5 ARBITRAGEM NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
5.1 Ideias contrárias à arbitrabilidade no âmbito do poder público
Os principais argumentos usados por doutrinadores contra a arbitragem no âmbito da Administração Pública fazem correlação com princípios gerais do Direito Administrativo. Utilizando-se dos princípios da legalidade e da supremacia do interesse público, tais autores afirmam que por a Administração Pública servir ao interesse público não poderia-se levar litígios que envolvam estes entes à arbitragem. Pois estes interesses em disputa seriam sempre públicos.
O mesmo ocorre com a situação onde as cláusulas compromissórias são alegadas como inválidas por irem contra o princípio da legalidade (AMARAL, 2012).
Porém em termos gerais os argumentos contrários às causas da Administração Pública não serem dotados de arbitrabilidade são a inconstitucionalidade da situação em sí e uma referida ofensa ao interesse público. Situações estas que serão abordadas mais profundamente a seguir.
5.1.1 Inconstitucionalidade
A constitucionalidade da arbitragem em si já foi um ponto debatido pelos estudiosos do direito contrários à sua aplicação. Haviam questionamentos dessa lei ir contra vários dispositivos constitucionais, como os constantes em incisos do Art. 5º da CF/88, como, por exemplo, o XXXV, que veda a exclusão da apreciação do Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito; o XXXVII, que veda o juízo ou tribunal de exceção; e o LVI, que protege o devido processo legal, ao tornar irrecorrível a Sentença Arbitral, além de impossibilitar de o Judiciário analisar o mérito quando hajam as partes declarado a via arbitral como o caminho a ser seguido por qualquer das formas previstas.
Em 2001, porém, o STF colocou uma pedra sobre o assunto ao julgar o Agravo Regimental 5.206-7, onde declarou, por maioria dos votos, a constitucionalidade da Lei da Arbitragem, e em especial ao parágrafo único do artigo 6º e ao artigo 7ª.
“Diante disso, as opiniões divergentes restaram superadas, bem como tantas outras investiduras daqueles que, não vendo o Instituto da Arbitragem com bons olhos, insurgiram-se contra a constitucionalidade da Lei 9.307/1996” (FERREIRA NETTO, 2008, p.23).
Há ainda estudos anteriores a esse, em especial o “Caso Lage”, porém apesar de ser interessantes como leitura do Instituto da Arbitragem em sí, foge ao escopo desse trabalho por não ser uma situação que possuía a égide da lei 9.307/96.
Existe, porém, uma corrente que considera existir um óbice constitucional à arbitrabilidade de qualquer assunto onde uma das partes seja o Poder Público. Bandeira de Mello, por exemplo, considera que os contratos de concessão (comuns) e os de parcerias público-privadas somente tratam de interesses públicos indisponíveis, o que tiraria, com essa indisponibilidade, a arbitrabilidade objetiva da lide em questão (BANDEIRA DE MELLO, 2010, p. 716, 789, apud AMARAL, 2012, p.57).
Porém sigo a mesma corrente de Di Pietro, que defende a existência de contratos que possuam o caráter de disponibilidade, pois a pesar de serem questões que sejam, em boa parte das situações, imprescindíveis à sociedade, isto não impede que tenham caráter patrimonial, mensurável no ponto de vista econômico e com possibilidade de serem negociados pelo Estado.
E como já pontua Amaral: Se o direito é disponível e patrimonialmente aferível, ele estará contido na esfera contratual do Estado. Com isso, não haverá qualquer impeditivo a que a administração pactue uma convenção arbitral para dirimir um conflito acerca de interesse disponível e com conteúdo patrimonial. (AMARAL, 2012, p. 57)
O mesmo autor faz ainda um comparativo com a possibilidade, já prevista em leis que versam sobre este assunto, da possibilidade de se resolver litígios no âmbito extrajudicial, possibilidade esta que em sua visão reforçaria a “possibilidade de submissão desse mesmo litígio à via arbitral” (AMARAL, 2012).
