4 NOÇÕES GERAIS DOS CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Existe uma diferenciação entre contratos da administração e contratos administrativos. O primeiro é usado para todo e qualquer contrato envolvendo entes públicos, sejam eles regidos pelo direito privado (a administração comprando algum produto, por exemplo) ou público (uma concessão de serviços públicos, por exemplo). Já o contrato administrativo são os celebrados no regime jurídico de direito público, com pessoas físicas, jurídicas, públicas ou privadas, com fins de alcançar objetivos públicos.
Costuma-se dizer que, nos contratos de direito privado, a Administração se nivela ao particular, caracterizando-se a relação jurídica pelo traço da horizontalidade e que, nos contratos administrativos, a Administração age como poder público, com todo o seu poder de império sobre o particular, caracterizando-se a relação jurídica pelo traço da verticalidade. (DI PIETRO, 2013, p.258)
Existe porém um problema. Os contratos envolvendo a Administração Pública geram uma divergência doutrinária extremamente problemática para o presente trabalho, pois parte acredita na existência da possibilidade de haver contratos sob o regime de direito privado e outra não, que só haveria o chamado contrato administrativo, e dentro desse "contrato administrativo" ainda temos uma segunda divergência com três correntes, qual sejam: (a) a que nega a existência de contrato administrativo por este não observar princípios básicos dos contratos como a igualdade entre as partes, autonomia da vontade e força obrigatória das convenções, tendo como base para isso a questão da supremacia do Estado em relação ao particular, uma possível inexistência de autonomia de vontade, já que do lado do Estado temos a legalidade, que restringe a autonomia do administrador, e do outro a aceitação das regras impostas unilateralmente pela Administração, e finalmente com relação ao pacta sunt servanda esta corrente ressalta que pela existência da mutabilidade unilateral do contrato não existiria respeito a esse pressuposto legal; (b) a que considera que todos os contratos celebrados pela Administração são contratos administrativos (tese esta que eliminaria a primeira subdivisão entre os contratos de regime privado e público, existindo, para eles, apenas o segundo) pois sempre haverá influência do regime jurídico administrativo; (c) e finalmente a que afirma serem os contratos administrativos uma espécie do gênero contrato, pautado no regime jurídico de direito público (DI PIETRO, 2012).
Das três correntes mencionadas, tem-se que para a primeira e a segunda (minoritárias), a Administração não poderia utilizar-se da arbitragem, em razão do regime jurídico de Direito Público e da natureza indisponível dos bens envolvidos.
Já para a terceira corrente (majoritária), que admite a dicotomia entre contratos administrativos e contratos privados da Administração, a arbitragem é permitida, por existirem direitos disponíveis envolvidos na relação contratual.” (FERREIRA NETTO, 2008, p.53)
Tal tema, caso fosse aprofundado, geraria por sí só trabalho de nível superior a esse, logo não vou me aprofundar me restringindo à visão que considero mais acertada que é a defendida pela administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro.
A primeira forma de defender essa tese é atacando sua principal antítese, que é a que os contratos administrativos não seriam contratos por não haver autonomia plena das partes, pois em geral tais contratos se limitarem a “repetir preceitos de lei” (DI PIETRO, 2012, p.262) e as outras partes se limitariam à aceitação daquela regra. Ora, se essa situação por sí só fosse impeditivo ao contrato administrativo ser visto como um contrato de fato por falta de autonomia de vontade o que poderíamos dizer de um contrato de adesão? A situação é a mesma. Um contrato prévio feito unilateralmente por uma parte onde a expressão da autonomia da vontade ocorre na aceitação da condição pré-definida.
Ao contrário dos atos de império, onde ocorre o Estado impõe uma obrigação sem haver possibilidade de questionamento, e que por vezes vem acompanhado da autorização para a auto execução daquela decisão, existem as situações onde há sim uma decisão prévia de como será feito, mas não há obrigatoriedade da parte aceitar, e essa situação se dá o nome de atos negociais, e incluem, por exemplo, a aceitação das condições em um concurso público, uma autorização, permissão, enfim, é necessário que a outra parte demonstre o interesse de aceitar aquilo da forma que está apresentado.
Nos contratos administrativos ocorre o mesmo. E “(...) o fato de a Administração estabelecer unilateralmente as condições do ajuste não lhe retira a natureza contratual. Enquanto não se produz o acordo de vontades, nenhum efeito resulta do ato unilateral da Administração” (DI PIETRO, 2012, p.263).
Obviamente existem ressalvas a essa autonomia da vontade pois o princípio do interesse público gera um poder-dever do Estado de gerar alterações unilaterais em prol do legítimo interesse público, porém é obrigatório que o equilíbrio econômico deste contrato continue a existir, e, mais uma vez atraindo um princípio genérico da Administração Pública, sempre será necessário o respeito à legalidade e ao interesse público.
4.1 Características dos Contratos Administrativos
Di Pietro (2012) expõe oito características dos contratos administrativos:
- presença da Administração Pública como Poder Público;
- finalidade pública;
- obediência a forma prescrita em lei;
- procedimento legal;
- natureza de contrato de adesão;
- natureza intuitu personae;
- presença de cláusulas exorbitantes;
- mutabilidade.
Algumas delas são de extrema importância a este trabalho, outras, apesar de serem importantes ao tema dos contratos administrativos em sí, não o são para a possível aplicabilidade da Arbitragem.
