Validade da aplicação da arbitragem na Administração Pública

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Este trabalho de conclusão de curso (monografia) visa analisar à luz do direito constitucional e administrativo a viabilidade técnico-jurídica da aplicação da Arbitragem conforme a Lei 9.307 de 1996 na administração pública, seja ela direta ou indireta.

RESUMO 

Este trabalho de conclusão de curso (monografia) visa analisar, à luz do direito constitucional e administrativo, a viabilidade técnico-jurídica da aplicação da Arbitragem conforme a Lei 9.307 de 1996 na administração pública, seja ela direta ou indireta, ou ainda na nova figura das Parcerias Público Privadas.

O tema apresenta nuances legais extremamente interessantes e importantes de serem estudadas, pois além de possuir pouca discussão sobre a problemática específica indicada (como aplicar a Lei 9.307/96 à Administração Pública), a maioria dos poucos trabalhos se atém a discutir a arbitrabilidade (ou não) das lides envolvendo o Estado que, apesar de ainda não estar plenamente pacificada, já possui uma tendência majoritária pela aceitação, visto ser a arbitragem uma ferramenta importantíssima para se alcançar a eficiência esperada de uma administração moderna em um mundo globalizado como o atual.

Dado esse novo terreno que a arbitragem passa a percorrer, é de suma importância a discussão da forma como a arbitragem será aplicada com na administração pública, sem gerar insegurança jurídica, seja para a outra parte, seja para o próprio administrador, que pode incorrer em crime administrativo se não prezar pela legalidade plena dos seus atos.

Palavras-chave: Arbitragem. Lei 9.307/96. Administração Pública. Contratos. Parcerias Publico-Privadas.

ABSTRACT 

This monography of conclusion of course aims to  analyse, under the light of Constitucional and Administrative Right, the technical and legal viability of the use of Arbitration as provided in the Law 9.307/96 in the public administration, whether direct or indirect, or in the form of the new forma of the Private-Public Partnership. The topic presents extremely interesting and important legal details to be studied, because, in addition to the lack of studies about the specific issue presented (how to apply the 9.307/96 Law to the public administration), the majority of this papers restricts itself to discuss the arbitrability (or not) of the legal discussion involving the public administration, with although not tottaly unanimous, have a majority tendency to accept, due the arbitration be an important tool to reach the efficiency expected of a modern administration in a globalized world of today. Given this new ground that the arbitration shall go, it is very important to discuss how the arbitration will be applied in the public administration without create legal uncertainty, either to the other party, whether for the administrator himself, who may incur in administrative offense if not fully folow the legality of their actions.

Keywords: Arbitration. Law nº 9.307/96. Public Administration. Contracts. Public-Private Partnership.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO    