Além dessa análise de âmbito doutrinário ainda temos situações legislativas que provam que esta visão genérica de inconstitucionalidade está mais do que vencida, como, por exemplo, a existências de Leis que versam diretamente sobre a arbitragem, prevendo-a expressamente ou de forma genérica ao apontar os Meios Alternativos de Solução de Conflitos como uma possibilidade jurídica com previsão em Lei.
Como exemplo podemos citar a Lei 11.079/2004, que trata das Parcerias Público Privadas, que em seu Art. 11 diz o seguinte:
Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3o e 4o do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever:
I – exigência de garantia de proposta do licitante, observado o limite do inciso III do art. 31 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993;
II – (VETADO)
III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato. (BRASIL, 1994)
Vemos que não há mais que se falar em inconstitucionalidade, estando essa visão fadada a ser minoritária.
5.1.2 Ofensa ao interesse público
Uma segunda corrente contrária versa sobre haver uma ofensa ao interesse público ao levar à arbitragem os litígios envolvendo a Administração Pública. Aqui mais uma vez temos uma situação que está atrelada à visão que nega a existência de contratos administrativos como uma forma de contrato, mas sim uma situação jurídica totalmente diversa.
Porém ao analisarmos a situação nos deparamos com uma visão parcial por parte desses autores.
Dizem eles que as lides envolvendo o Estado estariam sempre tratando do interesse público, e, por consequência, e em respeito ao princípio da supremacia do interesse público, não caberia utilizar-se de meios alternativos. Porém esquecem esses autores que o próprio interesses público tem duas nuances, a primeira, que Paulo Ostenack Amaral chama de interesse público primário, é aquele que o Administrador deve sempre buscar, é o interesse do coletivo. Já a segunda nuance seria o interesse público como um interesse genérico, interesse este que qualquer pessoa possui direito a assegurar, e a esses interesses o mesmo autor dá o nome de interesse “secundário”.
E aí entram alguns contratos administrativos importantes: como ficaria, na visão desses autores, de uma disposição patrimonial visando um bem maior, ou seja, a busca pelo interesse público levando a Administração Pública a vender bens imóveis? Tal visão entra em constradição, pois se houvesse apenas uma situação absoluta de interesse público a administração não poderia utilizar do seu poder discricionário para vender bens para buscar o bem maior que é o interesse do povo.
A própria Lei prevê essa repartição do interesse público, ao permitir expressamente a aplicação do poder discricionário de escolher a melhor forma de solução de conflitos, inclusive possibilitando, em certos casos, a lide ser resolvida extrajudicialmente.
5.2 Ideias favoráveis à arbitrabilidade no âmbito do poder público
Da mesma forma que a doutrina possui os que vão totalmente contra a arbitrabilidade dos litígios envolvendo o Estado, defendendo, principalmente, a indisponibilidade dos direitos tutelados pelo Estado, existem também os que vão em sentido totalmente opostos, como Carlos Alberto de Salles, que defende que a própria Lei de Arbitragem é a Lei Autorizativa genérica à aplicação da Arbitragem (SALLES, 2011).
Segundo ele, “embora não se possa extrair da Lei 9.307/96 um permissivo de arbitragem dirigido ao Poder Público, sua aplicação em matéria de contratos administrativos é plenamente viável” (SALLES, 2011, p. 239).
Da mesma forma “Caio Tácito reputa cabível a arbitragem envolvendo o Poder Público quando a controvérsia gire em torno de ‘obrigação de conteúdo mercantil’ – que deveria ser cumprida espontaneamente pelo ente da Administração – o que comprova que ela poderia também ser resolvida amigavelmente (AMARAL, 2012).
E ainda temos Selma Maria Ferreira Lemes, que entende ser possível “a utilização da via arbitral para solucionar litígios que digam respeito às repercussões patrimoniais de contratos administrativos” (AMARAL, 2012, p. 65), concluindo a autora que com fins de obter-se economia do custo de transação e diminuição do custo do contrato administrativo deve-se considerar a eleição da arbitragem nos contratos administrativos, além de efetivamente regular este instituto.
