "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações" (art. 5.º, inc. I). Portanto, a Constituição pôs homem e mulher em pé de igualdade, sem preconceitos e, principalmente, sem discriminações. E essa igualdade deve ser observada tanto no plano do direito material como no do direito processual, de modo que não há falar-se em foro privilegiado da mulher em detrimento do homem.

Yussef Said Cahali compartilha do mesmo entendimento: "Temos para nós que já não mais prevalece o foro privilegiado, assim estabelecido a benefício da mulher casada, porquanto conflita com princípio da igualdade entre os cônjuges, proclamado no art. 226, § 5.º, da Constituição Federal de 1988" ("Divórcio e Separação", tomo 1, 8ª edição, RT, p. 594).

Entretanto, nossos tribunais continuam firmes no sentido de que o foro da residência da mulher é o competente para o pedido de conversão da separação judicial em divórcio (e.g., STJ, REsp 27.483/SP, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 07.04.1997, p. 11.112), deixando de observar a incongruência entre a norma ordinária e a norma constitucional.

Data venia, esse pensamento merece reforma, porque com a evolução dos tempos a mulher deixou de ser a parte fraca da relação jurídica processual. A prática nos mostra constantemente situações em que a mulher é superior intelectual e financeiramente ao homem. Quanto a esse último aspecto, segundo pesquisa de emprego elaborada pelo IBGE, as mulheres estão conseguindo mais trabalho que os homens; em 1995 as mulheres eram responsáveis por 23% das famílias brasileiras; em 1999 cuidavam da casa, da saúde e das finanças de 26% dos lares. E mais: conforme pesquisa sobre condição de vida feita pela Fundação SEADE, as mulheres já são maioria entre os trabalhadores brasileiros, com participação de 51% na força de trabalho.

Perfilho o entendimento, de lege ferenda, de que a competência às ações de separação e divórcio, direito ou indireto, é fixada pelo domicílio do marido ou da mulher. Contudo, a fim de garantir a igualdade real, o direito de acesso ao Judiciário, a ampla defesa e o contraditório, pode o cônjuge hipossuficiente ajuizar a ação de divórcio ou separação no foro do seu domicílio ou suscitar a incompetência relativa quando a ação foi ajuizada noutro foro. Inexistindo parte economicamente fraca, aquelas ações poderão ser ajuizadas tanto no domicílio do varão ou da virago. Cabe, portanto, ao magistrado, em sede de exceção de incompetência, aferir qual das partes é hipossuficiente em relação à outra, reconhecendo a competência do foro do domicílio da primeira.

Não há, como alguns supõem, prevenção de competência em função de continência ou conexão entre as ações de separação e de conversão em divórcio. São, em verdades, ações distintas e autônomas. Por outro lado, não se justifica a escolha arbitrária do foro perante o qual a separação não foi decretada e que não seja do domicílio de qualquer um dos cônjuges.

Assim como assim, a competência nestas hipóteses é relativa, ratione loci, e não absoluta, ratione materiae, sendo vedado ao juiz declarar a sua incompetência de ofício, sem argüição expressa da parte interessada. Incide a Súmula 33 do STJ: "A incompetência relativa do juízo não pode ser declarada de ofício". Noutra perspectiva, mesmo que se admita o privilégio de foro à mulher casada, tem-se que esta poderá renunciá-lo.


6. Questões processuais relevante

A petição inicial da ação de divórcio indireto deve obedecer aos requisitos estabelecidos nos arts. 282 e 283 do CPC. Deve conter os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, através dos quais o juiz verificará se estão presentes todos os requisitos essenciais à procedência do pedido.

Ajuizada a ação no mesmo foro onde se procedeu à separação judicial, ela será distribuída, por dependência, à mesma vara. Autuado e registrado o pedido, será apensado o processo da separação judicial. Essa diligência pode ser determinada de ofício pelo juiz. Caso a ação tenha sido ajuizada em juízo diferente do da separação, deverá ser instruída com a certidão da separação, ou de sua averbação no assento de casamento. Essa mesma providência deve ser tomada na hipótese de extravio dos autos.

Sem embargo da Lei do Divórcio somente se referir à conversão de separação em divórcio formulada por "qualquer dos cônjuges", é tranqüila a possibilidade de ambos fazê-lo, consensualmente. Nessa hipótese, a petição inicial será assinada pelo casal; se os cônjuges não puderem ou não souberem escrever é lícito que outrem assine a petição a rogo deles. As assinaturas, quando não lançadas na presença do juiz, serão, obrigatoriamente, reconhecidas por tabelião. É permitido que o procurador com poderes especiais expressos subscreva a petição inicial.