2 ARBITRAGEM     

2.1 Definição sumária de Arbitragem    

2.2 A supremacia da autonomia da vontade e a flexibilidade da arbitragem   

2.3 A confidencialidade na arbitragem  

2.4 A celeridade da arbitragem  

2.5 A utilização da jurisdição estatal em apoio à arbitragem

3. PRINCÍPIOS GERAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

3.1 Princípio da Legalidade

3.2 Princípio da Publicidade

3.3 Princípio da Eficiência 

3.4 Princípio do Interesse Público

4 NOÇÕES GERAIS DOS CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

4.1 Características dos Contratos Administrativos

4.1.1 A necessidade de forma prescrita em lei e do devido processo legal

4.1.2 A natureza de contrato de adesão 

4.2 Modalidades do Contrato Administrativo 

5 ARBITRAGEM NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA  

5.1 Ideias contrárias à arbitrabilidade no âmbito do poder público 

5.1.1 Inconstitucionalidade 

5.1.2 Ofensa ao interesse público

5.2 Ideias favoráveis à arbitrabilidade no âmbito do poder público

5.3 A admissibilidade contida 

5.3.1 Visão do TCU

5.4 Formação da convenção arbitral na Administração Pública 

5.4.1 A instituição da arbitragem

5.4.2 A escolha do(s) árbitro(s)

5.4.3 Contratação e honorários do(s) árbitro(s) e outras despesas arbitrais 

5.4.4 A impossibilidade do uso de certas ferramentas arbitrais

5.5 A Lei 19.447/11 de Minas Gerais (Lei Mineira da Arbitragem)

6 CONCLUSÃO   


1 INTRODUÇÃO

No judiciário brasileiro existe uma situação que se demonstra insustentável, para dizer o mínimo. Me restringindo apenas à realidade local (Comarca de Varginha e Seção Judiciária Federal de Varginha), em análise a seus números estatísticos temos a seguinte realidade.

No Relatório de Movimentação Processual de 2012 publicado pelo TJMG encontramos índices assustadores com um acumulado de 18.077 processos distribuídos e apenas 13.647 julgados, ou seja, índices de Julgados x Distribuídos de 75,5%, e tudo isso num acervo de 48.061 processos no dia 31/12/2012 (TJMG, 2013).

Na vara única da Justiça Federal de Varginha a situação não é diferente. A distribuição total em 2012 publicada pelo sistema Transparência em Números do TRF-1 foi de 2.575 processos distribuídos ante 1.425 julgados, gerando um índice Julgados x Distribuídos de meros 55,3%, num universo de 7.664 processos em Tramitação (TRF-1, 2013).

Na Comarca de Varginha ainda temos uma Vara de Fazenda Pública onde a situação é ainda pior do que a situação geral da Comarca, com 2.093 Distribuições ante 1.312 Julgados, gerando um índice de 62,7% num universo de 16.987 processos no Acervo da Vara no último dia de 2012.

Tais números, apesar de restritos às primeiras instâncias locais, demonstram a incapacidade de o judiciário atender às demandas que lhe são levadas atualmente. Vemos que o sistema simplesmente não consegue julgar, no mínimo, a mesma quantidade de ações que são distribuídas. Tal situação gera uma lentidão nos julgamentos e efeitos danosos à plena justiça, ainda mais quando se fala em lides envolvendo o Estado, que geralmente envolve bens jurídicos públicos, com efeitos danosos a uma parcela elevada de cidadãos.

Não vou me aprofundar nos números, pois não é o foco deste trabalho. O foco é na solução de parte do problema, dada a possibilidade de a arbitragem de causas envolvendo o Estado se demonstrar como apta a impedir que demandas de alta complexidade, arbitráveis do ponto de vista do objeto, tenham que ser levadas à jurisdição estatal, demandas estas que se não existem em números elevados demandam uma grande quantidade de tempo dos julgadores de todas as instâncias.

Essa possibilidade de arbitrabilidade de causas envolvendo o Estado geraria ainda o ganho em celeridade na solução do conflito apresentado, tendo em vista que a lentidão da jurisdição estatal gerada pelo elevado número de causas leva à lentidão na prestação de serviços pelo Estado. Ou seja, além de poder contribuir com a celeridade da justiça, mesmo que em escala não tão elevada, a arbitragem de lides envolvendo o Estado ainda poderia gerar um ganho ao gerar uma solução mais rápida ao conflito por desviar do judiciário.

    Porém tal território ainda é pouquíssimo explorado por nós, operadores do direito, e, em especial pelos advogados, que ainda preferem, quando consultados, a utilizar a justiça Estatal, fruto de gerações formadas com foco único nesta forma de solução de conflitos e tal linha de pensamento se mostra ainda mais forte quando temos em um dos lados da lide o Estado.

    Ultimamente tem se expandido na literatura jurídica nacional a busca por soluções alternativas de conflitos em âmbito das relações privadas, com o fortalecimento da Justiça Especial, trabalhos sendo realizados nas comunidades a fim de se aumentar a solução pacífica entre as partes (de modo que os pequenos conflitos nem cheguem à justiça), e, em última instância uma ainda incipiente mas com crescimento visível da via arbitral, nos termos da Lei 9.307/96, para a solução dos conflitos que não sejam amigavelmente resolvidos, principalmente quando temos o envolvimento de empresas, que em geral não podem se dar ao luxo de aguardar anos para a solução de conflitos pelas vias ditas convencionais.

