3 PRINCÍPIOS GERAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A administração pública possui princípios gerais próprios, assim como qualquer ramo do conhecimento. Alguns deles são exclusivos, outros são emprestados de outras áreas do direito.
Eles são tão importantes que a própria Constituição Federal de 1988 expõe no início do Capítulo que versa sobre o assunto "Administração Pública" os principais princípios a serem obedecidos e seguidos com o seguinte texto, presente no caput do seu Artigo 37:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (BRASIL, 1988)
Na esfera infraconstitucional a Lei nº 2.784 de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, cita em seu Artigo 2º um rol que repete alguns já constantes na Constituição e acrescenta outros:
"Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência". (BRASIL, 1999)
O mesmo ocorre em nível Estadual. Mantendo a realidade local, na Constituição do Estado de Minas Gerais, em seu Art. 13º temos os seguinte:
“Art. 13 – A atividade de administração pública dos Poderes do Estado e a de entidade descentralizada se sujeitarão aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e razoabilidade” (MINAS GERAIS, 1989).
Por não ser o foco deste trabalho não tratarei de todos princípios em detalhes e à fundo, apenas aqueles mais importantes para o acompanhamento do presente trabalho, quais sejam a Legalidade, Publicidade e Eficiência, constantes na Constituição Federal além da Supremacia do Interesse Público, constantes na Lei 2.784/1999.
3.1 Princípio da Legalidade
Advindo do Estado de Direito, o princípio da legalidade se fundamenta na necessidade de proteger os direitos individuais de forma negativa, isto é, sendo um cerceador do poder soberano do Estado, sem o qual este incorreria em excessos. “É aqui que melhor se enquadra aquela idéia de que, na relação administrativa, a vontade da Administração Pública é a que decorre da lei” (DI PIETRO, 2012, p.64).
Aqui permito-me copiar as sabias palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Instaura-se o princípio de todo poder emana do povo, de tal sorte que os cidadãos é que são proclamados como os detentores do poder. Os governantes nada mais são, pois, que representantes da sociedade. O Art. 1º, parágrafo único, da Constituição dispões que: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Além disto, é a representação popular, o Legislativo, que deve, impessoalmente, definir na lei e na conformidade da Constituição os interesses públicos e os meios e modos de persegui-los, cabendo ao Executivo, cumprindo ditas leis, dar-lhes a concreção necessária. Por isto se diz, na conformidade da máxima oriunda do Direito inglês, que no Estado de Direito quer-se o governo das leis, e não dos homens; impera a rule of law, not of men.. (MELLO, 2003, p.91-92)
Se na relação entre particulares temos no inciso II do Art. 5ª da Constituição temos que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 1988), protegendo assim o princípio de autonomia da vontade, que expressa que o aquilo que não é defeso em lei é passível de acordo entre as partes, nas relações envolvendo o Estado temos que a Administração Pública só pode fazer o que a Lei permite.
No Direito administrativo, esse princípio determina que a Administração Pública, em qualquer atividade, está estritamente vinculada à lei. Assim, se não houver previsão legal, nada pode ser feito. No princípio genérico, a pessoa pode fazer de tudo, exceto o que a lei proíbe. No princípio específico, a Administração Pública só pode fazer o que a lei autoriza, estando engessada, na ausência de tal previsão. Seus atos têm que estar sempre pautados na legislação. É a legislação quem estabelece como um juiz deve conduzir um processo ou proferir uma sentença; ou o trâmite de um projeto de lei no legislativo ou a fiscalização das contas presidenciais pelo TCU; ou as regras para aquisição de materiais de consumo pelas repartições. Tudo tem que estar normatizado, e cada um dos agentes públicos estará adstrito ao que a lei determina. (WIKIPÉDIA, 2013)
Para o presente trabalho tal princípio possui importância pois é um dos argumentos principais dos que são contra a aplicação da Arbitragem em litígios envolvendo o Estado em qualquer instância, pois para estes autores só o fato de não haver proibição na LA a essa aplicação não bastaria para liberar o Administrador para aplica-la aos casos práticos. Haveria necessidade de uma autorização expressa na lei ou em legislação diversa, lembrando sempre que a legalidade não reside necessariamente na lei estrito sensu (leis ordinárias, complementares, etc) mas sim na latu sensu, que inclui normas infra legais como Decretos, por exemplo.
O que não poderia, aos olhos desse princípio, é o Administrador utilizar a LA por não existir proibição.
3.2 Princípio da Publicidade
Todo ato administrativo deve ser público, não havendo de se falar, em regra, de atos sigilosos do Estado. A exceção se faz apenas quando o sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, ou seja, a exceção é rara.
Este princípio é norteado principalmente pelo inciso XXXIII do Art. 5º da Constituição Federal de 1988:
Art. 5º (...) XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (BRASIL, 1988)
Além deste inciso a publicidade reside no inciso LX, que diz que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (BRASIL, 1988), ou seja, veda qualquer tentativa de restrição à publicidade dos atos administrativos, mesmo que originário de lei, a não ser nos excepcionais casos onde haja necessidade de defesa da intimidade ou também nos casos onde o sigilo seja imprescindível à defesa do interesse social.