Sobre o argumento da indisponibilidade total do interesse público nos contratos administrativos, temos duas leis como contra ponto, a primeira é a Lei 8.987/95, que versa sobre os contratos de concessão, e outra é a Lei 11.079/04, que fala sobre as parcerias público-privadas. Em ambas há dispositivos que autorizam expressamente o uso da arbitragem, sendo que na primeira tal dispositivo foi adicionado pela Lei 11.196/2005, ou seja, posteriores à Lei da Arbitragem e à declaração de Constitucionalidade pelo STF em 2001.
Gustavo Henrique Justino de Oliveira, citado por Amaral, coloca que em sua visão existem três pré-requisitos para que a Lei de Arbitragem se adeque aos contratos envolvendo a Administração Pública. O primeiro é a previsão explícita da arbitragem no edital de licitação, a segunda e a terceira serão estudadas mais adiantes e são a impossibilidade do uso critério da equidade e a publicidade da arbitragem (AMARAL, 2012)
5.3 A admissibilidade contida
Uma corrente que tem se mostrado muito forte atualmente é a de haver sim a possibilidade, porém sempre com previsão legal expressa.
Aos olhos dos defensores dessa corrente, como, por exemplo Luiz Roberto Barroso, não seria apenas a Lei da Arbitragem que garantiria a legalidade necessárias à escolha da Arbitragem como meio de solução de litígios, mas também previsões expressas como a feita na Lei das Parcerias Público-Privadas, ou ainda normas gerais como a Lei nº 19.447/2011 do Estado de Minas Gerais.
Apesar de inicialmente ser adepto da corrente de que não haveria necessidade de Lei autorizativa, ao aprofundar o estudo do tema percebi que o Administrador realmente teria dificuldades de aplicar a arbitragem sem incorrer em ilegalidade na ausência de Lei Autorizativa.
A Lei Estadual citada anteriormente é um exemplo de como o balizamento torna mais fácil e seguro a aplicação da Arbitragem pelo Administrador Público, e não só para ele, como também para quem está contratando, já que apesar da Lei da Arbitragem defender uma proteção quase incondicional à autonomia da vontade, uma previsão legal prévia já demonstrar os limites a que o Administrador Público estará vinculado, havendo assim a limitação do poder discricionário de escolha desse Administrador.
5.3.1 Visão do TCU
O Tribunal de Contas da União, apesar de não ser parte do Poder Judiciário, possui uma importância ímpar na análise da arbitrabilidade das lides que envolvam a Administração Pública. Pois “suas decisões, como as judiciais, são relativas a casos ou situações concretas, muito embora, em algumas situações, (...) possa decidir em bases mais genéricas” (SALLES, 2011, p. 222).
No passado a Corte de Contas teve uma visão totalmente contrária à aplicação da Arbitragem, porém este trabalho visa a análise da arbitrabilidade das lides envolvendo a Administração Pública à luz da atual Lei da Arbitragem, e em especial após a declaração de constitucionalidade feita pelo Supremo Tribunal Federal em 2001.
Utilizando esse limite temporal a posição deste Tribunal não sofreu muitas variações, saindo de uma impossibilidade plena e estacionando na situação de admissibilidade contida estuda acima.
Culminando com o Acórdão nº 1.271/2005, que possuía como relator o auditor Marcos Bemquerer e decidido pelo pleno deste Tribunal de Contas, a visão evoluiu para haver sim uma admissibilidade, porém contida, limitada àquelas situações onde há expressa previsão de poder haver a solução dos conflitos por via arbitral, como, por exemplo, nas parcerias público privadas, ou em contratos de concessão de energia elétrica por fornecedores independentes.
Tal situação pode ser demonstrada pela edição da Instrução Normativa nº 52 do TCU, que em seu Art. 10º, inciso III, onde o TCU reforça a previsão constante na Lei das Parcerias Público-Privadas sobre a necessidade de manter arquivado as situações de previsão do “emprego de mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, nos termos da Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato” (TCU, 2007).
Fica claro que a visão deste Tribunal, apesar de não ser clara se analisarmos as decisões antigas, fica evidente ao utilizarmos apenas os julgados sob a égide da atual Lei de Arbitragem, onde há aceitação da arbitragem se e somente se houver prévia autorização expressa pela Lei.