O presente trabalho tem como foco demonstrar a possibilidade (ou impossibilidade) jurídica de se estender essa aplicabilidade da arbitragem também na esfera pública, seja na administração indireta, seja na indireta, envolvendo principalmente as empresas públicas, sociedades de economia mista, consórcios públicos, mas também em todos os outros ramos onde temos a mão do Estado, chegando, inclusive, à administração direta, com o intuito de esta desviar do congestionado judiciário em suas resoluções de conflitos, afim de respeitar princípios como a eficiência, sem que com isso incorra em contrariedade a outros como a legalidade.

No primeiro capítulo irei tratar da arbitragem em si, suas principais características, regras, aplicações e restrições. A intenção é realizar a devida introdução ao conceito de arbitragem, que, apesar de já existir a milênios na história, e ser um instituto que já foi muito utilizado no Brasil, só veio a retomar uma utilidade mais realista e com aplicabilidade prática com a publicação da Lei da Arbitragem em 1996, ou seja, alcançará a maioridade em meados do ano de 2014.

O segundo capítulo tratará do delineamento dos princípios basilares da administração pública necessários à correta análise da aplicabilidade da arbitragem à Administração Pública.

O terceiro capítulo apresentará noções gerais sobre os contratos da Administração Pública, delineando as regras genéricas, inclusive versando sobre as modalidades e previsões legais.

O quarto capítulo trabalhará a arbitragem na administração pública em sí, sendo o cerne deste trabalho. Irei tratar das ideias contrárias à administração pública utilizar-se do instituto da arbitragem sob as regras atuais, inclusive a suposta inconstitucionalidade e ofensa ao interesse público. Posteriormente as ideias favoráveis serão explicadas, inclusive a visão de não ser necessária uma lei autorizativa prévia, como alguns doutrinadores defendem. Ainda será abordada a visão do Tribunal de Contas da União e finalmente os limitadores naturais à sua aplicabilidade plena nos moldes do que pode ser feito no direito privado. Neste capítulo tratarei ainda da formatação das convenções arbitrais e cláusulas arbitrais envolvendo a administração pública, a instituição, escolha dos árbitros e sua contratação, honorários e outras despesas e a necessidade de que certas decisões sejam proferidas de acordo com as normas gerais da administração, impossibilitando o uso pleno de todas as ferramentas dadas pela Lei da Arbitragem a fim de preencher esses princípios.

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Neste trabalho não espero esgotar o assunto, mas sim conseguir ao menos colocar uma luz sobre este ponto tão crítico ao desenvolvimento nacional que é a solução célere dos conflitos que surjam no processo de gestão da máquina pública. A princípio considero não haver nenhum impedimento à aplicação plena, não considerando necessária nem uma lei (em sentido amplo) prévia para cada ente público, porém vejo que a ausência dessa previsão legal torna a aplicação difícil, pois o próprio administrador, com a intenção de manter a legalidade, evitará o seu uso, logo vejo ser necessário o balizamento legal da aplicação da arbitragem, seja por meio de uma Lei específica, seja por normas infra-legais.


2 A ARBITRAGEM

A arbitragem é um dos meios alternativos de solução de conflitos. Residia no Capítulo XIV (Do Juízo Arbitral) do Livro IV (Dos Procedimentos Especiais) do Código de Processo Civil de 1973 (Arts. 1.072 a 1.102), e jazia lá, praticamente como letra morta, pois sua aplicação ficava inútil ante a necessidade de posterior homologação judicial.

O que já havia sido amplamente utilizado, inclusive em conflitos envolvendo o Estado, não mais o era por questões de ordem prática, afinal, se seria necessária uma homologação complexa e demorada por parte do judiciário, qual o motivo de não levar a lide à apreciação deste logo de início?

