Policial militar faz desafio a Fátima Bernardes em caso de estupro

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Policial militar desafia a apresentadora Fátima Bernardes quando ela fosse estuprada. O artigo desenvolve o conceito de criminoso nato e suas consequências prejudiciais

Um vídeo feito por um policial militar está causando furor nas redes sociais.

“Agora a gente queria fazer uma enquete. Perguntar para a Fátima que, se ela fosse vítima de estupro, que a gente não quer que aconteça, mas pode acontecer; chegando ao local, uma ambulância só poderia socorrer uma pessoa, tendo em vista que ela estava com uma faca e acabou atingindo o seu estuprador, o deixando gravemente feriado. E aí, Fátima, quem a ambulância teria que socorrer primeiro? Estamos aguardando a sua resposta”.

Já tinha me posicionado no artigo Quem você salvaria primeiro: policial ou traficante. A enquete de Fátima Bernardes.

Pois bem, mais um desafio para os direitos humanos. Se nós, enquanto civilizados, quisermos admitir tão somente o presente e seus fatos, os criminosos natos devem pagar pelos seus crimes. Contudo, ao admitir o fluxo histórico brasileiro, minha pergunta:

— Quantos criminosos natos existiam de 1500 até 2006 no Brasil?

Por séculos vigorou no ordenamento pátrio a presunção de legalidade ao marido de forçar sua mulher ter relação sexual, mesmo que ela não quisesse. Era a "obrigação matrimonial", já que pelo utilitarismo "costela de Adão" o homem era o senhor [criador] da mulher, o que lhe concedia plenos poderes — até estuprar.

“Exercício regular de direito. Marido que fere levemente a esposa, ao constrangê-la à prática de conjunção sexual normal. Recusa injusta da mesma, alegando cansaço. Absolvição mantida. (...)” (RT 461/44 apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Código penal interpretado. São Paulo: Atlas, 1999. P. 1246).

Logo, não existia tipificação penal quanto ao ato forçoso do marido em constranger sua esposa ao ato carnal. Ou seja — desculpem-me pelo linguajar —, o marido poderia dizer "Abra suas pernas, senão levará porrada". Pronto, tapinhas não doem. E a sociedade — machista — aplaudia de pé. Quantos estupros, legalizados, foram cometidos de 1500 até 1988? Pois com a promulgação da Carta Política de 1988 as mulheres tinham seus direitos humanos [art. 5º, I, da CF]. Porém, mesmo com a promulgação da Carta, o Código Civil de 1916 imperava e mantinha o utilitarismo "costela de Adão". Note que o atual CC é de 2002 e a Lei Maria da Penha de 2006, o que não se refuta o utilitarismo "costela de Adão.

Substancial avanço no ordenamento jurídico pátrio foi na nova redação do Código Penal (diga-se, arcaico em certas normas):

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 2º Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Essa mudança enterrou de vez o direito de estuprar em caso de negativa da mulher ao ato lascivo do homem.. A objetividade jurídica é a proteção a liberdade sexual da mulher, e do homem também, em fazer quando quiser, e não quem exige.

Imagino a situação:

— Minha filha, liga para a polícia para dizer que você foi estuprada pelo seu marido.

— Mãe, não tenho coragem. E não dará em nada. Além disso, ficarei maculada como péssima esposa.

A mãe não se conforma:

— Alô! Polícia, por favor, minha filha fora estuprada pelo marido.

Algum tempo depois.

— Senhora, como foi o caso — pergunta o policial.

Após algumas palavras, o policial leva o marido numa delegacia.

— Doutor — justifica o marido — eu estava exercendo meu direito" sagrado "de ter conjugação carnal.

— Entendo! Pode ir para sua residência, pois não houve crime — assevera a autoridade.

O marido (conduta social moral) ainda escuta do policial:

— Sabia que não daria em nada!

Se usarmos" Bandido bom é bandido morto ", quanto brasileiros, contando desde 1500, seriam executados?

A polícia quando age em consonância com o Estado Democrático de Direito presta sumário serviço, do contrário é um desserviço. Quem estupra deve ser condenado pelo ato. Qualquer bandido deve ser condenado, porém, o que não pode acontecer são os utilitarismos extremistas. A enquete de Fátima não protegeu qualquer ato ilícito, não perdoo nenhum crime, muito menos denegriu os policiais. A situação era baseada nos primeiros socorros, e o bandido estava em condições mais graves do que o policial.