Interessante pontuar aqui que a Lei 19.447/2011 de Minas Geais resolveu, em âmbito estadual, esse problema, expondo não só as regras da arbitrabilidade ou não dos litígios envolvendo o Estado mas também balizando a operacionalização dessa aplicação, com limites claros à disposição do Administrador Público e dos que contratam com os entes estatais mineiros.
5.4 Formação da convenção arbitral na Administração Pública
Superado o questionamento da arbitrabilidade das lides envolvendo a Administração Pública chega-se a mais uma fase que ainda sucinta dúvidas quanto à aplicação prática deste instituto. É o “como” fazer.
A Arbitragem, como já estudado, é o reinado da consensualidade, é a situação onde mais se fortalece e mais se necessita de que as partes concordem que sim, possuem uma lide a ser resolvida. Porém concordam que a melhor forma de solução é entregar a questão a alguém que ambos confiem, seja isento e capaz de resolve-la.
Quando falamos em pessoas físicas ou jurídicas de direito privado a situação é simples: se concordamos, ok, regula-se a arbitragem por meio da convenção de arbitragem, se discordamos de como instituir a arbitragem, mas temos uma cláusula arbitral vazia no contrato a solução cabe ao judiciário, que, não custa lembrar, nunca poderá entrar no mérito da questão.
Porém ao inserirmos o Estado a situação complica um pouco. Como será a operacionalização da autonomia da vontade por parte do Estado. Será reflexo da autonomia do Administrador (discricionariedade plena)? E o equilíbrio? Será imposto a vontade do Estado, como em alguns tipos de contratos? Ou será o contrário, com o Estado aceitando aquilo que é escolhido pelo particular? A resposta não é fácil, e passa por nuances complexas, agravadas pela falta de uma regulamentação federal sobre o assunto.
Minas Gerais inovou, ao criar uma Lei Estadual (nº 19.477) sobre a arbitragem, criando regras claras sobre a operacionalização desse instituto, definindo desde a forma da arbitragem (institucional e de direito), até certos limitadores à escolha da instituição, passando pela fonte de recursos para o pagamento de honorários, regras para escolha de árbitro, e sua suspeição, previsão para arbitragem internacional, entre outras. Lei esta que possibilita ao Administrador ter uma certa liberdade discricionária de escolha, porém sem ferir princípios constitucionais como o da legalidade.
Em âmbito federal isso ainda não ocorreu. Mesmo Leis que preveem explicitamente a arbitragem como forma de solução de conflitos, como a Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei 11.079/2004) não deixaram clara a forma de sua operacionalização, situação essa que criou discussões doutrinárias sem fim e, como consequência, levaram a um afastamento do Administrador Público desse instituto.
5.4.1 A instituição da arbitragem
A formação da convenção arbitral passa por algumas fases. A primeira é a escolha do(s) árbitro(s), a segunda a forma como se dará a arbitragem, seja institucional, seja ad hoc, caso seja ad hoc temos ainda escolhas suplementares como de direito ou de equidade, local, que lei seguir caso seja de direito, limites, enfim, praticamente tudo, como já foi dito nos capítulos introdutórios.
Quando uma das partes é o Estado a situação é um pouco diferente. Existem limites advindos do direito administrativo que cercearão parte dessa autonomia. A doutrina é pacífica que havendo a arbitragem ela deverá ser pública, de direito, utilizando a legislação pátria, e em português.
Aqui mais uma vez o vazio da lei dificulta a aplicação prática da Arbitragem com o Estado como uma das partes. Ao contrário da Lei Estadual Mineira, que impõe que a arbitragem seja instituída “exclusivamente por meio de órgão arbitral institucional” (MINAS GERAIS, 2011), não há impedimento na Lei Federal da Arbitragem à arbitragem ad hoc, logo apresenta-se essa escolha como uma escolha discricionária do administrador público. Porém isso gera mais problemas que soluções. A discricionariedade na escolha sem um embasamento legal balizando tais escolhas geram um risco tão grande de o Administrador ser responsabilizado que pouco se vê esse instituto sendo aplicado.