Em 1992, porém, um resgate da arbitragem no Brasil começa a ser escrito. Marco Maciel, então senador, apresenta o Projeto de Lei nº 78, que após 4 anos se converteu na Lei 9.307 de 1996 (Lei da Arbitragem, doravante chamada LA), tornando-se o respaldo positivo da nova arbitragem nacional, inclusive revogando expressamente, em seu Art. 44, todos os dispositivos acerca do assunto no Código de Processo Civil que ainda vigora, e no Código Civil de 1916, substituído por um totalmente novo em 2002.

Balizada por esta Lei enxuta, de invejável objetividade e com viés extremamente prático, a arbitragem, apesar de ter sido uma lei que "pegou", usando as palavras de Pedro A. Batista Martins (MARTINS, 2008), ainda sofre certo preconceito da comunidade jurídica, seja por parte de magistrados, que veem nela uma afronta ao seu poder jurisdicional, seja por desconfiança de advogados, principalmente aqueles formados pela escola focada no litígio, no conflito, sempre temerosos em usar essa ferramenta por sua restrição a quaisquer possibilidades de recursos ao julgado material.

Tais visões, na opinião desse autor, estão baseadas mais em motivações pessoais destes operadores do direito (perda de poder e do “jus esperniandi” , por exemplo) do que em uma real preocupação com riscos à aplicação do direito, segurança jurídica, etc. 

O uso do termo justificar não é um exagero, pois a partir da entrada em vigor dessa Lei o uso da Arbitragem no Brasil iniciou um processo de crescimento intenso, com a criação de Câmaras de Arbitragem por diversas instituições de ampla influência, como a Fundação Getulio Vargas, ou seja, um instituto antigo, que estava sepultado por uma legislação complexa e anti-prática voltou a fazer sentido no mundo jurídico, com vantagens amplas como a celeridade, flexibilidade, liberdade (em sentido amplo) e possibilidade de confidencialidade.

2.1 Definição sumária de Arbitragem

A Arbitragem consiste, em resumo, em uma pessoa capaz de contratar, ceder uma lide que verse sobre direitos patrimoniais disponíveis, à apreciação por uma pessoa (ou pessoas) denominada árbitro, e escolhido pelas partes em comum acordo, com base na confiança, de que a pessoa irá julgar segundo os princípios da competência, imparcialidade e independência, inclusive com a opção de escolha da forma a ser julgado o litígio (equidade ou direito) ou ainda quais serão as normas a serem usadas se a opção for o direito. Com todas essas decisões tomadas com amplo e quase irrestrito respeito à autonomia da vontade das partes, ressalvado apenas o respeito aos bons costumes e à ordem pública.

Gera, ao final, uma sentença arbitral, de caráter irrecorrível materialmente, com efeitos idênticos ao da sentença judicial, fazendo coisa julgada material, e consistindo em título executivo judicial.

Tendo em vista o foco mais restrito deste trabalho à aplicação da Arbitragem à administração pública, não irei me ater por demais nas tecnicidades da aplicação da Arbitragem em si, analisando ponto a ponto os artigos da LA, pois, além de perder o foco, corre-se o risco de tornar esse capítulo por demais extenso. Para isso existe crescente doutrina no assunto, e, assim como pressupõe-se o conhecimento de princípios básicos do Direito por parte do leitor, como, por exemplo, a definição de jurisdição estatal, ou mesmo de Estado, irei pressupor que haja, por parte do leitor, um conhecimento da LA e do funcionamento genérico da Arbitragem, afim de dar um andamento mais célere aos capítulos introdutórios.

Há, no entanto, fundamentos que merecem atenção especial neste trabalho, pois as "premissas (...) serão fundamentais à posterior identificação das peculiaridades que a arbitragem envolvendo o Poder Público assume tanto em relação à artibragem entre particulares quanto no que tange ao processo judicial" (AMARAL, 2012, p. 53). 