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Vale salientar que o divórcio indireto consensual é procedimento de jurisdição voluntária, não suspendendo o seu curso o advento das férias forenses, assim também, "não há falar em audiência de ratificação do pedido" (TJMG, 5ª Câm. Cív., Ap. 5.844/6, rel. Des. Campos Oliveira). Presentes os requisitos e ouvido o Ministério Público, o juiz preferirá sentença.

Proposta a ação por qualquer um dos cônjuges, o juiz determinará a citação do outro, para que no prazo de quinze dias conteste a ação. Note-se que não há necessidade de audiência prévia de conciliação. A contestação tem conteúdo limitado pelo parágrafo único do art. 36 da Lei do Divórcio, ou seja, só pode fundar-se em: falta do decurso de um ano da separação judicial (inc. I); descumprimento das obrigações assumidas pelo requerente na separação (inc. II). Ao nosso sentir, esta última hipótese prevista na lei ordinária, como visto anteriormente, não foi agasalhada pela Constituição Federal e pelo novo Código Civil, de sorte que o eventual descumprimento de obrigação assumida na separação não constitui óbice ao divórcio.

Além disso, pode o cônjuge apresentar exceção de incompetência relativa, impedimento ou suspeição do magistrado, bem como alegar na contestação, em preliminar, qualquer das matérias relacionadas no art. 301 do CPC. É incabível a reconvenção.

Discute-se nesses processos a existência ou não dos elementos necessários à concessão do divórcio pela via indireta, i.e., existência de prévia separação judicial e o decurso de tempo necessário. Incabível, pois, discussão acerca de cláusulas estabelecidas na separação, algo que poderá ser realizado por meio de ação autônoma. Assim, por exemplo, não é dado pleitear aumento, diminuição ou exoneração de pensão alimentícia; correção de omissão na partilha de bens; anulação de cláusula por vício de consentimento, enfim. Só se admite a modificação de cláusula estipulada na separação judicial se houver consenso entre os cônjuges.

É desnecessária a audiência de conciliação no processo de conversão, "com isto se evita o constrangimento de um reencontro dos ex-cônjuges, o que não traria nenhum proveito para a Justiça, que esses, sem êxito, já foram ouvidos pessoalmente no processo de separação judicial" (Yussef Said Cahali, "Divórcio e Separação", tomo 2, 8ª edição, RT, p. 1.150).

Não havendo contestação, ou não havendo necessidade de produzir prova em audiência, o juiz conhecerá diretamente do pedido, ou seja, julgará antecipadamente a lide, sem a inútil designação de audiência. A improcedência do pedido de conversão não impede que o mesmo cônjuge o renove, desde que satisfeito o requisito não cumprido.

Sob pena de nulidade absoluta, a intervenção do Ministério Público é obrigatória (art. 246 c/c art. 82, inc. II, do CPC). Lembrando-se que o que nulifica os atos processuais nesses casos não é a falta de efetiva manifestação deste, mas sim, a falta de intimação do seu representante legal.

A sentença que julgar o pedido não constará a causa determinante da separação judicial anterior (art. 25, caput); deve limitar-se à conversão desta em divórcio (art. 37, § 1.º).

Na sentença será determinado que a mulher volte a usar o nome que tinha antes de contrair o matrimônio, só conservando o nome de família do ex-marido se a alteração acarretar: (a) evidente prejuízo para a sua identificação; (b) manifesta distinção entre o seu nome de família e dos filhos havidos da união dissolvida; (c) dano grave reconhecido em decisão judicial (art. 25, § único). Não ocorrendo motivo para que se enquadre nas exceções da lei, a sentença determinará que a mulher volte a usar o nome que tinha antes de contrair o matrimônio. "Trata-se de norma cogente, de incidência imediata" (STJ, REsp. 146.549, rel. Min. Costa Leite).


7. Conclusão

A liberdade real de que gozam homem e mulher no casamento nos tempos modernos, faz com que ambos reflitam mais acerca de suas vidas, dos rumos tomados pela união. Só eles, diante de suas individualidades, saberão quando o casamento faliu. E se batem às portas do Judiciário, após o lapso de tempo fixado em lei, é porque já estão convictos do caminho a seguir. Não se trata de pregar a cultura divorcista entre nós, mas, de deixar de lado a hipocrisia. Cabe, assim, ao Judiciário buscar a conciliação, agilizar a prestação jurisdicional para evitar maiores dissabores entre o casal, enfim... Jamais servir de obstáculo, no desejo antiquado de forçar uma reconciliação ou inibir o divórcio.

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Sobre o autor
Wesley Souza de Andrade

advogado em Alagoas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Wesley Souza. O divórcio indireto à luz do novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1341, 4 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/540. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

Originalmente publicado no Jus Navigandi n. 49 (1.2.2001).

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