Há, ainda, que se analisar a inexigibilidade de licitação para a contratação do árbitro ou da câmara arbitral. A escolha do árbitro se dá claramente com objetivo de se contratar pessoas com notória especialização no assunto, aptas a conceder a sua decisão de forma isenta, e em análise ao artigo 25, inciso II da Lei 8.666/93 podemos observar que esta situação caiu como uma luva no texto legal. Sobra apenas a definição de “notória especialização”, que no âmbito privado se dá facilmente, porém se torna bem mais complexa quando estamos tratando de direito administrativo.
5.4.2 A escolha do(s) árbitro(s)
Existem dois problemas que se apresentam logo ao iniciar o processo de escolha dos árbitros. O primeiro é como não deixar que seja deturpada a expressão da vontade do Estado ao ser feita por um agente público. O segundo é quanto ao pagamento das despesas e honorários arbitrais (SALLES, 2011)
Sendo silente a Lei da Arbitragem, a escolha dos árbitros ou da câmara arbitral se insere no rol da discricionariedade do Administrador. “Traduz hipótese em que a Administração, valendo-se de sua autonomia contratual, ponderará concretamente acerca de qual opção será mais adequada para a satisfação dos interesses envolvidos no caso concreto” (AMARAL, 2012, p.75). Somando essa discricionariedade à inexigibilidade de licitação, temos que realmente cabe ao Administrador expressar a vontade do Estado.
A Lei Mineira da Arbitragem mais uma vez ajudou muito na solução desse problema, estabelecendo em seu Art. 10 regras para a escolha da câmara arbitral, quais sejam o tempo mínimo de existência de três anos, o regular funcionamento como instituição arbitral, vínculo com instituição fundadora, associada ou mantenedora de interesse coletivo, reconhecida idoneidade, competência e experiência em procedimentos arbitrais. Porém o claro legal de âmbito federal, somado ao princípio da legalidade, não torna essa escolha fácil, com um eterno receio dos administradores em romper com o princípio da legalidade.
O árbitro deve ser neutro, mantendo uma equidistância em relação às duas partes de forma a manter sua imparcialidade e independência, logo, em regra, não podemos imaginar o Administrador indicando como árbitro um funcionário público ou empregado público, seja dos quadros do órgão que está instituindo a arbitragem, seja de outros órgãos, pois a relação hierárquica destes com a Administração em si poderia retirar a neutralidade e independência de que necessitam os árbitros no curso do procedimento arbitral. Porém, como expressão da autonomia da vontade, se tal indicação ocorrer e a outra parte não impor objeção, aceitando a indicação por parte do Administrador Público de um árbitro ou junta de árbitros com ligações com algum órgão Estatal, este estará expressamente demonstrando confiança na isenção e imparcialidade daquele julgador, e a solução estará claramente dada, não havendo mais que se falar em impedimento ou suspeição (AMARAL, 2012).
Porém caso a parte contrária aceite aquela indicação mas o próprio árbitro perceber situações que denotem dúvida justificada quanto a sua independência e imparcialidade, características essas necessárias ao correto arbitramento da causa em questão, ele é obrigado a informar estes fatos antes da aceitação, nos termos do §1º do Art. 13 da Lei da Arbitragem.
É interessante também que a arbitragem no âmbito da administração pública se volte a uma pluralidade de árbitros, “não apenas para facilitar o consenso, como, também, para proporcionar uma adequada participação do particular contratado nessa escolha” (SALLES, 2011). A definição de parâmetros para a escolha, como a feita pela Lei Mineira da Arbitragem, minimiza ainda mais situações indesejadas, sejam elas do campo criminal, com opções regidas pela má fé do administrador, sejam por simples problemas na exteriorização dessa escolha, já que o Administrador não estará escolhendo para si, mas sim sendo apenas o meio pelo qual o Estado expressa sua vontade.