2.2 A supremacia da autonomia da vontade e a flexibilidade da arbitragem

Em seu Art. 2º a LA começa a tecer seu preceito mais importante: a supremacia da autonomia da vontade das partes. Praticamente tudo na LA passa a apresentar um respeito quase irrestrito a esse preceito, partindo da intenção de levar a lide à apreciação privada à forma de como isso irá acontecer, passando pela escolha dos árbitros, ou ainda árbitro, ou mesmo uma instituição, as normas a serem seguidas, ou mesmo falta delas, usando-se a equidade. 

Esse conceito basilar possui importância tão profunda neste instituto que a própria Arbitragem não pode existir sem ele, afinal, é a autonomia da vontade que faz com que duas pessoas com capacidade contratual tomem a decisão de levar seu conflito de interesses versando direitos patrimoniais disponíveis a uma apreciação privada, de caráter irrecorrível materialmente. 

Escolhida a arbitragem temos que as partes tem que escolher como, quem, onde, com base em que julgar, o prazo para esse julgamento, limites, enfim, ao contrário da jurisdição estatal, onde a Lei é o irradiador de todo direito, aqui será a vontade das partes que irradiará ou ao menos escolherá todas as regras.

Tal princípio é tão forte que a partir da aceitação, por parte do árbitro, de figurar como julgador, este também é incluída nele, logo modificações na "regra do jogo" no curso da arbitragem terá que ter, além das partes, o aval do árbitro, como ocorre, por exemplo, na extensão do prazo para ocorrer a sentença arbitral.

Porém tal autonomia não é plena, pois o Art. 21, §2º da LA diz que "Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento" (BRASIL, 1996).

No Brasil, as restrições quanto à possibilidade de opção ou elaboração de desenhos procedimentais são bem limitadas, devendo-se observar apenas o respeito aos princípios do contraditório, da igualdade entre as partes, da imparcialidade, do árbitro e de seu livre convencimento. Respeitados esses limites, qualquer arranjo procedimental mostra-se passível de acordo com a vontade das partes e do caso. (SALLES, 2011, p. 35)

Princípios fundamentais do direito, além daqueles Constitucionais, como o princípio do devido processo legal, também restringem parcialmente a vontade das partes, pois impedem, por exemplo, que estas decidam por sua plena vontade excluir do Estado Juiz a possibilidade de uma posterior impugnação da sentença arbitral por meio da Ação Anulatória prevista na própria LA, ação esta, que cabe ressaltar, nunca irá tocar no julgado material, apenas no procedimental, podendo, no entanto, anular todo o processo arbitral caso este possua vícios insanáveis Uma decisão excluindo a possibilidade dessa ação, mesmo que por vontade livre das partes será inócua, pois abrir mão do devido processo legal, preceito este Constitucional, não está mais na esfera dos direitos indisponíveis das partes (AMARAL, 2012). 

Uma outra restrição é a necessidade dos árbitros serem em número ímpar, mas caso as partes elejam um número par os próprios árbitros poderão eleger outro, ou, caso não haja acordo remeter o assunto ao judiciário.

Como vimos as restrições são poucas e praticamente tudo pode ser decidido pelas partes em comum acordo, e isso permite uma flexibilidade que o Judiciário nunca poderia equiparar, pois a aplicação pode se dar desde a aceitação sem questionamentos das regras pré-estabelecidas por um órgão arbitral (em moldes similares ao da justiça estatal) até uma arbitragem ad-hoc totalmente moldada para aquela situação específica que se apresenta no momento, com tudo decidido para melhor atender às intenções das partes em solucionar rapidamente o conflito.

2.3 A confidencialidade na arbitragem

Um dos pontos com mais vantagens na utilização da Arbitragem por empresas é a possibilidade de todo o processo ser sigiloso, ao contrário da jurisdição estatal que possui como regra geral a publicidade dos seus atos, sendo o segredo de justiça uma exceção que vale apenas quando o interesse público exigir ou que a lide verse sobre direito de família, exceções estas presentes no Art. 155 do Código de Processo Civil.