Consagra-se nisto o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida. (MELLO, 2003, p.104)
Este princípio tem a sua importância para este trabalho por demonstrar que apesar de permitido pela LA, durante uma arbitragem a administração pública não poderá valer-se dessa possibilidade, pois incorrerá em inconstitucionalidade. Tal ponto é um dos poucos onde a questão jaz pacificada, uma vez que mesmo os defensores da aplicação da Arbitragem de forma irrestrita pela administração pública concordam que o uso dessa ferramenta da arbitragem é impossível para a administração pública.
3.3 Princípio da Eficiência
Segundo Hely Lopes Meirelles (2003 apud DI PIETRO, 2012) a eficiência é um dever da Administração Pública, é aquilo que faz com que todo agente público realize suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional, sendo o mais moderno princípio da função administrativa.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012) o princípio da eficiência possui dois aspectos, o modo de atuação do agente público, de quem se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, e o modo de organizar, estruturar e disciplinar a administração pública, que também deve buscar os melhores resultados na prestação do serviço público
Tal princípio foi inserido na norma constitucional (em modificação ao Art. 37) pela reforma promovida pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998.
Os doutrinadores como um todo, e especialmente autores mais antigos, como Celso Antônio Bandeira de Mello, viram esse princípio com um certo desdém, como se não fosse mais do que mero reforço da legalidade, que já estava na Constituição antes dessa reforma (MELLO, 2003).
Causou uma revolução na Administração Pública, pois foi marco que tornou possível aos gestores, e também ao povo, cobrar que a administração, além de seguir as leis, também fosse eficiente, ou seja, acabou o reinado da ineficiência Estatal, daquela visão caricata do funcionário público (e da administração como um todo). Vejam a visão de José dos Santos Carvalho Filho:
A inclusão do princípio, que passou a ser expresso na Constituição, suscitou numerosas e acerbas críticas por parte de alguns estudiosos. Uma delas consiste na imprecisão do termo. Ou seja: quando se pode dizer que a atividade administrativa é eficiente ou não? Por outro lado, afirma-se ainda, de nada adianta a referência expressa na Constituição se não houver por parte da Administração a efetiva intenção de melhorar a gestão da coisa pública e dos interesses da sociedade. Com efeito, nenhm órgão público se tornará eficiente por ter sido a eficiência qualificada como princípio na constituição. O que precisa mudar, isto sim, é a mentalidade dos governantes; o que precisa haver é a busca dos reais interesses da coletividade e o afastamento dos interesses pessoais dos administradores públicos. Somente assim se poderá falar em eficiência. (CARVALHO FILHO, 2013, p.30)
Porém, a partir dessa Emenda Constitucional surgiram modificações profundas na gestão pública como um todo. Palavras como “metas” e “produtividade”, tão comuns na iniciativa privada, começaram a fazer parte também da gestão pública, e os servidores e empregados públicos começaram a ser cobrados também por esses indicadores. E não tornou possível apenas à administração cobrar dos seus próprios servidores e empregados, mas também para o povo cobrar atitudes de eficiência por parte dessa administração e, assim como atitudes de melhora na própria gestão diária do Estado, o povo tem o direito de cobrar ações eficientes em todos os âmbitos, inclusive a solução de conflitos.
Com o advento deste princípio a nível Constitucional a partir da EC 19/98 um conflito jurídico que se arrasta por anos a fio, com demoras para os julgamentos e recursos infindáveis se tornou uma situação inconstitucional, e como exemplo podemos citar uma obra pública se deteriorando por uma pendência judicial infindável com uma empreiteira ou um contrato de prestação de serviços ou venda de produtos envolvendo uma empresa pública. E tornou-se dever dos administradores públicos procurarem forma eficientes para a solução desses conflitos, como, por exemplo, a Arbitragem.
3.4 Princípio do Interesse Público
“Este princípio está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação” (DI PIETRO, 2012, p.65).
Como ensinado por esta importante autora, participante inclusive da Comissão que elaborou o Anteprojeto que culminou com a Lei 9.784/99, tal princípio possui duas fases, a primeira na elaboração da lei visando o interesse público e sua supremacia ante os direitos individuais.
Esta autora também cita que mesmo mesmo as normas de direito público que protegem o interesse particular estão, na verdade, defendendo o interesse público em algum ponto (DI PIETRO, 2012).
A indisponibilidade dos interesses públicos significa que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por impropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas cura-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que dispuser a intentio legis” (MELLO, 2003, p.69,).
E mantendo a visão de Bandeira de Mello é ressaltado que os administradores públicos não possuem disponibilidade sobre os interesses públicos, apenas sendo seus curadores, estando esta disponibilidade nas mãos do Estado, mais exatamente na égide do seu poder Legislativo e de outras pessoas políticas dentro de suas esferas de atuação. “A Administração e a pessoa administrativa (...) tem caráter instrumental” (DI PIETRO, 2012, p.67).
Dessa situação emana a idéia de que os poderes limitados dado ao administrador não são apenas poderes, mas sim poderes-deveres, pois o mesmo não pode se eximir de aplicar aquilo que lhe foi imposto, seja de forma ativa, deixando de fazer algo que deveria, seja positiva, fazendo algo que não lhe é permitido em lei, além, é claro, do poder fiscalizatório, usando seu poder de polícia para coibir que individuais exerçam seus direitos além dos limites que separam a liberdade individual do bem estar da coletividade. Tudo isso se apresenta como um claro cruzamento do interesse público com a legalidade vista anteriormente.