Tal situação é o exemplo mais prático do real motivo de uma regulamentação bem definida para a Arbitragem envolvendo o Estado. Pois se não é essa regulamentação obrigatória, no termo da lei, nem na interpretação de uma parcela da doutrina, geraria a mesma uma segurança jurídica muito maior, seja para a parte oposta da lide que está se levando à arbitragem, seja para o próprio administrador.
5.4.3 Contratação e honorários do(s) árbitro(s) e outras despesas arbitrais
Como dito anteriormente, a contratação de árbitros ou árbitro ou instituição arbitral não depende de prévia licitação, por se enquadrar no rol de inexigibilidade, dada a completa inviabilidade prática dessa modalidade de contratação, e a existência da necessidade de existir uma notória especialização por parte do árbitro, árbitros ou câmara arbitral, situação que cai como uma luva no texto do inciso II do Art. 25 da Lei 8.666/93 concomitante com o §1º do mesmo artigo.
A fixação dos valores, como bem dito por Carlos Alberto de Salles, também não possui dificuldades, visto que “a remuneração dos árbitros, em geral, está sujeita aos parâmetros fixados pelas instituições arbitrais indicadas pelas partes para realização da arbitragem” (SALLES, 2011), não se tratando, assim, de valores estipulados unilateralmente pelo profissional.
Mesmo no caso de arbitragem ad hoc, a existência de tabelas por entidades especializadas permite que se faça a adequação dos valores a serem pagos aos árbitros, seja de maneira direta ou indireta, às tabelas dessas entidades, não sendo dificultoso à Administração verificar os valores praticados no mercado de forma que não haja desperdício do dinheiro público, desvios, e, no oposto, que o valor seja baixo o suficiente para ocasionar que a nomeação não seja aceita pelo árbitro (SALLES, 2011).
Por ser o árbitro uma pessoa de direito privado, além do próprio mecanismo da arbitragem, não podemos esperar que haja uma isenção de despesas assim como há nos processos judiciais. “Assim, quando for o caso, o Estado, em igualdade de condições com o particular, deverá antecipar ou pagar as despesas relativas à arbitragem (SALLES, 2011, 280).
O último ponto a ser analisado é a efetivação desses pagamentos. Há a necessidade de dotação orçamentária previa, mesmo que de forma genérica, e tal dotação pode ser feita dentro do próprio contrato, ou ainda dentro da previsão de dotação orçamentária da própria entidade pública que fará uso da arbitragem, pois, assim como feito nas perícias, onde há necessidade do depósito prévio dos honorários periciais (Súmula 232 do STJ), poderá haver dotação orçamentária prévia para os honorários arbitrais.
5.4.4 A impossibilidade do uso de certas ferramentas arbitrais
Algumas ferramentas da arbitragem que são citadas como os motivos de ser desse instituto não poderão ser usadas quando a arbitragem envolva entes Estatais.
Um desses chamarizes é a possibilidade de a arbitragem correr em sigilo, situação que possui muitas vantagens para algumas pessoas, em especial empresas que poderiam ter segredos industriais revelados em um processo correndo no Poder Judiciário, onde o sigilo é a exceção.
Quando falamos do mesmo instituto, porém envolvendo a administração pública, a situação muda um pouco. Por princípios constitucionais, em especial a publicidade, não poderá essa arbitragem correr em sigilo. A publicidade, como diria Carlos Alberto de Salles, é “um dos princípios centrais da atividade administrativa contemporânea. Ela é a propulsora da transparência dos atos da administração e fator indispensável para se garantir a responsividade dos agentes públicos” (SALLES, 2011, p.284).
“Não há dúvida, no entanto, em relação à inaplicabilidade do preceito constitucional da publicidade aos casos que envolvam contratos sigilosos, cuja divulgação do conteúdo das informações poderia acarretar risco à segurança da sociedade e do Estado (Lei nº8.159/91 e Decreto nº4.553/02)” (AMARAL, 2012, p.83). No entanto essa possibilidade exposta de uso de arbitragem sigilosa estará sempre ligada ao grau de liberdade constitucional, ou seja, seria necessário que essa situação se encaixasse em algum dos casos em que a própria Constituição Federal permite o sigilo, ou seja, somente nos casos em que o “sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (BRASIL, 1988).