Segredos industriais, por exemplo, não constam nesse rol, logo uma lide que envolva apenas pessoas capazes, e que versem sobre direitos disponíveis e que tenha algum segredo industrial, só terá mantido esse segredo ao utilizar-se da via arbitral.

Se a regra geral da justiça estatal é a publicidade, para mim, pessoa física ou jurídica de direito privado e sem vínculo nenhum com a administração pública, pode ser muito mais vantajoso levar minha lide que versa sobre um segredo industrial de alto valor à arbitragem por parte de uma instituição ou pessoa na qual eu confie, e caso a outra parte também pense assim (mais uma vez a onipresente autonomia da vontade) o problema estará resolvido, e todo o segredo por trás daquela lide estará resguardado.

Esta confidencialidade, porém, não é absoluta nem obrigatória. O segundo por a autonomia da vontade ser praticamente suprema, logo se por algum motivo as partes optarem pela publicidade a arbitragem assim será. E a primeira por perder-se essa característica caso haja necessidade de levar o caso ao judiciário por algum motivo. “(...), caso uma das partes decida impugnar a sentença arbitral ou a convenção de arbitragem perante o Poder Judiciário, o sigilo eventualmente pactuado na arbitragem cederá à regra geral da publicidade que norteia o processo judicial” (VELLOSO, 2007, p.411  apud AMARAL, 2012, p. 49). 

Aqui surge um detalhe que será abordado posteriormente: é unânime o pensamento que diz que os entes estatais não podem valer-se dessa ferramenta da arbitragem sob pena de ferir um princípio geral da administração pública.

2.4 A celeridade da arbitragem

O primeiro ponto que gera celeridade na arbitragem é a inexistência de qualquer forma de se recorrer, o que for decidido por aquele árbitro ou banca de árbitros valerá como sentença judicial com caráter irrecorrível, ou seja, é como se a sentença da primeira instância gerasse um transitado em julgado. Obviamente no judiciário ninguém iria querer que isso ocorresse, porém na arbitragem por haver o respeito à vontade das partes tem-se que os julgadores ou julgador iniciais já são os que melhor irão julgar a lide, seja pela sua capacidade técnica, seja por outros motivos, logo não há motivo para a existência de um grau recursal.

Outro detalhe que promove a celeridade é que logo na formatação da cláusula arbitral ou da convenção de arbitragem há a estipulação do prazo para a sentença arbitral, que deve ser estipulado em comum acordo entre as partes e também com o árbitro (ou árbitros), seja pela aceitação do que já foi estipulado pelas partes, seja por ação proativa deste. O mesmo vale para uma possível prorrogação, onde não há impedimento a não ser a vontade das partes, que nessa altura inclui o árbitro. Necessário se faz lembrar que pelo constante no Art. 23, caput, da LA, caso as partes não façam menção a esse ponto o prazo para a sentença arbitral é de 6 meses.

Há, então, uma previsão desde o início do processo para o seu término e consequente possibilidade de execução da decisão. Não ocorre o que vemos no dia-a-dia das lides entregues ao poder judiciário onde não temos prazo para o proferimento da primeira sentença, muito menos de quando haverá a possibilidade de execução da decisão dado as inúmeras possibilidades recursais. 

Aqui aproveito para esclarecer que essa falta de prazo não é uma crítica ao funcionamento do judiciário, mas apenas um elogio à arbitragem. Obviamente ninguém espera que um Juiz, que não é especialista em determinada área, estabeleça prazos desde o início, o mesmo valendo pra quando os recursos são entregues a Desembargadores, membros dos TRFs, Ministros ou quaisquer outros Magistrados que, apesar de toda sua experiência jurídica, não são especialistas em tudo e dependerão de peritos e outras figuras especialistas no assunto.