Segundo, estamos admitindo que todos os policiais são imaculados. Assunto esse que não vem corroborando com os abusos de poder cometidos por alguns, repito, alguns policiais. Nos relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), geralmente há abuso de poder por parte dos policiais — repito, alguns. Se lançarmos olhar diante dos princípios jurídicos administrativos, os atos dos policiais atendem ao interesse público, possuem presunção de legitimidade e veracidade. Além disso, possui legalidade e impessoalidade (moralidade). 

No primeiro olhar, numa ação policial, por exemplo, o assaltante, mesmo com antecedentes criminais, é considerado "criminoso nato", enquanto o policial, que é representante do Estado, e age pelo interesse público, é sempre imaculado. Não podemos esquecer das estatíscas (labelling approach) criminais, ou seja, Cifra Negra e a Cifra Dourada da Criminalidade. Após a promulgação da CF/88, crimes cometidos, principalmente pelo uso de celulares com câmera, por policiais não ficaram mais sem o conhecimento do judiciário e dos próprios administrados. Graças aos celulares, de cidadãos corajosos, e ao Ministério Público, o péssimos policiais que cometem abuso de poder não ficam mais impunes.

Não podemos esquecer  da morte da juíza Patrícia Lourival Acioli, morta em agosto de 2011. Nove policiais foram expulsos pelo comando da Polícia Militar, pois "assumiram condutas opostas as defendidas pela corporação e feriram os ensinamentos ministrados pela Polícia Militar". E três policiais foram considerados culpados em julgamento realizado na 3ª Câmara Criminal de Niterói. Destarte, temos que parar com a boa imagem da farda, mas se comprometer com o bom ato dos policiais. Isso não quer dizer que os cidadãos devam desconfiar de qualquer policial. Nada disso, senão criará uma insegurança na Segurança Pública, que já não é segura.

Encerro dizendo que o problema no Brasil está na criminalidade que existe desde o descobrimento do Brasil. Qualquer estudante de Direito sabe que o Estado sempre foi formado por cleptocratas. A segurança pública  servia aos intentos desses cleptocratas, as polícias serviam para os interesses das oligarquias e aristocracias. Se pensarmos em samba e capoeira, no passado eram considerados crimes; e os policiais agiam no interesse público. Nas manifestações de 2013, confrontos entre policiais e manifestantes foram vexatórios. Antes dos black blocs, professores eram tratados como anarquistas. É necessário distinguir pelas ações quem age conforme o contrato social insculpido no Estado Democrático de Direito.

Infelzimente, pelas ações nefastas de agentes políticos (prefeitos, governadores, vereadores, deputados) os policiais — cidadãos como eu — servem de escudos humanos para as patifarias daqueles (improbidades administrativas). Quando há manifestações sociais, como as ocorridas no RJ, em frente a Alerj, por grupos de servidores, policiais foram convocados pelo Estado para evitar anarquistas. Dois policiais desistiram de confrontar os manifestante. Por quê? Porque perceberam que não é mais possível lutas entre os próprios cidadãos por motivos da cleptocracia nas instituições democráticas. Se há caos atual se deve pelos séculos de conluios políticos e construções ideológicas utilitaristas discriminatórios. Movimentos sociais — cito, por exemplo, Revolução Pernambucana de 1817, Revolta da Chibata,  Guerra dos Marimbondos — sempre foram combatidos por elites no poder. 

"Bandido morto é bandido bom" é um construção para justificar enormes desigualdades sociais e cleptocracias. Pior, crimes de colarinho branco. Não quero dizer com isso que não pessoas, mesmo diante de uma equidade, como há nos países Escandinavos — qualidade de vida invejada por muitos países — que queiram violar o contrato social. No caos brasileiro, as estruturas da máquina estatal servem aos interesses de poucos, enquanto milhões de brasileiros vivem na miséria; porque o Brasil é riquíssimo, mas muito mal administrado e administrado por bandidos de colarinho branco.