Outra limitação à arbitrabilidade das lides envolvendo o Estado é a forma de julgamento. Mais uma vez sob a égide de princípios constitucionais, será impossível utilizar-se a Administração Pública da Arbitragem por Equidade. Deverá sempre ser seguido o princípio da legalidade, que, no caso em análise, será a utilização da arbitragem legal.
Essa exclusão diz respeito ao princípio da legalidade. Se o Administrador Público pode fazer apenas aquilo que está previsto na Lei, gerando até certa argumentação sobre a aplicabilidade da Arbitragem em si, impossível admitir que ao se balizar um compromisso arbitral o Administrador possa escolher a arbitragem por equidade. Tal situação fugiria totalmente dos poderes discricionários dele, pois aí sim, ocorreria a disponibilidade de algo indisponível, que é a Lei.
É possível apenas vislumbrar uma exceção a essa regra em arbitragens internacionais, mas mesmo assim o que se espera é que haja respeito às normas e tratados internacionais que tenham eficácia no ordenamento jurídico nacional.
5.5 A Lei 19.447/11 de Minas Gerais (Lei Mineira da Arbitragem)
Como já dito anteriormente, a carência de regulamentação da aplicação da Arbitragem no âmbito da Administração Pública é a lacuna legislativa que vem gerando muitas discussões doutrinárias que muito enfraquecem a aplicação desse importante instituto nos contratos administrativos.
Com vias de solucionar isso, ao menos em âmbito estadual, a Assembleia Legislativa aprovou e o atual governador Antônio Anastasia promulgou a Lei Estadual 19.477, de 12 de janeiro de 2011. Assim como a própria Lei de Arbitragem, a Lei de Arbitragem Mineira é enxuta, e se restringiu a regulamentar a aplicação da arbitragem na administração pública estadual, sanando várias lacunas legais que ainda hoje são objetos de questionamento nessa modalidade de arbitragem em âmbito federal, ou mesmo de outros Estados da Federação.
O primeiro ponto que a lei tocou foi a restrição da arbitragem à arbitragem institucional, e esta situação foi ainda mais restrita com exigências acerca dos árbitros em si, além da própria instituição.
O árbitro, por exemplo, além de pré-requisitos já presentes expressamente ou implicitamente na Lei 9.307/96, como ser maior, capaz, e deter conhecimento técnico compatível com a natureza do contrato, foi restrito aos brasileiros, nem relações com as partes ou litígio dentro das regras de suspeição de Juízes do Código Civil. Além dessas restrições pessoais, ainda há a restrição do mesmo ser membro de uma câmara arbitral inscrita no Cadastro Geral de Fornecedores de Serviços do Estado.
Já a câmara arbitral, além de observar essa restrição de estar inscrita no Cadastro Geral de Fornecedores, deve estar em regular funcionamento como instituição arbitral, ser idônea, competente e experiente em procedimentos arbitrais, além de possuir como fundadora, associada ou mantenedora entidade que exerça atividade de interesse público.
Há ainda, na Lei Mineira de Arbitragem a previsão expressa de somente ser possível a arbitragem de direito, que apesar de ser uma aplicação lógica do princípio da legalidade, ajuda impossibilitar qualquer questionamento acerca da possibilidade de se instituir arbitragens por equidade, vetando essa modalidade de maneira inequívoca.
Para completar há a previsão orçamentária, prevendo a previsão no edital de licitação de obra e no contrato público “a previsão das despesas com arbitragem, taxa de administração da instituição arbitral, honorários de árbitros e peritos e outros custos administrativos” (MINAS GERAIS, 2011). Complementando o assunto prevê essa lei que essas despesas serão adiantadas pelo contratado no momento da instauração do procedimento arbitral.
Como visto, a Lei Mineira de Arbitragem nada mais fez do que regulamentar esse instituto no âmbito da Administração Pública, e fez isso de maneira eficiente, assim como fez a Lei de Arbitragem ao recriar esse instituto no Brasil.