4.1.1 A necessidade de forma prescrita em lei e do devido processo legal
Apesar de estarem separados na lista de características do contrato administrativo da maioria dos autores administrativistas, considero essas duas características inseparáveis, pois um é fruto do outro. Se é necessária a forma prevista em lei, e esta prevê um caminho a ser seguido (devido procedimento legal), caso o segundo não seja seguido incorrerá em desobediência ao primeiro.
A necessidade de forma prescrita em lei e do devido processo legal são frutos do princípio administrativo da legalidade. O Administrador Público nunca poderá fazer nada que não esteja devidamente previsto, e muito menos poderá fazê-lo sem que seja seguido os procedimentos formais desse processo, sob forma de uma rigidez formal ímpar, onde qualquer desvio ou atalhos.
O embasamento legal para ambos está presentes tanto em nível constitucional, em artigos como o inciso XXI do Art. 37 ou Art. 175, quanto em infindáveis normas infra constitucionais, e em especial na Lei 8.666/93, que regulamenta o inciso XXI do Art. 37 citado anteriormente, atalhos tornarão o contrato ilegal, passível de questionamentos em âmbito administrativo e judicial, e devido a isso todo o processo costuma ser escrutinizado tanto por órgãos fiscalizadores quanto pelos “perdedores” dos processos licitatórios, por exemplo.
Tais princípios geram uma situação que é muito usada pelos autores que defendem a impossibilidade da Arbitragem ser usada no âmbito da administração pública, que é a falta de uma autorização por parte da lei, com exceção de algumas regulamentações.
4.1.2 A natureza de contrato de adesão
Por necessitarem de uma forma prescrita em lei, além de respeito irrestrito por parte do administrador a todo um arcabouço legal de restrições à discricionariedade administrativa, os contratos administrativos possuem características muito semelhantes aos contratos de adesão tipicamente estudados no Direito do Consumidor.
A própria Lei 8.666 deixa esta situação bem clara ao dizer o seguinte:
“Art. 40 (...)
§2º Constituem anexo do edital, dele fazendo parte integrante: (...)
III – A minuta do contrato a ser firmado entre a Administração e o licitante vencedor;”
Como o Edital é uma exigência até quando não há concorrência aberta, e este deve conter a minuta do contrato, e há uma vinculação insolúvel da contratação ao que está previsto no Edital o contrato presente se torna um Contrato de Adesão, onde a parte deve aceitar o mesmo da forma que está.
Tal situação gera um questionamento importantíssimo para o trabalho em desenvolvimento pois a própria LA exige um tratamento especial da cláusula arbitral nos contratos de adesão no §2º do Art. 4º, que diz o seguinte:
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula. (BRASIL, 1996)
4.2 Modalidades do Contrato Administrativo
Dentre os contratos administrativos, sujeitos ao direito público, compreendem-se a concessão de serviço público, a obra pública, a de uso de bem público, a concessão patrocinada, a concessão administrativa (as últimas duas como formas de parcerias público-privadas), o contrato de prestação ou locação de serviços, o de obra pública, o de fornecimento, o de empréstimo público, o de função pública (DI PIETRO, 2012, p.295)
Não cabe a este trabalho o aprofundamento, pois existem subdivisões de correntes tão amplas neste assunto que apenas o subcapítulo do livro da autora citada acima ocupa quase a extensão desse trabalho, farei, então, um apanhado mais superficial sobre os modelos de Contratos Administrativos mais comumente usados.
A concessão de serviço público, positivada na Lei 8.987/95, é a concessão na acepção comum da palavra, é a concessão de um serviço público à uma empresa (seja ela pública ou privada), a fim de que esta preste um serviço à população e tenha como contra prestação as tarifas da própria exploração do serviço. A exploração desse serviço é feita no próprio nome da empresa concessionária e por sua conta e risco. Como todo contrato administrativo as concessões públicas regidas pela Lei 8.987/95 possuem cláusulas exorbitantes que permitem a modificação ou rescisão unilateral pelo concedente, além de prever que este fiscalize a execução e aplique penalidades, além de outras “exclusividades” dadas ao Estado nos contratos dos quais faz parte.
No caso da concessão patrocinada e da concessão administrativa é a Lei 11.079/94 que institui as mesmas sob a forma de parceria público-privada. Na primeira temos uma concessionária que prestará o serviço e será remunerado pela soma das tarifas pagas pelos usuários, além de uma contraprestação feita pelo concedente. Já na segunda a situação é diversa, pois o serviço a ser prestado é de uso da Administração Pública, seja esse uso direto ou indireto. Por consequência a remuneração da concessionária é feita exclusivamente pelo parceiro público.
A concessão de obra pública, por sua vez, pode ser regida tanto pela Lei 8.987/95 quanto pela 11.079/04, e o próprio nome já deixa claro sua função, que é uma empresa receber o direito de execução de uma obra que teoricamente deveria ser feita pelo Estado, e dependendo do regime legal do contrato a contraprestação poderá ser exclusiva do Estado ou compartilhada entre o Estado e os usuários daquela obra.
Já a concessão de uso de bem público está amparado por uma legislação esparsa, logo necessitaria de mais aprofundamento, mas basicamente é o uso do bem público por um terceiro, “para que este o explore nos prazos e condições regulamentares e contratuais” (DI PIETRO, 2012).