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Enquanto nos países Ecandinavos a criminalidade é baixíssima, no Brasil e nos EUA a criminalidade aumenta. Existem vários tipos de criminosos: os que agem para ter algum alimento; os que querem lograr êxito sem esforço próprio; os que agem pelo simples motivo de vingança contra as estruturas hipócritas sociais. Nos dois últimos casos, os oportunistas e os "justiceiros". Os oportunistas (Teoria do Vidro Quebrado) agem quando o Estado não é presente. Os "justiceiros" são pessoas as quais atuam como "vingadoras" e "equilibradoras" das injustiças: se há quem faz (corrupção), e vive muito bem (frutos da corrupção), por que não farei? E por que viverei nas dificuldades impostas pelo sistema cleptocrático? Existem também os indivíduos que, mesmo diante de equidades sociais, ainda sentem prazer em lesar. Não se enquadram como oportunistas ou "justiceiros", mas no puro sadismo de lesar, ver o sofrimento alheio: os sociopatas. E são mais de 3%, pelas últimas estatísticas, da povo brasileiro. O caos gerado pela cleptocracia distorce o conceito de civilidade. Não à toa, os países Escandinavos, e ainda cito Japão, investem em educação humanitária, ou seja, de que cada qual deve agir pelo bem comum e que incivilidades causam destruturações sociais e econômicas. O contrário se faz no Brasil: Lei de Gerson, a educação.

Quantas cifras negras (crimes que não chegam ao Judiciário), e até douradas (crime de colarinho branco), imperam no Brasil desde 1500? Pela presunção de legitimidade e veracidade todo ato policial, o ato é legal, impessoal e moral. Quantos policiais, os quais cometeram abuso de autoridade, não foram condenados (1500 até 2016)?

Assalto. Bandido tem refém em suas mãos. Policial durge. Na troca de tiros entre policial e bandido, este morre. O policial agiu pelo interesse público. O povo aplaude. "Bandido bom é bandido morto". Num vislumbre, o policial é ilibado,enquanto o bandido é maculado por seu crime. Estamos falando de acontecimento imediato. Graças aos celulares, a sociedade viu que a farda não é sinônimo de interesse público. O que dizer da juíza Patrícia Lourival Acioli morta por policiais. O filme, que não considero ficção científica, Tropa de Elite 2 denunciou dois tipos de policiais: o bandido fardado e o honrado fardado. Como disse alhures: Num vislumbre, o policial é sempre ilibado,enquanto o bandido é sempre maculado por seu crime. 

Nos EUA ou no Brasil, os cidadãos estão admitindo que farda e "carteirada" não são sinônimos de interesse público. Com certeza, policial deve ser respeitado, não pela sua farda, mas por ser ser humano, totado de dignidade e com família. Repito, a enquente de Fátima não denegriu qualquer policial, mas tratou da dignidade humana, dos primeiros socorros. Qualquer condutor de automotor aprendeu que no atendimento pré-hospitalar, quem está gravemente ferido é o primeiro a ser atendido, indiferentemente de ser bandido ou não. Se não for assim, não há o porquê de atuar  em obediência ao Estado Democrático de Direito. Enfim, cada qual criará o seu próprio contrato social. Imagine o inferno?

Fico imaginando os acidentes de trânsito. Quantos morrem, e quantos bandidos ficam soltos, ou, então, tiveram suas sentenças prescritas? Vivemos numa sociedade hipócrita a qual justifica a máquina antropofágica.

Referências:

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Minicódigo penal anotado. 5ª ed. Rev e atual. De acordo com as Leis n 12.650, 12.653 e 12.654/2012 — São Paulo: Saraiva, 2012.

PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia / Nestor Sampaio Penteado Filho. – 2ª. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.

PEREIRA, Sérgio Henrique da Silva. Asilo político para advogada Eloísa Samy. O Brasil vive uma ditadura? — Publicado em: 25 de julho de 2014 - ano XIX - edição 4041. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30433

WILKINSON, Richard; PICKETT, Kate. O Espírito da Igualdade – Por que razão sociedades mais igualitárias funcionam quase sempre melhor. Coleção: Sociedade Global. Nº na Coleção: 40. Data 1ª Edição: 20/04/2010. Nº de Edição: 1ª. Editora Presença.

YouTube. Policial desafia Fátima Bernardes. Disponível em: http://www.youtube.com/embed/u1bgpgHZ4Hk

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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