Já na arbitragem não, nela as partes, sempre em comum acordo, entregarão a lide a árbitros que normalmente são especialistas na área em litígio, ou seja, o próprio julgador pode ser o perito com confiança de ambas as partes, e por estar tratando de área no qual tem domínio é capaz de estabelecer prazos, e, melhor ainda, cumpri-los a contento.

Enfim, a razoável duração do processo prevista no inciso LXXVIII do Art. 5º da Constituição é plenamente satisfeita por esta forma alternativa de solução de conflitos por, além de prever que a decisão é seu efetivo fim, também estabelece que o prazo é estabelecido pelas partes, e quem melhor para estabelecer uma “razoável duração do processo” do que as próprias partes e quem fará a decisão? 

2.5 A utilização da jurisdição estatal em apoio à arbitragem

A arbitragem é dotada de poder decisório (decisum) que, em certos pontos, é mais amplo que o da própria jurisdição estatal, porém a Lei não lhe deu o poder de impor suas decisões de forma coercitiva (imperium), e para isso é necessário recorrer à jurisdição estatal, esta sim detentora da exclusividade do uso da força, da coercitividade e de todas as ferramentas necessárias para coagir alguém a algo de forma legal.

A execução forçada de uma sentença arbitral, por exemplo, permanece nas mãos do juiz togado, e somente dele, e, apesar de esperar-se que não haja a necessidade do uso dessa "força", visto a voluntariedade da parte em escolher a via arbitral, esta poderá vir a ser necessária.

Outro exemplo do estado juiz apoiando a arbitragem é no caso de não se chegar a um consenso sobre alguma regra, ou mesmo de todas, como, por exemplo, quando as partes contratam com uma cláusula arbitral vazia e não chegam a consenso algum sobre quem serão os árbitros, como será feita a arbitragem, prazos, enfim, tudo. Como só o Estado detém o direito de coagir alguém a algo restará a ele tomar essa decisão e impô-la. 

Aqui é interessante ressaltar que tal possibilidade, presente no Art. 7º da LA pode vir a ser de importância extrema à arbitragem figurando o Estado como parte, foco deste trabalho, pois se o administrador tiver dificuldades em expressar a autonomia da vontade do Estado sem ferir a legalidade, e existir uma cláusula arbitral, que de plano exclui a possibilidade de a jurisdição estatal julgar a matéria, poderá esta jurisdição suprir essa carência e tecer o compromisso arbitral, e este sim, fundar as bases da arbitragem que decidirá a lide em sí.

O terceiro caso do Poder Judiciário participando da arbitragem é a garantia de execução de medidas cautelares. A LA não tece nenhuma restrição a medidas cautelares, e levando em consideração que as regras procedimentais da Arbitragem são de convenção praticamente livres, podem ser usadas. Como já dito, a Arbitragem sozinha não tem poder de imperium, logo restará ao poder jurisdicional estatal assegurar o cumprimento de qualquer medida cautelar imposta pelos Árbitros.

Todas essas possibilidades terão as regras de competência asseguradas pela legislação processual comum, e em regra serão as mesmas que valeriam caso o direito material fosse decidido pela jurisdição estatal, ou seja, o juízo que seria competente para julgar, originalmente, a lide. Tal previsão é de suma importância para o tema desse trabalho pois a legislação que baliza algumas formas de contratar do Estado preveem a eleição de foro, que na visão de alguns doutrinadores excluiria desde já a possibilidade de utilização da arbitragem, porém, na visão deste autor, a obrigatoriedade de eleição do foro da sede daquele ente estatal pode se enquadrar justamente nesse ponto, onde é feita a decisão pela via arbitral, mas elege-se foro para dirimir lides decorrentes da via arbitral, seja na implementação da convenção de arbitragem, seja na execução da sentença e medidas cautelares.

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Sobre o autor
Vilmar Antônio Moccelin Júnior

Estudante de direito, economiario e fã do direito constitucional e administrativo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade Cenecista de Varginha, como requisito parcial, para obtenção do Grau Bacharel em Direito.

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